Trajetória
Alana dirigia o carro contra sua vontade e acabou batendo em um poste na intenção de ser detida pela polícia, que não apareceu.
Ela saiu do veículo desorientada, olhou em volta e se viu na pequena cidade onde nascera e vivera até os catorze anos de idade, quando fugiu de casa. Era sertão do Nordeste. Gritou desesperada.
†
— Odeio esse lugar! — disse a adolescente irritada por ter que ajudar a mãe nos afazeres domésticos.
— Se muda então ué... — disse sua irmã, que estudava na sala.
Alana odiava a irmã, odiava aquela pobreza, queria apenas chegar à maioridade para sumir dali.
— Se eu pudesse... — disse varrendo a casa.
Quando levou uma surra da mãe por não ter secado e guardado a louça que lavara, resolveu ir embora, sem ser maior mesmo.
Pegou a bolsa da mãe e tirou todo o dinheiro que ela tinha. Foi embora de carona, primeiro numa carroça, depois em um caminhão.
— Minha mãe morreu, dona! — disse para uma dona de bar onde o caminhão parou.
Cremilda, a dona do bar, analisou a menina e pediu que entrasse no estabelecimento.
— Eu sei lavar louça, limpar chão. — olhou em volta e viu, Abel, filho da mulher, arrumando uns copos numa prateleira
— Sabe ler?
— Sei, um pouco.
Alana ficou por um tempo ali, cinco meses depois resolveu ir embora. Deixou a dona do local praticamente sem nada e um bilhete:
— Mamãe, me perdoe, mas precisei seguir meu caminho. Estou apaixonado! — dizia o bilhete feito por ela com o nome de Abel.
Cremilda sabia que o filho ficou interessado na menina, mas não fez nada, só via a garota fugindo dele, que insistia.
— Ingratos! — disse olhando a gaveta e embaixo do seu colchão onde guardava suas economias.
Porém, três meses depois daquele dia, um cachorro achou o corpo de Abel no quintal do local.
Não adiantou avisar a polícia, a menina já estava longe. Morou numa biblioteca por um tempo, se escondia lá todas as noites antes de fechar, até que foi notada por um vigia, que passou a cobrar pela 'hospedagem':
— Mas não tenho dinheiro, senhor... — avisou e viu o sorriso no rosto do homem.
Dia sim dia não aquele homem violentava aquela menina. Cansada daquilo, Alana usou a confiança que ele tinha nela e o matou com um extrator de grampos.
Na hora do ato sexual, o homem estava quase atingindo o ápice do prazer, de olhos fechados, quando sentiu o extrator entrando em seu ouvido. Emitiu um grito pavoroso e parou quando ela empurrou com um soco o objeto metálico e viu o sangue sair daquela região.
Mais uma vez foi embora deixando a biblioteca fechada. A polícia encontrou o corpo do vigilante com os mamilos sobre os olhos e um bilhete em papel sulfite com a palavra: Estuprador escrita com o sangue dele.
— Não há indício de arrombamento. Mas a vítima está sem calças, usando apenas a camisa do uniforme. Teve os mamilos cortados... — disse o policial e olhou em volta, viu uma tesoura sem ponta, suja de sangue.
Aquele vigilante era casado e tinha dois filhos. Morreu como estuprador. A própria esposa dele tentou mudar a imagem do marido, mas ninguém acreditou, e depois de um tempo ninguém se lembrava de mais nada.
Quando fez dezoito anos, Alana passou a poder se hospedar em lugares alugados. Em sua aventura pela rua conheceu muita gente, dentre elas um chaveiro, para o qual prestou serviços em sua loja.
— Não precisa se preocupar em assinar carteira, nem pagar salário completo, moço. — avisou e vendo a oportunidade de ter uma funcionária por um preço menor o homem se deixou levar e a contratou.
Aprendeu aquele ofício, aprendeu a abrir as portas mais difíceis para poder fazer chave. O chaveiro nunca a olhou com olhar lascivo, era simpático e gentil, cuidava dela e pediu seus documentos para oficializar sua situação na loja dele.
— Você pode cuidar de tudo quando eu morrer. Eu não tenho filho, quero deixar pra você, menina.
Ainda há pessoas boas neste mundo! — divagou.
— Seu Washington, eu agradeço muito, mas eu perdi meus documentos, preciso voltar no orfanato onde fui criada.
— Então faça isso, minha filha. Se quiser vou com você.
— Não precisa, eu só preciso de dois dias e logo estarei de volta.
Ela sumiu por dois dias e apareceu com documentos falsos, entregou para o homem, que sorriu e mandou para o contador, que fez a ficha dela e assinou sua carteira.
A garota viveu ali naquela pequena cidade por três anos, a pedido de Washington. Ela estudou e se formou em gestão empresarial para dar andamento ao negócio dele, que ficou doente e morreu um tempo depois, deixando uma casa e duas lojas para a jovem.
Depois de receber o resultado da autopsia feita no corpo do chaveiro, Elisa, irmã de Washington, chamou a polícia para investigar e descobriram que havia uma substancia estranha no sangue do irmão, causa da sua doença e morte.
A leitura só em si, só não te dá um diploma, mas te entrega informação para atuar em qualquer área! — divagou olhando para aquela maldita mulher que brotou do inferno.
— Eu cuidei dele, não sabia que era alérgico a isso. O médico está sumido. Eu o procurei antes de ele piorar. — disse e viu o olhar da mulher mudar.
— Não acredito que aquele desgraçado fez isso com meu irmão.
— Eu nem sabia que ele tinha irmã, se soubesse teria chamado. Ele sempre disse que era sozinho, não tinha filhos.
— Ele e eu brigamos e não nos falávamos, mas éramos só nós. Ele não teve filho mesmo, era estéril e foi traído pela esposa.
Alana deu um sorriso interno e disfarçou. A mulher viu os documentos que beneficiavam a jovem e entrou com o pedido de revogação.
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