Todos os Finais
Narração por Guilherme.
-Eu te amo - eu disse antes das portas se fecharem sem nem dar tempo dela retribuir.
Olho para os lados, Maggie e Christian estavam nervosos, ninguém iria nos acalmar enquanto Alexia estivesse lá dentro. Preciso sair daqui, preciso de cigarro e cerveja, eu não ia aguentar o tempo do parto e a notícia se o bebê está vivo ou não.
-Guilherme, quer ir para um lugar mais arejado? - pergunta Maggie para mim.
-Sim - respondo.
-Ariel - ela chama a enfermeira e passa seu rádio. - Quando tiverem notícias, você só aperta esse botão vermelho, que Christian saberá que temos que descer.
-Tudo bem.
E assim, entramos em um elevador um pouco cheio, fomos até o último andar vendo as pessoas saírem e só sobrar a gente.
-Aonde estamos indo? - pergunto.
-Para a recepção de helicópteros - responde Christian que olhava o visor passando os números.
A porta se abre silenciosa e saímos, o vento bate forte contra nosso rosto. Estávamos a metros de altura, era possível ver quase toda a cidade. O mar bem longe, os prédios quase minúsculos. O "H" no centro gigantesco, com luzes vermelhas ao redor.
Maggie e Christian chegam até o parapeito e me aproximo deles. Respiramos aliviados. Pássaros dançam no ar em nossa frente, rodopiam e em seguida voam contra o vento, em bando. O horizonte escuro me causava calafrios. Olho para cima e as estrelas quase me abraçavam, pareciam tão perto nesta noite.
Não falamos nada por minutos, apenas observando a paisagem e esperando o maldito rádio de Christian tocar.
-Como vocês acham que seria? - indaga Maggie de repente.
Viramos para ela curiosos.
-Se ela se for.
Vejo uma lágrima escorrendo de seus olhos.
-É tudo tão rápido não é? Um dia, ela estava rindo e brincando, no outro, grávida e com risco de vida - ela dizia aquilo mais para si mesma do que para a gente. - Quando meu tio faleceu, foi assim. O almoço em família foi programado e ele não compareceu, pois tinha sofrido uma parada... Morreu na hora.
Lembro de mortes que testemunhei quando criança, minha avó, minha tia distante, meus dois primos em um acidente de carro. A morte é algo misterioso, você nunca sabe quando vai acontecer, por isso, viver é precioso.
-Acho que não seria a mesma coisa se perder ela. Mesmo que meu tio fosse meu tio. Alexia é como uma irmã - ela diz, chorando novamente e se agarrando aos braços de Christian.
Não consigo dizer uma palavra. Eu sofreria se ela morresse ou nosso filho. E, pelo que parece, um dos dois eu iria perder esta noite.
Pego meu celular e vejo a ligação de meu pai, retorno para ele.
"Olá".
"Filho? Onde está?"
"No terraço do hospital, com Maria e Christian" respondo tentando parecer calmo.
"Tudo bem, vou passar o recado para os amigos de vocês. Estavam lhe procurando"
"Quem são?"
"Suzane, Pedro e Anthony".
Depois desligamos, e os mesmos em questão de sete minutos aparecem na porta, se aproximando da nossa vista. Pedro me abraça e também estava com os olhos vermelhos, Suzane em seguida e depois Anthony. Mais um tempo o silêncio retorna.
-O engraçado é que ela passou por isso diversas vezes - brinca Maggie. - Ela quase viu todos de nós morrer. E agora é ela... Ela que tem que lutar pela própria vida.
A porta se abre novamente, olhamos para trás e me surpreendo.
-Eu volto se quiserem, mas não queria deixar isso passar. Fui informado que Alexia tem risco de vida e vim... Quero saber das notícias pois acreditem ou não, eu gosto de cada um de vocês - informa Marcos.
Maggie se aproxima dele, e diferente do que todos pensavam da reação dela, ela o abraça. E fica ali por um tempo, com os braços em volta dele, e ele retribuindo um pouco assustado.
-Me desculpa - diz Maggie. - Por lhe afastar de sua filha.
-Eu mereci - ele diz. - Eu que peço desculpas. Nunca mais aquilo vai se repetir, eu... Eu visitei psicólogos e, juro que estou tentando ao máximo mudar como pessoa...
Maggie não o espera terminar e beija Marcos. Pelo menos uma coisa poderia terminar feliz ali.
-Estou te dando uma segunda chance - ela diz parando o beijo. - Mas se você encostar a mão em mim novamente, eu tenho todo esse grupo pra acabar com a sua vida.
Ele ri e nos olha, e voltam a se beijar.
-PESSOAL! - grita Christian, seu rádio estava apitando. - VAMOS!
Foi ele dizer isso que todos nós começamos a correr em disparada para o elevador. Lotamos todo ele e pedíamos para que ninguém entrasse sempre que ele parava em algum andar.
-Meu Deus, meu Deus, eu vou entrar em estado de choque - dizia Maggie apertando o botão sem parar. - NÃO PODE ENTRAR! - ela grita para a mulher quando o elevador se abre em um andar que não íamos descer. - Desculpa senhora, emergência.
O elevador se fecha mais uma vez e ela continua pressionando o botão, seus cabelos ruivos bagunçados de tanto que ela passava a mão na cabeça.
Enfim, a porta se abre.
Oque eu esperava é uma cena feliz, com Alexia em uma cadeira de rodas, sorrindo e segurando o bebê. Mas não foi assim.
-Cadê ela? - pergunto para sua mãe
Ela se vira, estava chorando.
Então aceito o pior.
-NÃO! - grita Maggie; - NÃO! CADÊ MINHA AMIGA?
Christian a segura antes da mesma avançar contra a porta que estamos impedidos de passar.
-Onde ela está? - continuo perguntando.
A mãe de Alexia me olha, sem demonstrar reação.
-A criança nasceu, Guilherme.
Meu peito doía e minha cabeça também, não consigo demonstrar felicidade por isso, eu queria os dois vivos. E o fato dela não me responder sobre Alexia, me machucava profundamente.
Maggie estava no chão, sem forças.
-Ainda não temos notícias dela - diz a enfermeira. - Vá ver seu filho, ele está na encubadora, virando esse corredor.
Respiro um pouco e ando até lá. Um médico lá dentro me informa onde ele estava. Logo, Maggie, Christian, Pedro, Suzane e Anthony chegam para ver também. Nosso coração parecia se tranquilizar de alguma coisa inexplicável. Ele dormia, calmo, como se tudo oque passou fosse apenas uma aventura.
E tudo foi mesmo. Uma grande aventura desde o princípio.
Marte nasceu. E com ele a certeza de que, nada é por acaso. Tudo tem um propósito. Mesmo que te machuque, mesmo que no início pareça difícil. Tudo na vida tem um porquê. Lide com todos os momentos sem desistir nunca.
Queria poder abraçar meu filho, e falar que tudo iria ficar bem.
Queria poder contar da história que o fez chegar aqui, do momento mais lindo da minha vida. De todas as loucuras, erros, acertos. E dizer para ele que oque ele enfrentasse, poderia contar comigo, e contar com ele mesmo.
Nada melhor que nós mesmos para passar dos problemas.
-Eu estou muito feliz - digo. - Aconteça oque acontecer com a mulher de minha vida. Tudo isso valeu a pena. Todos nós amadurecemos e... E eu sou grato por tudo que passamos juntos.
Nos abraçamos, no meio do corredor, e todos nós do circulo choramos, até mesmo Marcos.
Passamos por fins e começos. Por altos e baixos.
-Quem é o pai da criança? - aparece uma médica perguntando no corredor.
-Eu.
Me aproximo e ela me chama para um canto.
No canto em que iríamos conversar, vejo a mãe de Alexia sendo amparada por médicos, ela chorava de soluçar e brigava com eles pare que a soltassem.
-Eu sinto muito, senhor Guilherme... Mas a sua esposa não pode resistir.
Aquele momento.
Aquele pequeno momento, ficou marcado para sempre como o pior dia de minha vida.
Foi isso que Alexia me proporcionou, o melhor e o pior.
-Ela perdeu muito sangue...
-Para de falar - digo para a médica.
Olho para trás, todos aguardavam minha resposta.
-Morta - digo.
Maggie quase cai no chão, Christian a segura antes de bater a cabeça, e no chão, os dois choram de soluçar. Enquanto Pedro abraça Suzane e Anthony encosta em uma parede com a mão no rosto.
Minha fica não cai, até que meu pai se aproxima e me abraça.
-ELA MORREU PAI! - grito o apertando tão forte com a vontade da dor sumir. - O AMOR DA MINHA VIDA MORREU!
Choro no cangote dele até não aguentar, estava arfando e minha cabeça parecia explodir.
-EU NÃO VOU CONSEGUIR VIVER SEM ELA. DEUS! POR FAVOR! - continuo chorando.
-Eu sinto muito - meu pai diz, chorando também.
Era esse o fim.
Alexia morta. Eu conseguiria viver com isso? Só Deus diria.
***
CINCO ANOS DEPOIS
-Vem Duda, vamos brincar.
-To indo Malte.
Sentado na varanda de campo, observei as crianças brincarem, a dificuldade de Eduarda em falar o nome de seu primo.
Sentado ali, na minha nova casa, eu lembrei dela. Alexia. Lembrei do seu sorriso largo, lembrei como eu chorei no seu enterro. Em como eu queria acreditar que fosse tudo mentira, em que ela voltaria para mim.
Mas após todo esse tempo eu caí em realidade, nem tudo é como esperamos. O fato de que ela se foi, não muda minha felicidade em ver nosso filho correndo pelo mato enquanto caça joaninhas. Todos um dia superam uma perda.
Todos um dia passaram por uma perda.
É triste no início, você acha que não vai aguentar. Eu sei. Parece que o mundo fica menor e você não cabe nele.
Bom, essa foi a nossa história de amor.
Nem todos tem um final feliz.
Acredito eu que não tivemos um final feliz, e sim uma história toda em que possamos nos orgulhar. Por tudo que passamos, enfrentamos, e nunca desistimos. Todas as opções que apareciam, agarramos na nossa fé em um destino melhor.
Podem dizer que eu merecia morrer, no lugar dela, eu já pensei nisso também. E sim, merecia mais que ela. Mas ninguém sabe os planos do destino. Aprendi isso na maneira mais cruel que alguém pode aprender.
E hoje, enquanto vejo Maggie servindo cachorro-quente para Marte, Eduarda e o novo filho de Christian, Alex, eu entendo que um final feliz não é como nas novelas ou livros que costumamos a ler. Um final feliz, é mesmo que tudo oque você passa for ruim, você passou. O sorriso no rosto de Marte não explica a morte de Alexia, mais diminui. Ver Eduarda achar mais joaninhas que Alex, mesmo sendo mais nova que o adotivo de Christian, nunca vai substituir o fato de que poderia ser diferente também a sua gestação.
Crianças são crianças.
Um dia Marte vai entender o peso de não ter uma mãe. Um dia Eduarda vai descobrir uma história ruim do passado do seu pai, que finalmente mudou. Um dia, Alex vai querer descobrir quem são seus pais adotivos.
Mas isso realmente importa?
Sim. Importa.
Este momento de caça aos bichos, cachorro quente e lago no canto esquerdo da casa é nossa primeira e única opção. Mas as segundas virão. E eu sei disso. O meu mundo acabou no acidente. Voltou quando conheci Alexia. Acabou quando a mesma morreu e voltou quando Marte nasceu.
Estamos destinados ao fundo do poço e o auge dele.
A mãe de Alexia encontrou um novo amor, mesmo após a tristeza. Anthony, que agora conversava com a filha de Suzane e Pedro, tinha aberto sua própria igreja. Pedro ingressou no ramo literário e pretendia lançar um romance. Suzane era professora de uma faculdade super importante. Maggie ganhava um salário sem igual no seu novo hospital, Christian também. Ambos mudaram dali pois não conseguiam trabalhar onde antigamente eram três.
E eu, fiz a viagem a Paris, toquei para uma cerimônia de grandes políticos na Alemanha. Rodei o mundo em cinco anos, acompanhado do meu escudeiro Marte e meu pai.
Era só nós três.
Todo mundo pensava nela, em como ela mudou nossas vidas. No sorriso. Nos vagalumes, no big-bang, na ampulheta, nas pizzas de cachorro-quente. Na vontade de experimentar histórias novas.
Alexia foi história e fez também. Foi nessa vida muito cedo, mas aproveitou tudo ao máximo.
Irei ser eternamente grato.
E agora, você quer saber como vai ser daqui pra frente. Bom, você conseguiu seguir sem aquela pessoa que morreu anos atrás certo? Pode ter sido horrível o momento, mas olha quanta coisa você passou desde que tudo aconteceu.
Erga a cabeça, nem tudo é feliz, isso faz parte da vida. Mas o mais importante: a felicidade sempre vem, isso também faz parte da vida.
Não superei a morte de Alexia, e não preciso superar. Mas tive coisas grandiosas depois de tudo.
Superação. Isso é oque o universo quer provar, o ser humano passar por tudo, isso é viver.
A nossa história não teve um final feliz, mas que lhe ensine que a vida tem diversos finais. Pois bem, é isso. Daqui pra frente eu espero que você tenha entendido a importância de todos os acontecimentos da sua vida. Tudo tem um propósito. E tudo passa.
As segundas opções nunca foram tão marcantes.
Marte se aproxima de mim com uma joaninha nas mãos.
-Papai, é pra você.
A seguro, passando a mão nos cabelos cacheados dele.
-Eu te amo - ele diz e me abraça.
Me arrepia quando ele diz isso, Alexia não conseguiu responder o meu último "eu te amo" para ela. E por mais estranho que isso pareça, agora parecia ela dizendo.
O abraço forte.
-Eu também te amo, filho.
-Fim-
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