Round 16: Corte de peso
Assim que entra na academia, Davi visualiza uma cena incomum e aterradora, trata-se de Gustavo ajoelhado no chão perto de uma grande poça de vômito. O cabeludo está pálido e seus músculos tremem, ao seu redor estão Antônio e Rodrigo o ajudando a se levantar. Os dois o erguem e o deixam sentado em um banco, está visível que Gustavo está tonto e exausto.
--- Vamos ter que cancelar essa luta --- Antônio sinaliza --- Muito perigoso.
--- Tem razão, mestre. --- Rodrigo diz abanando o cabeludo --- Ele tá no limite e é um campeonato pequeno, não vale esse esforço.
--- Nem pensem nisso. É minha vida e eu que decido quais lutas valem ou não a pena para mim. --- Mesmo debilitado ainda cerra os punhos --- Eu quando comecei nesse esporte decidi encarar tudo que viesse, sem me esconder.
Davi exala preocupação e se aproxima dos três o mais rápido possível após presenciar esse ocorrido. Ele chega perto dos colegas e fica próximo a Gustavo, ele o encara com olhar tenso enquanto o garoto que passou mal permanece sereno, na medida do possível dada a situação atual.
--- O que rolou??? --- Davi não consegue se segurar.
--- O corte de peso, ele tem que perder 6 quilos em dois dias. Você e Rodrigo lutam na mesma classe de peso, mas o Gustavo é de duas categorias acima --- Antônio inicia a explicação --- Só que acabamos descobrindo que a vaga da classe de peso dele na seleção estadual já está preenchida, então se ele quiser ir pro campeonato nacional, vai ter que disputar a última vaga disponível. Que é na sua categoria e do Rodrigo.
--- Preenchida? Mas como assim, mestre? --- Davi se mostra incrédulo --- Ele não perde há quase dois anos, como que escolhem outro cara no lugar dele pra representar o estado?
Antônio solta um pequeno riso de deboche e logo fica mortalmente sério, deixando o tenso clima no ginásio ainda mais pesado. Davi fica sério ao notar como as pessoas estão lidando com isso, até mesmo Rodrigo que é brincalhão tem se mostrado o mais tenso quanto possível.
--- Bem vindo ao mundo real, fedelho, as coisas não são justas. O técnico da seleção estadual deu a vaga pro próprio filho. Agora só resta pro Gustavo conquistar em outra classe de peso.
--- E pro azar dele... --- Rodrigo faz uma pausa --- Só sobrou a nossa que é bem mais leve. Ele vai ficar um saco de ossos.
Para surpresa de todos, Gustavo se levanta usando a parede como apoio. Ele está trajando uma calça de moletom, botas pretas e dois casacos, além de uma grossa toca na cabeça. Todos ficam em silêncio enquanto assistem ele colocar as luvas e voltar a socar o saco de pancadas, mesmo totalmente debilitado. Os sons das pancadas são secas, mas nem de longe tem a força que ele sempre coloca nos golpes, mostrando ainda mais o estado de seu corpo.
--- Vocês falam muito --- Ele aplica uma sequência de cinco golpes --- Ainda falta perder 1 quilo e meio.
Davi sente um imenso arrepio na espinha ao ver aquela demonstração de superação e resiliência em adversidades. Tudo que ele consegue sentir por Gustavo neste momento é o mais puro e verdadeiro respeito, por mais que ainda haja uma imensa dose de receio e preocupação pela condição do amigo. Antônio suspira vendo a cena do seu aluno dando os socos no saco de pancadas, é visível a dúvida em seu olhar, mas mesmo assim até mesmo o velho ranziza acena a cabeça concordando, mostrando um sinal de confiança e respeito.
--- Mestre, isso é... --- Davi busca as palavras adequadas --- Saudável?
--- Mas é claro que não, pirralho! Corte de peso independente de como seja é ruim. Um amador normalmente em um prazo de sete dias perde dois quilos para lutar, o Gustavo tem que perder seis quilos em dois dias.
--- Além do fato de que amadores se pesam e lutam no mesmo dia --- Rodrigo endossa --- Então não vai haver tempo para se recuperar adequadamente, ele vai estar mais fraco do que nunca no ringue.
Arriscar a vida e a saúde, para conseguir uma vaga para o maior campeonato de boxe do país, esse é o preço que Gustavo está disposto a pagar para atingir suas metas e objetivos. Davi vê em sua frente praticamente um kamikaze, um homem disposto a abrir mão e sacrificar tudo por sua paixão, o pugilismo.
--- Bem... e se ele perder, não faz mal. Esse evento é pequeno --- Rodrigo diz calmamente --- Estamos usando para ver se ele se adapta a esse peso. Ele só disputará a vaga na seleção no campeonato estadual.
--- Mesmo assim tenho confiança nele. Ele é o Gustavo do impossível --- Antônio reforça --- Já está no peso, Rodrigo? O Davi não farei perder peso, já que é o primeiro campeonato dele. Quero que se divirta.
--- Já estou no peso e pronto pra batalha --- Rodrigo responde mostrando os punhos --- Final de semana vamos mostrar quem manda!
🥊
Enquanto os rapazes estão na academia fazendo os últimos ajustes físicos, mentais, técnicos e estratégicos para luta do final de semana, Helena visita a casa de Davi, mas não para ver o garoto, ela vai em busca da mãe do rapaz. A garota toca a campanhia um pouco nervosa e espera que alguém venha abrir, para sua sorte é recepcionada por Maria.
--- Helena? --- A mulher deixa um sorriso escapar --- O Davi tá na academia agora. Quer esperar ele aqui?
--- Não vim ver ele. Quero falar com a senhora --- Ela dispara intensa e séria.
--- Ok então, espero que goste de bolo!
As meninas entram e ficam na sala tomando chá de erva doce com bolo de milho, a especialidade de Maria que é conhecida por ser uma grande anfitriã e que com certeza não deixaria uma visita ficar com a barriga vazia. Helena não enrola e vai direto ao ponto, revelando de maneira firme o motivo de sua visita
--- Seu marido lutava, como você lidava com o medo dele se machucar?
--- Eu confiava nele, mais do que ele confiava em si mesmo as vezes. --- Maria dá um gole no chá e solta um sorriso receptivo --- Eles precisam que a gente dê forças a eles nestes momentos.
Helena segura a alça da xícara com mais força e olha para o chão enquanto usa a outra mão para passar o dedo nas bordas do copo, ela suspira e fica com a respiração mais pesada. Maria nota e segue a encarando com um olhar gentil e curioso.
--- Mas eu tenho tanto medo do Davi se machucar gravemente. --- A preocupação finalmente transparece do peito de Helena.
--- É normal ter preocupação com quem amamos --- Maria diz casualmente e de forma tranquila, como se não tivesse dito nada de mais.
--- A-Amamos...? --- A garota responde com a voz meio embargada.
Seu rosto aquece e nessa hora a ficha cai, é como se algo óbvio e notório que sempre esteve ali fosse finalmente percebido por ela. A garota desvia o olhar e deixa um riso bobo escapar, agora ela sabe e não tem mais como negar o que fingia não perceber.
❤️
Gustavo chega em casa andando a passos lentos, subir as escadas foram uma verdadeira batalha árdua e intensa. Assim que entra em casa sente um cheiro gostoso de comida caseira vindo da cozinha, Helena estava cozinhando e anda em sua direção ao notar a chegada do primo.
--- Deixei macarrão e frango pra você. Já que é todo fitness. --- Ela ironiza.
--- Obrigado --- Gustavo pausa --- Mas não posso comer. Vou lutar amanhã.
Helena o encara com um tom de preocupação, ela o observa bem notando cada detalhe no primo, como seus braços estão mais finos, como a camisa está extremamente larga nele, os olhos fundos e como sua cor não parece nada saudável, exalando uma palidez mórbida. Seu rosto se enche de pesar e ela não aguenta mais essa situação calada, ela tem que romper o silêncio sobre o assunto.
--- Você não se alimentou direito a semana toda! Tá dando pra contar os ossos da sua costela! Você tá com o rosto fundo parecendo uma merda de uma caveira! --- Ela grita e berra descontrolada --- Eu odeio quando você faz essas burrices, vai arriscar sua vida e saúde assim porquê?? Pra ganhar um campeonato? A vida é mais do que isso!
--- Eu nunca pedi que você entendesse. --- Ele rebate seco e sem emoção.
O rosto da garota se enche de raiva e frustração, ela sente estar falando com as paredes e que está sendo completamente ignorada e deixada de lado, como se suas preocupações não valessem de nada ou nem sequer estejam sendo ouvidas. A garota anda com raiva até a geladeira e enche um copo de água, ela anda até Gustavo e o oferece enquanto o olha nos olhos com fúria e chamas de raiva.
--- Ao menos beba água! Você mal se hidratou durante esses dias. Sua pele tá nojenta, seus lábios tão secos. --- Ela treme um pouco. --- Você vai morrer assim!
--- Água pode acabar aumentando meu peso. Quero perder o máximo de peso possível em líquido, pra manter massa muscular --- Ele diz despretensioso, alheio a tudo que a prima demonstra sentir no momento. --- De novo, nunca te pedi que entendesse. Não complique ainda mais as coisas.
Helena cerra os punhos com ódio, seu corpo ferve e treme de raiva. Ela encara o primo nos olhos deixando transparecer um misto de fúria e preocupação, seu sangue ferve e ela sente seu coração pulsar. É egoísmo extremo se colocar em risco e debilitar dessa meneira sem pensar em quem se importa com você, ainda mais pedir que essas pessoas não compliquem as coisas que não são capazes de entender! Ninguém nunca será capaz de entender alguém que ama sofrer desta maneira, independentemente do motivo ou objetivo de tudo isso.
--- Eu odeio você quando vai lutar. Você vira uma merda de um babaca insensível! --- Ela aproxima o copo dele novamente --- Bebe essa merda logo, para de se matar! Não faz isso com você mesmo!
Gustavo dá um tapa na mão dela e o copo voa na parede molhando tudo e espalhando cacos de vidro por todo o lado, a garota sente um queimor e ardor na mão, ardor este que caminha e se espalha por todo seu corpo como uma fúria exacerbada. Os olhos de Helena cerram de ódio e ela o empurra com tudo com toda a sua força, Gustavo cambaleia alguns passos para trás e se bate na parede, ficando em choque e travado por alguns segundos.
--- Babaca! --- Ela brada e vai embora em direção ao próprio quarto pisando com força no chão.
--- Que merda... --- Ele deixa um suspiro de pesar escapar, cheio de arrependimento e com as costas vermelhas.
Gustavo coloca as mãos no rosto tentando se trazer de volta para a realidade, ele vem se sentindo pressionado e contra o fio da navalha há dias. O cabeludo sente que é a esperança da academia e que seus colegas e mestre esperam muito dele, que ele é motivo de orgulho para o bairro e escola, por isso se vê na obrigação de conseguir a vaga, a todo custo!
As dificuldades e impecilhos extras como ter que mudar de categoria de peso apenas o deixam mais nervoso, não poder se alimentar bem e ter que treinar com toda a força o deixa estressado, ele se sente exausto e no limite, sua mente e corpo já foram forçados além do limite, ele sente como se fosse quebrar a qualquer instante. Tudo que ele sente agora é arrependimento por ter chateado e deixado todo esse turbilhão de emoções fluir para cima de Helena. Gustavo não quer preocupar ninguém, e isso é o que mais o preocupa.
" Porque eu faço esse tipo de coisa..?"
Assim que esse pensamento invade sua mente, como um momento de dúvida e hesitação em sua escolha de ser um boxeador, ele avista o espectro retorcido e julgador de Daniel o encarando em silêncio. Um olhar dilacerante que atravessa sua alma.
--- É mesmo... --- Gustavo segue olhando fixamente para a razão da sua culpa enquanto cerra o punho com toda a sua força. --- Eu não tenho direito e nem permissão para desistir.
E novamente a única resposta do espectro carrancudo é o desdém e silêncio.
🥊
Davi fica andando de um lado para o outro do quarto sem conseguir dormir, sempre que deita e repousa a cabeça sua mente é invadida por pensamentos cheio de e se. E se eu perder? E se meu oponente for muito melhor do que eu? Eu não quero decepcionar todo mundo! Esses pensamentos o martelam e torturam sem parar, o afastando da cama e do sono, restando apenas perambular pelo quarto e disparar golpes no ar como forma de tentar conter a ansiedade, que no momento já o domina no íntimo.
Ele olha para cima da cama e vê o calção, a blusa da academia, as botas, capacete e as luvas arrumadas e separadas para amanhã, um sério lembrete de que é real e que em breve ele estará na selva selvagem dos ringues de competição. Nesse momento ele sente o peso da camisa e de representar o seu mestre, família e todos os seus amigos, todos o apoiam e acreditam nele, seu desempenho não pode ser ruim. Ele não quer envergonhar a todos e a si mesmo, ele precisa obter êxito! Para que todo o seu esforço tenha valido a pena! Para que toda a dedicação de Antônio e seus parceiros de treino em o preparar tenha sido bem aproveitada ao máximo! Ele se sente acuado em um canto, sem ter para onde escapar, sem ter como fugir. Agora era a hora da verdade, para saber se ele realmente teve alguma mudança ou se continuou o mesmo garoto tímido e fraco que sofria bullying.
De repente uma ligação o tira do transe de pressão que ele mesmo estava se impondo, era uma ligação de Helena. Ele rapidamente atende e sua voz logo denuncia todo o nervosismo que percorre todo o seu corpo, que treme em espamos involuntários e aterrorizantes repletos de medo e temor.
--- Te conhecendo, sei que sua mente deve tá te pregando peças --- Helena diz com a voz suave e doce --- Tá nervosão, né?
--- Eu tô. Não vou mentir.
--- Já imaginava, é bem sua cara. Relaxa, eu sei que você vai ir bem.
Davi sente a palma da mão gelar e ficar suada, seu coração acelera e galopa no peito. Ele sabe que sintomas são esses, são os mesmos que sentiu quando teve uma crise de ansiedade na sala quando foi ameaçado por Mosca. Depois de tudo que passou e de todo o esforço que empregou, ele não quer aceitar voltar a sentir e agir como antes. Ele não consegue voltar a ser a sombra triste e patética que era no passado.
--- Eu tô com medo, Helena. Muito medo mesmo. Eu vim ganhando confiança e me sentindo melhor comigo mesmo por causa dos treinos --- Ele pausa deixando o clima da conversa mais tenso --- Mas... eu tô com medo de ir lá e tomar uma surra horrorosa, isso iria mostrar que eu sou fraco e que não mudei nada até hoje, que eu ainda sou o mesmo garoto assustado que apanhava na escola. Eu não quero me sentir assim nunca mais!
--- Davi, um pouco de medo não faz mal, serve para te deixar atento. Você pode deixar o medo te paralisar ou o utilizar como combustível para lutar mais! --- Ela fica enrolando o dedo no fio do telefone, para aliviar a ansiedade e conseguir pensar nas palavras certas --- Você é um dos caras mais corajosos que eu conheço, só você que não consegue ver isso, sempre acaba se subestimando não sei porquê. Quando tiver em cima do ringue, quero que você pense: "Como eu me comportar aqui, será como vou me comportar no resto da minha vida!"
Davi faz silêncio e pensa sobre o que acabara de ouvir, realmente faz sentido em sua mente e o garoto toma como verdade tudo que ouviu. Ele cerra o punho o mais apertado que consegue e sente seu corpo se encher de tremores, mas não de medo e nervosismo como antes, ele sente se encher de força, esperança e tenacidade necessárias para provar a si mesmo que é uma outra pessoa agora. Que finalmente renasceu e deixou de lado o passado.
--- Helena, muito obrigado. Graças a você vou conseguir lutar com tudo que tenho. --- Ele solta um suspiro intenso e dramático --- Amanhã vou provar para mim mesmo e principalmente para você que o Davi fraco já morreu. Agora eu sou uma nova pessoa que renasceu das cinzas e se reconstruiu como alguém merecedor de andar com a cabeça erguida!
--- Isso mesmo! Isso que eu quero ouvir! --- Ela berra animada --- Me mostra uns socos e uns golpes sinistros!
--- Não precisa nem pedir. Peço apenas que me observe atentamente amanhã.
Contagem de palavras: 2972.
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Notas do autor:
Eae rapaziadinha, dois capítulos em dois dias, nosso novo recorde 😮💨. Esses tempos irei tentar postar em uma frequência mais alta, para compensar o mês de dezembro que não teve capítulos.
Neste campeonato que virá teremos lutas do Rodrigo, Davi e Gustavo, então aguardem e confiem que vai ser legal. Desta vez as lutas serão mais intensas e melhor aprofundadas e trabalhadas, o primeiro campeonato serviu apenas para mostrar e explicar as regras gerais. Como agora vocês já sabem, neste segundo campeonato poderei me focar em fazer lutas mais emocionais, ainda mais que agora vocês já sabem bastante sobre a maioria dos personagens principais, seja a personalidade, passado, metas e coisas do tipo.
Então espero que gostem! Lembrando que após o campeonato, irei produzir o round extra sobre o natal. Não que eu ache que esses rounds extras sejam algo que vocês esperam muito, mas é algo que eu curto e acho divertido fazer então continuarei.
Gostaram do capítulo de hoje? Te vejo no próximo? Até mais! Coloquem suas luvas e vamos para o próximo round!!! Aguardem nosso Daviboy nos ringues!!!
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