A Fuga
Eu podia jurar que meu coração parou, e minha sanidade também. Quando Guilherme disse aquilo, eu só pude ver ele atrás das grades, mesmo sem saber como um maquinista tirou o trem do trilho.
Isso não importa agora, só o que me importa é a decisão idiota que tive. Os olhos cor de mel de Guilherme é tão tentador a te fazer o que ele quer, eu nem conheço ele direito. Posso estar comprometendo toda a minha carreira como médica? Claro, mas agora é tarde.
Eu atravessava mais um corredor rápida com o maquinista sentado na cadeira de rodas, estávamos fugindo do hospital. Não me julgue, mas uma história como a dele não aparece sempre de bobeira.
-É melhor irmos pelos fundos - ele disse disfarçado com um chapéu de palha e um casaco que arrumei em uma sala, a pessoa não daria falta do casaco, estava morta.
-Isso - digo.
Viro a cadeira dele e saímos.
Na vida, acredito eu, que coisas como essa fuga acontecem para incentivar algo há mais. Minha filosofia é: se você quer fazer, faça. Quando Guilherme me disse que era maquinista, eu só pude pensar nele me contando essa história toda direito antes de qualquer pessoa, se fosse para a polícia, o caso seria registrado para a mídia e seu nome também, eis que enxurrada de pessoas não iriam querer saber da versão do garoto que só um olho aparece.
Tudo bem, eu agi por impulso, enquanto eu virava as rampas na ala sul do hospital eu tinha certeza que agi por impulso. Isso é ruim? Só o tempo pra me revelar. Eu pensava em todos ao leva-lo para minha casa, pais estressados, pessoas ao redor do mundo curiosas, ele e eu também. São diferentes mundos para cada um, cada um interpreta de um jeito.
-Por ali Alexia! - ele disse me fazendo despertar, um médico estava no fim do corredor então virei para outro e lá tinha outros médicos. - Merda! Volta, e tenta passar por aquele.
-Guilherme...
-Não temos tempo!
Assim eu fiz. Eu suava frio, minhas mãos tremiam segurando a cadeira, lá estava o elevador que dava para a saída de trás e o médico anotava algumas coisas no quadro ao lado dele.
Quando chego com Guilherme perto do elevador, ele pressiona várias vezes, o médico continuava entretido com seu quadro anotando. A última coisa que eu queria era que ele se virasse e perguntasse o que estava fazendo com um paciente ali, meus dedos estavam vermelhos de tanto apertar os ferros da cadeira.
O médico acabava as anotações, ele fechou a tampa do piloto e o elevador chegou. Entramos depressa antes que ele pudesse se virar.
-Espera! - grita alguém do lado de fora.
Guilherme aperta o último botão com força, mas o médico coloca a mão na brecha ainda aberta, fazendo o elevador ficar parado.
-Vou descer também - ele diz me olhando com um sorriso, retribuo um sorriso amarelo.
Ele ia perceber que estou suando.
O elevador se fecha e ficamos os três ali dentro. O frio me invade e a música do elevador é a única coisa que não deixava um silêncio agonizante.
-E você, é de qual setor? - pergunta o médico de costas pra mim.
Não posso falar que sou interna. Pensa Alexia!
-Cirurgiã geral - respondo.
Ele me olha assustado e me analisa de cima a baixo.
-Cirurgiã? Você tem quantos anos? - ele pergunta. - E, eu não sabia que tinha mais uma cirurgiã geral aqui.
Olho o crachá dele, estava escrito seu nome e o que ele fazia, Cirurgião Geral Lorenzo.
Sou tão sortuda no azar.
-É que... Eu cheguei hoje, devido ao acidente e tudo mais...
-Mas não me solicitaram...
O elevador se abre e mais pessoas entram fazendo com que eu puxe Guilherme para o fundo. O médico fica na parte da frente e não me faz mais perguntas. Eu sentia meu corpo ceder ao desmaio, foi quando Guilherme segurou minha mão discretamente, o que me acalmou por alguns segundos. Respirei aliviada quando a porta do elevador abriu novamente e o médico saiu. Mas não durou muito tempo.
Maggie.
Ela entra no elevador apressada e aperta o botão. Sou esmagada pelas pessoas e alguns notam que tem um paciente ali finalmente. Meus olhos se mantém vidrados em Maggie, que estava de costa e anotava algumas coisas na sua prancheta. Ela pega o rádio e digita um número.
Seria o meu? Se tocar ela vai escutar e olhar pra trás. Preciso desligar, mas ele faz barulho quando desliga também. Ela terminava o número que ia discar e com certeza era o meu, o que eu faço?!
A porta do elevador abre novamente e ela sai, meu rádio toca assim que ela vira o corredor.
-Essa foi por pouco - comenta Guilherme rindo.
Pego meu rádio, era realmente o número dela. O peso sai dos meus pulmões me deixando respirar.
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Avançava ruas e mais ruas com Guilherme que pedia para ir com mais calma, ignorava seus pedidos e subia as calçadas pedindo licença. A gente não podia ser visto, e tinha um tumulto de gente na rua. O vento me arrepia dos pés a cabeça. Lá estava meu prédio, finalmente.
Tiro meu jaleco e coloco nos braços de Guilherme, pedindo para o porteiro abrir rápido.
Mário estava com uma cara de preocupado, realmente, o que uma mulher de jaleco estava fazendo com um homem enfaixado correndo pela cidade. Mário não faz o estilo porteiro fofoqueiro, ele era como um amigo pra mim, deixou eu passar sem fazer nenhuma pergunta, mas tarde teria que explicar o que aconteceu. Bom, isso se eu conseguisse inventar uma desculpa.
O elevador do prédio se abre e entramos.
-Ufa! - exclama Guilherme. - Meu coração nunca bateu tão forte como hoje.
Sento no chão do elevador, demorava pra subir e meu andar era o dez. Coloco a mão no rosto, pois agora cai a ficha de tudo.
Eu estava desistindo da minha carreira. Sim. Foi muito mais do que uma história empolgante que me fez sair correndo com ele, ou eu estava desistindo da minha carreira ou simplesmente tinha algo nele que eu ainda não sabia explicar o que era.
-Alexia... Esta bem?
-É óbvio que não estou bem - respondo e levanto do chão.
-Olha, desculpa...
-Para Guilherme, não irei te desculpar agora - corto, minha cabeça esta pegando fogo e ele fica se fazendo de vítima ainda? - O que quer que tenha acontecido naquele maldito trem, você precisa me dizer.
-Eu irei.
A porta do elevador abre e tiro a chave da bolsa. O interior do meu apartamento era um corredor, que a esquerda tinha minha cozinha com vista pra sala e a direita meu quarto, no fundo dele era o banheiro. Era pequeno, mas aconchegante.
Soltei a cadeira de Guilherme e corri para o banheiro.
Precisava vomitar.
-Você está bem?! - ele grita do corredor.
-NÃO! - grito em resposta.
Quando acabo, volto para ele, que me chama da sala, estava virado para a janela que dava para os prédios e ruas da cidade.
-Que visão horrível - ele diz.
Fecho as cortinas na sua cara.
-Não pode ser visto por ninguém.
-Viverei como um refém aqui?
-Bom, a menos que queira sair e prestar depoimento.
Ele sorri ironicamente.
-Conta - digo.
Sento no sofá e ele continua virado para a janela fechada. A sombra de Guilherme era melancólica, ele parecia comigo em pouco tempo que o conheço.
-Foi idiota, Alexia. O acidente. Eu peguei no sono - ele diz. - Eu dormi, e os trilhos mudaram, e eu não virei a rota há tempo, estava cansado demais... No dia anterior eu... Eu bebi.
Não podia ser. ERA SÓ ISSO?
-É SÉRIO?
-O que? - ele sussurra virando a cadeira para mim.
-Só isso?! Você me fez correr a cidade inteira para contar apenas que dormiu no volante...
-Não é volante...
-Foda-se, Guilherme! Você me fez sair do meu hospital, perder meu plantão e ter risco de eu ser demitida, pra falar que dormiu? - pergunto, levanto do sofá e vou até a cozinha, ele não podia estar falando sério.
-E como você acha que vão lidar com um maquinista de ressaca?
-COMO EU ACHO? - Guilherme me olha incrédulo, parecia que eu que era a louca ali. - Você tem problemas? Espero que seja bem mal.
-Nossa.
-Você bebeu Guilherme, e dirigi um trem?! - começo a rir, aquela história não podia estar acontecendo comigo. - Você dirige a merda de um trem na cidade.
-Ótimo - ele resmunga.
-Você me fez acreditar que era mocinho, e você realmente é o vilão...
-Não te fiz acreditar nada...
-Que seja.
Passo pela cadeira dele e volto para a sala, me jogando no sofá. Eu só quero explodir, só quero que ele saia do meu campo de visão ou que eu acorde e seja tudo um sonho. Mas quando tiro a almofada do rosto, lá estava Guilherme, olhando minha sala toda com atenção.
Não queria falar com ele, só queria que ele se mancasse e saísse do meu apartamento.
-Minha mãe morreu no outro dia - ele diz. - Ela morreu no meu concerto de música, Alexia.
Continuava encarando o teto. Não posso ceder.
-Eu tocava para pessoas importantes no teatro local, aquele ali da praça... - Guilherme segurava a ampulheta que eu tinha e girava vendo a areia descer. - Ela passou mal na platéia, e eu desci do palco correndo. Não fui aceito.
Ele fungava um pouco, não tinha como eu ver seu rosto, ele estava de costas.
-Eu bebi a noite inteira, por que não deu nem tempo dela chegar ao hospital... E não temos dinheiro, ela gastava tudo com minhas músicas - ele estava chorando, fungava e virara a ampulheta mais rápido. - Quando eu me dei conta que não tinha mais como exercer meus estudos com o dinheiro que eu tinha como maquinista, eu chorei mais e bebi mais. Pois é isso que covardes fazem.
Sento no sofá. Aquela era a história dele então.
-Agora você me contou o motivo do trem.
-NÃO ALEXIA! - ele grita e se vira para mim, estava vermelho de tanto chorar, o sangue da sua faixa na cabeça tinha secado um pouco, mas na canela continuava escorrendo lentamente. - Eu matei milhões de pessoas, porque minha mãe morreu! Eu caí no sono, eu não dormi, eu fui... Eu fui inexperiente! Eu sou o seu vilão!
Aquelas palavras me doem de um jeito que me fez querer chorar. Por uma pessoa ele errou, ninguém iria entender obviamente. Eu estava presa com um criminoso.
Um mocinho ou um vilão?
Ou os dois?
Tinha que decidir logo, ou deixava Guilherme fugir livre, ou entregava ele.
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