Capítulo 35 - Coalizão fragmentada

AS MEMÓRIAS DE COSTEL

"A árvore genealógica dos Ardelean era extensa e tinha começado a ser desenhada em 1858 com o casamento de Dumitri e Magda. Nascida vampira como o esposo, a romena de cabeça raspada era uma das muitas herdeiras de Claudius, um governante vampiro que, junto a seu povo, se mantinha incólume do regime fascista do Concílio de Sangue em túneis subterrâneos da Romênia.

Com o casamento dele com Magda, Dumitri havia conseguido um de seus principais objetivos de vida que era procriar uma raça de vampiros legítimos, nascidos e criados sanguessugas, ou os assim denominados morois. Já nos primeiros anos de sua união com a mulher, ele ajudou a conceber Filimon, o seu primogênito e, logo depois, os seus demais herdeiros, Emil e Crisan.

Nas inúmeras batalhas travadas com Lucien Archambault através das décadas, Dumitri perdeu a esposa e o filho do meio, Emil, tornando-se, a partir de então, um viúvo convicto, embora tivesse opções na própria tribo onde vivia de voltar a se casar com uma moroi.

Em seus diários, o romeno repetia inúmeras vezes o seu desprezo pelas raças mestiças de vampiros, criadas a partir da transferência da maldição de um indivíduo para outro por mordida. Para ele, os morois — aqueles nascidos por meios naturais, através de relações sexuais — eram os únicos seres absorvedores de sangue que mereciam reinar no mundo dos monstros. Daí o seu desejo inequívoco de destruir o Concílio de Sangue e iniciar o seu próprio reinado.

Além do pai, Claudius, os demais irmãos de Magda também pereceram em meio às batalhas sangrentas travadas com os exércitos de Archambault e nenhum outro parente da família original de morois subterrâneos restou. Apesar disso, outras linhagens que acompanhavam o líder Claudius desde os primórdios de sua luta rebelde contra a tirania do Concílio de Sangue sobreviveram e permitiram que os filhos de Dumitri perpetuassem a própria espécie pura.

Emil morreu sem deixar herdeiros, porém, seus dois irmãos se casaram e ajudaram a povoar o cada vez mais crescente clã Ardelean que, em determinado momento da história, chegou a reunir mais de quinhentos membros. Entre eles, os herdeiros das famílias Lorenz, Bassan, Cretus, O'Toole e os Hudgens.

Filimon se casou com Lidia Lorenz, a filha mais velha de um dos principais aliados de Claudius desde o início da formação da comunidade subterrânea. Com ela, o primogênito de Dumitri teve cinco filhos morois, entre eles, os rapazes Darius — o único da família a liderar a sua própria facção guerreira dentro do clã —, Adelin e Virgil, e as garotas Alba e Georgeta.

Crisan uniu-se a uma das filhas de Cyril Hudgens, o principal farejador da tribo de Claudius. Com a moça Gianina, o caçula de Dumitri teve seis filhos, entre os rapazes Breckin — o terceiro da linhagem — e Basil, e as garotas Ariana — a mais velha de todos —, Morfydd, Evelina e Liliana, a caçula.

De todos os seis, Ariana e Morfydd eram as mais engajadas nas causas rebeldes do seu clã, e as mais interessadas em destruir o Concílio de Sangue. Ambas sabiam o quanto a sua família já havia sido prejudicada pelos vampiros mestiços do Triunvirato Archambault, D'Aramitz e Quinn, por essa razão, lutavam com todas as forças para derrubar o império. Não medindo as consequências para isso.

Quando Thænael chegou em seu portão da mansão em Băneasa com um plano praticamente infalível de esfacelar a organização rival que há décadas os tentava destruir, as irmãs divergiram em se unir ao estranho. Ariana era a favor por considerar aquela a principal chance em muito tempo de vencer Archambault, já Morfydd era contra, por acreditar que, no final das contas, o seu clã estaria se unindo aos vampiros que sempre os desprezaram e que, mais cedo ou mais tarde, os trairia.

A história acabou provando que Morfydd estava certa. Pouco tempo depois do massacre em Montbéliard, o Concílio de Sangue e o clã Ardelean se tornaram uma coisa só, foi quando a segunda filha de Crisan começou a tentar se afastar da família, sem muito sucesso. A grande maioria de seus parentes de sangue agora servia a um homem misterioso que lhes prometia um futuro da qual ela não queria fazer parte e a moça buscava alternativas de sobrevivência longe daquilo tudo, até o momento em que foi morta por Bethany Green.

Apesar de grande parte dos Ardelean servir a Thænael, vários deles se mantiveram distantes da guerra entre o nefilim e seus inimigos. Os netos de Dumitri também já haviam providenciado herdeiros, o que aumentava ainda mais as conexões genealógicas iniciadas um século antes com a família de Magda. Agora, além dos túneis subterrâneos romenos, os morois se espalhavam por outras cidades europeias como Gênova e Madri, estabelecendo conexões locais e aumentando o seu já poderoso clã.

Os Ardelean eram tantos, que era quase impossível contabilizá-los, bem como identificá-los.

A morte de Morfydd no pub irlandês ocasionou uma revolta entre os irmãos e primos da moça que passaram a ansiar por vingança contra os lobisomens do antigo Condado Grealish inglês. Uma reunião foi exigida entre os herdeiros de Filimon e Crisan com a intenção de pressionar Thænael a iniciar um contra-ataque. A portas fechadas com o nefilim, os irmãos da moça, Ariana, Breckin e Basil, se juntaram aos primos Darius e Virgil, que subiram o tom ao se dirigirem ao homem por trás da cadeira principal da mesa.

'Eles assassinaram Morfydd', disse Breckin, em nome de todos. 'Nós exigimos que algo seja feito no intuito de saciar a nossa sede de justiça. Nós queremos destruir os malditos lobisomens!'

A confusão no pub irlandês havia começado por conta de um capricho de Morfydd que se via independente das ordens diretas de Thænael. Na noite em questão, ela estava agindo por conta própria, logo, desobedecendo as regras impostas de que nenhuma luta deveria ser travada com os nossos adversários sem que houvesse o apoio necessário de seus pares. Quando o homem por trás da cadeira de liderança expôs essa informação, todos se calaram, menos Breckin, que acompanhava a irmã durante a briga com os licantropos.

'Estávamos além dos limites cobertos pelo Concílio de Sangue, é verdade, mas só por isso devemos ignorar o fato de que a minha irmã foi morta de maneira covarde por uma maldita cadela peluda?'

Thænael observava o garoto loiro de olhos claros com atenção. Sua expressão não esboçava nada além de desprezo por ele.

'Pelo que me relataram, Bethany Green e seus comparsas venceram vocês de maneira limpa, num enfrentamento mano a mano. Não houve nada de covarde no ataque da garota-loba. A sua irmã foi fraca e isso decretou a sua morte'.

Breckin estapeou a mesa de maneira impulsiva antes de esbravejar:

'Minha irmã era uma guerreira! É um insulto à minha família deixar que a sua morte permaneça impune!'

Vampiros podiam se mover com extrema rapidez quando lhes era exigido, mas até para os padrões normais, foi como se Thænael deslizasse até Breckin em um piscar de olhos. O agarrou pelo pescoço, o jogou sobre a mesa e lhe aplicou meia dúzia de golpes no rosto. Fortes o suficiente para que ele sangrasse. Todos olharam espantados para o nefilim, cuja expressão exalava fúria.

'Eu não tomarei nenhuma medida quanto ao que houve na Irlanda. A missão naquele pub não foi autorizada por mim, portanto, é de inteira responsabilidade de seus participantes o que houve lá dentro'.

Breckin foi arremessado com furor mesa afora. Caiu sobre a irmã Ariana, que o segurou assustada e calou-se ante a demonstração de poder de seu chefe. O rosto do garoto estava agora inchado por conta das pancadas. Tudo que lhe restou após a surra humilhante que levou, foi engolir o seu orgulho e retornar para o seu assento junto à mesa.

'Mais alguém tem alguma questão a ser levantada sobre Belfast?'

Ninguém ousou dizer mais nada.

Na saída da sala de reuniões, após estabelecidas as novas missões que deviam ser seguidas para o subsequente cerco ao Santuário de Belintash e a captura dos braceletes de Caihong Chen e André Nascimento, os primos Ardelean cruzaram no corredor com o agora apático Filimon e voltaram a sentir a sua completa indiferença, como vinha acontecendo nas últimas semanas. O homem conhecido como Marcus Gareth o seguia feito a uma sombra, porém, mal os herdeiros de Dumitri sabiam que quem realmente puxava as cordas da sua marionete zumbi era o próprio bruxo.

O sorriso diabólico do homem corpulento de passagem por ela causou um estranhamento em Ariana, que se viu, subitamente, antipática ao sujeito. Apenas alguns minutos após a saída dos jovens Ardelean da sala, Thænael exigiu do inglês novidades a respeito do recrutamento dos seus antigos companheiros da Ordem Negra. As notícias eram animadoras.

'Gallagher e eu conseguimos encontrar dezoito de nossos antigos colegas bruxos no Reino Unido. Todos se mostraram animados em apoiar a sua causa, mestre. Muitos deles tentaram prosseguir em sua missão de contatar o Sheol em troca de poder nos últimos anos, porém, sem sucesso. Agora, querem ajudá-lo a abrir o portal que trará para a Terra os seres que irão lhes dar a um poder inimaginável'.

'Ótimo', disse em resposta Thænael. Ele estava sentado em sua posição de destaque junto à cabeceira da mesa e observava atento a figura sem vida de Filimon, à nossa direita. 'E quanto a Filimon? Algum avanço na melhoria de sua personalidade?'

O inglês pareceu desconcertado antes de responder:

'Temo que a antiga chama que ardia no senhor Ardelean não vá queimar nunca mais, meu senhor'.

Algumas semanas depois, Thænael se reuniu com os dezoito membros da antiga Ordem Negra para lhes atualizar a respeito da construção do portal de energia que estava a cargo da empresa alemã Die Maschine, na cidade de Colônia e, quando deu a reunião por encerrada, tendo recebido de seus novos associados uma resposta positiva quanto à sua lealdade para com a missão, a esposa de Filimon, Lidia, o abordou no corredor com feição aflita no rosto.

'Eu quero saber o que foi feito de meu marido, senhor Grigorescu. Há semanas que ele vem agindo de maneira estranha. Mal conversa comigo quando está em nossos aposentos dentro do castelo. Não reage a nada que eu digo. Não tem iniciativa para qualquer outra coisa que não seja as missões que recebe do Concílio de Sangue... o que aconteceu a Filimon? Por que está tão letárgico?'

Thænael sabia que em muito pouco tempo os seus planos de conquista estariam finalizados e que ele não precisaria mais dar satisfações sobre qualquer uma de suas ações a seus subordinados. Todavia, até que aquele dia chegasse, era necessário manter as suas alianças intactas. Entre elas, a que ele havia estabelecido com os Ardelean.

'Filimon tem estado sob muita pressão desde a morte de Crisan, Lidia. Ele me tem sido um aliado muito leal em minha jornada contra os anjos e tem se dedicado muito à causa. Assim que tudo estiver encaminhado, tenho certeza de que ele voltará a ser o marido carinhoso e amoroso que sempre o foi'.

Eu chegava a sentir ânsia de vômito com tamanha falsidade. Thænael era agora um demônio em sua totalidade, tal era a sua perfídia.

'Quando a batalha contra os anjos estiver concluída, você permitirá que os Ardelean sigam o seu próprio caminho?'

Havia um brilho de esperança nos olhos castanhos da mulher pequena diante de nós. Lidia era esguia, porém possuía um quadril sinuoso que combinava com as pernas grossas que se alongavam além dele. Era a mais bonita das herdeiras do velho Lorenz e, certamente, também a mais atraente entre todas as mulheres Ardelean.

'E por que haveria de não permitir, querida?'

Thænael tocou de leve o ombro da mulher e, tão logo ela se virou para seguir o seu caminho até o andar de baixo do castelo, após um aceno, ele iniciou um diálogo comigo.

'Uma beleza a pequena esposa de Filimon, não acha, Costel? Não é voluptuosa como as meretrizes com que você se arranjava nos tempos de Oradea, mas é bastante jeitosa!'

Ignorei o seu comentário, embora concordasse com ele.

Falou sério em deixar os Ardelean seguirem o seu rumo após a batalha contra os anjos, Thæny?

'Não seja ingênuo, Grigorescu', respondeu-me ele de imediato. 'Assim que os portões do Sheol estiverem abertos, vou precisar de cada homem, mulher e criança disponível para servir de invólucro para meus irmãos prisioneiros. Os Ardelean são morois como você. Eles serão cascas perfeitas para armazenar as almas dos condenados que pretendo libertar'.

Para isso, você precisa encontrar as demais pulseiras da Chave do Infinito. E, pelo que me consta, os seus associados estão longe de encontrá-las.

'Isso é o que você pensa, pequeno Costel. Isso é o que você pensa!'"

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