Baby Boy - Amostra 4



Por Emanuel (Mell)

Envolvido sempre na leitura de textos, eu procurava para me distrair de minha nova realidade. Faziam pelo menos quatro anos que entrara num esquema que pode me levar para o alto ou para o fundo do poço algum dia. Tranquei minha faculdade duas vezes quando minha renda alternativa baixou vertiginosamente e precisei me reinventar até que me formasse e quem sabe eu possa me sustentar com dignidade sem depender da instabilidade do meu "turno extra".

"O Rato e o Gato"

No amor e na guerra vale tudo.

"Maldito seja aquele que inventou esse raio de ditado", é o que Israel pensa.

"Quem foi que contratou esse imbecil?" é o que Téo pensa.

"Ele é atrevido? Muito. Ele não é do bem" Israel reflete.

"Só de olhar a gente já vê que não é flor que se cheire." Téo recapitula.

"É perverso também. É recordista mundial em perversões... ou seria perversidade." Israel sorri tentando amenizar sua relação sempre tensa com Téo, desde que compraram cotas da mesma empresa e precisam "engolir" um ao outro.

"Olha esse babaca sorrindo... falso." Téo sorri de volta, mas está cansado de fingir.

— Que noite bonita. — Israel bebe água e fala sem interesse.

— De fato, colega. — Téo nem sabe porque concorda. — Posso fazer um comentário sobre seu comentário?

— Claro.

— Você é péssimo pra argumentar qualquer assunto. E por favor não me leve a mal não.

— Imagina. Eu? Psss... não me irritei não. — Israel sente vontade de jogar o macarrão na cabeça do sócio. — Você é pequeno demais pra me causar efeito.

— Pequeno em que sentido? Escuta aqui...

— Eu quis dizer, um cara miúdo. Nem mais nem menos.

— Eu...

— Só isso. Mas se isso o ofendeu, peço que me perdoe.

Revirando os olhos por ter sido calado, Téo vira o vinho do copo num único gole.

Mas o que é isso afinal. Quem são, o que fazem e por quê?

Foi mais ou menos assim que eles se chocaram pela primeira vez, exato, um choque!


Ler é uma fuga. Queria se pudesse nunca me lembrar do primeiro programa.

Bonito, cheiroso e bem vestido. Espero que seja gostoso, penso.

— Não pode aparecer meu rosto nessa filmagem — ele me sugere.

— Nem o meu — respondo rindo — ainda não posso viver só disso ou daquilo.

Com a câmera no tripé, eu com a bunda arregaçada pro ar e a cara dele enterrada na minha raba, fixei meu olhar no celular: 22:19. Uma hora que deveria passar rápido porque eu estava bocejando. Devia estar dando prazer ao cidadão em meu último programa dessa existência. Minha promessa de Ano Novo ano passado que não cumpri porque ainda faltavam algumas mensalidades do curso de enfermagem, aluguel subiu e atrasei o boleto da faculdade. Salário de técnico em enfermagem numa casa de repouso de idosos não cobre minhas contas e não devo satisfações da minha vida bandida a ninguém, então sim, aproveito minhas folgas para arrecadar fundos enquanto disponibilizo fundos e fronte.

Sobre sua língua em torno de meu ânus, contei umas quinze voltas preguiçosas. Um tapa no traseiro para "animar" me fez exprimir um "EI!". Uma mordida ia deixar marca e meu namorado não gosta quando apresento hematomas roxos em qualquer parte.

A preocupação aqui era fazer esse cara gozar, então tento reverter as coisas para tentar um boquete, um estímulo no seu cu, umas mordidas em seus mamilos marrons e grossos. Mas o tesão dele era seguir com o cunete, se masturbar e gemer alto.

Caralho, meu vizinho vai encher o saco.

— Sh! — tento silenciar o cara, mas solto um urro quando ele empurra dois dedos mal lubrificados em meu buraco babado de cuspe. Quanto antes foder, antes ele goza, sai satisfeito e eu levo meus cem reais pela hora.

22:36. Ainda sigo de quatro com um pênis mole de cá e um duro e afoito a me cutucar sem sucesso para entrar. Rebolo, dou meus gemidos afeminados, muito femininos mesmo, ele deve ter na sua mente que está sendo um cara muito gostoso e que é o melhor dos clientes que já me comeu.

22:42. Já estou achando que meu celular travou e a hora não anda.

— Vai meu macho tesudo... come essa cuceta com raiva. Gostoso... ah! — encarnei a puta para acelerar a coisa, pois meu reality show estava para começar e por nada nessa porra de vida, que eu perderia a final da sétima temporada de Ru Paul's Drag Race. — Que pau gostoso...

— Delícia de cuzinho. Posso tirar a camisinha?

— Nem fodendo — retruco. Nem pensar. 22:54. Estou na dúvida se cobro mais cem conto e o permito seguir com a "diversão" unilateral ou corto no ato. Estou meio assado. Esse é o último programa ou será que vou quebrar a promessa outra vez? Qual será o nome desse bonitão que se empenha para obter um orgasmo aos gemidos que parecem grunhidos de Orcs da montanha.

Quando ele para de meter, eu viro ==>> 23:00! Vinte e três horas! Estou livre...

— Vira que não acabei. — sendo assim ele abre a carteira e pincha na minha barriga mais duas notas além dos cenzão que cravaria uma hora. Ou seja, mais duas horas de esfrega-esfrega, chupa-chupa e confesso que na última quando chegávamos perto da uma da manhã, eu fiquei de pau duro. — Quer que eu te chupe?

Não neguei, isso é algo que não se nega, como aprendi bem cedo. Um boquete vindo do cliente às vezes é a cereja do bolinho de grana. No caso, tirei três garoupas por três horas de programa, encerrei o expediente e decidi que só atenderia mais um mês. Só mais um mês. Isso se o meu moranguinho não terminasse comigo.

— Mel? — ouço o Nereu perguntando quando abro a porta de seu quarto devagar. — Amor, duas da manhã? Não ia chegar à meia noite? Saco.

— Ele pagou por três horas.

— Esquece. Não quero saber.

— O cara dava sono, juro.

— Falei pra não falar. — deito-me ao lado do pequeno ruivo mal humorado, delicado e fresco como um morango delicioso. Saudade do seu corpo que minha boca conhece cada pedaço que já provou. Nereu resiste no começo, mas cede, excitasse com minha provocação, mostra-me seu membro pequeno e ereto que desponta avermelhado contrastando com a pele leitosa e livre de pelos. O conjunto de personalidade, mais seu corpo magro que me tira do sério, deixa duro, louco e cada vez mais tarado com ele.

Eu imaginava que ele me esperaria prontinho pra dar. Fui provocado até quase gozar quando ele sentou no meu quadril para rebolar o traseiro no meu cacete melado. E sem dificuldade, entrei no buraco acolhedor, lubrificado e guloso, fui cavalgado, apanhei na cara quando ele perdeu a linha quase pulando sobre meu corpo. Seu pau duríssimo pulava com a movimentação e quando percebi que tava sem camisinha e o orgasmo tava beirando, o joguei para o lado e esporrei no seu peito.

— Seu filho da mãe! — ele reclama enquanto se masturba furioso, abrindo suas pernas para expor seu rabo para que meus dedos avancem para o interior, no fundo e com força. — Hum!!! Desgraçado!

Nereu reclama, puxa minha cabeça na direção de sua barriga e me faz lamber o que ejaculei e me dá dois tapas leves no rosto.

— Moranguinho, parecia que tava possuído.

— Eu disse que só ia te dar de novo quando tu "batesse o ponto pela última vez".

— Nereu...

— Mel! Não diz que vai seguir com essa vida dupla? Porra!

— Um mês só.

— Eu não tenho um mês. Já estou aguentando isso há quatro anos. Quatro anos namorando um cara que dá e come outros por aí.

— Alto lá! Você me conheceu e aceitou namorar comigo assim. Não faz assim... — ele me dá as costas e cruza os braços — Moranguinho...

— Te odeio.

— Eu pelo contrário, te amo.

— Um mês ou um ano?

— Se eu prometer e não cumprir, você desiste de mim. Vamos deixar a questão em aberto?

— Vai tomar no seu cu. Vai! Vai embora, dorme na sua casa e reflita. Em quatro anos ganhou tanta grana e ainda não consegue desmamar do vício.

— Amanhã tenho turno no trabalho. Puta que pariu, tenho trabalho da faculdade. Porra, eu sabia que não podia remarcar com o cara de hoje.

Nereu revira os olhos e bufa. Moranguinho furioso, minha paixão.

Vou me explicar melhor, meus programas são "executados" nas minhas folgas dos turnos 12x36 que priorizo na minha vida. Priorizo meus programas nas folgas também e dali dois dias eu atenderia o mesmo cliente de meu último encontro. Bonito, mas sem sal. Boquete mal feito. Geme muito alto. Usa muito perfume. Não namoraria com ele com certeza.

No meu trabalho pela CLT, faço a discreta, nada de pití, nada de gírias ou qualquer assunto mais íntimo. Tem pelo menos uns três idosos que me tratam como um neto, mas tem outros que são tão teimosos e tão ranzinzas que meu dia verte em emoções mistas.

O quarto do senhor Felizberto está sempre com cheiro forte de urina. Trocar aquela fralda é quase uma guerra. Ele odeia. Odeia tomar banho e fala tanto palavrão que dá vontade de dar uns tapas.

— Minha dentadura, dá aqui. — ele pede sem levantar a cabeça do travesseiro. Estico o copo de plástico com a "perereca" dentro e ele com seu humor satânico diz: — Tira da água, seu bicho do mato.

— Cá está. — enfio na sua boca e antes que reclame eu uso meu tom mais autoritário e falo sobre a troca da fralda. — Seu Felizberto, seu colchão está ensopada de xixi. Sim senhor, vai pro chuveiro. Não, não vou deixar o senhor cair.

Pior... tive que esperá-lo defecar, para levá-lo com dificuldade para debaixo do chuveiro. Lá ele me segurava apavorado, falando sem parar sobre seu medo de cair e isso sempre diminuía minha raiva daqueles momentos.

Não é fácil para nenhum dos lados. Por isso eu aproveitava o momento da hidroginástica, do pilates, do lazer dos velhinhos para viajar com a mente para fora daquelas dependências mantidas pela prefeitura e algumas almas bondosas... inclusive eu sou doador anônimo de fraldas e leite.

— Nosso salário mesmo com insalubridade, é ridículo. O horário que faço me faz perder a manhã, tarde e parte da noite.

Um costume no horário do café, é reclamar de algo e eu estou mais fechado que o habitual ao pensar que meu turno realmente dá algumas vantagens.

— Emanuel, o que aconteceu contigo? Tá triste?

— Cansado. Fui dormir depois das três. Durante o dia coloquei as coisas da faculdade em dia. Essa formatura não chega, eu tô de arrasto.

— Ainda bem que passei dessa fase. Ei, tá livre amanhã?

— Não, amanhã vou grudar no meu moranguinho.

Eu precisava manter as aparências sem dúvidas. Sem essa de melhor amigo, eu não confiava em qualquer pessoa e meu segredo ia longe por isso.

*

Conforme combinado com meu último cliente, ele chegaria novamente às vinte e duas horas para mais um "combate". Procurei pensar em coisas que me excitariam. Tomei um pouco de vinho, depois energético com uísque e quase tomei uma cerveja. Não por nervosismo, eu não tenho isso, mas queria aproveitar um pouco com aquele cara sem graça e sem nome para mim. Atrasado uns dez minutos, começou a me dar ansiedade, uma irritação por ter que esperar. Achei um conto erótico para ler na categoria GAY do site, autor Jota K, título Baby Boy. Não me entusiasmei diante do título, tinha certeza que ia revirar os olhos com alguma melação sem fim, fui lá para o meio do capítulo porque queria ler algo excitante...

Baby Boy

O nome de guerra do garoto de vinte e sete anos era Baby, porte franzino, magricelo se não fossem as nádegas redondas e os mamilos inchados, hormônios femininos que foram proibidos pelo homem que o reservara apenas para si quando o descobriu num programa frustrado.

Antero, o grande homem. Parecia um guerreiro huno, um bárbaro que procurava fora o que não tinha em casa com a esposa balzaquiana e acomodada. A bela Dalva poderia esforçar-se o quanto quisesse, jamais ofereceria algo parecido com o que o jovem lhe dava sorrindo, brincando com o coração maduro do cinquentão. O fato de Antero sentir-se dono do corpo quase feminino do jovem que era seu, devido às pagas com valores altíssimos, era apenas ilusão, pois o homem era escravo do prazer no qual se embriagava quando na cama do mais jovem se deitava. O encontro era definido e pago antes das peças de roupa serem retiradas. Tempo e valor...

Para um homem poderoso e rico como Antero, tempo era escasso, dinheiro era poder e com isso comprava o que bem quisesse. Prazer. Escolhera justo um garoto que se vestia como cross-dresser, fazia sua masculinidade pulsar, seu machismo fervia e borbulhava, sua testosterona exalava forte como perfume. Enfim, um exemplo de macho bruto, barbudo, peludo, bem dotado e amplo em toda a sua figura. Força e virilidade.

Local discreto, Antero nunca se preocupou com isso, não escondia de Dalva que lhe traia com michês. Ele é tão somente um dentre muitos machos casados, pai de família e héteros convictos que desejam um cu de macho ou até mesmo uma piroca usada com maestria e que o dono do dote o use sem dó. Esses homens que são os exemplos de machos respeitados pela sociedade, que não sabe dos segredos em suas camadas que eles escondem.

Afeminadíssimo, pequeno e bonito.

Sem responder ao cumprimento do jovem, Antero afrouxa a gravata e pergunta-lhe com a voz retumbante:

— Tem algo pra me servir?

O jovem se afasta, busca uma dose de uísque que têm no seu flat somente para essa finalidade. O homem pagou por uma hora de sexo, mas leva quase cinco minutos para sorver a bebida. Estica o copo com certo desprezo e o garoto entende que deve servir mais uma dose. Homens o procuram para sexo, mas outros habituais já o procuram para seus desabafos de uma vida enfadonha.

— Tira a roupa quero olhar. Mas deixa a roupa de baixo.

O garoto compreende que deve oferecer seu pequeno espetáculo. Mantem-se apenas de lingerie, meias, salto e peruca Chanel que nele caem perfeitamente.

Tire isso. Roupas de baixo vermelhas?! Só putas que usam vermelho. Coloque uma cor mais clara.

Em suma, o jovem era uma puta.

Segurando o veneno, o jovem pisa duro até o quarto. Coloca as peças mais comportadas, caleçons grandes que ninguém jamais pediu a ele que usasse, mas os tinha nas gavetas para alguma ocasião. Nada de fio dental, apenas uma bunda coberta, sem cinta-liga ou meias. Sem salto, somente o chinelo de pano, sem sutiã com enchimento, apenas uma blusinha fina e um robe de seda por cima de tudo. Quando retorna, para em frente ao homem que coça barba e analisa interessado.

— Meu tempo. — Antero se levanta e assusta o jovem. — Paguei por sessenta minutos. Temos quarenta. Me excite.

Ah! Chega por favor. Obviamente que eu mandaria o Antero do conto se foder. Nenhum cliente me trata... tratou sim até pior que isso, mas quando olho de fora, dá ódio e vontade de tacar fogo no cara.

O cliente chega bem atrasado, molhado pela chuva e reclamando por não ter uma cobertura perto do interfone.

— Sinceramente — ele me diz e avisa que está com um pouco de pressa hoje. Problema seu, respondo mentalmente — Faz alguma coisa.

Entendi. Eu deveria ter lido o conto Baby Boy na íntegra para ter ideia de como excitar o cara. Eu já andava sem criatividade, já tinha me vestido de mulher para alguns, usado roupa de couro, dançado macarena, feito muito strip-tease e até cantado karaokê para um menino de olhos puxados. Não é mentira não. Minha vida contém mentiras e segredos, mas não quer dizer que eu teria motivos pra mentir para o meu "diário". Na dúvida, um strip sempre cai bem e o rapaz ficou animado com meus movimentos, meu rebolado e a dança provocativa.

— Caralho, que bunda incrível... — me diz, apertando o membro e tirando sua roupa com pressa — Preciso te comer agora.

Eu sei que foi uma bosta soft para eu, mas se ele curtiu, foi o que valeu. Serviu pra confirmar o quão sem sal o achei. Chegou e saiu sem dizer o nome, também nem me importo, dane-se. O que importa é a garoupa nas minhas mãos.

Na manhã seguinte depois de fazer uma porção de coisas, recebo um amigo que arruma esquemas para atendermos juntos ou separados. Amigo que vive somente da prostituição e dos vídeos exclusivos para sites de entretenimento erótico. Conosco não há pudores, receios ou envolvimento amoroso, somente amizade e negócios, tanto que o ajudo a se depilar porque cobro mais barato segundo ele.

— Aposentou mesmo o Mell Falcão?

— Querido, não dá pra aposentar ainda, fiz uma comprinha pela internet agora mesmo gastei quase mil reais.

— Ah então tem uma festinha privê que vou colocar teu nome.

— Menino, quantos caras?

— Jogador e cantor sertanejo... amicíssimos e "héteros" casados. Mell, isso daria um escândalo tão grande se eu abrisse o bico. Meu corpo seria enterrado cinquenta quilômetros longe da minha cabeça. Eles querem tudo passivo

— Deu medo...

— Quinhentos reais na mão, na verdade já tirei minha parte, ok?.

— Só isso? Tá, mas quando é mulher, eles pagam o triplo desse valor.

— Quer ou não?

— Absurdo... quero.

No fim, eu toparia trepar por grana, sem pudor, sem apego, sem amor e sem sentimentos, como um ser oco... E por acaso, voltei a ler o conto do início e me vi completamente na pele do Baby Boy.

Baby Boy, caiu na prostituição ainda menor de idade, aos dezesseis. Família rígida durante a infância, desestruturada na adolescência, uma tragédia lhe aconteceu quando passou dos quatorze para os quinze anos e por fim, a fuga, as ruas, as drogas e a necessidade de suprir o básico em sua vida, o levou de encontro a um caminho misterioso da prostituição.

Boy, Baby, nomes de guerra que ele escolheu como se fosse sua nova identidade e seria isso. Se pressionado a contar sobre o real nome, mentiria que se chamava de Gabriel, Luís, Júnior, Bruno, João Paulo ou João Mateus. Não voltaria enquanto sentisse necessidade de retirar seu sustento. Não quis voltar quando tornou-se universitário e as oportunidades começavam a brotar, as portas se abrirem e as pessoas lhe sorrirem. Não voltaria, a não ser que a vida ou morte devolvesse a ele, o motivo de seus sorrisos reais, pois tornara-se um ator formidável, fingindo uma felicidade roubada para os clientes. Não acreditava nas pessoas, não se iludia com mundos que foram prometidos a ele, clientes que ofereciam além das pagas, bens caros, uma vida digna, proteção e amor.

Momentos da vida dele passavam com frequência em frente aos olhos castanhos, que as lentes tornaram verdes naquela noite. Uma tatuagem de hena enganaria o cliente que o procuraria por aquela marca em sua pele. Nada era real. Baby Boy ainda acreditava que o único amor de verdade advinha somente de Ravel, a gata que o censurava com o olhar a cada homem que seu dono recebia no pequeno flat alugado. Ravel era tão preta quanto o quarto escuro, temido pelo jovem. Os olhos amarelos, tais como o miolo da Margarida, flor que Baby Boy amava. Seus seguidores no twitter, insta e face sabiam de seu amor pela simples flor. Uns bem ousados lhe mandavam buques sofisticados de margaridas. Os conspiradores alimentavam teorias de que a mãe do escort, assim se chamava. Ninguém supunha o que significava essa sua predileção. Por ele, jamais saberiam. Ninguém saberia. Sequer sua mãe, o abraçaria. Sequer sua mãe seria por ele abraçada. Havia um vale rochoso entre os dois corações. A dor dela, o ódio dele por ela. Ele a culpava. Ela sofria mais que todos.

O cliente era pontual, cinco minutos antes do horário combinado, lá estava o cidadão. Trabalhador braçal cheirando forte a desodorante. "Pelo menos ele parece limpo", pensou Baby Boy, quando o cafuçú passou por ele. Estava preocupado, mas era com seu colega de função, Léo.

O cliente certamente poupou por meses para pagar pela cara sessão de ménage. A julgar pelo cheiro de colônia barata, os modos, a camisa social de seda, tratava-se de um homem de poder aquisitivo baixo. Pela aliança na mão esquerda, foi julgado como sendo casado. "Normal". Baby Boy estava acostumado com os héteros convictos, casados, pais de família e exemplos de moral e conduta que vinham para os seus braços.

Uns eram gays enrustidos. Outros eram machos pervertidos. Muitos não eram nenhum dos dois. Somente homens que tem tesão ou curiosidade de pegar um viadinho. No ramo, experimentara de tudo e o que mais lhe rendia, era atender a casais. Somente passivo. Estava na descrição, pois não adiantava, machões queriam sentar em sua rola mediana. Discrição. Muitos pediam para filmar a foda. Dinheiro. Já houve quem quis paga-lo com tickets de almoço, cartão de vale transporte carregado e objetos que supostamente tinham um valor.

Calotes. Sua filosofia, se é que poderia chamar assim, era "permanecer vivo". Sem dinheiro era como ser fodido por dois paus ao mesmo tempo. Traduzindo: "porque não fazer uma caridade vez ou outra e continuar respirando por mais um dia?"

— Cadê o outro moço? — Léo estava atrasado mesmo. O cara queria ver um showzinho, filmar e depois, comer os dois por duzentos conto que seria dividido meio a meio.

O pagamento por objetos de prazer sem vontade própria. Repito em voz alta e entristecida.



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☺♥☺

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