Capitulo 11 - LUNA
Um leve sorriso se forma no canto da boca do Austin, ele me olha pela última vez antes de ser acorrentado e arrastado para fora da cela. Não há nada que possamos fazer nesse momento, somos três contra centenas de soldados.
A cela aos poucos se esvazia, apenas o rei com sua armadura incomumente brilhante permanece conosco, ele está ajoelhado e olha fixamente para nós enquanto alisa sua barba.
- Para onde estão o levando - pergunto.
- Ora, o príncipe do submundo está chegando, e ele precisa de um bom corpo para habitar, não acha que seu amigo seria um bom corpo? - responde o rei.
Ele se levanta enquanto sorri deixando seus dentes afiados e escuros a amostra. O rei se aproxima até ficar com o rosto justo a mim, seu hálito é quente a ponto de arder minhas narinas. Olho fixamente para seus olhos, e dou um passo a frente ficando ainda mais próxima ao seu rosto.
- Se acalme minha menina, todos vocês terão um papel importante para o novo príncipe . - diz o rei
Não o respondo, apenas procuro uma fraqueza em seu olhar.
- O meu papel vai ser te mandar para o submundo com a cabeça desse tal príncipe enfiada na sua garganta. - Charlott responde.
O rei se põe de pé, se curva brevemente em sinal de reverência, leva a coroa até sua cabeça e se retira da cela. Seus passos são pesados e consigo ouvi-lo até se virar no final do corredor e sair de nossas vistas.
Me sento no chão, me sinto incapaz de ajudá-lo. Eu deveria retribuir a ajuda, se ele não tivesse aparecido naquele dia em que invadiram minha casa eu estaria morta, ou presa. Sinto uma angústia percorrer meu corpo ao imaginá-lo sozinho, sem saber o que faram com ele.
Charlott caminha até Carlo que permanece sentado, abraçando as próprias pernas sobre seu peito. Ela se abaixa e tira os óculos quebrados do rosto dele e pressiona a mãos em sua bochecha. Ele a olha com os olhos semiabertos e pisca algumas vezes. Ela sorri em retribuição.
- Você... Você curou minha visão. - Carlo responde.
- Precisamos sair daqui, preciso resgatar meu irmão - diz Charlott.
- Seus dons.... - digo
- Sim, eu não os perdi, ou perdi por pouco tempo, alguma coisa ou alguém arrancou o dispositivo do meu pescoço antes de atravessarmos o portal.
Charlott afasta seu cabelo loiro e longo de seu pescoço e mostra o local que deveria estar o dispositivo. Não há nada lá. Sua pele está perfeita, nenhum arranhão. Ela amarra seu cabelo como de costume, o prende em um coque alto com alguma mechas soltas. Ela está exatamente e como no dia em que a conheci, naquela prisão lutando com cinco ou seis soldados mas estava bela, como se estivesse em um baile real.
Ela se aproxima de mim, saca uma faca da bainha em seu tornozelo e afasta meu cabelo.
- Aguente firme, vou tirar esse negócio do seu pescoço. - diz Charlott
Sinto uma onda de dor percorrer meu corpo assim que sua faca encosta em minha nuca. Fecho meus olhos e tento pensar em coisas boas para tentar afastar a dor, mas em vão, a dor se intensifica como se minha pele estivesse sendo arrancada. Abro os olhos e ele recai sobre a cela em frente a nossa, mas vazia que as demais. Nela há cinco mulheres, sentadas com as pernas cruzadas, seus olhos estão fechados e elas sussurram o que parecer ser uma oração em uma língua estranha, mas que eu conheço bem.
Charlott desiste de tentar arrancar o dispositivo.
- Vamos pensar em um outro jeito de tirar isso de você - diz Charlott.
Não respondo, apenas me levanto do chão e caminho até as grades da cela e encosto meu rosto sobre o ferro frio. Escuto barulho de passos descalços pelo corredor, seguido de uma risada doce de criança. Claryce, por um momento me esqueci que ela também está aqui. Mas não consigo vê-la pelo corredor, apenas a escuto. Meu olhos novamente se fecham em reação as lembranças que mergulham em minha mente.
Claryce foi minha única amiga no templo onde cresci, mantinham presa e vigiada assim como eu.
Ela chegou no templo ainda uma criança, mal sabia se manter em pé. Eu estava em meu quarto treinando minha magia quando escutei conversas fervorosas vindo do salão principal. Corri até lá, algumas bruxas haviam voltado de uma missão com Claryce no colo, algumas anciãs a pegaram e levaram as pressas para o mesmo lugar que me levaram quando minha mãe morreu. Uma sala, no porão, com símbolos de magia que me impediam de usar o meu poder, diziam que eu ainda era muito nova e não estava pronta para usá-los
Conheci Claryce quando completou oito anos de idade. Eu estava treinando magia em uma sala separada quando Ana se aproximou junto com a garota, ela estava nitidamente com medo, se escondia entre as pernas da minha guardiã. Eu a entendia perfeitamente, assim como eu, ela foi privada do convívio com os demais adolescentes da casa, então não era acostumada com pessoas.
A partir desse dia éramos só nos duas, nos treinos, nas aulas de magia. Mesmo eu sendo alguns anos mais velha do que a Claryce cuidava dela como uma irmã mais nova.
Até a noite da invasão. Soldados entraram no templo por todos os lados, destruíram janelas e portas. Eu queria ter lutado naquela noite, mas Ana me dava ordens para que eu me escondesse e me mantivesse viva, ela dizia que eu e Claryce éramos a esperança. Nos escondemos conforme o plano. Me lembro apenas de ouvir a a garota dizendo "esqueci meu gatinho", então ela correu, em direção ao seu quarto, momentos depois um dos soldados acertou sua cabeça com o corpo da sua arma, ela cai desacordada. então foi levada, junto com as outras dezenas de bruxas que moravam nesse casarão.
Não consegui olhar nos rostos das mulheres em suas celas, mas tenho certeza de que as bruxas do templo estão aqui, tem que estar aqui.
Me viro de costas para as grades e escorro minhas costas aos poucos até estar sentada ao chão. Charlott e Carlo estão bem a minha frente e discutem em relação a não termos um plano.
- Então é isso vamos todos morrer assim? - diz Carlo.
Ele começa a coçar os olhos enquanto boceja. Eu e o Carlo começamos a nós entregar ao cansaço. Tenho dificuldades em raciocinar ou me concentrar no plano que a Charlott está propondo.
- Vou esperar os soldados entrarem aqui com nossas refeições, aí eu arranco a cabeça deles e vou improvisando pelo caminho. Esse é plano.
Escuto sua voz distante, e em meio a ela se mistura um cântico doce, como um suave sussurro.
- Eles nunca trazem comida - diz Claryce
A garota aparece dentro de nossa cela. Tenho dificuldade de identificá-la pela falta de iluminação da prisão. Mas consigo vê-la segurando uma cesta feita de folhas e cheia de frutas. Seus cabelo branco está mais curto do que estava da vez que eu a vi, ela também cresceu um pouco, mais alguns anos e já estará do meu tamanho.
Nós levantamos rapidamente, assustados.
- Por Deus Claryce, como você entrou aqui? - pergunto.
A garota se abaixa, coloca a cesta com as frutas no chão e da alguns passos para trás, pressiona suas costas sobre as grades e as atravessa, como se as barreiras fossem apenas uma miragem. Ela atravessa novamente retornando para o interior da cela.
- Não sei explicar, mas é assim - ela responde.
- E porque você não fugiu? O que está fazendo aqui ainda? - digo.
- Elas precisam de mim, eu saio todas as noites para buscar alimentos e plantas medicinais. Não posso deixá-las aqui. - Claryce responde.
- Desculpa interromper, mas garotinha linda, você consegue fazer com que outras pessoas também atravessem. - Charlott pergunta para Claryce.
A garota estende a mão com um sorriso no rosto, Charlott a segura e as duas caminham em direção às grades. Elas atravessam.
- Maravilha, aí está nosso bilhete para fora da prisão - diz Carlo.
Ela cai de joelho em exaustão, o dispositivo deve estar sugando suas forças. Charlott corre até ele, apoia a mão e um de seus ombros, sua aparência muda aos poucos como se uma onda de energia o atingisse.
- Como vamos tirar todas essas pessoas daqui sem sermos notados? E para onde as levaremos - diz Charlott.
- Galera não me leve a mal, mas eu tenho que ir salvar o Austin - diz Carlo.
- Eu e a Charlott vamos atrás do o Austin. Claryce e Carlo pensem em um plano para retirar todos daqui.
O rosto do Austin vem em minha mente. A lembrança dele sendo levado me causa calafrios pelo corpo. Me sinto dividida entre a vontade de correr e salvá-lo e o plano de tirar essas mulheres da prisão. Bruxas não mentes, e conseguir dizer a mim mesmo que ele ainda está vivo me dá esperanças.
Não posso levá-las de volta para o templo das bruxas, ele está destruído depois da última invasão, não temos para onde ir.
- Não estaremos seguros em nenhum lugar, elas são muitas, nos achariam fácil, e eu seria mais útil sem esse objeto preso em meu pescoço. - digo
- A floresta, Ela é enorme, e meu amigo lobo pode nos ajudar. - diz Claryce.
Ela caminha em minha direção, leva sua mão direita ate ao meu pescoço e o atravessa. Sinto meu corpo se encher com uma onda de energia. Claryce recolhe sua mão, e ao abri-la revela o objeto a pouco preso em minha cervical. Ela caminha em direção ao Carlo e também remove seu dispositivo.
A sensação é revigorante, sinto o a energia do ar, ela dança em ritmo sincronizado em torno de mim. Movimento meus braços e sinto as pequenas partículas de pó e areia se misturarem a dança.
Escuto dezenas de sussurros vindo de outras celas, as bruxas presas se amontoam nas grades, procurando espaço para nós observar. "A bruxa do extremo sul, só pode ser ela". "A filha da Elena Astranman" é o que dizem os sussurros.
- Escutem, vamos tirar todas vocês daqui, mas precisamos que vocês façam exatamente o que dissermos - digo
- Se salve minha garota, estamos muito fracas para lutar, só iremos te atrapalhar. - diz uma das mulheres.
- Eu posso cuidar disso, só preciso de um tempo. - diz Charlott.
Ela para do meu lado com os braços Cruzados, balança a cabeça indicando para que Claryce a acompanhe. As duas atravessam a primeira grade e vão em direção a cela de frente com a nossa. Charlott segura a mão da primeira mulher e minutos depois ela se levanta com um sorriso largo. E assim uma a uma elas vão se levantando, fortes.
A barulho causado pela euforia das mulheres presas ecoa pelos corredores e chama a atenção de alguns dos guardas. Seus passos pesados se aproximam, é agora.
Eles param em frente a nossa cela, cinco guardas com uniformes reais, e apenas um com a máscara prateada.
- O que está acontecendo aqui? - diz um dos soldados com máscara.
- Está faltando uma garota chefe. - diz o outro guarda.
Os soldados voltam sua atenção para a escada no final do corredor. Claryce está lá, sorrindo. Ela caminha. A traz dela a primeira lamparina se apaga. Depois outra, e outra, o correr começa a ser tomado pela escuridão em sincronia aos seus passos lentos. Os soldados aprontam suas armas em direção a garota que se aproxima. É dado o primeiro disparo, a bala atravessa Claryce sem causar nenhum dano. Ela dá o último passo e todas as lâmpadas se apagam. O corredor agora completamente engolido pela escuridão
O único soldado de máscara prateada estala o dedo e sua mão está consumida em chamas, o corredor está pouco iluminado novamente, mas o suficiente para que eles vejam um corredor repleto de mulheres de roupas brancas, bruxas, os encarando.
Claryce atravessa o corpo do mão de chamas, para em sua frente, segura suas mãos e as mergulha rumo ao solo. É como se as mãos do homem estivesse ali desde sempre. O fogo se foi. Não se escuta gritos, apenas se é possível ouvir grunhidos de medo vindo deles, mas por pouco tempo, estão todos mortos.
- Se preparem, fiquem juntas e ao meu sinal, saiam todas daqui, irei causar uma distração para que vocês ganhem tempo. - diz Charlott.
- Me espera garota, vou com você - diz Carlo.
Eles correm pelo corredor em direção a primeira escada. Eu os observo com uma vontade gritante de me juntar a eles. Abaixo a cabeça e respiro fundo.
Claryce para ao meu lado e segura minha mão.
- É melhor correr, se não quiser ficar para trás. - ela diz.
- Eu não posso, eu te........
- Tudo bem Luna, nos iremos ficar bem. Pode ir. Só me diga, quando saberemos a hora de agir?!
Não contenho o sorriso em meu rosto. Me abaixo e beijo a cabeça da garota.
- Vocês vão saber, a distração que Charlott costuma causar não deixa a menor dúvida que é hora de agir.
Todas as bruxas retornam para sua cela, já sabem o plano. Agora é só esperar pelo momento certo.
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