Sentença

O pai de Guilherme se manteve ao meu lado por toda a audiência. Não conseguia olhar para ele, eu apenas imaginava a reação de Guilherme ao perceber que ele estivera ali todo esse tempo. O homem que o expulsou de casa, sem um pingo de arrependimento e misericórdia. Estava ali, apenas observando aquele show dos horrores.

O juiz escutava as defesas dos advogados de ambos, Anthony e Guilherme dificilmente trocavam uma palavra, pareciam esgotados e que aquilo acabasse logo.

-O réu ali cometeu um acidente de trem meses antes de sentar aqui novamente. Sinceramente, o meu cliente pode ser oque for, mas ele agiu com motivos. Guilherme parece ser um desequilibrado que tem acabado com a vida das pessoas - diz a advogada de Anthony.

Os repórteres anotavam tudo e alguns cochichavam e concordavam com oque era dito. Merda. Ninguém sabia ao fundo os motivos de que levou tudo a acontecer, mas todos conseguiam julgar. Hipocrisia.

-Bom - começa o advogado de Guilherme. - A partir do momento em que Anthony era um chefe de quadrilha...

-Que pagou fiança...

-Silêncio, senhora! - anuncia o juiz cortando a advogada de Anthony.

-Continuando... Anthony não era nenhum santo, longe de ser, visto que sua máfia roubou milhões de pessoas nos últimos anos. E depois do meu cliente fugir com seu dinheiro roubado, desistindo daquela vida, ele foi atrás para matá-lo. Devemos julgar mesmo o erro do trem visto que Anthony fazia seus erros propositalmente? - ele pergunta e todos ao redor concordam, um ponto para nós.

A audiência seguiu por umas duas horas, seguida por discussões calorosas dos advogados. O juiz determinou um intervalo de trinta minutos, parecia que estávamos dias ali.

E quando Guilherme levantou, eu me lembrei quem estava ao meu lado.

-O senhor precisa sair daqui - digo, finalmente trocando palavras com ele.

-Eu?

-Sim, Guilherme não pode te ver...

-Ele é meu filho - responde rispidamente.

-Tudo bem que ele é seu filho, mas te odeia. E o senhor o odeia também. Guilherme vai ficar desestabilizado quando ver que você está aqui - explico.

O homem revira os olhos.

-Primeiro, Alexia, não odeio meu filho, acho que não mais... Segundo, tenho que conversar com ele, e tem que ser hoje - ele diz. - Além do mais, olha pra frente...

Quando viro o rosto vejo Guilherme nos olhando, boquiaberto e completamente parado ao longe. Levanto e passo pelo seu pai, adentrando o corredor e o chamando para fora, ele passa quase correndo por mim e vejo que seu pai levanta do banco.

Quando saio pela porta, Guilherme estava encostado olhando pela janela.

-Quem é aquele Alexia? - ele pergunta desesperado. - Aquele homem, parecia tanto...

Guilherme olha fixo em meus olhos, não respondo nada. 

A porta se abre novamente, era ele.

-Não... - nega Guilherme com um sorriso de nervoso. - Não pode ser...

-Sou eu filho.

-Filho? - ele ri ainda mais ironicamente. - Oque você tá fazendo aqui?

-Como assim oque estou fazendo aqui, você está em uma situação difícil e...

-COMO EU JÁ ESTIVE ANTES! - grita Guilherme, algumas pessoas ao redor nos olham assustadas.

Seguro sua mão, ele perder a cabeça agora só iria piorar sua defesa, o advogado de Guilherme aparece me afastando e olhando no fundo dos olhos dele.

-Oque houve - pergunta o advogado Figueiras.

-Ele - diz Guilherme apontando para seu pai. - Oque ele faz aqui? Tira esse homem daqui.

-Vamos conversar filho...

Chego mais perto do pai dele quando o advogado afasta Guilherme.

-Qual seu nome? - pergunto.

-Manoel - ele responde olhando por cima de mim, Figueiras e Guilherme viram o corredor para conversar. - Deixe-me ir atrás dele...

-Não! - fico na frente dele. - Me diz primeiro, oque faz aqui?

Manoel me encara com aquela postura de sério, mas logo se dar por vencido e respira pesado. Era incrível como seus olhos lembravam os de Guilherme, até mesmo seu jeito de ser, era medonho tudo aquilo, mesmo que estivessem anos e anos sem ver um ao outro, eles se pareciam como se vivessem juntos.

-Quero voltar a falar com ele... Eu tive uma conversa com algumas pessoas e... Quando descobri onde ele estava, vim para cá rapidamente, não tive coragem no dia do acidente de trem, mas agora que soube que a audiência era aqui, eu não podia desistir novamente - ele explicava com lágrima nos olhos. - Não o vejo desde seus dezessete anos Alexia. Dezessete...

Ele deixa uma lágrima cair, não tento o deixar tranquilo pois não sabia se era o certo a se fazer, visto que Manoel causou muita coisa ruim na vida de Guilherme.

-Quando Sara morreu, eu vi que eu era... Um idiota egoísta... Não é sobre oque ele é, e sim oque eu sou. Como oque ele faz não agride ninguém, poderia mudar tanto? Não pode - ele diz negando e olhando pro chão. - Eu o amo, Alexia. É meu filho. Oque fiz foi um absurdo sem igual.

Manoel continua chorando e eu não sabia oque fazer, apenas observar.

-Eu só estou aqui para pedir desculpas, sabe? Só isso...

Sou empurrada por alguém que abraça Manoel. Era Guilherme.

-Eu te desculpo, pai - ele diz chorando também.

Os dois se abraçam e choram juntos. Era uma das cenas mais lindas que vi, olho para trás e o advogado estava com os olhos marejados também, as pessoas ao redor paravam para ver os dois se reconciliando. 

Aquilo sem querer subia mais pontos para a gente, estavam vendo o verdadeiro Guilherme, o seu interior mais bonito.

-Me desculpa, por todos esses anos - diz Manoel beijando o rosto dele ainda mais.

-Ta tudo bem - diz Guilherme. - Tá tudo bem mesmo.

Os dois sorriem e continuam abraçados, e quando se soltam, Guilherme me apresenta.

-Essa aqui é minha namorada, Alexia...

-Conheci ela já, encantadora - diz Manoel beijando minha mão.

Figueiras se aproxima de nós e avisa que faltava apenas vinte minutos. Guilherme segura minha mão e se afasta.

-Você é a pessoa mais incrível que já conheci, digo, em toda minha vida. Eu não canso de dizer isso, porque eu não me canso de você - ele diz com os olhos cheios de lágrimas.

-Por que está me dizendo isso agora? - sorrio sem graça.

-Porque toda hora, é hora, de dizer que te amo - ele diz e me beija. - Aconteça oque acontecer, não desiste de mim.

-Nunca - respondo.

Guilherme me beija novamente, dessa vez ainda mais demorado.

-Vamos construir uma família? 

-Vamos falar sobre isso agora? - pergunto rindo.

Ele ri de volta e beija minha testa, depois solta minha mão quando seu advogado chama.

***

-Início da segunda parte da audiência - diz o advogado. - Sentem-se.

E assim foi feito.

Anthony parecia arrasado, não aguentava mais ficar ali, puxava toda hora sua gravata social vermelha e fazia o nó mais uma vez. Sua advogada parecia revoltada, o medo de perder o caso era iminente para todos, pagar uma taxa absurda de dinheiro que nenhum dos dois tinham, mas foi ideia de Anthony o processo, e ele sabia disso, parecia se arrepender a cada segundo pela decisão.

Quem argumentava agora era o advogado de Guilherme, ele apresentava provas que sustentavam seus argumentos. A advogada de Anthony olhava as papeladas apressada antes de começar seus discursos, eu tinha medo do que ela procurava ali.

-Obrigado, advogado Figueiras - diz o Juiz o mandando sentar. - Sua vez, advogada Rumierez.

-O réu Guilherme pelo visto não esteve de coitado nos anos que Anthony roubava máfias igualmente criminosas. Guilherme participou em uma missão deles...

-É MENTIRA! - grita Guilherme, mais precisamente para o juiz.

-Silêncio!

-Prosseguindo, ele ajudou a ficar de escolta no lugar - ela dá os papéis para o juiz. - Com o codinome "Pardal", ele foi inocentado após a justiça local não ter espaço para celas com criminosos que não eram tão perigosos, ou seja, Guilherme sempre sai ileso pela justiça, desde anos. É isso que vocês querem? Mais uma vez inocentando um causador de problemas...

Guilherme negava com a cabeça, possivelmente não foi assim que aconteceu. Anthony desamarrava seu segundo nó.

-Isso é mentira, Anthony me fez ficar na frente da boate se não eu morreria! - grita Guilherme.

-Silêncio! Silêncio! - grita o juiz fazendo Guilherme voltar a sentar.

-Matando ou não, vocês preferem ajudar uma pessoa a matar mil outras ou morrer?

-Pessoas criminosas!

-Guilherme Vitorio! Mais uma interrupção o senhor será culpado - diz o juiz. - Prossiga.

-Vocês devem pensar que, temos dois criminosos aqui, mas a questão é, qual é mais ardiloso? Oque está solto aí fazendo mil coisas e com um texto fajuto de vítima - ela diz e termina seu discurso.

O juiz comenta no ouvido dos homens ao seu lado.

Meu peito doía.

Respira.

Inspira.

Respira.

-O réu Guilherme Vitorio foi declarado culpado, pelos crimes de roubo do dinheiro de Anthony Conttini, o culpado cumprirá pena de dois anos em regime fechado - anuncia o juiz.

-NÃO! - grito.

-OQUE?! - exclama Manoel ao meu lado também se levantando.

-E o réu Anthony Conttini, visto que não podemos julgar pelos outros crimes cometidos por já terem sido resolvido na justiça, é inocente de todas as acusações.

Um policial anda pelo corredor e levanta Guilherme da cadeira.

-Não, por favor! - grito enquanto Manoel me segura.

Guilherme me olha de relance e vejo uma lágrima cair do seu rosto.

Dois anos.

Dois anos preso.





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