Interferência


Murilo chegou e se sentou na cadeira à frente da mesa de Lara. Suspirou e soltou o ar pela boca. Jogou o mandado de prisão preventiva de Inácia na mesa. Notava-se no rosto do homem sua exaustão. Alto, moreno e corpulento, o investigador era o típico policial intimidador, apesar de seu comportamento contradizer a teoria.

Lara olhou para ele e pegou a ordem de prisão. Analisou e olhou para o colega:

— Perfeito. Eu fui lá hoje cedo com o André e senti uma coisa muito estranha.

— Do que está falando?

— Algo me diz que essa mulher é muito perigosa, Murilo. Eu já tinha essa sensação, mas hoje foi muito esquisito, eu me senti acuada. Vulnerável. Parecia que eu não estava ali, não respondia por mim.

— O que você fez? — Preocupou-se e aproximou o corpo da mesa.

— Não fiz nada. Só garanti ter feito coisas que ainda sequer tinha pensado. E estou exausta. Parece que não durmo há dias.

— Ah, eu também. Não aguento mais isso.

— Estou falando de agora, Murilo. Dormi muito bem. Tive uma noite maravilhosa, estava ótima. — apertou os olhos e mexeu a cabeça em busca de relaxamento, pois sentia-se esgotada.

Três dias depois, Lara estava verificando alguns casos na delegacia quando seu celular tocou:

— Alô! — disse e escutou o que a pessoa falava, se levantou de cenho franzido e olhos arregalados.

Depois de desligar, ligou para Murilo. Rapidamente pegou suas coisas e saiu.

Inácia estava de olhos fechados, quando Livaldo entrou empurrando uma maca.

— Alana, precisamos ir agora. É a troca de plantão, então vamos ganhar tempo. — avisou e pegou a prótese da perna dela rapidamente.

Ele a ajudou a passar da cama para a maca e a cobriu com um lençol. Estava com uma ambulância preparada na saída de emergência. Inácia estava radiante. Já planejava matar Livaldo quando estivesse segura e longe dali.

O médico a colocou dentro da ambulância e bateu a porta. Quando ouviu o barulho do motor, Inácia sentou-se na maca e ficou atenta ao tempo. Notou que o médico acelerou. Sorriu vitoriosa. Passou a mão no rosto e quando abriu os olhos se deparou com Alana sentada à sua frente também sorrindo assustadoramente.

— Você perdeu! Eu nunca vou confessar que matei você, sua idiota romântica!

Alana deu de ombros sorrindo e sumiu da mesma forma que chegou.

Temendo alguma represália, Inácia bateu na janela de vidro que dava acesso ao motorista e ele não ouviu.

Segundos depois ouviu várias sirenes de polícia. Desesperada forçou a porta para abrir, mas não conseguiu. Bateu na janela novamente e gritou para que o médico ouvisse suas instruções, mas foi em vão.

Foi jogada para a frente quando o médico freou bruscamente ao ser cercado pela polícia.

A ação da polícia foi rápida, ora Inácia estava desesperada pensando em como sair daquela situação e ora estava sendo algemada por Murilo e Lara lhe dando voz de prisão.

Ofegando, ela olhou na direção de Livaldo e o viu algemado sendo conduzindo a uma viatura.

Fingiu sentir dor e foi carregada por dois policiais que a colocaram na viatura.

Lara pegou a prótese da perna de Inácia e jogou dentro de seu carro saindo dali em seguida para que o povo acumulado na rua dispersasse.

Quando Livaldo saiu do quarto de Inácia dias antes, foi seguido por Alana:

— Essa mulher é uma impostora, assassina, mentirosa. Jamais vai pagar nada para você ajudá-la a sair daqui.

Ele balançou a cabeça tentando expulsar os pensamentos.

— Avise a delegada que ela o abordou, ajude-a a prendê-la. Você será reconhecido por esse ato e será um grande médico.

Repetiu aquilo como um mantra durante aqueles dias. Expôs toda a vida dele em sua mente, o orgulho de sua família quando ele conseguiu o estágio no melhor hospital de trauma de São Paulo. A vergonha de seu pai ao vê-lo reconhecido como cúmplice de uma criminosa como aquela.

Lara continuava com sua investigação e evitou presenciar o depoimento dela ali. Apesar de seu ceticismo, não confiava naquela mulher. Murilo, responsável pelo caso, entrou, mostrou as mentiras no depoimento dela à colega.

— Ela é completamente desequilibrada, Lara. Disse que foi arrastada para fora do hospital, na tentativa de fuga.

— Quem fez isso? Todo mundo a viu tentando fugir.

— Ela garante que foi um espírito. Uma entidade maligna que usa o corpo dela para cometer os crimes.

Lara franziu as sobrancelhas e observou o colega relatando. Pegou o depoimento de Inácia e começou a ler.

— Ela inventou isso?

— Se inventou é muito boa no que faz porque não se contradisse em momento algum.

— Acha que ela pode ser considerada inimputável?

— Precisamos mandar para a capital para fazer exames, mas... — abriu os braços. — Provavelmente, né?

Alana colou em Lara, que sentiu aquela vontade de continuar investigando a vida de Inácia.

— Ela insiste que quer contratar um advogado. Deixei livre para isso, mas ninguém aparece.

Murilo pegou o caso Carízia e entregou para Lara. A delegada leu, analisou por uns segundos e indagou ao colega do que se tratava apenas com os olhos.

— O senhor André Ferrari resolveu falar sobre esse assunto. Ele sabe de coisas... — suspirou profundamente. — O delegado da época morreu ano passado, teve câncer no pâncreas.

— Acha que esse caso será resolvido agora com o depoimento dele? Um caso atroz e sem repercussão nenhuma.

— Como viu, há pouca coisa para analisar. Se o que ele disser for irrelevante manteremos isso como está. Não foi aberta investigação. Parece que houve envolvimento do filho de um ricaço da região; a menina era de família bem abaixo da posição deles, então... você sabe bem o que acontece nesses casos.

— É, seu sei. — disse com o caso de Carízia nas mãos.

— Ele disse que precisava resolver umas coisas na empresa dele e precisou de mais tempo. Ele está fazendo mistério sobre isso, só espero que saiba exatamente o que está fazendo, pois com o caos em que nos encontramos distração não seria nada bem-vinda agora.

— Vamos ouvi-lo.

Bateram à porta e Lara pediu que entrasse.

— Doutora Lara, o André Ferrari está aí fora.

— Peça para entrar, por favor.

A delegada cumprimentou André e uma jovem que estava com ele e acenou para que os dois se sentassem. O empresário viu Murilo esparramado numa cadeira ao lado da mesa de Lara. A jovem se apresentou como advogada dele.

Murilo os analisou e se preparou para ouvi-lo, ligou o gravador bem à frente dos dois. Não acreditava que o que o homem diria fosse mudar algo no tal caso.

André respirou fundo e se preparou para começar a falar.

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