Para onde olhar? - Parte 1


Olhar para o passado... Bom, olhando para trás encontramos respostas ou justificativas, porém não deveríamos nos prender a ele, nem apenas no destino para que amarre suas pontas soltas, sendo que o presente é nosso momento mais importante.

Lá vem aquele início de primeiro encontro na praia.

Mas foi meio assim que tive os primeiros contatos visuais com Alfredo, conhecido como Fred. Professor de Ensino Médio que lecionava Língua Portuguesa na rede estadual no período noturno e durante o dia se desdobrava para dar aula de Ensino Religioso para as turmas do primário e Português para turmas entre os sextos e nonos anos. Sua profissão que envolvia adolescentes, o fazia pensar muito antes de se amarrar em alguém jovem como eu. Fred dava grande valor à especialização profissional, aquisição de um imóvel e manutenção de suas contas em dia. Vindo de família muito religiosa, lutou até parte de sua vida adulta para se aceitar como homem gay, aceitação que não recebeu da maioria dos seus irmãos e da mãe.

Dono de traços marcantes e joviais, tinha cabelos grisalhos desde antes dos vinte e três anos (segundo ele) que procurou manter sob tintura castanha até chegar aos trinta e cinco quando o conheci. A fala grave, calma e sempre educada eram seus maiores charmes, como seus lábios cheios, o nariz e a boca grandes e algumas linhas de expressão profundas em volta do sorriso largo e característico que lembra muito aqueles homens hispânicos. Em resumo, um homem atraente e gostoso sem ser lindo de morrer.

Diferente dele, eu me assumi muito cedo, o que não espantou demasiado a ninguém da família, causando apenas aquela cara de desgosto inicial em minha mãe por uns dias. Então bastava que eu não fosse muito expressivo, que ficava tudo muito bem entre nós três, sim eu, ela e um padrasto que me criou desde os seis anos, meu pai de verdade. Tadeu, era o pai conciliador, o pai defensor e de vez em quando um pai maluco. Ele fora um "maloqueiro" na época da Jovem Guarda, da qual tem fotos com cabelos black power, calças boca de sino e expressão chapada. Uma figura de cabeça aberta.

 Credo! Como esse menino se torce todo pra andar, vizinho. Dá uma corrigida... se rebola todo...

— Ah, chapa, é criança... não coloca maldade no Cristian.

— É esquisitinho.

— Criança é um bicho esquisito, tu tem uns filhos que fazem uma algazarra do inferno, meu nego e tá reparando no meu guri?

Ele defendia algo que não era "seu" geneticamente falando. Porém me educou, quando precisou deu-me os castigos e as palmadas que contribuíram para eu me aquietar. Até porque eu era uma criança levemente mimada e irritante. Muito na verdade.

Muito mais que minha mãe, Tadeu, era atencioso comigo e gozador levando na esportiva quando seus amigos brincavam:

— Oras, um negão desse com um guri cabeça de fogo, onde já se viu?

— É, Tadeu, tá mal explicado.

Ele sem se irritar, incentivava:

— Como assim, olha ele, é a minha cara. Olha direito. — minha mãe detestava essas brincadeiras e mais ainda, detestava explicar que era mãe solteira e largada por um homem casado que soube leva-la na conversa, deixando-a sem aparo quando sua própria família também lhe deu as costas — Ida, 'tão achando que o Cristian não é meu filho, pode me explicar isso?

Ela revirava os olhos e ignorava as brincadeiras dos clientes do meu pai. O homem que sempre foi trabalhador, me incentivou a ter pelo menos uma graduação e foi quem fez uma poupança para garantir essa oportunidade. No começo, Tadeu tinha uma caçamba e vendia barro para aterro, depois expandiu seu negócio, passando a vender brita e areia para construção, adquiriu com o tempo uma máquina para não depender ou carregar um sócio nas costas.

Desde os quatorze anos trabalhei com ele, fazendo o serviço mais leve, atendendo telefone, anotando pedidos e telefones de clientes, pagando contas pequenas na lotérica e vivendo os problemas de um empresário de pequeno porte junto com meu modelo de pai. Enquanto Aparecida, ou Ida, a minha mãe sonhava alto por mim e usava como exemplos para eu seguir, parentes seus que se tornaram advogados, um doutor e uns três primos bancários, mas nunca me interessei por nenhuma dessas áreas.

Na fase dos dezesseis anos, eu vivia mais no meu canto, sendo um jovem adolescente considerado bicha não tinha paciência para ouvir calado bobagens de colegas e saí no tapa em frente à professora que também riu quando um recalcado começou a me imitar. Fiz tanto escândalo naquele dia, que escapei da suspensão, fui defendido pelas meninas e ele é quem teve que levar seus pais na escola. Mesmo que em casa, eu não escapasse de um esporro grande dos pais, lavei a alma. Entendam, eu já tinha sofrido um bocado desde a infância por causa disso e dava-me bastante vergonha quando captava uns risinhos ou descobria comentários preconceituosos. Cidade pequena é pior ainda, todo mundo se conhece, então tinha lá uma dúzia de amigas da minha mãe que se apiedava dela por ter um "rapaz delicado" como filho único. 

Isso é batido em família onde tem pelo menos um LGBT. 

Mas minha vida acontecia e, volta e meia íamos para as praias de Floripa, há cerca de 70 km de Tijucas, que eram relaxantes se pegássemos a estrada cedo. Por ali em Palhoça moravam uns parentes do Tadeu que sempre foram muito legais conosco, meus primos que não me olhavam atravessado, muito menos julgando ou perturbando quando eu dava uns pequenos ataques de frescura ao ver o tio Miguel abrindo os peixes, tirando vísceras para assá-los na folha da bananeira... 

Gente, isso quase desmanchava na boca, explodindo o sabor do peixe com tempero caseiro.

— Tu tá louco, Cristian, se parar no exército por um ano, morre. — ele me chamou a atenção quando me neguei a ajuda-lo limpar os camarões — Conta pra ele, Tadeu como que foi quando a gente serviu.

Eles contam outra vez a mesmíssima história da galinha (para eu, enjoado, revirar os olhos) relembrando como torciam o pescoço da coitada durante a "execução".

— Que nojo! — eles riam das minhas expressões e já que não era segredo eu ser muito gay, fazia de propósito exagerar para que minha mãe me beliscasse e minha tia (crente) expressasse um "sangue de Jesus tem poder" e também risse.

Por isso reforço que em meu caso, tendo uma família que não me olhava como um erro porco, permitiu que eu desenvolvesse minha personalidade com um quê de orgulho e um pé na autossuficiência.

O ambiente sempre foi saudável, sem perfeição, apenas acolhedor como o seio familiar deveria ser para todos. Eu tinha três primos que só me viam como um primo a mais, nada de especial ou anormal, com eles eu andei muito de bicicleta, nadávamos perto das pedras cheias de mexilhões que me davam um nojo terrível de tocar naquelas conchinhas pretas incrustadas como uma praga em grandes rochas.

— Parece que não é daqui, tu. Tem nojo de tudo, homem. — quando menino, meu primo Isaías sempre achou engraçado me perseguir com uns animais desses. Naquele dia ele estava mais interessado em chegar logo na beira da praia pra ficar paquerando a menina tatuada que sua mãe não aprovava para ele.

Eu não vi nada de interessante por ali e joguei mal, algumas partidas de vôlei. Ficar cheio de areia não era pra mim e quando me limpei um pouco, lavando meus pés na água, um cara que julguei ser coroa de cabelos grisalhos perguntou se havia me machucado porque eu parecia aborrecido. Diante de um sorriso meu e a negativa, ele sorriu de volta e enquanto corria de volta para o time, deu uma virada, me encarou sobre seu ombro e piscou galante sem que outro alguém notasse isso.

Fred não teve ninguém que nos apresentasse um para o outro, era conhecido de meus parentes e por isso ninguém suspeitou quando nos envolvemos em segredo. Sendo ele (35) um homem travado para assumir a relação abertamente, devido minha idade (16), ficou cômodo quando aceitei as coisas daquela maneira. Deu trabalho para ele me dar de entender porque era melhor manter o mais discreto possível, pois sempre fui bastante teimoso e não aceitava a ideia de estar errado.

O importante para mim foi ter o primeiro beijo com ele, embora eu não tivesse sentido prazer de ser deflorado, senti prazer com seu jeito cuidadoso e sensível ao me preservar. Me apaixonei com toda a força e acho que ele também, pois veio à minha cidade tantas vezes às escondidas para me levar a lugares recônditos onde não precisássemos temer interrupções ou flagras que nos constrangesse para uns amassos sem que removêssemos sequer uma peça de roupa.

Nativo de Nova Trento, cidade onde fica o Santuário de Santa Paulina (canonizada por João Paulo II), Fred cansou de explicar que para sua família, ele era um assunto tabu e portanto decidiu morar em São José que é uma cidade maior e movimentada o suficiente para dispersar assuntos na correria do dia a dia. Também reforçou o fato de eu ser menor de idade, tocando na minha cara as consequências desse envolvimento, enquanto do meu lado eu enchia seu saco querendo apresentá-lo à minha família.

— Eu não quero frequentar a tua casa. Para de pedir isso! Não enche mais minha paciência!!!

— Tá, eu não peço mais. — eu destilei raiva porque ele se alterava comigo e seu tom de voz subia — Vai embora, então, e não aparece mais na minha frente.

— De novo isso???

Sim, eu já o tinha despachado inúmeras vezes porque não tinha paciência ou tolerância com suas explosões secas, mas me arrependia dois minutos depois que ele me deixava em casa ou antes de me dizer um "xau, até logo", ele perguntava se eu não ia olhar nos seus olhos e dar um sorriso.

— Odeio quando tu grita comigo!

— Cris, e eu odeio essa pressão e ainda mais quando não aceita que tá errado. Tu não entendeu ainda que posso ter um problema desgraçado?

— Eu? Eu não estou errado... te amo...

— Paixão... não faz assim. Hoje é domingo, olha, tão lindo que tava, são quase oito horas da noite e tá um sol maravilhoso.

— Me beija aqui — pedi com uma carência trabalhada, chegando muito perto, mordendo o lábio inferior grosso e já inchado com minhas mordidas.

Quem sabe se alguém já não nos viu? Não sei precisar. Trocamos aquele beijo dentro do seu carro parado na rua calçada, frente a minha casa amarela de alvenaria, portão baixo e gramado sem flores para adornarem em volta da casa. Entrei calado, preocupado só até descobrir que meus pais estavam assistindo o Gugu.

Por meses estudei meio avoado como um rapaz de recém-completos dezessete anos que se relacionava com um homem de trinta e seis, por quem eu estava muito apaixonado. Só queria que ele tivesse o mesmo orgulho que eu em confessar que tava comigo, sem medo ou sem arrependimento. Se eu era imaturo fazia parte ser inseguro, ciumento, emotivo às vezes e difícil de lidar em muitos momentos quando estava com Fred, imagina só se eu o perdesse. Nem pensei na possibilidade. Aceitaria morar numa caverna com ele, mas que não o perderia, ah meu bem, isso não aconteceria. Eu era muito possessivo desde sempre. Botei na cabeça que ele me amava e que teria paciência e quando voltamos a nos encontrar depois de uma semana que sempre se repetia religiosamente, o seduzi, insistindo que era meu momento, coisas tolas de menino apaixonado, inclusive o chamei de fraco quando ele ameaçou terminar comigo.

Se fosse outro homem, eu não seria mais virgem. Tens algum problema?

Só o fato de você ter dezessete anos.

Grande coisa.

Não via toxidade em ter me envolvido com um homem de mais de trinta, ele do contrário cansou-se de me alertar para os problemas que poderia enfrentar se minha família o denunciasse. O apresentei, contra sua vontade, como namorado para meia dúzia de pessoas, continuamos discretos, até que do meu lado familiar, alguém tocou no aspecto da minha menoridade e o fato dele ser professor e que ele estava certo em pensar nas consequências... mas as coisas já estavam feitas. Uma colega disse que só haveria problemas se houvesse denúncia e eu me alterei, dizendo que o amava, jamais pensaria nisso e que ninguém, nem a justiça tinha que se meter.

— Tudo bem, mas a lei protege o menor.

— Já disse que não aceito juiz, nem porra nenhuma se metendo no meu namoro. Se ele terminar comigo porque alguém tentou prejudicar, eu tomo veneno e acabo com tudo.

Ninguém denunciou. Fred, no entanto já havia pensado, tentado, repensado e se afastou aos poucos, visitando-me mais esporadicamente na intenção de desapegar-se e crendo que eu faria o mesmo. Pra mim foi mais difícil e quando ele parou de aparecer, talvez para si fora melhor, eu fui adiante e dissolvi todos os comprimidos que achei em casa... bem, eu não deveria detalhar tanto... confesso que fiquei hospitalizado apenas para uma lavagem estomacal já que não cheguei nem perto do meu objetivo.

Naquele dia, dona Ida ameaçou denunciar o Fred se aparecesse em casa, pois eu tinha feito aquilo por ele. Tadeu me deu um sermão e disse que nunca antes tinha sentido tanta decepção e eu senti vergonha do meu ato. Podia ter prejudicado de verdade o professor.

Dias depois, nos encontramos numa lanchonete perto da minha rua e ali ele repetiu que fizera errado em se envolver comigo, pois pais de seus alunos poderiam acreditar que ele repetia esse comportamento, algo que ele poderia jurar que não procedia, mas que seu envolvimento comigo diria ao contrário. Pediu para eu entendê-lo, mas era difícil pra mim e não seria digerido com facilidade.

Eu pedi um lanche e não o toquei. Engoli um suco extremamente gelado junto com a dor de garganta quando ele disse que tivera um namoro de alguns anos antes de me conhecer e que era delicado o seu relacionamento com o outro professor, que além de tudo, eram colegas. Tinha receio de se prejudicar por minha causa e que se eu o amasse de verdade como afirmava, deveria dar um tempo para que a poeira baixasse, mas que não me prendesse tanto, deixando de aproveitar minha juventude. Por fim, confessou que tivera momentos maravilhosos comigo e pediu perdão por me fazer sofrer.

— Se um dia for pra gente ficar junto, isso vai acontecer...

— Dá pra continuar escondido...

Ele poderia ter tacado na minha cara que a culpa era minha por ter insistido em apresentá-lo a algumas pessoas, mas como eu estava prestes a chorar, ele disse:

— Come... não faz outra besteira ou vou ficar muito chateado. Tá?

— Diz que me ama só mais hoje.

— Não. — então ele me fez chorar — Tu tem que se desapegar.

— Porque ficou comigo? Se não queria problemas porque ficou?

— Já me jogou na cara isso umas cinquenta vezes, moleque!

— Vou jogar sempre.

— Eu tentei pular fora um monte de vezes, mas tu...

— Tu que veio atrás... eu sou... menor.

— Agora é né? Quando tu tiver uns vinte e poucos, eu vou fazer questão de aparecer na tua vida e se fizer esses teus joguinhos, cara, vou te dar uns tapas, seu mimado insuportável.

— Eu te odeio.

— Vai, some...

Saí com ódio daquele "encontro" e com uma vontade de dar umas facadas nele. 

Como adolescentes de novela, me atirei na cama, fiquei sem comer, ouvi todas as músicas do Green Day, Oasis e The Offspring, pensei em me vingar, fazer escândalo e ficar com um amigo nosso só para fazer ciúmes... Pensei, pensei, mas não coloquei nada em prática. Sofri a fase mais fodida da paixão não correspondida que nos pega pelo menos uma vez na vida.

Para uns, passada essa fase é bola pra frente, fortalece o sistema imunológico contra paixão e para outros, não ensina nada, porque vale a pena se apaixonar novamente. Eu tinha curiosidade de saber o que seria de mim na próxima etapa, depois é claro, de amargar dois anos sem permitir uma aproximação mínima de vários quilômetros de distância do meu coração. 


***

oii a outra parte está sendo revisada, posto hoje ou amanhã à noite♥

Beijo♥

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