Capítulo 34 - Guerra no Vilarejo de Belintash

A SALIVA DA VIRCOLAC encharcou o meu rosto no momento em que o seu corpo maciço saltou sobre mim e as suas garras se cravaram em minha clavícula. Usei toda a força que ainda me restava para afastá-la de mim. Logo em seguida, caí no chão desequilibrada e ensanguentada.

"Alex, eu sou a sua mãe. Me ouve. Por favor! Me ouve!"

Eu estava fraca demais para tentar o meu grito psíquico. Em vez disso, tentei acessar o nosso antigo elo mental, aquele que eu havia estabelecido com a minha filha para momentos de urgência.

Aquele era um momento de muita urgência.

O bando de Ariana Ardelean tinha se afastado uns dez metros de nós com o intuito de dar muito espaço para que a vircolac destrinchasse a mim e a Olympia. Eu me esquivei o quanto consegui das investidas furiosas do demônio branco que tentava me cravar as suas garras, mas não tinha mais fôlego para fazer aquilo a noite toda.

"Alex... por favor..."

Eu fui jogada para trás no momento em que a filha de Mason Grealish saltou em cima de Alex procurando detê-la. Mesmo ferida, a valente garota havia se metamorfoseado novamente em loba e mordia ferozmente o pescoço da minha filha, tentando feri-la ao mesmo tempo em que procurava deter o seu avanço.

As duas peludas rolavam no chão em uma luta ferrenha que envolvia mordidas e unhadas ininterruptas. Ganidos e grunhidos ecoavam pelo vale conforme a noite encobria o céu do Entremundos e eu tentava me levantar, dolorida.

O bruxo que trouxera Alex presa a uma corrente se mantinha distante a assistir a luta feito a um apostador de rinha de galo. Assim como a minha filha, ele também possuía uma coleira em torno do pescoço e parecia tão escravizado quanto ela.

— Ei, você, narigudo!

Eu não conhecia Kelvin Gallagher ou o poder que ele manipulava, mas tinha total certeza de que era ele quem estava controlando a mente de minha filha, tornando-a feroz e irracional. Por mais que eu a tentasse sondar, não havia nenhum resquício de humanidade dentro da mente da vircolac. Aquilo me deixou desesperada.

Eu corri em direção a Gallagher no intuito de forçá-lo a libertar Alex. Cheguei o mais perto que consegui, mas fui repelida por uma esfera de fogo arroxeada que me atingiu o ombro e que quase me arrancou um pedaço do osso.

Flammae Orci! Urere infideles!

Aquele era o mesmo feitiço que Thomas Blackwood havia usado para afastar Thænael, momentos antes do crápula me dividir em duas com as próprias mãos, em Montbéliard. O fogo místico ardeu em contato com a minha pele e quase inutilizou o meu braço.

Enquanto eu rolava no chão agonizando de dor, um ganido assustador foi emitido da luta entre Alex e Olympia. A minha visão estava turva por efeito do fogo lançado por Gallagher, mas quando ousei olhar em direção à contenda de lobas, enxerguei Alex com os dentes cravados no bíceps da garota britânica, forçando para arrancar o seu membro fora.

— NÃO, ALEX!

O som de músculos e tecido se partindo foi aterrador. O ganido da menina-loba foi ainda mais aterrorizante. Eu estava mortificada.

— Não faça isso, Alex! Pare!

Era tarde demais. A vircolac já havia decepado o braço esquerdo de Olympia que gania em desespero. Sangrando em profusão, a inglesa tentou se proteger da criatura monstruosa que continuava avançando sobre ela, mas não tinha para onde fugir.

Eu já tinha me levantado, mas o meu corpo ainda estava trêmulo por efeito dos inúmeros ferimentos que ele sofrera nas últimas horas. Forcei a minha mente ao máximo na intenção de emitir um golpe psíquico contra a minha filha, mas tudo que consegui foi ficar ainda mais extenuada. O meu nariz sangrou e eu senti uma enxaqueca muito forte me tontear.

Foi quando surgiu a cavalaria.

Eu nunca os tinha visto em ação antes, mas quando Meliodas e Aran surgiram comandando uma tropa de ursos pardos, o jogo finalmente virou para o nosso lado. Assim como Aodh, o grandalhão pooka era capaz de se metamorfosear em mais de um animal selvagem, porém, a sua forma preferida de ataque era um urso pardo de seiscentos quilos e quase dois metros de altura.

Naquele momento, Aran ordenou que seus mais de vinte companheiros, todos ursos, iniciassem um ataque avassalador aos vampiros comandados por Ariana Ardelean. Surpresos por ver os animais truculentos partindo para cima deles com violência, os sanguessugas se viram paralisados, instante em que os pookas aproveitaram para eliminá-los.

— Façam um círculo em torno deles, mantenham-nos encurralados!

Os ursos gigantes começaram a estapear os vampiros com suas garras, jogando-os de um lado para outro feito brinquedos. Alguns deles, usavam de sua massa para esmagar os adversários, quebrando-lhes ossos e cartilagem.

Aran era o mais ágil deles. Banqueteou-se com cinco inimigos usando a sua mandíbula poderosa, depois, os desossou como a frangos num galinheiro.

— Não os deixem fugir!

Era incrivelmente bizarro ver aquelas criaturas meio-homens e meio-ursos falando em sua forma híbrida, mas eu estava machucada demais para me espantar com qualquer coisa. Eu queria correr em direção a Kelvin Gallagher para botar as minhas mãos no canalha, mas mal conseguia me manter em pé.

Ali perto, foi Meliodas em sua incrível forma de urso quem começou a rivalizar com Alex e, por um momento, eu realmente achei que o grandalhão conseguiria superá-la em combate.

Não a machuque, por favor... não machuque a minha filha.

Enquanto eu mentalizava para que o pooka não ferisse Alex, foi em busca de Olympia que eu saí. Me rastejei por vários metros a fim de alcançá-la e a encontrei em estado de choque, revertida para a sua forma humana a segurar o que restava de seu braço esquerdo.

— Aguente firme, Olympia. Eu estou aqui. Não vou deixá-la morrer.

A valente garota tremia dos pés à cabeça. Estava inteira suja de sangue e a coitada se encolheu quando a deitei em meu colo.

— Fo-Forte demais... não posso enfrentá-la...

Eu mordi o meu pulso na intenção de fazer com que ele sangrasse. Mandei que a garota aproximasse a sua boca do ferimento e, então, se alimentasse de meu sangue.

— Beba, Olympia. O meu sangue vai mantê-la estável até que Aodh chegue.

A briga entre ursos e vampiros tinha se encerrado e nenhum sanguessuga havia restado. Eu não podia ver o corpo da distância em que estava, mas era quase certo que Ariana Ardelean tinha seguido o mesmo caminho do pai e do avô no fogo do Inferno.

Com um estrondo causado pelo esfacelamento de uma rocha que se interpunha entre os dois titãs a se digladiar, eu protegi o meu e o corpo de Olympia dos fragmentos que explodiram em nossa direção. Naquele instante, Alex havia atingido Meliodas com a força suficiente para destroçar uma placa de granito e o urso jazia desnorteado no chão, procurando se levantar.

— Ela vai matá-lo!

Olympia agarrou o meu colarinho com a única mão que lhe sobrara. Ela lacrimejava em meio ao sangue esguichado em seu belo rosto e a menina parecia desesperada.

— Meliodas é um pooka. Ele tem experiência em batalhas... ele não vai...

Antes que eu terminasse a minha frase, Alex tornou o seu corpo evanescente e partiu feito um facho de luz para cima de Meliodas. Um grito agonizante ecoou na planície verdejante do Vilarejo de Belintash e, quando tornei a olhar, o urso gigante estava estirado no chão com o peito atravessado pelo punho da vircolac.

— MELIODAS!

O grito de Aran antecipou um levante ensandecido de ursos em direção a Alex que se viu, de repente, atingida de todos os lados. Golpes de garras, presas, socos e chutes começaram a ser desferidos contra a fera de pelos claros e era nítido que os pookas da casta dos ursos haviam se deixado levar pelo sentimento de vingança.

— Alex... eles vão matá-la...

Eu estava prestes a me levantar, quando Olympia tornou a me agarrar pela blusa.

— Aquela não é mais a sua filha, Alina. Ela é um monstro sem alma. Ela precisa ser destruída.

Alex gania enquanto era espancada pelos pookas. Ela tentava se defender, mas os adversários eram muitos. Aran gritava em meio aos colegas incentivando o ato de violência e o amigo de Aodh e de Genevra tinha revertido totalmente ao seu lado animal.

— Destruam a vircolac! DESTRUAM!

O ataque massivo foi interrompido por novas esferas de fogo que começaram a partir do lado leste, para onde Kelvin Gallagher havia fugido. Ele vinha agora acompanhado de cinco bruxos da Ordem Negra, e a exemplo deles, o britânico disparava esferas incandescentes das próprias mãos, queimando os pookas.

O ataque místico permitiu que Alex recuperasse o fôlego em meio aos ursos, lhe dando a chance de revidar. Em sua forma etérea, a vircolac evanescente se livrou dos inimigos e, tão logo o fez, contra-atacou com fúria descomedida.

— Alex, não!

Um vircolac era uma espécie de vampiro que se energizava com sangue, porém, diferente dos morois ou dos strigois, ele não absorvia simplesmente o plasma através de uma mordida. A criatura romena gostava de se banhar no sangue de suas vítimas.

Quanto maior era a carnificina, mais poder o vircolac absorvia.

Em poucos segundos, Alex destrinchou mais de cinco ursos pookas. Os atingiu com as suas garras durante a transição entre ser etéreo e físico, depois, os golpeou no chão mais vezes, para ter a certeza de que eles estavam mortos.

Aran foi arremessado para trás com um golpe que lhe virou o maxilar. Caiu no chão totalmente aturdido e viu seus amigos serem massacrados pela licantropa loira.

Enquanto isso, Gallagher e a Ordem Negra continuavam avançando. As suas mãos emanavam as chamas púrpuras que eles incitavam contra os pookas e ameaçavam queimar os seus adversários tão logo eles apresentassem maior resistência. Era o fim e eu sabia disso.

Assim que eles matarem todos os pookas, vai ser a minha vez e a de Olympia.

— PAREM!

O grito soou da direção oeste, do caminho que conduzia até a Montanha Esmeralda. Filimon Ardelean vinha caminhando em nossa direção, confiante, e atrás dele estava um homem alto e gordo usando uma toga da Ordem Negra. O reconheci no mesmo instante como o sujeito à espreita no alto da colina do Vilarejo de Ballygally e me perguntei qual era o seu papel na organização de Thænael.

— Rendam-se agora ou a chinesa vai ser feita em pedaços.

Do outro lado, a figura imensa de Serj Bogdanov vinha carregando alguém pelos cabelos. As sombras da noite não nos permitiam ver com exatidão, mas quando senti o seu chi, eu sabia que eles a haviam capturado.

— Oh, Caihong...

Eu me levantei por saber que era uma das únicas remanescentes em meio aquele massacre. Os poucos pookas sobreviventes já estavam revertidos para suas formas humanas e Aran jazia inconsciente no chão, a uns vinte metros de mim.

— Nós capturamos essa mulher enquanto ela tentava fugir com os braceletes. Tentamos arrancá-los de seu pulso, mas os artefatos foram trancados com magia. Nós não podemos removê-lo... a menos que a desmembremos.

Me senti aflita. Caihong parecia grogue sob o domínio de Bogdanov e eu não a conseguia alcançar mentalmente.

"Caihong, acorde. Preciso de você agora. Acorde, porra!"

— Não a machuquem, por favor. Já houve mortes demais.

O Vilarejo de Belintash tinha se tornado um matadouro. O cheiro de sangue recendia de todos os lados. Eu estava cercada de inimigos. Aran e Olympia não podiam ajudar. Alex ainda estava à espreita com a sua fome avassaladora e bastava uma bola de fogo disparada por um dos amigos de Gallagher para que eu terminasse os meus dias queimada feito churrasco. A rendição era a única alternativa.

— Mande a bruxa interromper o feitiço que prende os braceletes a seu braço e nós vamos embora sem mais mortes.

Havia algo de errado com Filimon. O sujeito tão emotivo e raivoso que eu conhecera em Visoko agora parecia apático e controlado em demasia. Até a sua fala soava robótica, além de que o seu aspecto não me soava natural.

Ignorei aquela observação e pedi permissão para me aproximar de Chen.

— Eu não vou resistir. Ela está apagada. Preciso acordá-la antes de lhes entregar os braceletes.

— Alina, não!

A voz de Aran irrompeu o silêncio que tomou a planície onde estávamos. O pooka tinha ferimentos por todo o corpo e o seu rosto jazia vermelho do sangue de seus companheiros. Fingi que não o tinha ouvido e me aproximei de minha amiga feiticeira. Estapeei o seu rosto e a despertei com um chamado psíquico.

— Alina, eu...

— Acabou, Chen. Entregue os braceletes. Eles venceram.

A mulher miúda me olhou com os olhos arregalados. Serj Bogdanov ria nos vendo ali agachadas quase a seus pés. Um comando de Ardelean e o monstro nos pisotearia sem piedade.

— Não podemos... se entregarmos os braceletes...

— Não resista, Chen. Interrompa o feitiço que os prende a você e entregue a eles.

"Confie em mim, Chen. Eu sei o que estou fazendo".

Naquele momento, a tropa rinoceronte de Berta rugia em nossa direção, liderada por Aodh, que vinha em forma de urso pardo, como Meliodas e Aran. Os magos da Ordem Negra se alarmaram e prepararam um ataque de fogo em direção a eles.

— Me dê os braceletes e não matamos os seus amigos, Grigorescu.

As lágrimas vertiam dos olhos de Chen quando ela, enfim, soltou os braceletes. Eu os apanhei antes que Berta e seus amigos se aproximassem demais, em seguida, os entreguei a Filimon. O vampiro apanhou os dois artefatos sem esboçar qualquer reação. Posteriormente, fez um movimento que indicava que eles estavam indo embora.

— Não!

O grito de Aran foi ignorado quando portais médios brilharam em vários pontos à nossa volta, começando a engolir os sobreviventes do Concílio de Sangue. Em segundos, todos eles tinham desaparecido e tudo que restava era dor e sofrimento.

— Por que fez isso, Alina? Por que entregou os braceletes?

Eu não respondi a chinesa. Em vez disso, me levantei diante de Aodh e comecei a me preparar para enfrentar a sua ira.

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