Morto ou Vivo?
"Rápido, desfibrilador. Ela ta tendo uma caída... Se afaste!"
***
"Ela acordou. Traz a luz para ver como está os olhos"
Um feixe branco invade minhas retinas e olhos curiosos continuam me olhando.
"Tire um pouco a máscara"
Minha boca estava seca e eu tremia dos pés a cabeça.
"Como está se sentindo, Alexia?"
Não consigo me mexer, fala pra ela que não consegue se mexer!
"Está em choque não é? Mas consegue me ouvir certo? Pisque duas vezes caso consiga"
E então pisco, ela pousa a mão na minha e a seguro.
"Calma, vai ficar tudo bem. Você perdeu bastante sangue, por isso está com dificuldade de se mexer"
Solto sua mão.
Meu medo era ficar paralisada. Eu não conseguia nem ao menos sentir meus dedos dos pés.
Quando olho em volta vejo os médicos andando pela sala e pegando coisas. Onde estava Guilherme? Marcos e Anthony? Olho para o outro lado, não tinha nada, a sala estava com três médicos e as persianas fechadas.
"Alexia?" a médica entra novamente no meu campo de visão. "Você tem que se acalmar, seus batimentos não podem ficar muito rápidos"
Arregalo os olhos, ela tinha que saber onde estava Anthony e Guilherme.
"Por favor, se acalme"
Volto a segurar a mão dela.
"Quer um papel e caneta? Acha que consegue escrever?"
Pisco novamente.
"Um momento"
Não conseguia soltar a mão dela enquanto se esticava para pegar um papel e caneta na mesinha. Quando me passa eu escrevo em garranchos o nome dele, Guilherme. E várias interrogações.
"Guilherme? Eu não sei qual dos dois você está falando, e não posso te dizer onde estão..."
Essa notícia, essa notícia que não queria receber!
"Alexia se acalma!"
ELE ESTÁ MORTO!
"Alexia, por favor. Traz o sedativo, rápido"
Guilherme morreu e nem ao menos consegui me despedir!
"Você vai ficar bem"
Ela injeta uma agulha em meu braço e minha visão embaçada se confunde com as lágrimas e um sono instantâneo. Céus, ele morreu.
***
Abro os olhos lentamente, alguns raios de luz invadem minha vista me mostrando onde eu estava. Era a enfermaria. Quando olho para baixo vejo que estava apenas de avental, não tinha ninguém comigo perto da maca e dava para escutar vozes ao longe. Finalmente sinto meu corpo, levanto na cama e fico sentada.
Como minha cabeça dói.
O relógio ao lado mostrava que já tinha amanhecido. Cadê todo mundo?
Fico em pé e pego duas muletas encostadas na parede, a essa hora já tinha sido reportado no jornal oque tinha acontecido. Com certeza meu rosto estava estampado. Meu medo era abrir a porta da enfermaria e dar de cara com minha mãe, chorando baixinho e pedindo para que eu voltasse para casa e esquecesse a medicina.
Atravesso o corredor e vejo que tinha algumas enfermeiras fofocando algo sobre um homem bonito. Seria Guilherme? Não tem como eu perguntar.
Volto a andar para o outro lado, elas não podiam me ver saindo dali. Abro a porta da saída de emergência e sento em um dos degraus.
E choro.
Sem sair uma palavra de minha boca, choro como uma criança com medo dos fantasmas no quarto no escuro. Me encolho toda no chão frio, deitada como um bebê. Só conseguia chorar.
No que minha vida se tornou, no que eu acreditava para mim? Oque realmente valia a pena? Perguntas sem respostas se tornam assustadoras quando você precisa resolvê-las logo.
-Parece que descobriu meu esconderijo.
Levanto rápido do chão e um homem de cabelos longos me olhava de cima.
-Prazer, Pedro – ele estica a mão e a seguro. – Posso te levantar?
Ele me puxa rápido e me segura próximo a seu peito.
-Alexia – digo, me afastando.
-Oque faz aqui? – ele pergunta.
Ajeito meu avental um pouco desconfortável com a situação.
-Levei um tiro na barriga – respondo, como ele não sabia ainda? Acabou de acontecer, horas atrás. Talvez não recebam notícias aqui.
-E já está podendo andar?
-Não sei – dou de ombros.
Pedro me coloca sentada no degrau novamente.
-Então é melhor ficar sentada aí, eu fico com você – ele diz se sentando.
Sentia minha coxa e bunda no frio do chão, mas no meu estado, tudo que vinha era lucro.
-E você...
-Bati de moto, tão dizendo que tenho algo na cabeça e vão fazer cirurgia...
-Você não pode estar se mexendo muito...
-É médica é? – ele me olha de canto de olho.
-Não... Quer dizer, mais ou menos...
-Como assim? Ou é ou não é.
-Sou interna desse hospital – afirmo com uma falsa convicção, eu nem sei mais oque eu era ali.
-Mais uma lunática – ele ri e levanta girando a maçaneta.
-Não sou lunática! Eu juro que quando melhorar te provo isso.
-Se eu estiver vivo até lá.
Reviro os olhos.
-Tchau, Alexia.
-Tchau, João...
-Pedro – corrige. – Viu, você esta doidinha.
Pedro sai rindo e fecha a porta.
Era incrível como o mundo continuava mesmo depois de tudo que aconteceu, pessoas sofriam, morriam, nasciam. O mundo continua mesmo se o nosso estiver desmoronando. Então é isso, ou escolhemos ficar parado, ou seguimos em frente.
Levanto do degrau me apoiando no corrimão e saio pela porta de emergência.
-Meu Deus você não podia estar andando – diz duas enfermeiras segurando meu braço, na cama ao lado vejo Pedro rindo.
-Você contou? – pergunto sorrindo pra ele.
-Eu te conheço? – ele diz rindo novamente.
As enfermeiras me colocam na cama e a outra sai. Depois de me descontrair com uma nova pessoa que conheço, vai vir os antigos.
-FILHA?! – aquela voz aguda. Mamãe. – Oh meu Deus, meu amor, como você está?!
-Senhora não a abrace, o ferimento está cicatrizando – diz uma enfermeira.
Minha mãe se afasta e apenas beija minha testa.
-Você não consegue falar? – ela pergunta olhando diretamente para minha boca ressecada.
Faço que não com a cabeça.
-Cadê ela? – outra voz que reconheço, Maggie. – Amiga...
Ela coloca a mão no meu pé e vejo lágrimas em seus olhos que se recusam a cair.
-Vim correndo quando soube, eu, seus tios e primos – diz minha mãe. – Você vai precisar ficar um pouco em casa, comigo. Eles vão deixar você fazer sua prova depois.
Alexia, finge que você não consegue falar ainda e não sai xingando tudo e todo mundo.
EU NÃO QUERO VOLTAR PARA SUA CASA MÃE.
Pronto, gritei internamente.
-Você está bem? – pergunta Maggie. – Bem no sentido físico.
Aceno com a cabeça.
-Ela precisa voltar a descansar – diz a enfermeira me olhando com curiosidade, minutos atrás eu estava falando.
Aceno novamente concordando com a enfermeira.
-Seus tios Alexia...
-Acho que ela não está se sentindo bem para visitas – volta a falar a enfermeira.
Maggie entende o recado e minha mãe ainda segurava minha mão.
-Tudo bem, vou ficar aqui mais um pouco. Vamos ficar na casa da Abigail por enquanto, até você voltar a andar – diz minha mãe me beijando novamente. – Tchau.
Quando escuto a porta se fechar, volto a chorar. Maggie me abraça e dá beijos na minha bochecha.
-Vai ficar tudo bem – ela diz. – Tudo bem.
***
O dia passou calmo, Maggie e eu falamos sobre tudo oque aconteceu e evitamos assuntos que causavam desesperos nas duas. A perda de seu bebê e se Guilherme estava vivo ou morto.
-Bom, esse Pedro que conheceu é daqui? - ela pergunta.
-Sim! - uma terceira voz responde bem ao nosso lado. - Estive escutando a conversa - ele aparece por trás pequena cortina que dividia minha maca das outras. - E, olha só... Não é que você é interna daqui?
Pedro se senta na cama tirando um pequeno aparelho do bolso. Era um tamagotchi?
-Ainda fabricam isso? - pergunta Maggie analisando o brinquedo.
-Bom, eu sim. Sou formado em informática, sei mexer com essas coisas - ele diz enquanto apertada os pequenos botões. - Pronto, alimentado.
Pedro devolve para o bolso.
-Então, Pedro, quando sai daqui? - pergunto.
-Estou há um bom tempo. Um carro me atropelou.
Olho curiosa para ele.
-Você me disse que era acidente de moto - digo.
-Acidente de moto? Eu não tenho nem carteira - ele ri e bate no meu pé.
Eu sentia que tinha alguma coisa errada com a recuperação de Pedro, mas não quis falar nada.
-Enfim - diz Maggie cortando o silêncio, ela também tinha percebido. - Tenho que ir... É... Ver uma pessoa.
Eu sabia quem era, mas não poderia julgá-la, não agora. Então não falamos nada, ela apenas se levanta e sai.
-Sua amiga está com algum problema?
Olho para Pedro. Seu cabelo grande e castanho, seus olhos redondos e sua boca alinhada, ele era um rapaz bonito.
-Todos estamos com problemas - respondo.
Ele concorda em silêncio e senta na poltrona ao meu lado, pegando o controle e ligando a televisão.
-Descobri quem você é através disso aqui - ele diz mudando os canais. Logo vejo o rosto de Anthony na televisão. - Isso é bem grave não é? Ele está aqui no hospital, eu acho.
Seguro firme o lençol.
-Não sei se vivo ou morto. Só sei que um saiu com vida e detalhou tudo...
-QUAL O NOME?! - digo desesperada segurando o colarinho da blusa dele.
-Ma.. Marcos - gagueja Pedro assustado.
Solto.
Céus.
-Oque houve? - ele pergunta se ajeitando.
Na manchete estava:
"Assassino invade hospital e dispara dois tiros"
Só isso.
Não sabia se Guilherme ou até o próprio assassino tinha morrido.
-Oque Marcos disse para a polícia? - pergunto.
-Ele só disse oque aconteceu, não mencionou ninguém morto - explica Pedro. -Muito menos alguém vivo.
Engulo em seco. O jeito rebelde de Anthony ainda estampado na televisão.
Quando me dou conta do que estava escrito bem no canto da imagem, uma lágrima desce do meu rosto.
"Sujeito desaparecido".
Encosto a cabeça no travesseiro e Pedro levanta para me abraçar sem saber o motivo pelo qual eu chorava.
Ele fugiu...
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top