Progresso
Tinha se passado três dias, estávamos de volta ao hospital e já cuidando de alguns pacientes. Guilherme trabalhava, Pedro arranjou um emprego e Suzane estava com a barriga um pouco maior. A vida seguia, mas uma dúvida pairava entre eu, Christian e Maggie: quando Marcos iria aparecer?
Depois do ocorrido em que ele mandou a mensagem, eu tenho tentado não pensar muito sobre isso e fixei na cabeça que Marcos tinha desistido. Só esquecia do que tinha fixado quando Maggie se mostrava um pouco ansiosa com qualquer coisa.
Por exemplo: tem pego uma cirurgia atrás da outra, casos e mais casos difíceis em que é preciso ficar quase três horas em pé, ou mais. Exausta, chega a dormir no hospital. Eu deixei isso por dois dias, ontem mesmo reclamei sobre isso. Mas ela disfarçou dizendo que muito tempo longe do trabalho a fez sentir falta.
O medo não era só dela, mas meu e de Christian também. Não dormimos direito e começamos a ficar mias no hospital do que em casa, com a desculpa para nossos namorados que como ficamos um bom tempo longe, acumulou trabalho e tudo mais.
Dormimos na antiga sala doze, a sala abandonada em um corredor depois da recepção. Almoçamos, conversamos e dormimos lá.
Michelle estava bem mais leve depois que todos voltaram para o trabalho.
Escutava os internos, compartilhava coisas com os residentes, e sorria para os chefes de outros setores. O massacre mudou todos nós, e até hoje, ninguém falou nada sobre o ocorrido. Preferíamos fingir que nada daquilo aconteceu ou abalou alguma coisa.
-Pega o ketchup - pede Maggie me despertando dos pensamentos.
Pego para ela e passo, a mesma faz quase uma poça do molho pelas batatas e começa a comer. Bebo um pouco do suco e volto a comer o bife e fritas da quentinha que pedimos.
-Vocês não acham que é a melhor comida do mundo? - indaga Christian de boca cheia.
-Sim, claro. Se estrogonofe não existisse - contradiz Maggie.
-Bife e fritas é melhor.
-Estrogonofe.
-Bife e fritas.
-Oque acha Alexia? - ela me pergunta.
Bebia mais um pouco do suco, tinha perdido a fome e minha cabeça queimava, minha coluna também. Eu precisava descansar.
-Alexia?
-Vocês vão fingir que oque estamos vivendo é normal? - pergunto, os dois me olham sem graça. - E daí se é estrogonofe ou bife e fritas, todos iremos ignorar o fato de que estamos com medo de Marcos nos matar? Temos é que ir na polícia, olha quanta coisa passamos...
-Exato! Por ter passado tanta coisa eu não quero mais ter que ir fazer algo e correr risco...
-E vai viver assim até quando Maria?
-Prefiro viver assim do que ficar morta - ela diz e se levanta, batendo a porta da sala doze levando seu prato de alumínio.
Christian me olha como se compreendesse. Eu sei que é difícil para ela, com a perda dos filhos e tudo mais, mas era necessário ser dito aquelas coisas, Maggie precisava encarar a realidade, estava difícil para todos nós.
O momento em que Marcos aparecesse seria crucial, suspeito que como estejamos fazendo o plano de ficar no hospital, esse tal momento seria aqui mesmo. Rezo para que não tenha mais nada aqui, nada nessa sala doze, mais nada...
***
Acordamos após um dia cansativo, fui tomar banho no banheiro feminino compartilhado e trocar de roupa. Hoje os internos iriam fazer as provas para irem pra outros hospitais e alguns continuariam aqui, a maioria estava choroso de ter que se despedir.
Eu saí no corredor depois de um tempo sem paciência, arrumamos nossas coisas e hoje teríamos que ir embora do hospital, estávamos dormindo mal, longe de quem gostamos e tudo mais só por causa de Marcos, ou ele aparecia, ou viveríamos uma vida normal. E quando nos encontramos na sala doze, nós três quase não falamos. Maggie arrumava suas coisas em um canto e eu e Christian no outro, com pressa os três para depois ir ao centro cirúrgico.
Saí da sala doze, fui ao encontro de Michelle que entregou uma prancheta dizendo meus afazeres. Segui para o centro cirúrgico na sala trinta, me aprontei lavando as mãos e coloquei as luvas, quando entrei, o paciente já estava aberto com tubos respiratórios na garganta, ao redor de sua barriga tinha uma espécie de bambolê metálico partido, essa é a única comparação que consigo te dar, um ferro oval atravessava a barriga do homem, entrando pelo umbigo, dando a volta, e saindo pelo peito esquerdo.
Alguns homens cerravam o ferro e o cirurgião da sala cortava os órgãos, me aproximei e ele me estendeu o bisturi me falando oque fazer. Aquela cena toda eu só conseguia me perguntar como o homem estava vivo e como tinha acontecido, não me aguentando, perguntei.
-Como foi o acidente?
-Antes fosse acidente - diz o cirurgião dando uma risadinha. - O homem estava bêbado com seus amigos, ele disse que conseguia pular nas engrenagens da obra e ficar vivo, aí você já sabe...
Pessoas bêbadas confiantes na maioria das vezes param no hospital. Um recado que deixo para todos, não bebam e façam desafios.
Após saber oque houve, comecei meu trabalho, cortei a pele do homem e o senhor ao meu lado puxou outra parte do ferro com minha ajuda, mais sangue saiu e depois fechamos o curativo. Eu estava cansada após horas em pé e comecei a sugar o sangue mais rápido.
-OS BATIMENTOS ESTÃO DIMINUINDO, RÁPIDO! - gritou o cirurgião para os homens que tentavam tirar o último ferro debaixo do osso do paciente. - ANDEM!
Com uma precisão única, eles tiraram e a assistente correu para segurar o sangue com gases e já fazendo esterco. Observei tudo enquanto terminava de sugar o sangue, depois dos batimentos se estabilizarem o cirurgião mandou fechar o paciente, mais uma cirurgia com sucesso.
Saí da sala cansada, já estava começando a escurecer, não tinha mais nada para fazer a não ser esperar Maggie e Christian chegar, os dois operavam também e iriam demorar, aproveitei para comer uma barra de cereal que trouxe e beber suco de laranja. Deitei na cama da sala doze desativada e dormi um pouco.
Acordei com meu celular despertando, tinha se passado duas horas e os dois não tinha saído ainda, comecei a me preocupar, mas continuei na sala. Ignorando o fato que estavam uma hora atrasado.
Levantei e olhei ao redor, nessa mesma sala que tantas coisas aconteceram, boas e ruins, acontecimentos que me mudaram, se mais alguma coisa acontecer aqui eu mesma destruo tudo. Então, com o receio do destino, saí da sala para o corredor e fui ao encontro deles segurando as mochilas.
Christian estava na sala vinte e Maggie na vinte e um, por incrível que pareça, ambos estavam um do lado do outro e prestes a descer pelas escadas onde fiquei aguardando.
E para meu alívio, os dois apareceram rindo e conversando no topo.
-Fiquei esperando Maggie, ela operou um homem que pulou do prédio e ainda sim estava vivo, acredita?
-Dava tudo pra ver - digo entregando as mochilas deles. - Podemos ir para a casa? Estou morrendo de dor de cabeça.
-Vamos - Maggie diz pegando sua barrinha e comendo.
Atravessamos um corredor rindo, e sabe quando você sente que algo vai acontecer?
-Maggie! - chamou uma quarta voz atrás de nós.
Viramos para ver quem era, e sim, era Marcos.
Veio caminhando até nós em um corredor silencioso e vazio. Maggie se escondeu atrás de mim.
-Precisamos conversar - ele diz com olhos de cachorro abandonado.
-Oque você quer com ela? Tudo oque aconteceu com vocês, já chega Marcos! - grito.
-Ela te contou que ainda está grávida de mim?
Olho para Maggie, seus olhos estavam marejados.
-Ela não perdeu o segundo filho, e sim mandou o médico falar isso. Ela está grávida, e não é de seu novo namorado que nem sabemos o nome, e sim de mim.
Olho para os dois.
-Maggie, fala! Fala que você está pensando em ir para outro país, eles sabem? Que você vai embora pra nunca mais voltar!
Maggie grávida, olho para ela, olho para sua barriga, como não percebemos?
-Agora podemos conversar? - pergunta Marcos.
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