CAPÍTULO ÚNICO
Seus pés trêmulos conduz todo seu corpo velozmente, como em uma árdua corrida contra o tempo pelo corredor terracota, que agora, observado pelos seus olhos amedrontados aparenta ser o mais longo e estreito de todos os tempos.
Cada curva encontrada somada à constante rapidez contribuía para uma provável queda, que a todo instante era gritado aos céus, em pensamentos, para não acontecer. Se caísse sabia que não conseguiria se levar.
A certeza de que faltava apenas alguns passos para chegar no local ansiado fez com que continuasse lutando contra a extrema vontade de desabar, ali mesmo, naquele corredor quase vazio. Contando apenas com a presença de dois jovens, devidamente uniformizados que conversavam vaidosamente entre si, dispersando o dialeto atrativo para observar - de maneira repugnante - a não atrativa figura que passava veloz como um fugitivo, não muito distante deles. É até possível imaginar o trabalhar de suas mentes hostis em aprovação. Afinal, pouco importava para eles, ou para qualquer outra alma vivente daquele lugar. Trataram de voltar então para o que antes faziam.
Por meio de um olhar futurista pode-se analisar os traços em movimento de todo percurso enigmático, tal como, algumas janelas talhadas com madeira e vidro, portas fechadas com o que remete ser algoritmos de identificação, surgimento de inúmeros corredores que levava a ambientes distintos, quadros indecifráveis nas paredes, um tapete medonho e duas bandeiras que mesmo jogadas em um canto qualquer ainda era possível contemplar os dizerem: Ordem e Progresso e Abrigo Institucional Fawkes and Button. Dez horas e três minutos, informará a pouco um antigo relógio.
A figura amedrontada persiste, constante em sua missão. Mesmo muito machucada e quem dera que fosse exteriormente.
Enquanto ouvia o estridente barulho de seus sapatos no azulejo - sendo esse muito baixo quando comparado com as batidas de seu perturbado coração -, puxou oxigênio com dificuldade, sentindo logo em seguida o ar vital preencher seus pulmões, concedendo impulso para seguir em frente. Apertou calorosamente a peça quase imperceptível em seus braços, visto de longe mais assemelha que está abraçando o próprio corpo do que algum tipo de objeto.
A dor só aumentava.
Assim como em um cenário de despedida no qual as lágrimas vem sem pré-aviso, aos poucos. Uma a uma. Até molhar toda a face com várias delas. Assim como o clima tempestuoso de inverno que escurece o azul celeste e em forma de trovões vanguardeia a chegada do forte temporal, as gotículas de água começam a surgir. Uma a uma. Até banhar toda a terra e tornar frio o que antes era quente. A primeira gota salgada desce delicadamente pelo rosto quadricular.
Os olhos castanhos se fecham por milésimos de segundos, formando algo semelhante a uma careta de desagrado. Estava lutando para que elas não aparecessem. Todavia, ao que tudo indicava estava perdendo, pois mais uma gota decidiu aparecer.
Procurou a todo custo durante aquele sôfrego caminho esvaziar a mente, não pensar em nada ou pelo menos não pensar no seu próprio pessimismo, mas era um dispare, por assim dizer. Eles sempre estavam lá. Não importava pra onde fosse, atrelado com um tipo de cola jamais - antes e depois - descolavel.
Apressou os passos e apertou o conteúdo em mãos, agora com mais intensidade.
As vozes e os risos voltam. Era torturante em escala máxima, sentia como se estivesse indo direto para elas.
Nessa altura já era determinantemente impossível segurar as lágrimas e conter a onda de sentimentos que tentava reprimir desde o início daquele dia. Nem se importava mais se tinha pessoas observando seu momento de fragilidade. Nada que fizesse mudaria a nomeação que sempre receberá.
Com o constante gosto de água salgada nos lábios e as mãos tremulosas, apertou firme a chave que guadava consigo e abriu rapidamente uma portinha que range sonoramente no processo. No final de um corredor, quase esquecido, a não ser pelo fato de ter mais uma porta na parede adjacente com dizerem que condizem com a existência de um banheiro.
Ao entrar se sentou sem cerimônias no chão empoeirado, afastou alguns objetos de perto e permitiu-se deixar exteriorizar toda angústia que carregava consigo.
O espaço não era exatamente um tipo de quartinho para guardar vassouras e baldes, uma vez que, diversas outras coisas estavam empilhadas em suportes estratégicos, desde guarda-chuva a raio de bicicleta enferrujado. Estava mais para um quarto de coisas velhas e inutilizaveis. Esquecidas.
Mínimos grãos de poera saíram de um lugar para o outro evoluntariamente, reação criada com a ação de um suspiro sufocante que preencheu até as extremidades da pequena sala.
Sua mão direita foi colocada com hesitação no bolso da calça cinza, retirando minutos depois um considerável espelho desgastado. Acariciou o objeto como se fosse de imensurável importância, no entanto, suas feições mostravam o contrário.
Direcionou o espelho para seu rosto como em câmera lenta e as lágrimas que tanto havia demorado para ofuscar emergem novamente.
Estava perturbado.
Tudo que enxergava era um ser repugnante e quebrado. Detestava a imagem de si mesmo, detestava ser influenciado tão facilmente, detestava a condição que as coisas ciclicamente terminavam.
Observou seus traços cuidadosamente.
Seus cabelos negros da mais pura cor, cobriam encoracoladamente sua cabeça com uma leveza de fios de pontas duplas fora do costumeiro lugar em um digno emaranhado afro, curtos, como jamais desejar ter antes, mas era motivo de vergonha para si. Eles continuavam zombando, falando o quanto era ridículo por ter um assessório de limpeza na cabeça.
Seus olhos agora vermelhos e mais baixos do que o nomal, resultante da tempestuosa chuva salgada que dificultosamente tentava controlar. Não tinha nada de diferente, nunca virá o tal brilho que falavam quando submetido a uma circunstância interessante. Não era iluminado e sabia que estava cada vez mais distante de o enxergar. Naquelas circunstâncias só conseguia ver suas próprias dúvidas e solidão.
Seu nariz e sua boca eram em demasia desproporcionais ao rosto magro e comum. Tentou sorrir ao contemplar com armargura suas desgraças, mas tudo que refletiu por entre o desgastado espelho foi o inútil compelir dos lábios.
Sua pele escura era observada com mais atenção e revolta. Sempre forá o principal motivo de precisar se refugiar naquele esquecido lugar. Inicialmente não entendia o motivo de tanta crueldade, era nefasto o tratamento que recebia. Ainda prosseguia sem entender. Entretanto, diferente de quando tudo começou suas defesas não funcionavam como antes. Sentia-se como um herói vivendo sem seus poderes em uma terra penosa e mau; - tinha ciência que precisava mudar a realidade, ou pelo menos é isso que os heróis fazem, mas sem um dom sobrenatural de nada adiantaria se trancar em um lugar interno ou externo. A maldade sempre esperaria do lado de fora e ele sabia bem que não era possível se esconder uma vida toda.
Ainda que, de certa forma já vivesse se escondendo. Por trás de roupas fechadas e rosto baixo. Não era um bom esconderijo ele tinha total consciência, mas se sentia protegido assim, o próprio Harry Potter com sua capa da invisibilidade.
Mesmo que no final de todo esforço ainda fosse encontrado.
Guardou o objeto e permitiu ser conduzido por entre as peças do grande quebra-cabeça que era seu próprio eu. As lembranças eram profundas demais, sufocantes demais, cruéis demais. E ele apenas uma criança, à deriva da inevitável realidade.
Não suportava mais silenciar tanto sentimento. Doía em demasia.
Seria um fraco por não querer continuar lutando?
Seria ele inconsequente por desejar um abraço que a muito tempo descansa?
Seria certo acreditar na distopia que criaram consigo?
Seria tão difícil enxergar o quanto sofria em silêncio?
...
Seria?
Naquele quartinho com cheiro de coisas sem valor, ele refletiu sobre o motivo de sua maior agonia. E mesmo relutante ele soube que precisava mais uma vez se punir, soube no seu íntimo que eles estavam certos, soube com profunda dor que a felicidade não seria sua amiga, soube já sem forças que nunca foi forte o bastante, soube que de nada adiantaria resistir.
Sempre estive sozinho e sempre seria assim.
Um objeto pontiagudo foi focado próximo de seu pé direito, ele não sabia indentificar o que era e nem se importou com tal coisa, de forma automática ele foi se encolhendo aos poucos. Não poderia se machucar mais do que deveria. As tarefas precisavam dele, ou talvez era ele que precisava delas, para fugir de assombrações vivas. Era isso, ele precisava.
Pegou o objeto desconhecido, analisou, ponderou alguns instantes e percebeu que serviria bem. Tirou um pouco de seu esconderijo surado e sentiu um ponto sensível se rasgar.
Uma.
Duas.
Inúmeras vezes.
No entanto, não adiantava. O sentimento de vazio estava marcado em suas entranhas. Como um símbolo de maldição ou uma doença contagiosa. Não tinha como fugir.
Ele apenas sobrevivia. Um dia após o outro, uma noite após a outra. Manchado, ferido, sozinho.
O desorganizado e escuro quartinho era o reflexo mais fiel de seu íntimo profundo, o único lugar que durante seus maiores tormentos conseguia encontrar espaço. Ele era seu atípico esconderijo e próprio acalento.
Mirou o teto coberto por teias de aracnídeos.
Ao menos se uma criatura obstinada sorrateiramente entrasse lá, como um lampejo de luz escarlate ao amanhecer e assim como os que contam as mais lindas narrativas de glória iluminasse a mente confusa do recinto com ditos bem-aventurados, talvez, sua infame situação e seu ferido coração aos poucos se concertasse. Afinal, era do que ele precisava: enxergar que não fora esquecido, saborear a presença de um ser que deveras se importasse.
Contudo, é uma pena que algo assim de fato não tenha acontecido. Ninguém foi lá, e ele não soube o que precisava no seu mais íntimo profundo.
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