Round 10: Outboxer
Após a luta de Rodrigo, iniciaram combates de atletas de outras academias, de início Davi estava empolgado e assistiu a todos, mas com o tempo o interesse diminuiu e ele foi sentar, para relaxar e descansar enquanto esperava a vez do Gustavo subir no ringue para lutar. O rapaz senta ao lado de Roberta e se espreguiça.
--- Tá com sono, moleque? --- Indaga despreocupada.
--- Um pouco. Não achei que o evento fosse durar tanto.
--- Ah, é sempre assim --- Ela diz sorrindo --- Sempre atrasa pra começar e passa do horário previsto para terminar. Você sobrevive, novato.
--- É, eu sobrevivo. Sei que demora, mas não vou ter uma overdose de boxe.
Roberta ri da piada de Davi, ela cobre a boca enquanto sorri e balança a cabeça em negação, como se julgasse o rapaz por ter um senso de humor tão quebrado. Os dois seguem em silêncio lado a lado, até que Gustavo se aproxima da tia.
--- Tia, minha luta é daqui alguns minutos.
--- Ok, boa sorte! Traz um dente desse otário. --- Roberta soa maquiavélica.
--- Claro --- Gustavo faz um sorriso estranho --- Seu desejo é uma ordem.
--- Bota esse frango pra comer de canudo.
Gustavo vai para perto de Antônio e começa seu aquecimento, enquanto Davi só consegue pensar em o quanto essa família é estranha e em como sua mãe provavelmente nunca conseguiria ir assistir uma de suas lutas, ele sente até mesmo um pouco de inveja de Gustavo, por mais que meio desajustada, a família dele ainda se fez presente no evento para dar apoio. Mesmo com Helena espancando Mosca a cada dois segundos por conta de piadas de padrasto e com Roberta incentivando menor de idade a arrancar dentes de outro. Eles tem uma estranha sintonia, mesmo tão diferentes, eles ainda se entendem e convivem bem, como um só.
--- Terra chamando Davi --- Roberta o despertou dos pensamentos --- Tá pensando em quê? Ficou caladão do nada.
--- É só que, minha mãe nunca viria pra um lugar como esse.
--- Ah, ela tem medo de ver você se machucar, né? É normal, muitos pais não vem por isso.
--- É legal que o Gustavo tenha isso. Com certeza vai fazer a diferença.
--- Ahn? --- Ela sorri --- Acha que eu to vindo aqui porque o Gustavo precisa de apoio? Esse ai é selvagem, pra ele não muda nada se viemos ou não. Eu venho só pra garantir que ele não faça merda.
Davi olha incrédulo, realmente é uma família muito estranha, mas muito divertida também. A curiosidade o martela, mas resolve continuar calado. Roberta percebe e continua puxando papo.
--- Cê tá doidinho pra saber o que foi a merda que ele fez quando eu não vim, né?
--- Você leu minha mente.
--- Eu vi nos seus olhos, Leo Dias do boxe.
Davi se ofende ao ouvir isso, até pensa em rebater, mas não acha nada plausível para contra argumentar, então apenas aceita que esse é o cargo dele agora. Seu histórico realmente não nega, sua curiosidade é alta e o faz acabar perguntando de mais ou querendo saber muito.
--- Ok ok, eu sou um pouquinho curioso, admito.
--- Um tiquinho assim --- Roberta faz gesto com o dedo indicador e o polegar, mostrando uma quantidade pequena --- O Gustavo uma vez colocou laxante na água de outro atleta.
--- Trapaça? --- Davi aparenta ficar decepcionado --- Ele não parece ser disso.
Roberta coloca as mãos na cintura e franze o cenho, ela balança a cabeça em negação.
--- Claro que não, né? Ele é um babaca com princípios. Eu criei ele assim.
--- Então pra quê o laxante?
--- Ele era bem mais novo e lutou com um garoto. Perdeu e o cara ficou tirando onda, ele não ligou e seguiu na dele. Só que aí o rapaz foi mexer com a Helena, pra provocar.
--- Eae, o que houve depois?
--- Quando o Gustavo soube, digamos que o moleque ficou o resto do evento se cagando.
--- Ah, justo pra caralho --- Davi diz controlando o riso --- Não julgo.
🥊
--- Mais devagar, Helena --- Rodrigo reclama --- Isso doi, cara.
--- Deixa de ser mariquinha. Lá em cima tomando murro na cara cê tava de boa, ai pra fazer um curativo é essa palhaçada?
A garota está na frente de Rodrigo passando um cotonete com remédio em um pequeno corte que ele tem na maçã do rosto. Ela cutuca um pouco e desinfeta usando os itens de sua maletinha de primeiros socorros, que traz para esse tipo de evento, caso seja útil.
--- E você deu sorte, viu? Se fosse mais fundo ia sangrar e cê ia perder a luta. --- Helena continua o sermão.
--- Deus é mais, me agoura não.
--- Se ele sangrasse ia perder? --- Davi se intromete --- Acho que ele aguentaria.
Rodrigo e Helena se encaram, como alguém pode praticar um esporte e pode saber tão pouco sobre as regras? Isso é algo que deixa a dupla chocada. Davi segue esperando uma resposta, completamente alheio aos julgamentos.
--- Po, cara. Você é um boxeador fajuto da zorra, hein? Essa é tão simples que a Helena que não treina sabe. Responde pra ele aí, esse cara tá cansando minha beleza.
--- Davi, ele iria perder porque é uma luta amadora. No amador, se houver sangramento, o juiz para a luta para preservar o atleta. Aqueles banhos de sangue são só no profissional, e mesmo assim tem limite.
Davi fica olhando os dois incomodado, ele não tá nem aí de fazer observações burras, então continua falando.
--- Por isso o capacete, né?
--- Isso mes... ai! --- Rodrigo reclama de Helena colocando uma gaze em cima do machucado --- O capacete evita cortes, mas nem sempre funciona completamente. Hoje pelo menos ele evitou de ser um grande que sangrasse muito.
--- Não é atoa que todas as lutas femininas e as masculinas de menores de idade são com capacete --- Helena continua --- É pra evitar ferimentos mais sérios.
Helena finalmente termina o curativo, fica impecável. Completamente bem feito. Rodrigo abre a câmera frontal do celular e se encara um pouco, pelo olhar ele aparenta ter aprovado.
--- Foi bem feito, admito. Mesmo você tendo uma mão pesada que doi pra caralho --- Rodrigo provoca --- Açougueira!
--- Eu não fiz curso de primeiros socorros pra ser humilhada assim não --- Ela brinca --- E se eu sou tão ruim assim, trate de deixar de ser ruim no boxe e pare de levar tantos socos. Aí não vai precisar de mim.
--- Essa doeu, Helena. Que isso.
--- Eu sei, eu sou ruim...miserável. Boxeador de meia tigela.
Os três são interrompidos quando Antônio se aproxima. O velho dá um abraço em Helena que retribui contente. Davi e Rodrigo só observam incrédulos achando estranho o velhote ser legal com alguém, visto que ele é um ranzinza com todo mundo. Depois do abraço, os dois se afastam e Helena o encara sorrindo.
--- Quanto tempo, hein tio Tony?
--- Você que não vai mais lá na academia. Agora que tá mais velha tá metida.
--- Não é isso, só tô estudando muito.
--- Isso mesmo, tem que seguir assim. Eu deveria ter sido assim na sua idade, aí não ia precisar tomar murro na cabeça pra viver.
Rodrigo e Davi continuam se olhando, conversando com o olhar. É realmente muito engraçado para os rapazes verem Antônio ser uma pessoa legal e educada com alguém, não é nada parecido com o tratamento que os garotos tem. É hilário ver a imagem do mestre bruto e fechado se desfazer para um cara carinhoso e gentil, é como se uma máscara tivesse caído.
--- Tony, é? --- Rodrigo diz com riso sarcástico --- Tonynho Tonynho.
--- Você não pode me chamar assim, traste. Só não te mando pagar flexão porque tomou muita pancada hoje.
--- É assim, né? Com a Helena é abracinho, fala mansa e comigo é traste e flexão. --- Rodrigo cruza os braços e diz brincando --- Isso é racismo.
--- Na boa mesmo, Rodrigo. Cala a boca. --- Helena se mete irritada.
Todos na conversa dão risada, é um clima legal e gostoso de se estar, o tipo de energia e confraternização que só esse tipo de evento pode gerar. É uma oportunidade boa para reunir os que gostam, ver um espetáculo e ainda por cima disputar medalhas.
--- O mestre é seu tio? --- Davi pergunta para Helena.
--- Não, chamo assim por carinho.
--- Mas é como se eu fosse. Conheço essa pirralha há muito tempo. Desde quando ela ia ver as aulas na academia e não gostava de tomar banho.
--- Informação de mais, tio Tony!
Helena cora e todos dão risada da cara dela, com o tempo a garota entra na brincadeira e sorri também. Até que Mosca se aproxima coçando o saco, ele está visivelmente irritado.
--- Porra, essa luta do Gustavo não começa nunca? --- Ele reclama --- Tamo aqui há um tempão!!!
--- Ele é a próxima --- Antônio responde --- Paciência é uma virtude.
--- Eu não sei esperar não. Sou vapt vupt.
--- Apressado come cru --- Davi diz um ditado popular.
--- É? --- O punk parece desafiado --- E quem espera a manga ficar madura demais, vê alguém comendo com sal. Farinha pouca, meu pirão primeiro!
Todos ficam quietos vendo o projeto de delinquente dizer as barbaridades de sempre, mas também tem que admitir que está demorando. Todos estão ansiosos para que Gustavo lute logo, para poderem ir para casa.
--- Pelo menos eu trouxe um rango pra nós --- Mosca abre a bolsa com refrigerantes e salgadinhos --- A especialidade da casa, refrigerante quente e salgadinho amassado!
--- É melhor do que nada, obrigado, libélula. Nunca achei que iria dizer isso, mas você foi útil --- O mestre diz.
--- Po, coroa. Mosquito, Muriçoca, pernilongo eu até relevo, mas libélula? Aí já é sacanagem.
Todos riem enquanto pegam algo na bolsa para comer, Mosca fica olhando para Antônio que o encara com uma cara de furioso.
--- Coroa nada, eu só tenho 52!
--- 52 antes de Cristo só se for. Você tem que admitir que tá cansado da vida.
--- Antes de Cristo é o caralho --- Antônio dá um tapinha na própria boca --- Oh Senhor me desculpe por xingar. Olha o que você me fez fazer!!!! Seu... seu... atribulado! Tá repreendido, viu?
--- Hehehe que isso Tonynho --- Rodrigo se mete rindo --- Vai descer de tobogã, benção.
Antônio cruza os braços e encara mais bravo que o normal, ele balança a cabeça em negação.
--- Os dois comediantes tão lascados amanhã na academia.
--- Mas mestre --- Mosca olha triste --- Eu nem treino com o senhor.
--- E quem disse que isso é problema meu?
--- Qual é, vovô, alivia minha barra aí. Faço o que precisar, os 10 quilômetros da outra vez foram de foder.
Antônio faz uma cara do mais puro e completo mal ancestral, é quase possível ver o diabinho em seu ombro soprando maldades em seu ouvido. Ele age quase como um vilão de desenho animado esfregando as mãos, o velho coloca a mão no ombro de Mosca e o encara sério, o rapaz só começa a suar tenso e treme igual vara verde.
--- Quer que eu te alivie? --- Antônio diz em um tom ameaçador
--- Quero sim, mestre. Na moral mesmo.
--- Ok, arruma 500 gramas de gelo vermelho pra mim. Vou usar na luta do Gustavo.
--- Certo --- Mosca bate continência --- Vou arrumar rapidinho pro senhor.
O delinquente sai correndo desesperado em busca do gelo vermelho. Rodrigo e Helena caem na gargalhada, Davi fica olhando como se tivesse perdido algo no meio do papo. O rapaz então questiona:
--- Gelo vermelho? Nunca vi. É útil pro boxe?
--- É porque não existe --- Helena responde rindo.
--- E o Mosca vai achar como?
--- Esse é o legal --- Rodrigo encara com sorriso canalha --- Ele não vai achar!
--- O libélula vai ficar procurando por um tempão isso e não vai achar, quando se der conta o evento já vai ter acabado --- Antônio diz sorrindo --- Assim ele não enche o saco da gente.
Davi cai na gargalhada, é simplesmente crueldade demais. O rapaz ri tanto que sente até falta de ar, ele encara os outros que também estão rindo.
--- Vocês são os piores! Na moral mesmo.
--- Ele merece --- Helena diz brava --- Todo castigo é pouco!
🥊
Finalmente Davi escuta o que estava esperando há tempos, o som da estática do microfone do narrador sendo ligado. Isso era sinal que estavam prestes a anunciar a próxima luta, a que ele estava mais ansioso para assistir. O rapaz rapidamente caminha para o mais perto possível e fica olhando maravilhado no aguardo do combate. O narrador então finalmente aproxima o microfone de si e inicia.
--- No corner vermelho, pensando 65,7 quilos. Da academia arte porrada, Gustavooooooo Silvaaaaaaaa!
Gustavo caminha com uma toalha ao redor do pescoço, seu olhar é fixo no horizonte, com a cabeça erguida em um tom de arrogância, seu cabelo está preso em coque e seu calção tem alguns detalhes de fiapos, o rapaz está completamente preparado e elegante, totalmente diferente do seu dia a dia.
Mais atrás vem Antônio com uma postura relaxada segurando um balde com gelo dentro, o velho acena para as pessoas da academia que retribuem com alguns gritos e acenos, para dar energia e boa sorte. Os dois sobem no ringue e ficam descontraídos no aguardo do oponente, as garotas no local começam a gritar por Gustavo que apenas manda um beijo no ar. Elas surtam e começam a berrar e torcer ainda mais, Davi e Rodrigo ficam claramente com inveja dessa popularidade toda.
--- Ei, se concentra --- Antônio repreende --- Você vai lutar, pensa nas garotas depois.
--- Foi só um mimo pra minhas fãs. Eu não tô nem aí pra elas agora. Tô mais focado em trazer um dente desse cara pra minha tia usar de pingente.
--- Meio mórbido, mas esse é o espírito.
O narrador volta a ser o centro das atenções quando volta a falar no microfone, sua voz é rouca e boa de se escutar, quando ele fala ninguém consegue ficar sem focar. É quase como um efeito mágico, um tipo de magia que só as lutas tem.
--- No corner azul, pesando 64,5 quilos. Da academia boxe club, Iuriiii Guilhermeeeeee. Vindo diretamente de Sergipe, será que essa atração de fora vai desbancar o popular Gustavo????
Guilherme é um rapaz esguio, com braços e pernas longos, ele usa um cabelo típico de surfista, tingido de loiro. Ele coloca o capacete e sobe no ringue, o garoto então dá um soco no canto do ringue, como ritual de aquecimento, o estrondo é alto e todos ficam surpresos de que um cara magro tenha esse tipo de força.
--- Acho que ele tentou me intimidar --- Gustavo diz para Antônio.
--- Deu certo?
--- Nem fodendo --- O cabeludo responde rindo --- Mas foi fofo ele tentar.
--- Ele é de fora, vai ficar ridículo se o vencedor for um turista. --- Antônio dá um tapão nas costas de Gustavo que se contorce --- Você tá representando o boxe do estado, não vacila.
O cabeludo vai andando sentindo as costas arderem, ele se posiciona no centro do ringue e a dor e a queimação o lembram do peso do que ele está representando, toda a tradição e história do boxe de onde vive, seu treinador que sempre o ajudou e o nome e reputação de sua academia, não há espaço para a derrota. Os dois rivais tocam as luvas e voltam para o próprio corner, o narrador então faz a sua mágica:
--- Todos prontos??? Porquê aqui vai o Rounnnd 1, boxe!!!!!!!
Guilherme avança como um touro, ele atira golpes visando a cabeça do oponente, Gustavo por sua vez fica com as mãos baixas sem usar nenhum tipo de guarda, o cabeludo começa a mover a cabeça e tronco, desviando de todo e cada golpe vindo em sua direção. A situação fica tão ruim para o lado do sergipano que ele começa a lançar longos balanços contra Gustavo, que novamente desvia de tudo com primor, sempre com poucos centímetros de distância, por conta dos golpes muito abertos, Guilherme passa direto após uma das esquivas do rival e o peso do seu corpo desequilibrado o faz cair sentado. A plateia vibra com esse show de técnica, o juiz se aproxima de Guilherme que levanta rapidamente.
--- Apenas escorregão, sem contagem --- O juiz brada --- Boxe!
Davi fica tão empolgado que começa a apertar Rodrigo que apenas aceita, ele entende toda a magia de se estar no primeiro evento de boxe da vida. O garoto solta uns pequenos pulos de empolgação.
--- Você viu isso, Rodrigo?? Que baile o Gustavo tá dando nele. Nem a guarda ele tá colocando.
--- Faz parte da estratégia dele. Sem guarda, fica mais fácil de movimentar a cabeça, facilitando as esquivas, mas em compensação se errar toma o golpe limpo. É uma faca de dois gumes, Gustavo tem que ser frio e tomar as melhores decisões, ou vai ser quedado.
Davi fica apreensivo ao ouvir isso, mas também mantém a fé na experiência do seu amigo, ele sabe o que está fazendo.
--- Então não tem problema, ele vai escolher certo. Eu tenho certeza disso.
--- Assim esperamos, provavelmente vai ficar tudo bem. O oponente ficou irritado quando viu a mão baixa, vai bater só no rosto, sabendo onde os golpes vão vir, fica fácil de desviar. O Gustavo é um grande outboxer.
--- O que é isso?? --- Davi diz empolgado.
--- É um lutador que usa estratégia de se mover ao redor do oponente, usa muitas esquivas e contra-ataques. Ele é especialista nisso.
Guilherme avança irritado e enfurecido, ele novamente solta uma sequência imensa de socos, que são rapidamente todos frustrados e neutralizados pelas esquivas de Gustavo, que o observa com desdém. O sergipano não aguenta ser tratado assim e solta um longo direto, todos esperam uma esquiva, mas desta vez o cabeludo para o golpe usando o próprio ombro como escudo.
Aproveitando a brecha gerada, Gustavo devolve com um potente direto, que acerta em cheio o oponente antes que ele consiga repor a guarda, um contra-ataque perfeito. A cabeça do oponente voa para trás e finalmente Gustavo avança o metralhando com jabs em todos os ângulos, todos vão acertando e fazendo o inimigo recuar por conta dos danos.
Ao ficar encurralado nas cordas, Guilherme se fecha completamente na guarda, se tornando um alvo fácil para a chuva de golpes que o cabeludo segue mandando. Os joelhos dele tremem e ele começa a ceder, mas estranhamente Gustavo para de bater e fica apenas encarando.
--- Ah, qual foi, já? --- Ele diz decepcionado --- Vem pro meio do ringue então, quero lutar mais. Cai ainda não.
Gustavo dá as costas e volta para o centro do ringue, liberando o rival da surra. Guilherme observa a cena incrédulo, é humilhante e ele surta de raiva ao ser tratado dessa forma. O rapaz também vai para o centro do ringue e fica parado encarando Gustavo.
--- Você é maluco, porra? Isso não é piada. Não me humilhe assim.
--- Então deixe de ser tão ruim --- Gustavo rebate. --- Aí eu não preciso pegar leve.
O gongo toca e o round finalmente acaba, mas os dois seguem parados no meio se encarando nos olhos. Os nervos estão à flor da pele e os treinadores tem que intervir, puxando os rapazes para seus corners. Antônio dá uma toalhada em Gustavo.
--- Você é idiota? Era pra ter finalizado a luta.
--- Vou acabar agora. Só que a guarda dele é muito fechada, alguma sugestão, velhote?
--- Jab mexicano, depois boom, Crash e Bash.
--- Ok --- Gustavo sorri --- Seu pedido é uma ordem.
Davi estava bem próximo do ringue, o mais próximo que um telespectador poderia estar, então ele conseguiu ouvir o que Antônio disse e não conseguiu entender nada das onomatopeias. O garoto se vira para Rodrigo.
--- Boom, Crash e Bash?
--- Nem tenta entender, esses dois tem um idioma próprio. O velho fala umas onomatopeias dos barulhos dos socos e o Gustavo entende. Eu não faço ideia de como isso acontece.
--- É uma ligação deles então.
--- Se comportam como um só em cima do ringue.
O segundo round começa, Gustavo boceja e finalmente resolve tomar a iniciativa da luta, chega de esquivas e de esperar brechas para atacar, o rapaz avança para finalizar a luta logo de cara. O cabeludo atira sequências longas de golpes, mas com força mediana. Guilherme de início tenta esquivar, de alguns ele até consegue, mas começa a ser atingido muitas vezes.
Como contramedida, o oponente se fecha completamente na guarda, para não ser atingido de forma limpa. Era exatamente isso que Gustavo estava esperando, assim que o rival se fecha, ele solta um jab mexicano. É um golpe muito popular no México, por isso o nome, é no geral um jab normal, a única e importante diferença é que no jab tradicional a mão vai na horizontal, já no mexicano a mão vai na vertical. Por conta do formato da luva, com a guarda fechada golpes na horizontal acabam sendo parados com mais facilidade, por causa do pouco espaço, como este jab em específico é na vertical, ele tem maior facilidade em furar o bloqueio dos oponentes, mesmo que sua pancada seja um pouco mais fraca.
E assim acontece, o jab mexicano fura a defesa de Guilherme e o certa em cheio, o rapaz não estava esperando isso e a pancada o deixa exposto e aberto, totalmente vulnerável para uma investida de seu rival. Gustavo abraça a oportunidade e avança com tudo.
--- Primeiro o Boom.
O cabeludo solta um direto com toda a força e peso do seu corpo, saltando para frente para potencializar o impacto. A pancada pega seca e sem nenhum tipo de defesa ou bloqueio para amortecer, o corpo de Guilherme é lançado 3 passos para trás, parando apoiado nas cordas, completamente tonto. Gustavo segue avançando como um tubarão sentindo cheiro de sangue.
--- Agora o Crash e Bash! --- O cabeludo berra enquanto se aproxima.
Ao ouvir a voz, Guilherme coloca as mãos na frente do rosto para se proteger, completamente assustado. Ao fazer isso, ele deixa suas costelas vulneráveis, Gustavo finge que vai atacar em cima e manda dois ganchos na barriga que fazem o oponente curvar e logo depois cair apertando as tripas no chão. O sergipano fica se contorcendo e gritando no chão, completamente desesperado e vítima da dor.
Não foi uma surpresa no final, o primeiro soco acertou o baço, fazendo com que o órgão jogasse sangue ainda não filtrado na corrente sanguínea, o segundo soco acertou o diafragma, que logo travou por alguns segundos impossibilitando uma respiração satisfatória. Com uma imensa dor no baço e sem conseguir respirar, não é mistério que Guilherme não foi capaz de se levantar em 10 segundos, fazendo assim com que Gustavo fosse o vencedor do combate.
O rival seguiu no chão à mercê da dor por mais algum tempo, até que os enfermeiros e socorristas do evento intervissem e o tirassem de maca, para receber primeiros socorros. Após o susto, ele voltou ao normal e entendeu a diferença de níveis que havia neste duelo. Gustavo recebe sua medalha e a encara um pouco, Davi fica da plateia olhando completamente extasiado pelo boxe a possibilidade de competir em campeonatos.
Após esta luta, todos já cansados resolveram ir para suas respectivas casas. Mosca finalmente retorna à arena depois de um longo tempo, o punk está furioso e visivelmente fora de si, a ponto de que resmunga e brada sozinho enquanto caminha.
--- Gelo vermelho é o caralho --- ele segue falando sozinho --- Não acredito que cai nessa!!!! Filhos da puta!!!!
O delinquente então chega onde seus colegas estavam vendo as lutas, mas não há mais ninguém, ele olha ao redor e não acha nenhum rosto conhecido, pelo contrário aliás, até mesmo os rostos desconhecidos já são escassos. Há pouquíssimas pessoas e o evento aparentemente já está nos últimos momentos, quase que completamente vazio.
--- Ué, cadê todo mundo? --- Mosca questiona alto --- Nem fodendo...
🥊
Davi, Rodrigo e Gustavo resolvem se encontrar para comemorar os bons resultados do dia. O grupo fica na porta da academia, sentados no meio fio tomando refrigerantes e conversando, o plano inicial era fazer algo diferente e mais divertido, mas pelo horário dificilmente haveria algo aberto, então tomar algo com os amigos e conversar já estava de bom tamanho, também não era como se tivessem energia para fazer algo mais animado ou desafiador, todos estavam exaustos.
O clima é gostoso e amigável, eles se sentem em paz e jogam conversa fora, algo simples e banal, mas que tem muito valor para eles. Só que eles notam essa paz ser ameaçada quando veem Mosca se aproximando xingando sozinho.
--- MALDITOS! SACRIPANTAS!!!!
--- Sacripantas? --- Davi disse confuso.
--- EU TAMBÉM NÃO SEI O QUE SIGNIFICA, MAS MINHA AVÓ ME CHAMA ASSIM. COISA BOA NÃO DEVE SER.
O punk se aproxima dos três e fica enfezado com os braços cruzados, dá para sentir todo o ódio e rancor que emana dele. Cada célula do seu corpo está revoltada e está vibrando essa energia para o exterior.
--- Tá putinho? --- Gustavo diz rindo --- Vai pescar.
--- E outra, porque tá bravinha? --- Rodrigo diz provocando --- É TPM?
--- Vão pro inferno os três. Vocês me enrolaram e foram embora sem mim, falsos do caralho!!!! Os vendedores ficaram rindo de mim!!!
Os três se entreolharam com sorrisos canalhas e começam a gargalhar da cara de Mosca, que frustrado apenas senta perto deles e também pega um refrigerante, bebendo com a cara totalmente fechada.
--- Vocês me pagam, os de verdade eu sei quem são. Tudo de vocês é pra eu me foder, primeiro os 10 quilômetros de corrida e agora isso.
--- Se você não fosse tão chato --- Davi se mete --- Talvez não fizessem isso contigo. E na boa, só fazem depois que você enche muito o saco.
--- Todo castigo é pouco --- Rodrigo dá um tapinha no ombro de Mosca --- Por mim faziam era mais!
Mosca segue de mal com o mundo, de cara fechada sem conversar, mas também observa o carinho que Rodrigo e Gustavo estão tendo com as medalhas em seus pescoços, os dois estão muito confiantes e ao mesmo tempo seguram e falam com zelo do prêmio do campeonato. O punk segue quieto, mas claramente perdido e sem entender, até que finalmente quebra o silêncio.
--- Porque um pedaço de metal vale tanto pra vocês?
--- Eu não sei, nunca ganhei uma. --- Davi serra os punhos --- Por isso eu quero uma!
Gustavo fecha os olhos e diz com um tom sereno, um estado de espírito que normalmente ele não tem, ele emana paz e satisfação.
--- Essa medalha é a materialização de todo meu esforço e sacrifícios pra viver meu sonho. Por isso ela vale mais que qualquer dinheiro pra mim. Eu suei e sangrei por ela.
--- Eu suei e sangrei pela minha também --- Rodrigo aponta para o corte na bochecha --- E doeu viu?
Mosca fica incomodado e sem jeito com as respostas, ficando claramente cabisbaixo e envergonhado, Davi nota e tenta entender esse comportamento repentino.
--- E você, Mosca, pelo que você sonharia e sangraria?
Essa resposta coloca o emocional do punk ao chão, se antes ele já estava desconfortável, agora ele simplesmente fica calado olhando para o chão. Sua voz sai fraca e trêmula, bem diferente do habitual que é sempre enérgica e alta.
--- Eu.... eu não sei... eu...
Sempre o garoto problema, sempre o rebelde contra tudo e contra todos, mas ser contra tudo tem um grande porém, você não faz parte de nada e você não se sente incluído a nada. 17 anos de vida e ele ainda não sente que se entende e almeja algo, isso o preocupa muito, ele não sabe quem é quando não está performando essa persona do garoto problema, ele não sabe quem é por baixo das roupas chocantes, cabelo chamativo e apelido sujo, ele não se entende a ponto de ter algo que valoriza a ponto de sangrar por isso. Ele dá um gole no refrigerante e fica o resto da noite em silêncio.
Capítulo com 4685 caracteres
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Notas do autor:
Eae galera, blz? Curtiram o primeiro campeonato de boxe do livro? Esse foi mais curtinho e foi apenas uma introdução às regras básicas e coisas do tipo. Com este capítulo terminamos o primeiro arco da história: A introdução ao boxe.
Na sexta-feira que vem iremos iniciar o próximo arco: A estreia de Davi nos ringues. Aguardem, vai ser bem legal. E quanto ao Mosca, seria essa pequena auto analise e reflexão no final do capítulo um começo de algo maior para ele? Leiam para saber!
Enfim, espero que tenham gostado do capítulo da semana. Te vejo na próxima sexta-feira? Até mais, coloque suas luvas e vamos para o próximo round!
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