Onde Tudo Começou


Maggie e Pedro ficaram internados por dois dias, o hospital estava em silêncio constante. Todos continuavam vivos, mas o medo de que isso fosse breve tomava conta. A vida passa muito rápido, nós médicos estamos todos os dias olhando a morte de perto, e quando isso acontece conosco, vemos o quanto é valioso se empenhar a salvar uma vida.

Guilherme tinha ido trabalhar enquanto eu, Maggie, Christian e Pedro estávamos sentados pela minha sala toda. Ganhamos uma semana de descanso, exatamente, uma semana. 

Tenho notícias:

Marcos foi preso, a policia ouviu o depoimento de Maggie e checou as câmeras. Nessa hora, ele deve estar no pátio de alguma prisão superlotada. 

Suzane continuava grávida, mesmo com todo o tiroteio e correria ela não perdeu o bebê. Pedro estava um pai feliz e vivo, oque mais importava era isso.

Maggie perdeu o bebê e disse que não ia desistir de tentar outro, mas não agora. Ela cortou seu cabelo ruivo até os ombros, tinha decidido a começar uma vida nova e feliz com Ruan, ele parecia de acordo a ter uma vida ao lado dela, nem me pergunte como isso tudo começou.

Eu e Guilherme passando esse tempo todo não fazendo nada. Pra você pode parecer chato, mas é oque menos temos tempo de fazer. Com essa folga do meu trabalho, Guilherme e eu aproveitamos para conhecer nossos gostos peculiares. Fomos a uma feira de peixe e ele revelou seu talento para pesca, nos escrevemos para o festival que aconteceria no final de semana. Na minha vez, fomos para lojas natalinas que já estavam começando a rechear a cidade.

Sempre quis decorar minha casa para o Natal, eu e Guilherme iríamos comprar os enfeites hoje quando ele saísse do trabalho, tudo oque eu escolhi dias atrás.

Quando deu a hora, levantei do sofá enquanto eles conversavam e comecei a me arrumar. Deixei as chaves com Christian e saí. 

***

O céu estava nublado, um vento forte batia nos casacos das pessoas os fazendo esvoaçarem, nas ruas, luzes de pisca-pisca e enfeites natalinos começavam a aparecer. Oque eu mais amo desses enfeites, são os sinos, eu amava sino desde criança e pretendo encher minha casa deles, os que não fazem barulho, até porque o barulho me irrita.

Esperei Guilherme vinte minutos até ele sair da lanchonete carregando uma caixa de donuts até mim.

-Achei que iria gostar, eu tenho direito a dois de graça - ele diz abrindo a caixa, era um donuts de chocolate e o outro de doce de leite. - Estou com o dinheiro trocado.

-Eu amo você - digo dando um selinho em sua boca.

Enquanto andávamos procurando lojas, Guilherme segurava minha mão tremendo, estava um frio horrendo por toda a cidade, pelo menos, tinha um silêncio tranquilo e pouco movimento de carro. 

Entramos em uma loja que estava toda decorada de papai Noel e guirlandas. Guilherme estava mais entusiasmado que eu, pegou um presépio (e olha que eu nem sabia que ele era religioso), pegou um sino pequeno (sem o barulho), e dezenas de pisca-pisca. 

Pegamos gorros de papai Noel para cada um que iria passar lá em casa. E andamos com ele na cabeça pela cidade toda.

-Falta uma árvore de natal - ele diz segurando duas sacolas.

-Muito caro.

-Podemos dividir o dinheiro Alexia... - olho para Guilherme, ele estava com aqueles olhos gigantes que se tornava difícil recusar qualquer coisa. - Por favor...

-Ai você tem que parar de ser bonito.

Ele ri e me beija , puxa minha mão e corremos pela calçadas, eu segurava o gorro para não cair e perdia as forças enquanto ria de Guilherme me puxando. Viramos a esquina e ele entrou em uma loja.

Vários tamanhos e tipos de árvores decorava tudo, parecia um grande bosque.

-Meu Deus. Eu nunca tive uma árvore de Natal - ele diz passando a mão pelas imitações de folhas de uma. - E agora sei o porquê. Olha quanto custa.

Me aproximo da árvore que Guilherme olhava.

QUATROCENTOS REAIS UMA ÁRVORE DE TRÊS METROS.

Era ridiculamente caro.

-Deus me livre - ele diz e começa a ver outras.

Ando atrás de Guilherme esperando ele escolher a sua dos sonhos. Já tive inúmeras árvores de natal, desde criança até adolescente, depois disso eu nunca mais liguei tanto. Não é algo necessário para o Natal, mas eu entendia a frustração de Guilherme.

-Olha essa - ele me chama. - Acho que essa dá no nosso orçamento.

-Cem reais... - digo. - Mas tão pequena...

-Alexia, não importa o tamanho, e sim o espírito natalino.

-Está falando isso só porque a que você queria está cara.

Ele ri e me empurra, pega a árvore do mostruário e vai pagar.

Saímos da loga com mais uma sacola e árvore segurada na mão de Guilherme, de tão pequena que ela era. Pelo menos ele estava feliz, a quantidade de decoração que Guilherme comprou para aquela árvore era um absurdo para o seu tamanho, iria ficar coisas penduradas demais, mas não quis comentar. E ainda tinha a estrela que ele escolheu, GIGANTE E BRILHOSA. 

-Pode ir subindo, tenho que fazer coisas no banco e volto aqui - ele diz me passando todas as bolsas quando chegamos no hall do prédio.

Aceitei sem pestanejar e subi o elevador, Mário me ajudou a chamar e carregar as bolsas. 

Bati três vezes na porta do meu apartamento, Christian veio me receber com a cara toda oleosa.

-Compramos salgadinhos - ele diz me ajudando a segurar as bolsas. - E oque você fez? Roubou o Natal, Grinch?

-Idiota, segura logo isso - passo a árvore para Christian.

-Gente... - ele segura e começa a rir. - Oque aconteceu, roubaram a decoração das formigas? - ele pergunta vendo o tamanho da árvore. - Ou essa árvore é recém nascida?

Todos começam a rir e pegar sacolas e mais sacolas, levamos tudo para a sala e jogamos em um canto.

-Guilherme gosta tanto de Natal assim? - pergunta Pedro vendo as decorações e pegando as mais extravagantes.

-Parece que ele nunca teve, quis fazer algo especial - explico.

-E onde ele foi agora? - pergunta Maggie comendo os salgadinhos fritos na bandeja.

-No banco - respondo indiferente me esticando para pegar uma coxinha.


Passamos o dia conversando sobre Natal e coisas fúteis, ainda faltavam dias para nossa mordomia acabar. Não queríamos estudar, nem falar sobre o dia do acidente, não por enquanto. 

Quando foi de noite, todos foram embora me deixando sozinha com uma sala que parecia que todo o espírito natalino tinha vomitado ali. 

Pedro me liga e atendo.

"Você tem que vir no hospital. O mais rápido possível"

"Oque aconteceu?" pergunto.

Já era tarde, tinha desligado.

Não. De novo não.

Corro para me arrumar e saio aos tropeços de casa. Desço pelo elevador apertando o botão do térreo desesperada, quando as portas de metal se abrem, corro para a rua e chamo um táxi que virava a esquina, me jogo no banco de trás dele e passo o endereço.

O taxista foi super eficiente, correu por ruas e cortou caminhos, quando virou mais uma, avistei o hospital, e bem nessa hora, fomos parados em um trânsito.

-Pode me deixar aqui, obrigada - digo jogando o dinheiro para ele.

Saio do carro e continuo correndo, empurrando pessoas que quase caíam. 

Entrei pela porta da frente, ainda tentava ligar para Pedro mesmo nem conseguindo olhar os dígitos. E consegui.

"Aonde você está?" pergunto olhando para os lados, algumas pessoas do hall do hospital me olhavam curiosas.

"No terceiro andar, ala da recepção de cirurgia" ele diz.

"Oque aconteceu?" pergunto me espremendo no elevador lotado de internos.

"Só aparece rápido" ele desliga novamente.

Tinha medo do que iria me revelar quando a porta do elevador abrisse.

E abriu.

Saí respirando fundo, virei o corredor e vi todos eles. 

Maggie.

Ruan.

Christian.

Pedro.

E por fim, Suzane.

Me aproximei deles, o único que faltava ali era Guilherme. Merda.

-Oque aconteceu? - pergunto, mas ninguém parecia preocupado com algo.

Todos apontaram para atrás de mim, era a sala doze.

-Entra - diz Maggie.

Na recepção estava Michelle ao qual me olhava com um sorriso.

Oque estava acontecendo?

Quando giro a maçaneta e abro a porta, meu coração dispara. E dou um sorriso gigante, me faltava o ar.

A sala doze estava repleta de pisca-pisca dourado, tinha sinos em cordas amarradas nas janelas (sem o barulho), um desenho gigante no fundo de uma ampulheta, e do teto foram pendurados diversas miniaturas de planetas. 

Entrei por inteiro na sala observando a decoração, eu parecia estar no paraíso.

A porta se fecha atrás de mim e viro no susto.

-Onde tudo começou - era Guilherme usava a mesma roupa do dia do acidente, até reproduziu o sangue na camisa e cabeça, estava com a bandagem que fiz no primeiro dia em uma mão. Seus olhos brilhavam - Você disse que iria escutar minha história, parecia loucura para você não é? E realmente foi uma loucura só.

Guilherme se aproximava e lágrimas começavam a se formar no meu rosto.

-Eu pensei que a vida pode acabar de uma hora pra outra, então não quero esperar mais.

A cena de Guilherme me segurando na escada vem em minha mente. A bandagem que fiz em sua cabeça ensanguentada, o disfarça que usamos para fugir do hospital.

-É a nossa louca história de amor, com todos os erros, acertos e coisas improváveis. Eu sei que nós dois amamos essa história - ele diz.

Guilherme se ajoelha perto de mim, e choro enfim.

-Quer casar comigo?






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