Baby Boy - Amostra 3

Por Diogo

Quando se inicia algo, nos apresentamos para criar uma imagem nossa sem sabermos se será apreciada ou não. Mas vamos lá, pois como já sabem que sou comprometido, de certo gostariam de ter outros detalhes sobre este que antecipou trechos importantes de sua vida.

Me chamo Diogo Martins, natural de Tijucas cidade de Santa Catarina que não é a mais bonita, nem tão interessante, mas que contém parte de minha história de vida. Sou um cara moreno de cabelos e olhos escuros, gosto de usar uma barba bem cuidada, gosto de minha aparência, nem por isso sou um cara lindo que provocaria brigas e disputas, mas que mereceria uma segunda olhada. Trabalho com venda de móveis planejados e faço uma excelente comissão mensal que me permite ter uma vida bacana sem luxos excessivos, mas com um padrão legal conquistado ao longo da minha vida profissional que começou aos quatorze anos.

Foram anos complicados aqueles em que assumi. No meu caso, afastei-me da família, fui morar sozinho em Florianópolis, passando dificuldades em silêncio, crescendo orgulhoso com um pouco de rancor por meus dois irmãos, a Poliana e o Paulo Cézar, mais velhos que eu.

Conquistar a independência eu considero, quando damos entrada num imóvel e meu pequeno apartamento de dois quartos, que não passava de sessenta metros quadrados, era como uma galáxia conquistada. Mobiliei com capricho, cuidei de detalhes como se eu de repente fosse um decorador nato, foram três anos de paixão por aquele espaço enquanto meu namoro balançava com a pressão do Bernardo para que dividíssemos sua casa e trocássemos as alianças para o dedo esquerdo.

Não aceitei locar meu apartamento e ouvi seu desgosto com minha decisão, pois o valor da locação seria uma renda bem vinda. Sempre tive problemas, por isso, com pessoas imperativas e ditadoras, Bernardo queria me dizer o que fazer quando eu, por ser mais velho, queria não ser mandado.

Depois de três anos de namoro já conturbados, conviver oito meses sob o mesmo teto com um cara estranho de repente, envenenou completamente nossa amizade. Bernardo e eu não nos acertávamos mais, então sugeri sair de sua casa e a partir dali, vivi um inferno. Em seu estado depressivo, eu sofria junto, participei de psicoterapia a fim de entendê-lo melhor e tentar ajudar de alguma forma. Os amigos ficavam em cima de nós com medo que eu o abandonasse. Bernardo se tornara mais agressivo e na primeira bofetada que levei, pensei em revidar, mas ele chorou arrependido. Na segunda vez, eu ameacei de terminarmos e na terceira, me expulsou de casa e apareceu dois dias depois aos prantos, "andando" de joelhos enquanto eu ia de ré tentando me afastar.

— Você tem que entender que isso é culpa da minha depressão.

— Eu tenho que entender... — repeti e me neguei a voltar à sua casa. O acusei de estar cada vez mais estranho — Uma moça que trabalha no caixa da loja, está tomando mais medicação que você, mas a única coisa que ela comenta que sente, é vontade de chorar o tempo todo.

— Eu não pedi pra ter isso. Não me compara com essa pessoa.

— Me agrediu três vezes! Três vezes, Bernardo! Nós namoramos três anos, eu sempre te apoiei com relação ao tratamento.

— Eu vivo sob pressão, Diogo. Tenta se colocar sob a minha pele. Tu é um vendedor de qualquer coisa, eu sou diretor de uma escola. Entenda a diferença!

— Ah claro, você é melhor que eu. Bem mencionado. Eu te adoro e só por isso que ainda te suporto, mas agora é cada um na sua casa, entendeu?

— Prefiro terminar.

— Que seja.

— Tu não se importa comigo!

Bernardo se tornou muito cansativo quando entrou nesse modo de expor seu problema. Chorava tanto que me deixava aflito, se negava a tomar sua medicação, colocava sua mãe contra a minha pessoa, alguns amigos nossos se intrometiam achando que eu estava sendo um pouco negligente. Até tentava explicar que insistia para que ele não parasse com seus remédios, mas daí sempre tinha aquele que sugeria que voltássemos a morar juntos para que eu controlasse sua medicação.

Tentei pela segunda vez, após suas juras de mudar o comportamento, sua mãe não se agradou com a notícia e na primeira discussão que tivemos, primeira nova discussão eu quis dizer, ele me jogou isso na cara, inclusive a preocupação dela sobre eu supostamente estar tentando tomar conta da casa do seu filho. Traduzindo, me chamou de interesseiro.

Suportei até suas ameaças, caso acontecesse algo com Bernardo, mas o que aconteceu foi um novo surto dele e minhas roupas, objetos, calçados e livros, foram jogados pela janela do segundo piso de sua casa. Catei o que tinha ali e mesmo estando tudo ensopado pela chuva, enfiei no meu carro e escapei daquela loucura pela outra vez. Quando mais tarde ele me telefonou, atendi já esperando gritos e xingamentos, mas ele sequer tocou no assunto como se não lembrasse de nada.

— Onde você tá, amor?

— No meu apartamento. — fiquei só assuntando enquanto ele falava de coisas aleatórias sem explicar o porquê de ter jogado minhas coisas pra fora de sua casa.

Sem me perguntar se eu voltaria, foi capaz de me deixar meio preocupado, mas dias se passaram sem que eu fosse procurado, até que ele deixou uma caixa de papelão na portaria do prédio e entendi que tínhamos terminado.

— Melhor coisa que eu fiz, Tati, sair da casa dele. — Eu me afastara de alguns amigos por causa do Bernardo, depois do término resgatei amizades e afastei-me do grupo que sempre o cercava. Por mais minado que estivesse o relacionamento, eu tinha sentimentos e me preocupava com sua saúde. Jamais duvidei dos seus problemas, mas uns amigos disseram-me posteriormente que ele falava em todas as direções que foi só ter terminado comigo que não precisou mais de seus medicamentos. — Enquanto só namorava com ele, tinha um ou outro desentendimento, mas sob o mesmo teto, virou um inferno.

Enquanto contava pequenos trechos à Tati e Bruna, Jorge prestava a atenção ou interrompia às vezes para perguntar se queríamos que ele fosse embora. Eu estava mal de verdade, eram recentes os últimos acontecimentos e por isso dei pouca importância às conversas do rapaz belo e mandão que me encarava interessado.

Lembro-me que sentados na praia no primeiro encontro a sós, entramos no assunto, falamos de passado com esses infortúnios de ambas as partes, afinal ele também tinha suas amarguras.

— Em qual área tu trabalha?

— Sou fisioterapeuta.

— Que delícia de "fisio", devem pensar — o faço rir e ele questiona se realmente o acho atraente. — Numa escala de zero a dez, você fica ali entre o sete... seis...

Em vez de resposta, mais um riso seu após estreitar os olhos ornados com cílios escuros e compridos. Um charme.

Mas dias depois de eu ter respondido um sim quase inaudível, de termos transado todos os dias subsequentes, bateu um arrependimento estranho. O tempo inteiro eu o comparava com Bernardo, especialmente nas partes ruins. Jorge é dono de personalidade fortíssima e o anterior tinha isso também. Ambos eram passivos, muito putos e sexys, ambos me amedrontavam com seus apetites por sexo em lugares improváveis, seus atos despudorados quando o tesão elevava demais.

Dizer sim, quando deveria dizer talvez foi como colocar uma coleira como previ, como temi e de alguma maneira, como eu quis. As comparações diminuíram quando sua mãe e seu pai foram extremamente gentis comigo, quando fui apresentado. Jorge procurou não usar a palavra namorado ou me tocar ou fazer qualquer ato que acuasse seu pai, que segundo eles todos, deu muito apoio ao filho quando Jorge assumiu-se.

— Não que seja tudo mil maravilhas, mas meu pai foi incrível, Diogo. Tem muitas coisas que ele defende que vai contra o pensamento mais conservador da mãe. Por isso me dou muito melhor com ele. Mas a velha é uma pessoa fofa quando quer.

— Sua mãe foi muito legal comigo.

— Ela te adorou. — Jorge comenta no caminho enquanto me leva para o seu apartamento. Depois disso tivemos aquelas horas deliciosas, cheias de sabores e cheiros, beijos e sexo quente, dengos e preguiça. Tudo isso um dia antes de completarmos os seis primeiros meses juntos.

Bem menos conturbado que o primeiro relacionamento, era meu convívio com Jorge. No entanto tinha dias em que quase o mandava à merda, como aqueles em que chegava sobrecarregado com infortúnios na área da saúde do SUS. Querendo manter a boa convivência, sempre procurei ser o conciliador, o namorado compreensivo e paciente. Nessas horas ele reclamava da minha passividade.

— Não dá pra ouvir: "Jorge, fica calmo"... como se desse para ficar calmo trabalhando na saúde pública. Quem olha o prédio onde moro e o carro que dirijo devem achar que nasci rico ou que ganho muito dinheiro fácil. O doutor Marcos, sabe, o gastro que está entrando na sociedade com o doutor Nascimento, disse que estava com dois corações entre eu e a Cleide, no fim tu já sabe que ela entrou e eu fiquei nesse raio de hospital. Sabe como é o regional, "desovam" tudo ali, chega a ser desumano com a gente e os pacientes ficam até nos corredores. Fora que ir pra São José todos os dias dá uma despesa fodida, gasolina, almoço, manutenção do carro... amor, eu tô cansado hoje.

Preferia nesses horas ficar calado, abraçando-o, deixando de desabafasse já que isso era quase uma reza diária, e ele terminando com a frase: "muito empenho, pouco elogio", sempre. Sempre achei que esse era meu papel como companheiro, empurrar meus próprios problemas para o vazio e me concentrar no homem que no meio da sua loucura de vida, preocupava-se com que eu tinha almoçado e se tinha abolido de verdade o refrigerante que ele tanto despreza.

— Verdade, bee, o Diogo não sentava na mesa sem um litrão de refri.

— Mas uma coquinha bem geladinha, querido, diz que não dá vontade às vezes. — o provoco na frente de nossos amigos.

— Dispenso. Refrigerante é um veneno. Quando ele dorme lá em casa, eu mesmo antes de sair cedo, bato pra ele um suco verde e fico em cima pra ver se come pelo menos uma fruta.

— Eu ia comentar mesmo, o Diogo emagreceu desde que a gente conheceu ele.

— Doze quilos em três anos e não recuperei mais, mesmo agora que não tô treinando tanto quanto antes.

— Eu só faço ganhar peso — explica o amigo do Jorge — Um pouco é pela genética e o resto é pela ansiedade mesmo. Dá um pouco de inveja de quem é magro.

— Amigo, eu tenho inveja de quem é rico. — Era bom quando o papo cambava para as inutilidades, tirando o foco das reclamações do Jorge e nos colocando num nível parecido, deixando-o até mais palhaço — Onde tu disse que é o rim??? Gente... não entendo mais de anatomia, hahahaha...

— É aqui do lado.

— Onde? — nos afinamos de tanto rir quando um dos meninos explicou que doía num local abaixo da cintura.

— Se eu morrer por problemas renais, vou assombrar o hospital que tu trabalha, viado debochado.

— Amore, vou te espetar com esse garfo, peça desculpas até o ponteiro bater vinte e três horas.

Eu tinha a certeza de que o amava ainda mais quando Jorge se libertava do modelo certinho e tornava-se mais desbocado, menos mandão e teimoso, pois em geral eu passava trabalho para contornar certas coisas. O trauma dos três anos com meu anterior dava-me sensação de que de uma hora para outra nós também íamos mudar a configuração da relação. Tinha horror de pensar em me juntar outra vez. Temia a instabilidade que o envolvia muitas vezes. Com sua sobrecarga, eu acabava sendo o mais afetado por suas explosões e desabafos, queria que as coisas melhorassem para o Jorge para que eu também colhesse bons frutos.

Quando falo de importância, jamais poderei ofuscar a sua. Jorge ajudou-me com um tema complicado que é meu relacionamento com minha mãe e irmã mais velha. Por dona Elba, já teríamos reatado antes, mas quanto a Poliana, ela aumentava os níveis de dificuldade e envenenava meu irmão também. Graças ao meu namorado, voltamos a nos ver com regularidade muito antes do seu problema de saúde agravar e forçar meus irmãos a me acolherem como parte das suas famílias estruturadas.

Pude crescer muito mais ao lado dele, meu apoiador entusiasta, deixei que a nossa rotina temperasse todos os momentos e procurei sempre ser fiel, pois acredito na reciprocidade disso.

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