Capítulo 49 - Confronto decisivo em Rila
SERJ BOGDANOV COMANDAVA as buscas pela suposta metade da Chave do Infinito em Salisbury quando o grupo de vampiros que o acompanhava se surpreendeu com a minha presença ao lado de Mason, Bethany e Gretta nos campos verdejantes em torno do Stonehenge.
Desde que a nossa guerra havia começado, a minha cabeça era disputada como a um troféu pelos comparsas de Thænael, o que fazia com que eles lutassem entre si pelo prazer de me degolar com as próprias mãos. O strigoi branquelo de orelhas pontudas chegou a salivar quando me surpreendeu no local da escavação e correu ele mesmo em minha direção, dando ordens expressas para que seus comandados cuidassem dos lobisomens.
— Ela é minha! Eu terei o prazer de matar a căţea! [1]
Além da afilhada e da esposa, Mason liderava um contingente de aproximadamente vinte lobisomens naquela missão. Os vampiros eram quase o dobro disso. A guerra entre eles começou antes mesmo que Bogdanov desferisse o primeiro golpe contra mim e chegasse à triste conclusão de que eu não estava presente fisicamente ali. Vi o ódio fervilhar nos olhos vazios da criatura semimorta quando ele me encarou.
— Você e seus amigos caíram em uma cilada, feioso. Não há meio de sair dela, a não ser com a sua morte.
O gigante musculoso emitiu um berro selvagem no momento em que se viu cercado por Mason, Gretta e Bethany. Os três já haviam assumido a sua forma híbrida de lobo e planejavam atacar o mais forte de seus rivais em conjunto.
— Acabou, Bogdanov. A sua rendição não é uma opção.
Tão logo eu disse aquilo, os lobisomens investiram contra ele, coordenando socos, chutes e mordidas. Mantendo a criatura ocupada e minando completamente o seu poder de reação. Naquele mesmo instante, a área verde em torno do monumento Stonehenge se tornava um grandioso campo de batalha, com lobisomens e vampiros se digladiando pelo destino da humanidade.
Enquanto isso, a mais de sete mil quilômetros de distância dali, em Socotra, outra batalha já havia começado entre o grupo liderado por Wolf Grealish e Breckin Ardelean. E mais uma vez eu estava agindo como intermediária entre os meus aliados e as demais equipes espalhadas pelo mundo.
Ao lado de Wolf, Anton Archambault estava usando todas as suas habilidades vampíricas aliadas aos seus conhecimentos em savate, o que lhe dava ampla vantagem de combate sobre os destreinados soldados do clã Ardelean. O francês era como um borrão entre os inimigos. Ia de um lado para o outro os esbofeteando, quebrando membros, ossos e cartilagens. Parecia incansável e, ao mesmo tempo, invencível.
Munido com a sua adaga de prata, o arrogantezinho se livrou sozinho de bem mais do que dez soldados de Breckin, e só não o encarou ele mesmo, porque Wolf tomou a frente para medir forças com o filho de Crisan Ardelean e Gianina Hudgens primeiro, usando a sua forma lupina total para superá-lo.
Os sons da batalha ecoavam pelas árvores dragoeiras e a paisagem estranha da ilha africana do Iêmen. Enquanto eu controlava a minha forma etérea sem interferir no resultado da contenda, eu conseguia sentir a presença de meus mentores espirituais à minha volta, me deixando canalizar a sua energia para que eu realizasse tal feito. O mais ousado que uma feiticeira já havia realizado desde que Alanna Dubhghaill decidiu singrar sozinha as profundezas do Inferno.
"Nós estamos com você, cariño. Sea fuerte", dizia Raul Calderón, quase como uma voz dentro da minha mente.
Estou tentando... mas a pressão é... muito grande!
Eu não queria admitir, mas manter quatro formas astrais onipresentes e interagir individualmente com os ambientes ao redor delas estava sendo um desafio grande demais para que o meu corpo e, principalmente, a minha mente suportassem. Naquele momento, eu estava em agonia.
"Não desista, criança. O destino da humanidade está nas suas e nas mãos dessas pessoas com quem você está contando", foi o conselho sábio de Thomas Blackwood em seu sotaque britânico.
"Canalize a nossa força, Grigorescu. Absorva a nossa energia e a deixe fluir. Deixe fluir!"
Tão logo a mensagem de Eleonor Bridge me alcançou, eu expandi o fluxo energético que me cercava e viajei até Rila, onde Reece Grealish me desafiava. O grandalhão loiro possuía o maior contingente de vampiros a seu dispor, e atrás dele havia uma verdadeira multidão de Ardeleans, Lorenz, Bassans, Cretus, O'Tooles e os Hudgens, todos ávidos para me agarrarem e me destruírem com as suas próprias mãos.
Às minhas costas, havia uma tropa de menos do que vinte e cinco lobisomens da família Glastonbury, uma das principais situadas no antigo Condado Grealish, na Inglaterra. Os lobos estavam sendo liderados em campo por seu patriarca, Roman, e o lobo de pelos cinzentos só esperava um comando de voz para que ele e seus familiares atacassem.
— Eu conheci Reece Grealish antes de ele ser arrancado de sua família e transformado em um reles hospedeiro de nefilim — a minha voz soava límpida enquanto os dois bandos se encaravam, a uma distância de quase dez metros, na imensidão desértica de Rila. Ali, o santuário usado pelas civilizações búlgaras antigas para ritos místicos, era o único a testemunhar o que estava prestes a acontecer. — Eu sei que o garoto corajoso que eu conheci há muito tempo não pode mais me ouvir nas profundezas da sua mente, Jæziel, mas eu quero que fique bem claro que você vai pagar bem caro por tê-lo matado.
O rosto do rapaz atlético à minha frente se contraiu em um sorriso cínico. O tapa-olho usado por Reece após Lucien Archambault tê-lo cegado ainda cobria a vista esquerda. Os vampiros atrás dele se agitaram na esperança de que começassem logo a brigar.
— Eu ainda posso ouvir o nobre Reece a tentar frear as minhas ações de vez em quando, Grigorescu. As suas tentativas inúteis de voltar a controlar o seu corpo me divertem. Se quiser dar um "olá" ele ainda pode te ouvir.
Eu foquei a minha telepatia na mente do ser infernal e tudo que consegui captar foi a sua imensa ira. Reece estava além do meu alcance.
Se o que ele diz é verdade, seria eu capaz de ouvir Costel dentro da mente de Thænael?
Aquele pensamento me tirou levemente do prumo.
— A sua presença, a de Sephiræd e a de Thænael no nosso mundo se encerra hoje, Jæziel. Depois desse dia, nós estaremos livres da sua companhia infecta para sempre.
Bastou um gesto meu para que Roman e seu bando atacassem. O choque dos lobisomens contra os seus grandes inimigos de décadas estrondou a quilômetros de distância, e teria sido ouvido se Rila não fosse um enorme deserto até onde a vista alcançava.
Evocando os poderes de fogo de Raul Calderón e com o seu auxílio, eu consegui atingir Jæziel com uma esfera concentrada de energia mística no momento em que ele saltou sobre mim em sua forma licantropa. Embora eu fosse um fantasma inatingível, com a ajuda de meus guardiões, eu podia atacar os meus inimigos fisicamente, o que eu fiz sem culpa.
"Rápido, cariño. Ele já se recuperou do ataque. Emane uma parede de fogo entre você e ele. Mantenha-o ocupado até a chegada da cavalaria".
Eu sentia a presença astral de Calderón atrás de mim, e com ele por perto, era incrivelmente fácil executar os feitiços que me permitiam controlar os elementos. Sozinha, eu jamais havia conseguido acender nem mesmo uma vela de aniversário com a minha mente.
O cheiro de pelo queimado me atingiu o olfato mesmo daquela distância quando a barreira incandescente de quase três metros de altura jorrou do chão, bloqueando a passagem de Reece. Incapaz de acompanhar a contenda entre lobos e sanguessugas à nossa volta, eu tentava me concentrar em manter a farsa de que eu estava presente fisicamente na Bulgária, o que funcionou muito bem até que um facho de luz cegante cruzou o céu e se manifestou à minha frente, bem em cima da parede de fogo.
— Samyaza!
A mulher-anjo albina ergueu-se majestosamente em meio às chamas. Os seus cabelos platinados e a sua capa alva esvoaçavam atrás de si. A espada comprida e brilhante retinia ameaçadoramente. Os seus olhos de um azul bem claro se voltaram para a criatura lupina do outro lado e havia desprezo expresso neles.
Um gesto bastou para que as labaredas que eu havia feito nascer morressem imediatamente. Samyaza parecia ignorar completamente a minha presença ali, mas disse, enquanto erguia a lâmina em sua mão direita e se preparava para enfrentar o seu filho, Jæziel.
— Peça para que os lobisomens se afastem, Grigorescu. Eles não são mais úteis aqui.
Longe de querer contrariar o ser mais poderoso com quem eu já havia topado na vida até então, eu dei o comando, foi quando Roman Glastonbury e seus aliados se afastaram, assumindo formação defensiva atrás de mim outra vez. Do outro lado, os vampiros pareciam aturdidos diante da figura imperiosa da albina e se retesaram como que esperando o que podia acontecer se ela brandisse aquela espada novamente. Todavia, a mulher parecia subestimar totalmente o grupo.
— Achei que tivesse aprendido a lição da última vez em que te escorracei desse mundo, Sin — disse ela, em direção ao lobo do outro lado. — Você e seus dois amigos não serão bem-vindos aqui enquanto esse lugar estiver sob a proteção dos Santos Vigias.
Em sua forma lupina, Jæziel não podia verbalizar o que sentia, mas os seus pensamentos soaram altos também para a minha telepatia, enquanto ele respondia ao pai:
"Se escolheu essa forma feminina para me causar algum tipo de empatia, saiba que de nada adiantará quando eu a tiver dilacerado com as minhas garras, Samyaza".
Um rugido antecedeu um ataque rápido e furioso que botou a albina na defensiva por um segundo. A Flagelo-Flamejante foi arrancada das mãos de Samyaza no momento em que Jæziel aplicou uma mordida em seu pulso, fazendo as suas poderosas presas atravessarem o metal da sua armadura. Um soco foi desferido contra a cabeça do lobo e aquilo foi o bastante para que o anjo escapasse de uma amputação de membro.
"Não podemos ficar à margem do conflito, Alina", disse Roman em pensamento, sabendo que eu o podia ouvir. "O lobisomem é forte demais para o anjo!"
Do outro lado, os vampiros também ameaçavam entrar na briga pressentindo a fraqueza momentânea de Samyaza. Dois deles correram em direção à espada caída sabendo que podiam ganhar vantagens em posse de um artefato divino, mas foram repelidos quando um pulso telecinético os arremessou para trás, controlado pela mão esquerda da albina.
— Não ousem impregnar a Flagelo-Flamejante com o toque das suas mãos imundas, vermes sanguessugas!
A frase pomposa quase foi interrompida quando Jæziel saltou às costas da mulher para lhe morder o pescoço, num ataque típico dos lobisomens. Como havia acontecido com Uriael em seu combate contra Sephiræd, a essência graciosa do ser celeste começou a escorrer de dentro da sua casca humanóide, o que atiçou ainda mais o desejo dos vampiros por um massacre.
Um grupo ainda maior se precipitou sobre Samyaza, começando a golpeá-la de todos os lados. Uma faca de prata se despedaçou contra a armadura dourada no momento em que um dos vampiros tentou apunhalá-la, foi quando eu decidi agir.
— Agora chega!
Thomas Blackwood e Eleonor Bridge me imbuíram de sua energia mágica para que eu incitasse uma torrente poderosa de água e ar contra os vampiros que foram projetados para trás, confusos. Nenhum deles sabia explicar como uma quantidade tão grande de água havia surgido simplesmente do nada diante deles, e não havia tempo para explicar que os lençóis freáticos abundavam sob nós e que um feiticeiro treinado era capaz de captá-los.
"Ótima execução, criança", disse Blackwood, quando eu controlei a ventania que ajudou a empurrar a tromba d'água contra os vampiros.
Naquele momento, Roman e seus aliados já estavam prontos para avançar quando um grito ressonante quase ensurdeceu a todos.
— NÃO INTERFIRAM!
Samyaza estava sendo duramente castigada pelos punhos de Jæziel quando decidiu que não queria a ajuda dos lobisomens ou a minha. O lobisomem dourado movia-se com uma velocidade impressionante diante dela. A golpeava com toda a fúria usando garras e presas, e já a havia ferido o suficiente para que a sua graça começasse a vazar de dentro do seu corpo.
Ele vai matar Samyaza!
O som do punho de Jæziel se chocando contra o rosto ferido da mulher-anjo nos botou em alerta. Samyaza estava caída a mais de cinco metros de sua espada e parecia totalmente à mercê de seu filho.
"Esse é o corpo mais poderoso que a minha alma já habitou, meu pai. Nem mesmo você pode deter a ira que eu sou capaz de liberar agora!"
Os pensamentos do nefilim-demônio eram transparentes como água. Ante o nosso olhar atônito, ele caminhou até a espada celeste e a empunhou, pronto a dar o golpe final em seu pai.
Eu preciso intervir, Samyaza. Ele vai te matar!
Eu tentei um contato psíquico desesperado com ela, ao que a resposta foi direta.
— Se interferir, eu mesma irei matá-la pela empáfia, Grigorescu!
Com um rugido ainda mais assustador, o lobisomem de pelos loiros investiu contra o pai na expectativa de apunhalá-lo no chão, encerrando assim, com o combate mortal que travavam há vários minutos. Os vampiros agiam como a uma torcida de futebol ensandecida, e vibravam a cada golpe que o seu aliado desferia na criatura angelical em sua armadura.
A ponta da Flagelo-Flamejante resvalou no peito da proteção metálica causando um zunido agonizante de arranhão. Nas mãos do nefilim, a lâmina sempre brilhante havia se tornado opaca por não reconhecer o toque de sua dona. Samyaza impediu que o gume lhe cortasse o pescoço rebatendo o golpe com o pulso ferido e tentou se botar novamente em pé na sequência.
"Quero que implore por sua vida, Samyaza. Implore enquanto eu arranco os seus pedaços um a um".
Parecia mesmo o fim para o anjo. Roman e eu já estávamos nos preparando para encarar a fúria de Jæziel tão logo a cabeça de Samyaza rolasse pelo chão, foi quando o inesperado aconteceu.
— O sempre arrogante Sin. Você realmente não aprendeu nada em sua última estadia no Sheol.
Usando uma agilidade que até então lhe parecia faltar durante o embate, a mulher albina ergueu-se como num flash de máquina fotográfica. Logo em seguida, segurou o pulso direito do filho e o quebrou como a um graveto, o fazendo produzir um ganido agudo dotado da mais intensa dor. A espada que ele segurava nem chegou a cair no chão. Foi detida pela velocidade do anjo que a empunhou com uma mão e empurrou o corpo maciço do inimigo com a outra.
— Impossível!
— O anjo estava acabado... como se recuperou?
Os vampiros estavam incrédulos e começavam a se afastar à medida que o brilho cegante da Flagelo-Flamejante voltava a ofuscá-los. Uma ventania descontrolada soprava contra eles, empurrando-os ainda mais para trás.
— Vocês são apenas vermes. Mal valem o meu esforço.
Dois dedos percorreram a chapa metálica da arma com rapidez e aquilo foi o suficiente para que uma onda de choque vibrasse do metal em direção ao grupo de vampiros, os destruindo em milhares de pedaços.
Cacete! interjeitei, enquanto via o emaranhado de ossos, sangue e vísceras explodindo a uma distância de onze metros de onde eu estava.
Ali perto, Jæziel segurava o pulso quebrado ainda a ganir. O poder de cicatrização de um lobisomem era ainda mais rápido do que o dos vampiros, mas ele precisaria de mais tempo para recuperar aquele tipo de lesão até que estivesse pronto para voltar a lutar. Um tempo que ele não tinha.
— Você lutou bravamente, Sin. Mas agora é hora do castigo final. A Flagelo-Flamejante será brandida uma última vez contra você. Depois disso, a sua alma pútrida será destruída para o todo sempre.
Não havia para onde fugir. Jæziel tentava recuar ante o avanço lento de seu pai naquela forma feminina, mas Rila havia se tornado o seu sepulcro. Quando ele percebeu que a sua única chance era voltar a enfrentar Samyaza, ele tentou parecer forte:
"Se acha que vou me curvar diante de você mais uma vez, Samyaza, está enganado. Eu sou Jæziel e Jæziel nunca se curva perante ninguém!"
Um vento ainda mais intenso soprou e de onde estávamos, apenas o som de um corte seco e preciso pode ser ouvido. A capa de Samyaza esvoaçava suja de sangue. A sua armadura ainda apresentava as marcas de agressão que sofrera, mas os seus ferimentos já haviam cicatrizado.
— Está feito.
As palavras da albina foram sopradas em minha direção e, quando ela ousou se movimentar mais uma vez, o corpo de Reece Grealish já começava a perder as suas características lupinas, voltando a assumir a sua forma humana. A sua cabeça jazia cortada a quase nove metros dali, e um rastro de sangue escuro e espesso seguia do seu cadáver até lá.
Aquele era o fim de Jæziel.
[1] Căţea = cadela, em romeno.
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