O Julgamento

Quando acordamos, eu nem sabia onde estava minhas roupas, levantei do chão da sala e caminhei por toda ela procurando minhas coisas. Guilherme despertou e continuou nu no chão me observando andar.

-Daqui a pouco é sua audiência no tribunal - digo vestindo a calcinha e sutiã.

-Vai trabalhar hoje?

-Claro que não, já adiantei tudo pra ficar com você - respondo indo para cozinha e pulando Guilherme ainda deitado.

Abro a geladeira e pego o iogurte, viro em um copo e depois pego cereal, misturo tudo nesse copo.

-Iogurte com cereal?

-Fica uma delícia - digo pegando uma colher com a mistura. - Prova.

Guilherme levanta do chão e chega próximo a bancada que separa a sala da cozinha, engolindo o cereal.

-Que nojo, Alexia.

-Você que é fresco.

Levo o cereal puro para ele e ficamos comendo sentados no sofá, minhas pernas jogadas em cima das pernas de Guilherme, que ainda continuava totalmente sem roupa. Olho pela janela que entrava um vento, o cheiro de cimento molhado avisara que choveu na noite anterior, e nem escutamos.

-Vamos lá fora andar?

-Vamos - ele responde saltando para vestir sua roupa.

Levanto do sofá e nos arrumamos.


Guilherme segurava forte minha mão enquanto andávamos sem rumo pela praia vazia e fria com uma paisagem cinza do céu. 

Meu chinelo se enchia de areia, eu usava uma calça de moletom preta, chinelo branco e blusa branca também. Guilherme usava sua blusa preta favorita, bermuda jeans e boné cinza. Estávamos em silêncio a maior parte do caminho, trocamos poucos olhares, e até paramos de andar poucas vezes.

Era um fato que estávamos nervosos. Iria ser daqui umas quatro horas que tudo iria se resolver, eu não sabia nem por onde começar a falar sobre esse assunto. 

Guilherme me puxou pra sentar na areia e observamos as ondas batendo na areia e algumas levantando em rochas distantes. O vento soprava forte fazendo com que as palmeiras balançassem. 

-Se eu for preso...

-Guilherme...

-Alexia, presta atenção. Isso pode acontecer. Se eu for, não para sua vida por mim, por favor.

Assenti e continuo olhando pra frente. 

-Oque você acha que pode acontecer? Ele ganhar?

-Não sei - Guilherme diz quase num sussurro. - Anthony é bem ardiloso, tem advogados e tudo mais, eu tenho o meu. 

-Não me falou isso.

-Eu estou tentando te manter o mais afastado desse caos possível.

Volto a segurar a mão dele.

-Continuando... Ele pode ganhar e eu ter que pagar indenização, e não tenho dinheiro, e não quero ter que pedir pra ninguém da minha família... Todos eles sabem oque ta acontecendo, sabendo da audiência de hoje, sabendo que me envolvi com um criminoso... Não vão fazer nada assim como não fizeram no dia da audiência do trem - ele diz olhando pra cima. - E acho que... Depois daquele dia, a justiça vai achar que eu que sou o problema.

-Não vai ser assim, calma.

O abraço e Guilherme chora.

-Eu sinto falta dela, Alexia... Eu quero minha mãe... EU A AMAVA ALEXIA!

Guilherme tremia nos meus braços, chorava de desespero e meu coração se despedaçava a cada soluço. Ele segurava o mundo, tinha um passado tão cinza quanto o presente. Não foi meu príncipe encantado, eu que fui o dele.

-Levanta - digo. Ele me olha assustado. - Levanta!

Guilherme obedece ainda chorando.

-Não vamos ficar aqui chorando - digo o puxando para perto e segurando seu rosto. - Guilherme, oque passou, passou. Ela morreu, realmente é uma pena, mas temos que seguir nossa vida. Ela te preparou para isso. Fazer a coisa certa. Ainda dá tempo.

Eu pressionava sua bochecha nas minhas mãos e ele escutava tudo em silêncio.

-Agora vamos voltar a andar, a vida segue.

Ele me puxa e cala minha boca a beijando, um beijo demorado interrompido por sorriso quando o boné dele bate em minha testa.

-Eu tive uma ideia - ele diz me puxando para fora da praia.

Subimos a calçada e atravessamos a rua, a cidade estava bem vazia, nublada e quase sem trânsito. Guilherme adentrou as ruas entre os prédios enquanto me puxava e ria do meu desespero de não saber onde estávamos indo. Depois de caminharmos quase três quarteirões, ele parou de frente pra uma loja de 1,99.

-Oque foi? - pergunto quando ele vira da vitrine para meu rosto.

-Fica aqui fora, desse jeito - diz me virando de costas pra loja.

Ele sai do meu lado e continuo observando os carros passando na minha frente. O vento batendo nos meus cabelos pretos me causava arrepios. Tento espiar oque Guilherme fazia e quando olho ele já estava no caixa pagando algo, continuo olhando pra frente, dessa vez para o enorme prédio bege. 

-Cheguei, mas não vira - ele diz. - Vamos até um lugar bonitinho pra esse momento ficar especial.

Ele me empurra para que eu ande na frente.

-Não podemos nem dar as mãos? - pergunto.

-Não. Continua andando e vira na direita.

Eu sentia a mão de Guilherme nas minhas costas, e quando atravessamos a segunda rua eu sabia para onde ele estava me levando, quando descemos e subimos o túnel eu tive certeza. Era o lugar do acidente de trem, onde o prédio tinha ficado todo destruído, mas agora, tudo estava normal, como sempre tinha sido.

-Céus - exclamo com lágrima nos olhos. 

Logo sou surpreendida pelas mãos de Guilherme envolvendo meu pescoço, e quando ele solta vejo um cordão pendurado, no pingente, uma ampulheta prata. Choro ainda mais.

-Eu ia comprar uma real, mas tinha esse pingente, e acho que assim a gente não quebra - explica.

-Meu Deus, eu te amo - digo sorrindo e pulo nos braços dele.

Nos beijamos na calçada, virados para o prédio e de costas para as paredes antes quebradas onde o trem passa. Foi uma das cenas românticas mais estranhas que testemunhei, e foi comigo.

Quando paramos ele sorri.

-Fazer a coisa certa - diz.

***

Fomos para o tribunal de táxi, ficava bem longe da minha casa e do pequeno apartamento de Guilherme. Eu vesti uma blusa preta e calça jeans, coloquei o tênis e fui, deixei Maggie avisada de tudo e ela passaria para Christian e Pedro, tínhamos virado um quarteto fantástico.

Descemos do táxi e eu fiz questão de pagar a corrida. Guilherme nem olhou para trás e já foi subindo as escadas, corri para acompanhá-lo. 

Entramos pelas portas de madeira, homens de terno passavam apressados e Guilherme parecia um deles, com seu terno um pouco velho e o gel no cabelo o deixava tão sério e estranho do que eu conhecia. 

Finalmente estávamos de frente para a sala onde iria acontecer, e por incrível que pareça, o número da sala era doze, igualmente no hospital onde tudo começou. E Guilherme para uns trinta passos ao ver quem estava encostado na porta, Anthony.

Mas não por ser ele.

Estava diferente, com um terço no pulso e um pingente de cruz no pescoço. Totalmente limpo e com cicatrizes quase curadas. Chegou perto de Guilherme e estendeu a mão.

-Eu sinto muito - ele disse, Guilherme apertou.

-Me desculpe também - ele diz.

Logo um homem diz que a audiência iria começar e manda os dois seguirem para seus lugares.

A sala era pequena, tinha dois repórteres e algumas testemunhas, me sentei de frente para o juiz que bebia água, tudo estava um silêncio perturbador. 

Guilherme estava sentado lá na frente e Anthony do lado oposto. Logo os advogados sentaram ao lado deles.

Um homem senta ao meu lado e ignoro completamente, estava focada em qualquer detalhe que acontecia, eu conseguia escutar as batidas do meu coração.

-É estranho, não é? - diz o homem ao meu lado.

Olho para ele, era alto, um pouco idoso e olhava fixo para frente.

-Você conhece uma pessoa, mas ela pode mudar a qualquer momento, isso me levanta um questionamento, não conhecemos ninguém de verdade, nem nós mesmos - ele diz ainda olhando para frente.

-Senhor? - pergunto.

-Oi, Alexia.

Meu coração para por um momento.

-Quem é você?

Ele se vira, e eu poderia gritar naquele exato momento. Aqueles olhos.

Um verde e um mel.

Como os de Guilherme.

-Seu sogro.

Eu tremia, olhava para ele e cada vez achava mais as semelhanças. Era o pai de Guilherme.

-Todos de pé - anuncia o juiz. - A audiência vai começar.

O pai dele levanta junto comigo. Eu estava tremendo, oque ele fazia aqui?  Eu olho dele para Guilherme, que ainda não tinha notado que ele estava aqui. 

-Sentem-se, vamos começar...




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