Para onde olhar? - Parte Final
Antes de prosseguir, me chamo Cristian e como de costume em parágrafos em que personagens se descrevem, brevemente o farei aqui, hoje tenho trinta e um anos, sou natural de Tijucas, sócio de um comércio na cidade, moro junto com o Alfredo, Fred ou professor Fred, há dez anos. Fisicamente não sou chamativo, tenho cabelos acobreados que mantenho quase raspados, pele e olhos claros, 1,75 de altura, não possuo um exagerado físico musculoso, mas possuo trejeitos afeminados e voz grave que parece divertir às pessoas quando eu abro a boca.
Mas, antes disso, ainda aos dezenove anos...
Materiais de construção era o ramo pelo qual eu andava me interessando conforme meu pai expandia nossa pequena loja, iniciando pelo material básico, cimento, areia, tijolo, argamassa, ferramentas manuais e revestimento cerâmico. Nossa loja por ser numa cidade de interior não atendia uma demanda muito grande por coisas peculiares fora do padrão, mas eu adora ter alguma ou outra novidade, investir no estoque de peças sanitárias diferenciadas, móveis sob medida, fazendo parceria com um tio dono de marcenaria, fora pequenas miudezas que o pai achava meio desnecessárias, chamando de capital parado.
Na marginal da BR 101, próximo à capital, há até hoje uma loja de pisos e decorações, onde adentrei enquanto minha mãe pediu para parar por ali com sua irmã para ver calçados na loja em anexo. Respondi ao vendedor o que algumas pessoas me respondem ao entrar na loja:
— Só estou olhando.
E havia de fato muitas coisas para olhar e ideias para captar, sendo que a marca da louça sanitária, revestimentos cerâmicos e pisos laminados de madeira, ainda eram meio fora de nossa realidade. Enchi os olhos e a cabeça com planos para o próximo ano, ia bater de frente com o Tadeu que insistia no básico.
Fui obrigado a perguntar para o vendedor sobre detalhes das portas em madeira, pois eu ainda não havia encontrado um fabricante que ofertasse algo próximo àquelas expostas nesse concorrente. Ao me explicar, deixou escapar sobre a cidade onde fabricavam, enquanto eu analisava a madeira maciça que a tornava caríssima, mesmo sem tantos detalhes que faria minha preferência como cliente.
— Nessa região ali pra dentro de Nova Trento, tem umas madeireiras que estão com essa linha de exportação. Tu é de onde? Nós entregamos até 50 quilômetros sem cobrar frete.
— Tijucas.
— Eu também sou de Tijucas — ele sorri e responde. Eu analiso a linha profunda na sua bochecha, o anel de prata no dedo mínimo da mão direita, o nariz grande e a sobrancelha grossa sem um formato bonito. Um homem atraente, vestido em social com a camisa timbrada com o bordado da loja e sim, ele flertou comigo descaradamente depois que o "dispensei" do atendimento ao informar que apenas aguardava minha mãe que estava na loja ao lado.
Fiquei perambulando do lado de fora sob o calor e sem paciência para ficar perto dela e da minha tia dentro da loja de calçados, duas mulheres que falavam tão alto que dava pra ouvir lá da rua, pareciam estar discutindo, sobrepondo assim as vozes das outras pessoas. Tadeu estava sozinho na loja e creio que se fosse um dia normal como todos os outros, não tinha tanto movimento e ele se virava bem por uma ou duas horas, mas eu estava ansioso por voltar, pois ali já estava entediado.
Mais quinze minutos, as lojas próximas fechavam, mas tanto a de materiais de construção quanto a de calçados, permaneciam abertas e por isso, me preocupei com o pai que ia para casa e não teria almoço pronto. Por ele, que era tranquilo, almoçaria do outro lado da rua, num restaurante pequeno de bairro que naquele dia da semana tinha no cardápio dobradinha, coisa que minha mãe não cozinhava e ele adorava.
O barulho derivado do movimento na BR, o calor do horário, eu começava a suar irritado e nisso uma voz me chamou a atenção ao mesmo tempo que desligou o alarme do carro preto, um Golf modelo antigo. O vendedor da loja conversava com dois colegas a quem daria carona naquele horário, seus olhos passaram rapidamente pelos meus e sua mão levantou num cumprimento que retribuí com um sorriso.
Pessoas gentis também existem, um sorriso não significa uma "cantada" muda, um olhar insistente pode ser apenas curiosidade ou no caso do funcionário, um sinal de boas vindas ou de cuidado com um estranho caminhando entre os corredores. Eu percebi um flerte, mas não investi nisso mentalmente. Eu tinha uma pessoa com quem andava saindo, vez ou outra nos beijávamos, ele forçava um pouco a barra, mas eu brecava, ficávamos nesse joguinho interessante até que ele fosse perdendo o interesse e de novo eu ficasse sozinho para sustentar minha fama de chato e exigente demais.
Lembrei do nome do vendedor por acaso quando me apresentaram um rapaz com o mesmo sobrenome, um menino magrinho, baita querido e que falava muito sobre as coisas fofas e românticas que gostava de fazer pelo ex antes de ser traído. A conversa dele era meio chata, os amigos queriam nos colar achando que ia adiante um namoro, já que o Leonardo era um doce de pessoa e gatinho também. Mas não senti a química exalando de nós nem quando o beijei às escondidas na praia de Palmas em Governador Celso Ramos.
— Menino que frio. — comentou cruzando os braços tentando se proteger, quando uma corrente de ar geladinha passou por nós no final de uma tarde de sábado de abril. Retirei meu próprio suéter e passei um pouco de frio, mas vesti o rapaz que viu aquele gesto como uma declaração de amor e insistiu num namoro que jamais deu certo.
Eu era ciumento, mas com ele não funcionava porque não sentia posse sobre sua pessoa. Ele demonstrou, pelo contrário, um excesso de zelo pela relação que me parecia não ser a mesma que me envolvia. Sobre sexo, novamente não rolou e eu permanecia virgem aos dezenove anos. Léo era três anos mais velho, mas quem nos visse próximos, pensaria o contrário, pois ele era muito menino de se olhar.
Foi a primeira relação onde eu tive que olhar nos olhos do outro e dizer:
— Léo, eu quero parar por aqui.
Não adianta forçar. Honestidade é o caminho, penso. Ele ficou com raiva e cometeu aquelas infantilidades de fazer intriga entre eu e dois amigos, disse que eu o estava traindo e enquanto isso corria atrás, chorava e me xingava pesado quando contrariado.
Me senti na pele do Fred, ainda que eu tivesse dezenove anos a menos que ele tendo que lidar alguém imaturo.
Léo, enfim também era Nunes, tal o vendedor de corpo bonito e gostoso, moreno e atraente daquela loja e como eu desejei no início, ter um cara a cara com ele... nos encontramos mais vezes quando sugeri a minha mãe para que escolhesse alguma coisa naquela loja que revendia calçados bons com preços de fábrica, ao lado de onde ele trabalhava.
Inventei para o Tadeu que ia escolher um piso laminado que ainda não trabalhávamos naquele ano para colocar no meu quarto e orçamos para todos os quartos, enfim, e euzinho mesmo escolheria a cor e tomaria as informações. Tudo sem segundas intenções, obviamente.
Mentira, descarada.
Fabrício Nunes, Nuno, como o gerente o chamou na minha frente, terminou de fechar o pedido comigo e esperou que minha mãe viesse passar o cartão de crédito para parcelar a compra, então deixou-me um cartão para que fechássemos outros negócios no futuro.
E alguns meses depois, fomos aproximados por terceiros que nos conheciam. Amigos em comum às vezes acham que podem juntar duas pessoas por uma visão superficial de que problemas parecidos se resolvem com soluções parecidas. Nuno era um rapaz tão adorável, gostoso, carinhoso e boa pessoa que seria o par perfeito para alguém como eu, outro rapaz família que andava sem sorte no amor sem razão aparente. Porém ficamos apenas na vontade, deu tesão, aí o Fred surgiu na boca de uma amiga... e não consegui experimentar sequer o beijo do Nuno.
Eu não queria achar um namorado, queria o Fred de volta e assim concluir o que deixamos em aberto. O fato desse homem ser presente, professor na mesma cidade onde eu moro, só me deixava mais ansioso por reconquistá-lo.
Fizemos curvas fechadas até que nos reencontrássemos e dessa vez, seu interesse parecia maior, tanto que nossa química foi perfeita, amizade cresceu com respeito, admiração e uma relação estabilizada que eu chamava de meta de vida.
Sempre achei bacana construir um relacionamento e especialmente mantê-lo em longo prazo. Comemorar os anos vendo a rotina como parte disso e simplesmente aceitar o marasmo como algo comum e inerente. Reinventar-se e reinventar a relação, achando que muitas vezes carregamos sozinho o peso nas costas. Envelhecer ao lado de alguém, se tornar mais amigo que amante, se questionar se não é uma grande perda de tempo quando vários de seus amigos que se separaram, parecem mais felizes com experiências vastas, quando permaneço há dez anos com a mesma pessoa, sendo ele o único cara que permiti algo mais íntimo.
Meus amigos ainda saem para dançar, solteiros ou compromissados, no meu caso meu companheiro detesta esses lugares. Ou jantam em lugares bacanas que expõe nos seus "instas", ele não gosta de redes sociais. Vão à praia em grupos, que recuso educadamente acompanhar, porque ele prefere dormir aos sábados e domingos. Ele sempre foi mais parado e por uns anos, até me desapegar da rotina mais agitada, tivemos brigas tensas até que eu acostumasse e olhasse com mais carinho para os pontos positivos do homem caseiro que é o Fred.
Porém quando dez anos se passaram, parecia uma diferença ainda maior entre as idades. Nos acostumamos demais um com o outro, desde minhas birras infantilizadas ao marasmo insistente dele. Com trinta anos, eu estava numa fase verde , enquanto ele com quarenta e nove, maduro, freava, ponderava e ditava quase tudo. Me enxerguei como prisioneiro, ouvi muitos amigos ou melhor, dei ouvidos à pessoas que apontavam o que lhes parecia uma falha na relação e tudo balançou.
— Cris... só acho que ele é muito velho pra você. Parece teu pai.
— O Fred não se cuida, precisava emagrecer.
— Gente, eu amo o meu companheiro e isso ofende.
— Ai meu bem, desculpa.
— Sinceramente não combina, pode ficar chateado. Você tá super pra baixo ultimamente.
— Tem fases...
— Mana, o Nuno, lembra. Tá namorando um carinha daqui da cidade e voltou de Floripa.
— Viviane, quer parcelar em quantas vezes? — eu a corto para fechar a venda de vez. Nuno chegou a balançar algo, mesmo que apenas a vontade de um corpo a corpo.
Quantas conversas parecidas já ouvi, até de minha mãe... e o Fred parecia sentir minha infelicidade, triste pela maneira fria com a qual passei a tratá-lo para que notasse que ele poderia ser o erro e que eu, sendo mais jovem, teria maior número de possibilidades de relacionamentos novos. Mas antes de dormir, meu coração apertava e eu me grudava no seu corpo com desejo de nunca me apartar dele. Eu procurava no meu companheiro alguns resquícios do seu charme do passado, mas a barriga grande, a barba crescida grisalha, roupas folgadas e falta de cuidado com a alimentação, o escondia.
Fred é do tipo que se garante no que diz respeito à fidelidade, é pessoa mais conservadora, sempre apostou em nossa relação até no início do casamento quando eu o mandava embora em crises explosivas de ciúme e o chamava de volta.
O amo.
Eu estou bem certo disso, mas pisei em espinhos nesse último mês desde que meu "quase" tenha ressurgido das cinzas e se materializado diante de meus olhos... acompanhado obviamente. O Nuno parecia-me muito bem e exalando felicidade ao lado do seu marido "perfeito"...
Porque eu ficaria tenso com sua aparição quando há anos atrás quando o dispensei, estava certo que era apaixonado pelo Fred?
Então porque recebi aquela olhada curiosa e porque minhas entranhas se inquietaram perto dele no começo?
Não sei dizer...
E exatamente nessa época ele "brotara", como anteriormente lhes disse, e com isso senti-me ainda mais infeliz, pois além de musculoso, cheiroso e bem vestido, aparentava estar bem financeiramente e ostentava um igualmente interessante homem radiante ao seu lado.
— Fred... preciso falar com você hoje...
— Ué... tá bem — ele tinha motivo para achar estranho, afinal morando juntos, eu não precisava anunciar ao celular que queria ter uma conversa, podendo iniciá-la a qualquer momento — Aconteceu alguma coisa na loja?
— Não.
— Tô corrigindo prova, daqui a pouco já vou pro EJA.
Era assim sua luta diária, dando suas aulas em três períodos enquanto eu cuidava da loja onde me tornara sócio do padrasto. Passávamos bem, eu aproveitava-me disso para fazer academia e me distanciar mais ainda do físico dele.
— Oi Tadeu, não tinha te visto hoje. Tudo certo?
— Entreguei tudo pela manhã e fui buscar tábua de caixaria, agora que consegui sentar um pouco. Que calor! Vou ali em casa passar debaixo do chuveiro, já volto. — ele seca a testa queimada de sol na própria camiseta e quando retorna, ajuda-me com clientes, depois ele liga para alguns fornecedores, eu pago duplicatas pela internet, fechamos o caixa e finalmente Tadeu larga: — Coitado do Fred, que pessoa incrível que ele é.
— Por que?
— Trabalhador, correto, te respeita e é uma pessoa calma. Porque, filho, tu é um saco e muda de humor sem motivo.
— Mas porque coitado? O problema sou eu?
— Com certeza. Esses dias ele veio conversar comigo. Sondando, né. Tá te achando estranho... disse que faz quase um mês que não...
Meu sangue esquenta...
— AHHHHH! Porque aquele "ixtepô" não fala comigo??? Isso é coisa de casal!!!
— Para com isso. É tudo a mesma coisa. Ó, com a tua mãe fica mais de um mês, eu falei pra ele.
— Vocês dois falaram sobre sexo??? Eu tô sem graça. PAI!
— Vatimbora, melequento. A maioria dos homens acha nojento dois homens "garrados", eu nem ligo.
— Ok. O senhor pode tratar com naturalidade, mas eu não gosto de falar sobre isso com pai e mãe. Nem gosto de saber...
Realmente, fico muito sem graça quando Tadeu entra desse jeito na minha intimidade. E vou pegar o Fred pelos cabelos, vou... não consigo expressar minha ira, mas estou muito puto!
Ao chegar em casa, seu rosto expressa cansaço e recebo um sorriso forçado.
— Chegou cedo?
— Tu sabes que nas quartas dou aula até o intervalo. Hoje tô exausto. Acordei às três e meia da manhã, corrigi trabalhos, fechei média, aproveitei a aula vaga da manhã, elaborei duas provas, meio dia nem consegui comer, tu viu né? Tô nesse ritmo há anos. Deus, que canseira. Vou tomar um banho... quer conversar depois, anjo meu?
— Ah... aham...
Perco a coragem de ir em frente. Em vez de conversar, acabamos nos beijando, Fred de repente parece que jamais perdeu a pegada e o jeito mandão. O homem espera pacientemente que eu tenha um orgasmo, antes de se satisfazer...
Mais tarde me fala com muita calma sobre seu cansaço, suas frustrações e por fim complementa:
— Sorte minha é ter você, Cris. No começo foi fodido até me acostumar, agora eu adoro esse jeito irritante.
— Obrigado. Posso dizer o que eu acho? — e para me calar, ele ressuscita algo dos primeiros anos, tentando me sufocar com o travesseiro.
No começo, ele precisou se adaptar, pois então, creio eu que seja minha vez de orbitar à sua volta. Dar-lhe o valor devido. Já que afirmei que ainda há amor, porque não posso sugerir mudanças em alguns aspectos? Isso nos fortaleceria e ativaria as chamas que queimavam ardentemente no início.
No café da manhã seguinte, suas olheiras são aparentes, mas ele pisca e me mostra a língua. Sua semana de fazer café e tentar me acordar com meu humor terrível.
— Acorda Maria Bonita, levanta vem "tomar" café.... — ele canta e diferente desse último mês que esfriei visivelmente, eu o enlaço pelo pescoço e cochicho:
— Profi, tu ainda és só meu?
— Tua propriedade. — Fred completa — Tô precisando dar uma reformada, queria ir pra academia, perder esse barrigão, mas não dá tempo nem pra mijar, o que dirá cagar...
— Nossa, que escroto! Chega... quebrou o romantismo.
— Então levanta, escova o dente que tá brabo.
— Fred! Tu tá impossível hoje!
Esse homem me irrita, mas é meu e creio que possamos "renovar os votos". Valorizar enquanto o tenho nas mãos e deixar as ilusões onde ficam as ilusões. Posso lembrar-me do Nuno, perceber suas olhadas salientes sobre meu corpo, pois isso é algo que certamente ainda o desperta. São idas e vindas em nossa loja, às vezes apenas para olhar a cerâmica e fazer perguntas, tentando entrar nos assuntos do meu relacionamento. Até o momento em que confessa que não esperava que ao me reencontrar dez anos após nosso rápido quase lance, eu ainda seria capaz de mexer com seu juízo.
— Nuno, não acho isso legal não...
— Cara... aquele coroa parece teu pai. Muito feioso pra ti.
— Meu coroa.
— Todo...
— Olha, não adianta ter um touro de exposição em casa que tenta comer o "pasto" do vizinho...
— Que analogia!
Nuno nem por isso, desapareceu de minha vida, tive que me acostumar com os esbarrões de cidade pequena onde coisas comuns apenas se repetem...
E foi esse tipo de coisa que contribuiu para fortalecer meu propósito e avançar mais um ano ao lado do Fred, que nem por isso se transformou em um modelo musculoso para que lhe desse o valor merecido e sem perdê-lo para entender isso.
Então para onde olhar?
Para onde está aquilo que de maior tivermos, que nos valoriza também. Às vezes não tem a estética "perfeita" para os outros, mas isso é nosso para darmos o valor por sermos conhecedores dos detalhes da beleza verdadeira.
— Fred aquele dia quase que falei besteira...
— Eu sei... já te conheço bem. Ainda quer ir adiante?
— Junto com você sim.
E claro, que juntos estamos.
Fim... jamais
***
e essa é mais uma que queria que fosse grande, mas não está acontecendo... é gostoso escrever coisas menores que ficam mais concentradas
Deixo um beijo e um pedaço do meu coração♥
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