Round 17: Última visão
Davi desperta na manhã seguinte e após se preparar para o dia, vai em direção a sala onde encontra sua mãe sentada no sofá o esperando. Maria tem uma cara serena e porta em sua mão um rosário preto, que ela aperta com bastante força ao ver o filho. O rapaz não entende bem e senta do lado dela, suas pernas tremem de ansiedade pela luta que se aproxima e ele faz de tudo para se conter.
--- Vai ir assistir a luta, mãe? Seria importante para mim.
--- Filho... --- Ela transparece o nervosismo que sente --- Eu não consigo ir assistir você levar golpes na cabeça. Você é meu filho amado, eu simplesmente não suportaria ver.
--- Entendo --- Davi diz desanimado --- Espero que um dia você consiga ir.
Maria nota que o filho se mostra decepcionado e que vai sentir a sua ausência durante o evento, então para tentar compensar ou algo do tipo, para continuar próxima a ele mesmo que a distância. A mulher pega o rosário e entrega na mão do filho, ela o encara com fervor nos olhos e tenta passar o máximo de energias positivas para o rapaz.
--- Já que eu não consigo ir. Você deixa a mamãe rezar pra você ir bem?
--- Claro! --- Ele responde sorrindo.
Maria segura as duas mãos do filho e fecha os olhos, o garoto repete o mesmo ato e também os fecha. Ela aperta muito forte as mãos mostrando estar tentando passar o máximo de proteção e energia para o filho que em breve estará em uma batalha. Com a voz doce ela começa a recitar uma oração de proteção, a oração de São Jorge, o santo padroeiro dos guerreiros e o mais adequado para a situação que Davi enfrentará.
--- São Jorge, guerreiro vencedor do dragão, rogai por nós. Ó São Jorge, meu guerreiro, invencível na Fé em Deus, que trazeis em vosso rosto a esperança e confiança abra os meus caminhos. --- Ela aperta bem os olhos e fala com toda a intensidade que consegue --- Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam,
e nem em pensamentos eles possam me fazer mal.
As palavras atingem os ouvidos de Davi e ele sente como se fosse uma grande lufada de força e esperança adentrando todo o seu ser. O garoto nunca foi muito religioso, mas sua mãe é e se para ela é algo importante e que fará a diferença, então ele aceita de bom grado essa forma de carinho e cuidado que sua mãe o esta demonstrando. Maria continua firme e reta, prosseguindo na maneira que recita a oração.
--- Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar. --- O clima do ambiente é o mais agradável possível e Davi sente um arrepio percorrer sua espinha, se sentindo livre de toda a ansiedade que estava sentindo. Sua mãe segue recitando --- Jesus Cristo, me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça, Virgem de Nazaré, me cubra com o seu manto sagrado e divino, protegendo-me em todas as minhas dores e aflições, e Deus, com sua divina misericórdia e grande poder, seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meus inimigos.
Davi não resiste e abre os olhos, ele precisa olhar sua mãe. A cena que vê é Maria fazendo toda a força que tem para ficar concentrada e recitar as palavras emanando o máximo de boas intenções. O rapaz abre um largo sorriso e não consegue evitar de se sentir amado e querido. Sua mãe prossegue com a oração.
--- Glorioso São Jorge, em nome de Deus, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, e que debaixo das patas de seu fiel ginete
meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós. Ajudai-me a superar todo o desanimo e alcançar a graça que tanto preciso. --- Maria abre os olhos e seu olhar se cruza com o do filho, que permanece em silêncio admirado observando a mãe --- Dai-me coragem e esperança fortalecei minha Fé e auxiliai-me nesta necessidade. Assim seja com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo.
Os dois seguem se olhando em silêncio, aqiele doce e infinito instante repleto de ternura parece que nunca vai ter fim. Davi quer que nunca tenha fim, é o mais próximo e o mais conetado que já se sentiu com sua mãe durante toda a vida. Seu corpo está em êxtase e repleto de felicidade, uma alegria que ele mal pode guardar no peito.
--- Amém --- Os dois dizem em coro enquanto se encaram e sorriem. Davi estava pronto para o combate.
🥊
Ir para o ginásio poliesportivo sempre foi uma verdadeira aventura para Davi, é um imenso regozijo para sua alma e um abastecimento de vontade, coragem e desejo de vencer. Sempre que passa pelo grande corredor da entrada e vê os quadros dos grandes rostos do esporte pendurados, o garoto se sente inspirado e reza um dia ter a chance e a oportunidade de ser igual a eles. Uma ida ao ginásio poliesportivo da cidade sempre o motiva a continuar no caminho do boxe e em tudo que vem junto com isso. Tanto as partes boas quanto as ruins e difíceis.
Junto a ele estão Helena, Raul e Miguel, todos com o intuito de assistir a sua estreia nos ringues e demonstrar apoio. Agora era a hora da verdade, era a hora que todos haviam esperado. Raul nota que Davi está mais quieto que o normal, aparentemente tentando focar no agora e se concentrar para o que virá.
--- Chefe, cê tá bem? --- Ele chama Davi de volta a si. --- Tá mais caladão que o normal.
--- Ah... sim, eu tô bem sim. Só tô meio aéreo. --- Rebate segurando o punho e tremendo a coxa.
--- Isso deve ser normal --- Raul se aproxima e faz uma cara de canalha e solta uma brincadeirinha para aliviar a tensão ---- Posso te fazer uma massagem se quiser para relaxar. Só não vai ter final feliz.
--- Eu prefiro lutar tenso mesmo, relaxa --- Davi rebate segurando a risada.
Helena vê a cena e diferente dos outros não consegue sorrir, ela está cheia de preocupação por Davi e Gustavo, principalmente pelo primo que está de um jeito que ela nunca havia visto antes. A garota está a flor da pele e não tem como aguentar as gracinhas de Raul, pelo menos não hoje.
--- Que falsidade do caralho! --- Ela rasga o silêncio com essa frase intensa --- Há poucos meses atrás você tava espancando ele e agora tá aqui brincando e agindo como se fossem amigos? Eu não consigo aceitar isso. É simplesmente nojento a sua cara de pau, Mosca.
--- Ele não gosta que chamem ele disso --- Davi começa a tentar explicar, mas logo é interrompido por Raul.
--- Não, Davi. Deixe ela falar o que tiver que me dizer. Ela está no direito dela de não perdoar ou de não gostar de mim, o que eu fiz foi realmente terrível. E se ela precisa jogar isso na minha cara, então que faça.
Helena balança a cabeça com raiva e seu corpo fica com alguns tremores, ela anda até Raul e dá um forte e potente tapa em seu rosto. O careca coloca a mão na bochecha e fica em silêncio a encarando, sereno e tranquilo.
--- Isso te fez sentir melhor?
--- Vai se fuder, filho da puta! --- Ela grita --- Não venha agir como se fosse a porra do Buda iluminado. Eu sei quem você é e o que você fez, pare de tentar se enganar achando que é alguém melhor. Você é e sempre será um Mosca, um maldito Mosca!
--- Entendo --- Raul solta um riso constrangido --- Mas não é você quem decide isso.
🥊
A primeira luta relevante para nós no campeonato é a do Rodrigo, que entra caminhando a passos lentos e tranquilos, com o rosto sem feições marcantes ou coisas do tipo, ele vem como se fosse para qualquer lugar, já é um hábito e uma rotina subir nos ringues. O rapaz vem com um fone Bluetooth no ouvido ouvindo música clássica e balançando os braços, para manter o corpo aquecido. Até que finalmente vai até seu corner e solta uma grande lufada de ar para terminar de focar.
Do seu lado está Antônio que também aparenta tranquilidade, quase beirando o tédio. O velho porta uma toalha nos ombros e um balde com uma bolsa de gelo dentro. O treinador é o primeiro a romper o silêncio.
--- Preparado, pivete?
--- Nasci pronto, mestrão.
No corner rival chega o oponente para esta luta, é um rapaz de estatura mediana e sem nada que realmente o destaque da multidão, com exceção de um imenso óculos fundo de garrafa. Seu nome é Vincente e ele tem um olhar forte e determinado, mesmo que ainda pequeno por conta da lente dos óculos.
--- Tu vai lutar com uma topeira --- Antônio brinca.
--- Vai ficar cego cego sem os óculos. --- Rodrigo ironiza.
O juiz os chamam para o meio do ringue e os jovens se encaram, Vincente está sem os óculos e tenta analisar o oponente de cima a baixo e abre um sorriso de canto, como sinal de desdém. Rodrigo leva isso para o pessoal e franze a testa demonstrando toda a raiva que sente, uma prova de o quanto seu ego foi ferido.
Estão prontos? --- O juiz questiona --- Lembram das regras. Round 1: Boxe!
Rodrigo avança com um longo soco cheio de espírito e descontrole emocional, normalmente socos largos e abertos são muito fáceis de se defender por conta dos movimentos exagerados e fáceis de notar, todo lutador sabe que é um erro soltar golpes deste tipo porquê acabam gerando brechas e exposições a contra ataques. A questão é que por conta da baixa visão, Vicente leva esse soco em cheio e tem a cabeça lançada para trás.
Aproveitando que acertou em cheio a pancada, mais sequências são lançadas e os golpes vão conectando e atingindo sem dificuldades. Uma boa variação de jabs, diretos e cruzados acertam mandíbula, tempora e maçãs do rosto de Vincente que segue tomando uma surra magistral.
Cansado de ficar apenas na defensiva, o rapaz feito de alvo resolve responder com um direto muito potente e com a técnica impecável, mas lançado na direção errada. Acabando por ir no ar bem longe de Rodrigo, que aproveita essa falha para o acertar com um poderoso cruzado de direita por cima do nariz. As pernas de Vicente cambaleiam e ele se agarra em seu algoz, usando seus braços para travar os braços do oponente e travar a luta.
--- Vai ser uma luta fácil --- Davi sinaliza --- O cara não tá nem vendo onde ele está.
--- O tal Vincente tem mesmo problema de visão, mas se ele veio até aqui é porquê tem algum método para lidar com isso. --- Gustavo diz mantendo a compostura. --- Não podemos ficar confiantes de mais.
Quando o juiz separa os lutadores, Rodrigo quer aproveitar a pressão e avança cinco passos disparando golpes curvos aterradores, mas estranhamente Vincente desvia de todos e revida com um upper longo que tira os dois pés de Rodrigo do chão. O rapaz atingido recua dois passos e sente a mente girar, mas permanece de pé com um olhar desacreditado.
"Isso foi perigoso pra cacete. Você não era uma topeira? Como viu meus golpes agora?" — Rodrigo se questiona.
Porém antes que o combate prosseguisse, o juiz sinaliza o final do tempo do primeiro round e os pugilistas voltam para seus determinados cantos, para receber instruções dos seus respectivos lutadores. Assim que Rodrigo chega, a primeira coisa que Antônio percebe é sua cara de surpresa e choque, o soco realmente o desestabilizou por ser extremamente inesperado, principalmente vindo depois de esquivar de pelo menos seis golpes rápidos, alguém que não vê bem seria incapaz disso. "Será que ele mentiu?", "será que meu soco é uma droga tão grande que até uma topeira desvia?", "Mas o que caralhos tá rolando aqui?", essas dúvidas martelam Rodrigo que sente dificuldades em focar e se manter racional nesse momento.
--- Foco! Preciso que você esteja atento. --- O treinador diz preocupado --- Não sabemos como ele fez isso, mas não é o fim do mundo. Vencemos esse round com certeza, estamos na frente na pontuação. Mantenha a calma e siga o bom trabalho, só fique esperto e preparado para tudo.
--- Como ele fez isso? Não faz sentido, foi do nada! --- É só o que o pugilista consegue responder.
--- Volta lá e encara ele, preciso ver mais antes de conseguir dizer o que é. --- Antônio diz o olhando nos olhos. --- Pode fazer isso por mim?
--- Claro, até daqui três minutos. Me observe com atenção, velhote.
No outro lado do ringue, no corner dos desafiantes, Vincente parece relaxado mesmo tendo levado uma surra durante quase todo o primeiro round. Aquele último soco foi muito eficiente e misterioso, mas não foi capaz de reverter o placar, então essa calma e falta de pressa do rapaz não parece sensata.
Seu treinador é um homem com um bigode preto e muito fino, com um cabelo preto lambido para trás e um grande sinal na bochecha. O técnico também aparenta não se imprortar com o placar e ambos se portam como se tivessem na vantagem no combate.
--- Vincente, conseguiu aprender a distância dele?
--- Sim, mestre Ivan --- O lutador confirma recuperando o fôlego. --- Próximo round vou ver um belo nocaute!
--- Não se esqueça de gravar bem na sua mente a imagem. --- Ivan endossa entediado. --- Seu oponente caido tem que ser marcante. Para valer tudo que estamos arriscando.
🥊
Vincente nem sempre enxergou mal, isso começou a cerca de um ano e meio quando estava em casa estudando. A literatura sempre foi uma de suas paixões e passatempos, então era nos livros que ele conseguia um refúgio e abrigo, estudando por horas sem parar. Tudo começou a desandar quando no meio de suas leituras sobre reinos mágicos e batalhas, uma gota carmim cai em sua frente e mancha a folha do livro.
--- Mãe?!? --- Ele solta um berro pedindo ajuda com um denso e longo rastro de sangue escorrendo do seu olho direito.
O garoto foi levado às pressas para o hospital e teve atendimento de emergência. Ele sentia um medo e ansiedade dilacerantes, o fato de não saber o tem só o fazia pensar no pior e devanear teorias ruins que só serviam para causar preocupação. O diagnóstico do médico não serviu como alívio, pelo contrário, as palavras ditas pelo doutor terminarem de apagar e destruir qualquer tipo de esperança que ele ainda nutria.
--- Retinopatia diabética é causada por danos aos vasos sanguíneos no tecido da parte traseira do olho --- O médico tenta informar do modo mais brando e empático possível --- Os primeiros sintomas incluem moscas volantes, borrões, áreas escuras na visão e dificuldade de distinguir cores. Sentiu algo disso?
--- Às vezes, se eu forço muito a visão. Não achei que fosse ser algo sério a ponto de sangrar. É por conta da leitura?
--- Não necessariamente, seu diabetes vem sendo tratado, mas nos últimos meses as coisas não tem sido boas. Glicemia mal controlada é um fator de risco.
"Danos nos meus vasos sanguíneos dos olhos? Que merda é essa? Eu devo tá muito fodido! E puta que pariu, eu tô vendo uns 30% do que via. Tá tudo embaçado e ainda dói pra caralho essa porra!" — Ele pensa segurando a coxa para conter a tremedeira involuntária que essa notícia causou.
O silêncio se alastra no ambiente, Vincente sabe o que precisa perguntar, mas teme a resposta e o não perguntar faz o suspense em sua mente atingir o ápice. O garoto se concentra e busca dentro de si toda a força e coragem que tem para ousar perguntar o que teme saber.
--- Tem alguma solução?
--- Normalmente cirurgia quando o caso não é tão grave. No seu caso... --- O doutor pausa tentando achar o melhor modo de prosseguir, fazendo um clima desconfortável no ambiente. --- É tarde para isso. Está em um nível tenso, é questão de tempo para que fique cego.
--- Nem se arriscarmos uma cirurgia tem chance?
--- Garoto, não é mais questão se você vai ficar cego, é quando. Usaremos medicações e tudo ao alcance para atrasar, mas você ficará cego.
Esse fato o atinge e dói mais do que qualquer soco ou pancada que já havia levado e que poderia levar pelo resto de sua vida. Ele se sente sem chão e sem rumo, é algo drástico que vai impactar e moldar sua vida e futuro de um modo que ele jamais pôde imaginar. A dor é suprimida pelo choque e tudo que sua mente consegue fazer é tentar negar e se enganar que é mentira, mas não há nada que possa fazer para mudar o fato e a realidade cruel que ele traz.
--- E quanto ao boxe? Eu sou um boxeador!
--- Pancadas e impactos na cabeça vão acelerar o seu processo de perda de visão --- O médico diz com a voz pesada --- Chega de boxe.
Nesse instante sua mente nubla e ele reprisa todas as memórias que já viveu nesse esporte. Desde o primeiro dia onde era um rapaz acanhado e tímido conhecendo as pessoas até o dia que subiu no ringue pela primeira vez e venceu um combate, e a inesquecível sensação de que o esforço vale a pena e que o mais prazeroso da vida é fazer algo que você ama, se identifica, sacrifica e dá tudo de si. Que a vitória não vem sem obsessão.
--- Muito obrigado pelas informações, doutor, mas não é o senhor quem decide isso.
Vicente não estava pronto para dar as costas para sua paixão e para o que dava motivo e significado a sua vida, o rapaz sente que nasceu para isso e que isso é tudo que ele sabe fazer, é tudo que ele quer fazer. É tudo que o restou, o garoto nunca foi destaque e nunca se importou com nada para chegar ao ponto de ser bom, ele sente que deixar o boxe é deixar para trás uma parte de si e de sua identidade. O paira o medo de não saber se reconhecer sem o boxe, de deixar de ser ele mesmo em essência e cerne.
--- Não diga besteiras! Sei que é jovem e é da juventude ser impulsivo, mas por favor chega de boxe. Se lutar vai acabar cego!
--- Então que a última imagem que eu veja seja um belo nocaute! --- Diz levantando e indo embora.
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De volta para a luta, o segundo round já começa frenético. Com uma intensa troca de golpes, um lá em cá sem parar, repleto de fintas, bloqueios, esquivas e socos. Ambos os atletas atingem e são atingidos, o combate segue franco e acirrado. Vincente dispara um cruzado e dois ganchos no corpo, o oponente desvia do cruzado e absorve os outros dois golpes no corpo, só para em seguida responder com três ganchos poderosos que atingem em cheio.
A plateia fica boquiaberta e em silêncio vendo o festival de pancadas, os dois jovens emanam espírito de luta e não recuam nenhum passo. Um verdadeiro teste de coragem. Vicente cutuca o estômago de Rodrigo com um violento jab no plexo solar, a sensação é de ter as tripas perfuradas, logo em seguida a sequência continua e um direto atinge seu nariz tornando respirar uma missão problemática. Rodrigo revida de imediato, sabe que se não o fizer acabará deixando o oponente o pressionar e ditar o ritmo da luta, o garoto então solta dois cruzados alongados para rechaçar e afastar o oponente, logo em seguida retribuindo o favor e devolvendo a mesma sequência que Vincente o acertara agora a pouco: Um jab no estômago e um direto no rosto.
--- Essa é uma bela troca de carinhos --- Gustavo comenta interessado, não perdendo um segundo sequer do combate.
--- Os dois estão em níveis muito parecidos. --- Davi diz impressionado --- É a luta mais intensa que já vi pessoalmente.
--- Não, o Vincente é melhor. O Rodrigo não vai aguentar lutar nessa intensidade por mais tempo --- Essa constatação do cabeludo faz o sangue de Davi gelar e o coração acelerar de pavor.
Os braços pesam uma tonelada agora e os socos rápidos agora são lentos e previsíveis, o peito arde e não importa quanta força faça para respirar, o ar teimoso simplesmente aparenta não querer vir. Rodrigo sabe que se não está no limite pelo menos já está muito próximo dele, já sente os sinais da exaustão e como a cereja do bolo para confirmar suas suspeitas seu estômago embrulha e ele sente um latente vontade de vomitar.
Agora é o momento que a força mental deve superar a do corpo, o momento onde o espírito deve ser o mais reto possível ou a derrota se tornará inevitável. É extremamente frustante ver os socos vindo em sua direção, pensar e saber dezenas de maneiras diferentes de se proteger dele, mas já estar em um nível de desgaste físico tão grande que seu corpo não consegue obdecer suas ordens a tempo, levando todo e cada golpe.
Vincente o atinge com um jab, direto e gancho, como resposta só lhe resta fechar a guarda e aguentar a surra firme da melhor forma possível, sem recuar e sem demonstrar fraqueza. As cordas do ringue tocam suas costas e ele sente não ter mais para onde ir, ele tenta pensar em um modo de sair dali e conseguir mais espaço, mas seus pensamentos são impedidos de ser concluídos por conta de mais um soco atingir sua cara.
Mestre Ivan, vendo o desempenho massacrante de seu oponente, continua sério e contido, quem o observa não consegue parar de imaginar que na verdade seu rosto está repleto de nervosismo e preocupação. O homem segue vidrado vendo o combate e analisando cada mínimo detalhe do que está ocorrendo.
" Termine logo esse combate, cada pancada é um risco para seus olhos. Sei que concordei com isso, mas me preocupo, Vincente! Se ficar perigoso não hesitarei em jogar a toalha para parar a luta! " — Ele pensa apertando firme a toalha em seus ombros.
O técnico sente espamos e tremores involuntários por todo seu corpo que sente calafrios, ele sente seus pelos arrepiarem e o coração palpitar. Ele quer que a luta acabe logo, teme pela visão do seu aluno mais próximo.
"Levamos meses e mais meses treinando sem sparring e com o mínimo de contato possível para preservar seu olho. Não acredito que topei essa loucura! Acabe logo com ele e vença essa luta! Mostre que todo esforço que tivemos até agora não foi em vão!" --- Ivan devaneia enquanto assiste Vincente ser atingido na cara.
Em completa desvantagem, Rodrigo clincha desesperado para segurar e conter seu rival, ele olha para o relógio e vê que o round irá acabar em dez segundos. Por isso o garoto, faz toda a força que tem para comtinua preso ao oponente e atrasar a luta, ele usa tudo de si e enrola naquela posição durante os segundos que faltavam. O juiz os separam e cada atleta vai para seu canto.
A cabeça de Rodrigo dói e ele sente o mundo girar, já havia levado muitas pancadas. Sempre no limite, sempre contra o fio da navalha, essas situações críticas e de desvantagem eram tudo que ele sempre vivenciou e conheceu nos ringues, já estava farto disso. Sua mente inebriada pela dor se pega em pensamentos intrusivos e repetitivos.
"Eu me esforço tanto, eu realmente me dedico a essa merda. Nem o Gustavo treina mais que eu, eu sou o primeiro a chegar e o último a sair! Todo dia, o ano todo sem faltar... Então porquê todo mundo sempre me supera? Porque todo oponente meu me causa essa maldita dor de cabeça??? Nem fodendo ele treinou como eu treinei!" — Ele se pega pensando enquanto se enche de uma notória frustração.
Vendo essa cena estão Gustavo e Davi, petrificados e em um silêncio sepulcral depois de ver a surra praticamente unilateral que foi o segundo round. Davi sente o peito apertar e não consegue lidar com o que estava vendo, ele mais do que ninguém testemunhou toda a renúncia e dedicação do Rodrigo durante todo o período de preparação. Não era para as coisas se desenrolarem assim, não faz sentido e nem lógica. É apenas injusto.
--- Porquê ele tá sempre contra as cordas mesmo se esforçando tanto!?!? --- Davi não consegue conter o misto de tristeza e raiva.
--- Ele é um homem sem talento em meio a uma selva de gênios. --- Gustavo fala como se estivesse em um velório.
🥊
Vitória é apenas o que Rodrigo conhecera durante toda a vida, vinda sem esforço por sinal. Tem as melhores notas da turma, é o presidente do clube de debate e por duas ocasiões venceu o interclasse de futebol. Isso pode parecer o sonho de qualquer adolescente que apenas pensa em popularidade, mas na realidade é o inferno particular do rapaz.
A facilidade de tudo não traz o sentimento de satisfação, apenas o de tédio, de que adianta estar sozinho no topo de uma montanha escalada como se fosse uma brincadeira? O talento extremo o isola dos demais e faz a sua vida ser monótona, repetitiva e sem desafios. Só que para sua sorte isso muda ao conhecer Gustavo, mais especificamente ao conhecer o boxe!
Os dois garotos se encaram no beco atrás da escola, eles vão brigar por algum motivo besta que nem sequer conseguem se lembrar. O cabeludo segue olhando para Rodrigo que se mantém confiante e com um ar de superioridade.
--- Tem certeza que quer vir tomar essa surra mesmo?
--- Veio brigar ou conversar? --- Gustavo diz entediado --- Se tiver com muito medo eu te deixo dar o primeiro soco.
Gustavo abaixa a guarda e expõe o queixo o levantando, Rodrigo avança com uma sequência de socos desengonçados e sem técnica. O boxeador desvia de todos os socos e segue com as mãos baixas, logo em seguida sorri e começa a saltitar na ponta dos pés.
--- Um soco! --- Gustavo diz apontando um dedo --- Acerte um soco e a vitória é sua.
--- Filho da puta!
O inexperiente garoto avança com mais socos vergonhosos, que são habilmente desviados e bloqueados sem dificuldades. Rodrigo usa seu apurado jogo de pés para se mover ao redor do oponente e sair do raio de ação do oponente, ao ponto de Rodrigo o perder de vista e levar um chute na bunda. Gustavo desvia do soco que o inimigo joga cheio de vergonha e abre um sorriso debochado.
--- Ok, sem mover os pés e sem por a guarda.
--- Pare de me subestimar! --- Rodrigo diz avançando com toda fúria.
Assim que termina de avançar já joga seis socos que são esquivados enquanto Gustavo não tira os pés do chão, apenas movendo a cabeça e troncos. Cheio de fúria como última tentiva de finalmente acertar, o garoto manda um largo e longo balanço com toda a sua força, que desloca todo o seu peso e o faz cair no chão sentado após o boxeador desviar novamente.
--- É, você é muito ruim. --- Gustavo constata sem fazer qualquer expressão.
Rodrigo permanece caído no chão totalmente suado, ofegante e humilhado, o garoto porcura os cacos de sua confiança e dignidade por perder uma luta sem nem sequer tomar um soco. Repleto de choque e revolta, ele começa a bradar com todo o seu ódio.
--- Que merda é essa que você fez???
--- Ah, isso? --- Gustavo agacha perto do garoto caído --- Usei o boxe pra chutar sua bunda.
--- Eu... eu vou treinar essa merda! Eu não consigo aceitar. E eu vou devolver esse soco!
Gustavo sorri ao ver a determinação e a sede de vingança do garoto deitado, então ele o oferece a mão e o ajuda a se reerguer. O boxeador então tira um panfleto da academia e o entrega.
--- Arte porrada?
--- É onde eu treino. Se quer me acertar um soco, devia pelo menos aprender como se faz um.
Nesse dia Rodrigo conheceu a derrota e a sensação de ter uma montanha em sua frente, uma que ele está na base e que não consegue chegar ao topo sem dedicação extremas. Ele viu em primeira mão como é alguém talentoso e como ele não consegue chegar nem perto. Após isso, ele conhece mestre Antônio e passa a respirar e viver boxe vinte e quatro horas por dia, ser ruim em algo finalmente trouxe o sentido e o objetivo que ele queria em sua vida. Não havia mais como recuar, nem sequer um passo, ele escalaria essa montanha e se tornaria o melhor, foda-se se ele precisar treinar três vezes mais, foda-se se demorar e foda-se que ele tenha que amargar dificuldades e derrotas para isso, ele quer se tornar habilidoso aos trancos e barrancos, independente da consequências ou dos desafios.
Sua jornada não foi fácil, por mais que se prepare arduamente até hoje nunca teve uma luta fácil, seu recorde atual de lutas são vinte vitórias, oito derrotas e cinco empates. Suas duas primeiras lutas ele perdeu sem nem sequer conseguir atingir um soco, toda essa jornada e caminho calejaram sua mente ao ponto de desistir não ser nem sequer uma opção, ele trilhará como puder e não puder até atingir seu ápice. Essa é a máxima de um homem fraco que desafia os talentosos!
🥊
Voltando para o final da luta, Rodrigo senta no banco perto de Antônio. O garoto tem muitos hematomas e exala exaustão, seu corpo está por um fio e seu limite já foi ultrapassado há muito tempo. O mestre rapidamente começa a passar uma bolsa de gelo em seus ombros.
--- Parabéns por conseguir voltar pra mim esse round --- O velho o encoraja --- Como está se sentindo?
--- Como se um caminhão tivesse passado por cima de mim. Cê sabe, o normal de toda luta.
--- A dificuldade forja um coração de aço capaz de rivalizar com qualquer coisa. --- Antônio o encara nos olhos emanando e transmitindo todo apoio e energia que consegue --- E eu aprendi como ele faz para se localizar e desviar dos socos mesmo vendo muito mal. Ele foca em olhar seus pés, ai ele consegue ver a distância entre vocês dois e todo boxeador de qualidade sabe que os socos começam pelos pés, os giros de pés e quadris que geram a potência. Como pugilistas só de ver um pequeno padrão dos giros dos pés já conseguem imaginar o que virá. É mais fácil se defender do que já está esperando.
Antônio coloca sua guarda e posição de luta, logo depois avança um passo curto com a perna dianteira e solta um jab, depois gira o pé de trás fazendo uma alavanca com o quadril para dar um direto. O velho então gira levemente o pé da frente e solta um cruzado de esquerda, com o pé direito ele faz a mesma ação para um cruzado de direita. Depois alterna a posição dos braços na guarda e joga um gancho com cada mão.
--- Consegue perceber? --- O treinador diz sério.
--- Sim! Passo curto com a dianteira pro jab, giro de pé de trás pro direto, leves giros nos pés pros cruzados e troca dos braços pros ganchos. É assim que ele consegue saber o que vou golpear. É impressionante que pequenos gestão tão rápidos sejam o bastante para ele prever o que vai vir, mais sinistro ainda é ele perceber e ainda conseguir desviar em tão pouco tempo. Ele definitivamente se preparou para superar sua deficiência.
--- Saber disso não vai mudar o rumo da luta. Você tem uma boa leitura de luta, pirralho, mas não acho que nos três minutos que faltam você vai conseguir mudar seu boxe. Suprimir ao máximo esses pequenos detalhes exige muito treino e tempo.
As pernas de Rodrigo começam a tremer de emoção, ele sente seu sangue esquentar e cabeça rodar. Três minutos para mudar todo o fundamento técnico que levou meses para aprender e anos para lapidar, é impossível! Ainda mais para alguém como ele.
--- Ok, sem boxe então. --- O boxeador diz preocupado.
--- Como assim? --- O idoso o encara confuso.
--- Vamos ter uma boa e velha briga de rua.
No outro corner, Vincente sente um gosto metálico na boca e um gosto enorme de sangue, ele sente seus braços pesarem e o corpo latejar de dor, a luta até o momento havia sido árdua e os danos já começavam a cobrar seu preço. Sua visão começara a piscar e falhar, e quando não falhava ficava cheio de pontos brancos flutuando em sua frente que o faziam conseguir cada vez menos distinguir as coisas. O rapaz sabe o que isso significa, talvez seus dias com visão cheguem ao fim nos próximos três minutos finais da batalha, então se é para ficar cego que valha a pena! Vincente irá com todas as suas forças para um nocaute. Pouco se importando com as consequências, ele decide seguir lutando o máximo que conseguir até a morte ou vitória!
--- Garoto, conseguiu me ouvir --- Treinador Ivan chama sua atenção ao perceber que ele estava aéreo.
--- Sim! --- Vincente tenta disfarçar.
Ivan faz silêncio e aperta firme a toalha, suas mãos tremem e ele entende que provavelmente a hora esperada estava chegando, ele tem sentimentos conflitantes e por um instante hesita.
--- Você quase não tá vendo, né?
--- Se vou ficar cego, então que a última coisa que eu veja seja o que eu mais gosto: os ringues!
--- Vincente!!!! --- Ivan berra tentando o parar, mas de nada adianta. O garoto o dá as costas e anda até o meio do ringue.
O treinador sente seu coração acelerar e seu corpo amolecer, já não consegue ver Vincente como o lutador de dezesseis anos que veio competir com tudo de si, ele vê indo para o combate um Vincente mais novo, o pirralho de oito anos que apareceu encharcado e tímido em sua academia pedindo para aprender a lutar igual o Van Danme!
" Boa sorte... meu garoto!" — Ivan diz respirando pesado.
Finalmente o último round começa, está 1x1 e o vencedor deste levará a vitória para casa nesse duelo de azarões. Três minutos para decidir quem poderá sair com a cabeça erguida. Rodrigo não perde tempo e joga um soco sem técnica usando apenas os braços, sem mover as pernas. Por conta dos membros inferiores do oponente terem permanecidos imóveis, Vincente não conseguiu perceber a tempo e a pancada explode bem em cima do seu olho direito, o fazendo ficar na escuridão de um lado do corpo. Apenas o breu e um ponto cego restara no lugar.
" Tsk, então percebeu não é, desgraçado?" — Vicente lamenta por um instante, mas logo se prepara e devolve um soco venenoso que acerta o rival com tudo.
" Nem assim você recua, porra? Que seja, eu vou te matar!" — Rodrigo avança com mais socos sem técnica.
As pancadas voam para os dois lados e todas acertam, Rodrigo leva por estar exausto de mais para se defender adequadamente e Vincente leva pot agora ter um ponto cego e não ter mais nada nos movimentos do oponente para conseguir acompanhar. Depois de uma troca intensa de pancadas, Rodrigo volta a tomar a dianteira do combate e acerta seis golpes seguidos no adversário, que voa para trás e se agarra nas cordas para não cair.
--- Arrrg! Eu não acredito nisso! --- Davi dá um tapa na lateral do ringue --- Esse desgraçado não cai! Ele é imortal por acaso?
--- O Rodrigo está atacando apenas com as forças dos braços. Esse jeito de golpes deixa o golpe com apenas um quarto do poder. Ele está desprezando toda a força das pernas, quadris e costas.
--- E como ele vai conseguir nocautear assim? --- Davi diz confuso --- Eu não tô entendendo o porquê ele estar lutando assim!
--- Só nos resta assistir. --- O cabeludo cruza os braços concentrado.
Rodrigo acerta mais dois socos na cara de Vincente que morde firme o protetor bocal para controlar a raiva, logo em seguida respondendo com mais três socos que acertam duramente o corpo do rival. Pelo balanço de danos, os dois quase não se aguentam mais de pé e ainda faltam um minuto e meio para o fim do combate! O que começou como uma luta técnica terminou como uma disputa de resistência, onde a técnica foi deixada de lado e o que nos resta assistir é o gutural lampejo de duas almas selvagens se acertando.
A torcida começa a vaiar, vieram assistir boxe não esse show de falta de técnica e princípios dos boxe, era como assistir uma luta de dois iniciantes que nunca praticaram boxe, era uma briga de rua sem toda a pompa e glamour destes campeonatos. Todos só conseguem pensar onde está o orgulho de Rodrigo por se sujeitar a vergonha e humilhação de lutar desta forma, tudo que o público consegue ver é uma luta na lama de duas almas sufocadas pelo espírito de querer vencer. Já para os lutadores, pouco importa o julgamento e opiniões alheias, todo o mundo nesse exato instante não existe e tudo que conseguem ver é o ringue e o oponente em sua frente.
Rodrigo cerra bem o punho e acerta praticamente uma marretada na cara do adversário que treme os joelhos como se fosse cair, mas se mantém de pé usando toda a tenacidade de seu coração. Sabendo da brecha, ele segue acertando o adversário que mal consegue enxergar a essa altura da luta, mas mesmo assim se mantém de pé ofegante e tremendo pelos danos.
" Merda, sem as pernas só consigo esses socos fracos. Se eu não derrubar ele vou ser nocauteado, ele está dando tudo de si também! " — Rodrigo pensa com o estômago embrulhando de receio.
--- O que foi? É tudo que tem? --- Vincente cerra os punhos sem aguentar andar --- Cai dentro, babaca!
" Ele tá bem na sua frente, não ignore a tenacidade dele! Não posso ver um homem lutando dessa forma e ignorar. Foda-se meu receio e nervosismo, também irei com tudo " — Rodrigo pensa cerrando o punho.
--- Pode deixar que eu tô indo! --- Grita avançando contra o imóvel Vincente.
Indo contra o conselho de Antônio, o garoto opta por voltar a usar o boxe e os giros de pés para ganhar potência nos socos. Ele usa cada fibra de cada músculo de seu corpo neste ataque, toda a sua força que levou anos para desenvolver. Este é o soco mais forte que já havia lançado em sua curta vida.
Assim que vê o giro do pé, Vincente consegue finalmente identificar qual é o golpe que seu oponente vai usar. Ele tensiona o corpo e acumula toda força que consegue juntar, toda a força que ganhou por meses batendo saco de pancadas, levantando pesos na academia e treinando com toda a sua capacidade.
" Te peguei! Hora de dormir! " — Vincente pensa jogando um direto contra Rodrigo.
Se ele estivesse menos cansado e menos debilitado o golpe sairia mais rápido, como já estava no seu limite de vigor, o golpe sai lento então não há tempo para esquivar e atacar. Graças a isso, os dois socos atingem o alvo ao mesmo tempo! Rodrigo sente uma pancada no seu nariz e Vincente sente a panacada atingir sua têmpora em cima do seu ponto cego.
" Eeek se você acertasse mais alguns centímetros pro lado, eu cairia " — Rodrigo constata assistindo Vincente desabar em direção ao solo.
Quando estamos em um pico de adrenalina acabamos vendo as coisas em câmera lenta, então Vicente viu a pancada o atingir muito devagar e a sua queda em direção ao chão demora praticamente horas para o seu cérebro. Nesse tempo ele consegue perceber que o seu ponto cego o causou problema para perceber a distância e profundidade das coisas, por isso seu soco mirado no queixo acabou acertando o nariz do inimigo. Ele sente seu corpo anestesiar e a consciência vacilar, sua mente nubla e ele só consegue pensar uma coisa:
"Então ver as luzes caido derrotado será a última coisa que meus olhos vão ver? Isso é... triste" — Seu corpo atinge o chão e sua consciência se esvai. É um desmaio.
Davi, Gustavo e Antônio saltam de alegria ao verem o juiz encerrar a luta e confirmar a vitória de Rodrigo, que se agarra as cordas e encara o rival derrotado com muito respeito. O garoto não tem energias nem mais para comemorar e deixar seu corpo ceder e senta no solo do ringue, mostrando todo o desgaste físico e mental que obteve nessa luta.
Ivan invade o ringue e seu desespero só aumenta a cada segundo que Vincente não acorda, o estado de consciência do garoto está afetado e ele não sente o próprio corpo, conseguindo apenas ouvir. Sua visão segue um preto turvo infinito, nem mesmo os vultos e as formas de antes aparecem, então seu coração dispara.
" Então fiquei mesmo cego? Não tenho do que reclamar, foi minha escolha afinal! "— Ele pensa sentindo estar flutuando por não saber onde está e nem sentir nada com o corpo.
Até que depois de longos dez minutos, Vincente finalmente desperta e seus olhos de forma gradual e cansada voltam a enxergar, a primeira coisa que ele vê em sua frente é Ivan o encarando chorando. O treinador está abraçado as pernas do garoto que está deitado em uma maca da enfermaria do evento.
--- Eu perdi, né? --- Antes que o menino consiga finalizar a frase, Ivan logo o abraço extremamente apertado.
--- Tá conseguindo me ver????
--- Sim, não é a hora ainda.
Vincente senta na maca e aperta o calção com muita força, seu corpo treme de frustração e ele deixa as lágrimas sairem e inundarem seu rosto. Lágrimas estas que ele vem segurando desde que obteve o diagnóstico. Estava cansado de esconder e mascarar, era a chegada e dolorosa hora de sentir e deixar sair.
--- Eu me esforcei tanto... Porquê?
Ivan coloca a mão no seu ombro direito e o encara nos olhos, com um olhar de pena e pesar.
" Porquê tá me olhando assim? Esse é o olhar para os derrotados, por favor... não me olhe assim! Depois de tudo é só o que me resta? " — Vincente desvia o olhar e encara o chão deixando mais lágrimas caírem.
--- Foi uma boa carreira, guri. Só que agora é hora de acabar. --- Ivan diz tenso.
Uma fúria invade o coração do garoto que dá um soco na parede da enfermaria, ele se vira para Ivan e aponta em sua direção, com a mão pingando sangue.
--- Continuarei lutando até ter uma bela imagem gravada no meu cérebro. Um belo nocaute será minha última visão! Entendeu?
--- Garoto... --- O treinador não sabe o que dizer.
--- Só viverei essa vida e vou ficar cego! --- Vincente seca as lágrimas que não param de cair --- Porra! Eu só tenho dezesseis anos, isso é injusto pra caralho! Não me peça para não aproveitar o quanto eu enxergar para fazer o que amo, é cruel de mais!
O rapaz levanta e coloca as duas mãos na própria coxa com as palmas das mãos apontadas para o seu corvo, ele curva o corpo fazendo uma leve reverência como forma de expressar o seu desejo, humildade e desapego do próprio ego.
--- Por favor! Eu não vou conseguir sozinho e não lutar é o mesmo de não viver! --- O garoto aperta o calção com toda a força --- Por favor, por favor! Eu preciso de você. Me... Me treine!
--- Garoto... --- Ivan segue sem palavras.
Um silêncio se alastra pela sala até que o treinador quebra o silêncio acompanhado de um grande aceno de cabeça.
--- Te vejo às cinco da manhã! Não posso ignorar um pedido desses. Descanse porquê amanhã cedo voltaremos a treinar, você terá o seu tão esperado nocaute!
Vincente dispara e agarra Ivan o abraçando muito apertado, todo o turbilhão de emoções que sente está sendo emanado e seu treinador nesse exato momento é a única pessoa do mundo que o consegue entender, é quando o garoto se sentiu mais próximo de alguém durante toda sua vida. É um elo e vínculo inquebráveis.
--- Obrigado! OBRIGADO! --- O garoto não se contém.
--- Agradeça me mostrando esse tal nocaute. Quero que a sua última visão seja a coisa mais espetacular que já vi! Contarei a todos sobre ela quando você não puder mais enxergar...
Contagem de palavras: 7.361
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Notas do autor:
Eae galera, três capítulos em uma semana! Voltei com tudo! A meta é 8 capítulos no mês de janeiro, para conseguir voltar ao meu cronograma inicial. Conseguirei? Não faço ideia, mas vou tentar!
Acabei de arrancar dois dentes cisos então não estou muito legal, terminei este capítulo sem o revisar como deveria, o farei quando estiver melhor, então caso achem algum erro por favor me sinalizem! Para eu arrumar, desde já grato!
Sei que prometi que o Davi lutaria esse capítulo, porém juro que não foi propaganda enganosa, o plano original eram as lutas do Davi e Rodrigo serem neste capítulo, mas durante a escrita as ideias ganharam vida e eu fui colocando mais elementos, destaque e coisas na luta, a ponto de que quando reparei o capítulo já tava imenso. Não se preocupem, realmente o Davi estreiará no próximo capítulo! Não tem como não estreiar!
Torceram por quem, pelo Rodrigo ou pelo Vincente? Curtiram o desfecho da luta? Pergunto porque minha namorada leu antes de eu postar e simplesmente tá brava e sem falar comigo kskksksks, porque segundo ela "foi cruel".
Enfim, espero que tenham gostado, te vejo no próximo capítulo? Até mais, coloquem suas luvas e nos vemos no próximo round!
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