11 ; 𝘾𝙝𝙖𝙢𝙤𝙢𝙞𝙡𝙚
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⊹ P a r k J i m i n ⊹
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Três meses depois.
Por mais louco que parecesse, a vida no vilarejo estava longe de ser ruim. Cuidar das flores e plantas que seriam usadas em medicações se tornou minha principal distração. O aroma suave das folhas, a textura das pétalas entre os dedos, tudo me fazia sentir um pouco mais perto de Elysium e da minha floricultura que deixei para trás.
O Jin assumiu o lugar por mim e me manda fotos da floricultura frequentemente, mostrando cada detalhe do que ele mantém em ordem lá. Por minha causa, agora há guardiões de Aether ao redor dele também, já que ele era um possível ponto de contato comigo.
Lembrar daquele dia, há meses atrás, ainda faz meu estômago revirar. Eu não destruí só um bar, e três prédios ao redor foram arruinados, e pessoas inocentes acabaram feridas, como se eu fosse uma aberração. Monstros como eu não têm lugar no mundo comum; talvez meu destino sempre tenha sido viver assim, isolado, longe de qualquer chance de machucar alguém.
Não queria mais interferir na vida de ninguém.
Com o passar dos meses, a frustração que eu sentia por mim mesmo só crescia. Não havia um momento sequer em que Jungkook não estivesse em meus pensamentos. A lembrança do jeito como ele me olhava, era difícil de esquecer... ou talvez, impossível. Foram as palavras dele, no fim, que trouxeram minha consciência de volta naquela noite.
Mesmo que eu tentasse não acreditar, bem no fundo, eu sabia que era verdade. E também sabia que eu o amava.
Nesses meses, tenho me esforçado para encontrar uma maneira de lidar com tudo isso, tentando seguir em frente, mas a sensação era de que, a cada passo, eu só me movia em círculos. Por mais que eu quisesse seguir, algo sempre me puxava de volta para aquele momento, para aquele olhar.
Quase todos os dias, eu me pegava fazendo a mesma coisa. Desbloqueava o contato do Jeon, ligava, ouvia a voz dele atender, e antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, desligava e bloqueava de novo. Era um ciclo que eu simplesmente não conseguia romper. Bastava ouvir a voz dele pra mexer comigo, e eu ficava parado, com o celular na mão, tentando encontrar uma forma de superar o efeito que ele ainda tinha sobre mim.
No fundo, eu sentia que ia morrer com esse sentimento.
Além de toda a confusão na minha mente e no meu coração, nas últimas semanas minha saúde também não estava boa. Hoje, como nos últimos dias, meu estômago estava ruim, e qualquer coisa que eu comia me fazia mal.
Enquanto cuidava de algumas flores de camomila na estufa, senti novamente aquela ânsia, a terceira só hoje. Corri para o banheiro e vomitei, mas isso não trouxe alívio algum; parecia que eu estava perdendo as forças, afinal, não conseguia me alimentar direito. Por mais que eu estivesse insistindo, eu precisava de um médico.
Levantei e fui sozinho até a enfermaria.
Apesar das construções do vilarejo parecerem ter parado no tempo, tudo ali era extremamente tecnológico, e a enfermaria não era diferente. Equipamentos de última geração estavam espalhados entre as salas de atendimento, um contraste gritante com o ambiente rústico do lado de fora.
— Bom dia, rapaz — disse a médica quando entrei no consultório, com um sorriso profissional que transmitia calma.
— Bom dia, doutora.
Expliquei os sintomas que estava sentindo, e ela foi anotando tudo com atenção, ocasionalmente franzindo a testa, como se tentasse encaixar as peças de um quebra-cabeça.
— Certo. Vou precisar coletar amostras de sangue e urina para exames. Enquanto isso, vou te prescrever uma medicação para o enjoo.
— Tá ok.
— Preciso também que volte no consultório daqui a três horas para conferirmos os resultados. Se forem inconclusivos, talvez precisemos de exames mais detalhados.
— Ok, eu voltarei. Obrigado, doutora.
Após a coleta das amostras, saí da enfermaria e segui de volta para o quarto, caminhando devagar pelos caminhos arborizados. O ar fresco era agradável, mas meu corpo parecia pesado, cada passo era um esforço.
Assim que cheguei, deitei na cama, exausto, e a Haru, como sempre, se acomodou ao meu lado. Era como se ela pudesse sentir a minha dor, o peso de tudo que eu estava carregando.
— Você sabe que eu te amo, né? — murmurei, passando a mão no seu pelo macio.
Haru ronronou baixinho, aninhando ainda mais perto de mim, oferecendo aquele conforto silencioso que só ela sabia dar. Fechei os olhos, tentando relaxar, mas o descanso foi logo interrompido pelo som de uma videochamada do Jin no celular.
— Céus, que cara é essa? — ele perguntou assim que viu meu rosto na tela. — Você ainda tá mal?
— Uhum... — respondi, esfregando os olhos. — Acho que meu estômago desacostumou de comer comida boa todo dia. Eu também ganhei peso, então deve ser isso.
Jin arqueou uma sobrancelha e sorriu, tentando aliviar o clima.
— Dá pra ver pelo seu rosto que você engordou, bochechudo.
Revirei os olhos, mas não consegui segurar uma risada fraca.
— Cala a boca, idiota.
Ele começou a rir ainda mais, se divertindo às minhas custas.
— Falando sério agora, você vai ficar sofrendo sem procurar um médico?
— Eu fui. A doutora coletou algumas amostras pra fazer exames, vou voltar no consultório daqui a pouco.
Jin relaxou um pouco, concordando satisfeito.
— Que bom que foi mesmo. Melhor ficar atento e esperar pelos resultados. Se hidrate bem e descanse durante esse tempo.
— Pode deixar. — murmurei, desviando o olhar por um instante antes de perguntar. — Jin... o Jungkook te procurou mais alguma vez?
O semblante dele ficou sério por um momento antes de responder.
— Sim, mas insisti que não sei de nada e que você fugiu de mim também.
Respirei fundo, sentindo um aperto no peito. Mesmo longe, só o nome dele parecia reacender tudo o que eu estava tentando suprimir dentro de mim.
— Ótimo, é melhor assim. — menti, tentando ignorar a dor que minha própria afirmação causava.
— Sua cara nem nega o quanto você sente falta dele durante todo esse tempo.
— Não começa.
— Tô só falando o óbvio. Você pode até fingir que tá lidando bem com tudo isso, mas eu te conheço. Toda vez que mencionamos o nome dele, você fica assim, com essa cara de quem quer chorar, mas tá segurando.
— Eu não tô segurando nada.
— Ah, claro. — ele ironizou, arqueando uma sobrancelha. — Só te digo uma coisa: ignorar o que sente não vai fazer desaparecer.
Fiquei em silêncio porque, no fundo, sabia que ele tinha razão.
— Logo ele será apenas uma lembrança, é só questão de tempo.
Jin estreitou os olhos, como se analisasse cada palavra que saía da minha boca.
— Nesses três meses, você esqueceu ele, Park?
Engoli em seco, mas não respondi.
— Ein? Me responde.
— Não! Não esqueci.
Ele deu com os ombros, com aquele jeito típico dele de quem já sabia a real.
Continuamos conversando mais um pouco antes de desligar a chamada, afinal, ele precisava estudar para algumas provas importantes da faculdade que estavam se aproximando.
Depois disso, passei o restante da manhã tentando ocupar a mente. Haru parecia sentir que eu precisava de companhia e não saiu do meu lado, ronronando enquanto se acomodava na cama comigo. Para me distrair, liguei a televisão e comecei a assistir séries aleatórias, pulando entre episódios sem muita atenção ao que estava passando.
Apesar da tentativa de relaxar, os pensamentos insistiam em voltar ao mesmo lugar, como um ciclo sem fim que nem o conforto de Haru, nem as séries, conseguiam quebrar.
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Assim que deu o horário estipulado pela médica, voltei para a enfermaria. Ao chegar, fui informado de que a doutora estava atendendo outro paciente. Sem alternativa, sentei em uma das cadeiras da sala de espera, tentando acalmar minha mente. Ainda acreditava que os sintomas seriam apenas resultado do estresse acumulado.
Para passar o tempo, comecei a trocar algumas mensagens com o Jin, me distraindo enquanto aguardava.
Quando finalmente fui chamado, entrei no consultório e me sentei diante dela. Observei cada movimento seu enquanto ela analisava os resultados dos meus exames. A expressão séria em seu rosto não passava despercebida, e isso fez meu coração acelerar.
— Está tudo bem com meus exames?
Ela colocou os papéis cuidadosamente sobre a mesa, cruzando as mãos sobre eles antes de responder.
— Vi que seu sangue tem uma quantidade considerável do composto de supressores.
Concordei, já esperando que ela comentasse sobre isso.
— Ah, sim... Eu tomo para controlar meus ciclos. Na verdade, tomava.
— Como você conseguia eles?
— Desculpe, doutora, mas não tenho mais contato com a pessoa que me vendia.
Ela pareceu não se importar com a resposta, apenas anotando algo em sua prancheta.
— Tudo bem. Espero que essa pessoa tenha te deixado claro os riscos de tomar esses supressores, além do fato de que vocês dois estão cometendo um crime aos olhos da lei — disse ela, com uma leve ênfase na palavra "crime".
Engoli à seco, tentando manter a calma.
— Sim, mas a culpa era toda minha, era eu quem insistia por eles... São os supressores que estão me fazendo mal?
Ela balançou a cabeça de leve, mantendo uma expressão tranquila.
— Na verdade, não.
Eu franzi a testa, completamente perdido. A sensação de estranheza só aumentava à medida que ela empurrava um exame na minha direção.
— Seus enjoos e mal-estar recentes são causados pela gestação. Você está esperando um bebê, e está de doze semanas.
As palavras da doutora bateu na minha cabeça como um tambor alto, cada uma delas me fazendo afundar ainda mais em um buraco sem fim enquanto ecoavam na minha mente.
— Espera aí... O quê? Não — comecei a rir nervoso, tentando negar a realidade. — A senhora deve estar enganada. Eu tomo supressores há muito tempo, i-isso é impossível.
A doutora não reagiu, apenas me olhou com uma expressão séria, firme, sem sequer um sinal de dúvida em seu rosto.
— Entendo que deve ser difícil de aceitar, mas os exames confirmam. E não, não é impossível. O uso dos supressores não é uma garantia de que não haja gravidez. Às vezes, o corpo reage de maneira inesperada.
Eu ainda estava em choque, e minha visão começou a ficar embaçada, como se o mundo ao meu redor estivesse se distorcendo. O chão sob meus pés parecia ter se aberto, me deixando cair em uma escuridão gelada e esmagadora.
Não era possível, não podia ser verdade. Eu queria fechar os olhos, me virar para o lado e acordar, esperando que isso tudo fosse um pesadelo terrível. Mas, à medida que o peso das palavras da médica me atingiam, eu entendia que era real.
— O que eu faço? — sussurrei com o olhar perdido.
— Precisamos acompanhar a sua saúde e a do bebê de perto. A gravidez pode ser complicada devido ao uso contínuo dos supressores, além de você ser um Aether. É importante que você faça exames regulares e siga as minhas orientações médicas.
Eu ainda estava em choque, minha mente girava com perguntas e medos, e tudo o que eu queria era sair correndo e cair de um precipício.
Eu estava realmente na merda.
— Doutora, eu... eu não posso ter essa criança.
Ele respirou fundo e até arrumou sua postura pra falar.
— Rapaz, não temos motivos para interromper sua gestação, não em um país como o nosso. Isso é tudo muito novo, então é claro que vai te assustar, mas você vai se acostumar com isso, e logo estará amando esse bebê. Se depois que nascer você ainda sentir que não o quer, pode encaminhar para adoção de forma anônima. Seja qual for sua decisão, pense com cuidado, é algo definitivo.
Eu senti um nó se formando na minha garganta, e as palavras da médica ecoavam na minha mente. A ideia de continuar com essa gestação parecia impossível, mas ao mesmo tempo, eu sabia que estava encurralado. Não havia saída.
— Eu vou pensar sobre isso...
A médica concordou, me lançando um olhar compreensivo.
— É o que você deve fazer. Lembre-se de que você não está sozinho. Procure apoio, converse com pessoas de confiança, isso vai te ajudar a tomar a melhor decisão. Vamos acompanhar sua gestação, e se eu achar necessário, te transferirei para algum hospital da cidade.
— Ok...
Eu mal conseguia raciocinar, e parecia que até meus passos estavam desordenados. Cada movimento parecia pesado, como se o ar ao meu redor tivesse se tornado denso demais para atravessar. Ainda assim, me forcei a seguir em direção à porta, mas antes de sair, parei. Algo me segurou, como se eu precisasse de uma última garantia antes de enfrentar o caos dentro de mim.
Olhei de volta para a médica, hesitante.
— Doutora... poderia não contar para ninguém? Quero... entender e aceitar o que está acontecendo primeiro, antes de falar com o Arconde pessoalmente.
Minha voz quase falhou no final, carregada de ansiedade e um pedido desesperado de controle sobre algo que parecia tão fora do meu alcance.
Ela me olhou por um momento, avaliando minhas palavras. Sua expressão misturava compreensão e uma sombra de preocupação, mas, no fim, assentiu com firmeza.
— Entendo sua situação e vou respeitar seu desejo. Mas lembre-se de que precisa priorizar sua saúde. Não hesite em me procurar caso precise de ajuda.
Agradeci com um aceno de cabeça, incapaz de formular uma resposta mais elaborada. Após isso, saí do consultório. Cada passo parecia mais pesado que o anterior, como se o peso do que acabara de ouvir estivesse se solidificando dentro de mim.
Minha mente estava um caos, pensamentos atropelando uns aos outros. Como isso pôde acontecer? Eu transei uma única vez na vida, e agora vou ter que lidar com as consequências de um enorme erro. Um filho de um caçador da Ordem... Como eu fui burro...
Olhei para o céu azul do lado de fora, impecavelmente limpo, sem nenhuma nuvem à vista, como se fosse uma zombaria da tempestade que se formava dentro de mim. Busquei algum tipo de consolo na imensidão serena acima, mas só conseguia sentir o peso da responsabilidade dos meus atos crescendo.
Sentei em um dos bancos à beira do caminho, encostando os cotovelos nos joelhos e afundando o rosto nas mãos. A trilha sonora daquela tarde parecia um contraste cruel: risadas de crianças Aethers brincando alegremente pelo vilarejo. Era como se o universo quisesse me lembrar do que estava por vir, da mudança que eu sequer sabia como encarar.
— Como vou cuidar de um bebê sozinho, sendo que mal sei cuidar de mim mesmo? — murmurei, a voz abafada pelo desespero e pelo calor das minhas mãos.
O pensamento de alguém vivendo dentro de mim me consumia, e a ideia de ser pai só me parecia aterrorizante e assustadora. A tranquilidade ao redor só fazia o peso da situação parecer ainda mais forte.
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O tempo passou lentamente enquanto eu permanecia ali, perdido em pensamentos, até que eu tomei coragem e liguei para o Jin.
— Sua voz parece melhor, o que era?
— Eu engravidei.
— Para de brincadeira... — Ele começou a rir, mas a risada parou na hora quando percebeu que eu não retribuí. — Espera, você tá falando sério?
— É óbvio, Seokjin, por que eu brincaria com algo assim?
— Puta merda!
— Sim, eu tô na merda mesmo...
O silêncio na linha dos dois lados era quase ensurdecedor.
— Eu... eu tô sem acreditar... — ele comentou com a voz fraca. — Como você ousa transar com um alfa em rut, sem sequer usar preservativo?
— Eu nem lembrei disso. Nunca tinha nem transado na minha vida, então não me julgue.
Ouvi ele respirando fundo na linha, aquele suspiro que provava que ele estava louco pra me matar.
— Será que você vai finalmente entender que precisa conversar com o Jungkook? Agora, mais do que nunca.
— Não vou contar pra ele.
— Como assim? Ele tem que saber.
— Se eu abortar, não vai precisar ele saber.
Ele respirou alto, indignado.
— Você não seria louco de decidir algo assim sozinho. — A voz do Jin soou incrédula.
— Eu não quero esse filho, Jin, não assim, não com tudo que aconteceu. Não quero que ele saiba.
— Jimin, você precisa pensar melhor sobre isso. Decisões assim... não podem ser feitas no calor do momento.
Eu também respirei fundo, sentindo o peso da decisão que ainda nem tinha tomado.
— Eu não sei, ok? Não faço ideia do que vou fazer.
Ele ficou em silêncio por um momento, tentando processar tudo.
— Eu entendo que você está assustado, mas o Jungkook é o pai, isso não dá pra mudar. Vocês precisam conversar sobre isso.
— É o pai, mas é da Ordem do Eclipse, a mesma organização nojenta e escrúpulosa que persegue pessoas como eu há anos, que já matou vários Aethers e mantém muitos outros presos. Eu não posso e não vou confiar nele nunca mais.
E de novo, o silêncio na linha durou alguns segundos, até ele voltar a falar.
— Bem, se te apoia saber, eu tô feliz que vou ser tio. Eu tô aqui com você, sempre. Seja o que decidir, não vou te deixar sozinho nunca.
Aquelas palavras foram um alívio, mas o medo continuava ali, me atormentando.
— Obrigado, Jin. — Minha voz saiu embargada pelo choro.
— Agora nada de choro, e vá se alimentar direitinho pra deixar meu sobrinho ou sobrinha forte.
Ele conseguiu tirar minha primeira risada após essa notícia.
— Tá...
Desliguei a ligação, ainda uma bagunça de emoções. A ideia de um filho continuava a me assombrar, mas, pelo menos, eu sabia que tinha meu melhor amigo ao meu lado, disposto a me apoiar, não importa o que eu decidisse. Esse pensamento era um pequeno alívio em meio à tempestade.
Levantei do banco, sentindo a urgência de ocupar minha mente com algo, qualquer coisa que me ajudasse a não me afogar nos pensamentos. Ficar parado parecia impossível. A ideia de me perder em tarefas simples era o alívio temporário que eu precisava.
Voltei para a estufa, onde as plantas me esperavam em silêncio. Continuei a cuidar delas, regando, podando, arrumando os galhos. Me concentrei nos detalhes: o brilho das folhas, o cheiro da terra úmida, a textura delicada dos brotos. Cada movimento das minhas mãos era uma tentativa desesperada de afastar o peso das dúvidas e da responsabilidade que me esmagavam.
Mas, mesmo ali, cercado pela tranquilidade do cultivo, o caos na minha cabeça parecia um eco que não me deixava em paz. Era como se cada planta que eu tocava me lembrasse do novo desafio que crescia dentro de mim. Um desafio que, por mais que eu quisesse ignorar, já fazia parte de mim.
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E o restante da tarde avançou, enquanto eu me deixava absorver pelo trabalho com as plantas. Estava exausto, mas, de certa forma, aliviado por ter conseguido, mesmo que por um tempo, afastar a enxurrada de pensamentos que me atormentava.
Quando o sol começou a se esconder atrás das montanhas, voltei ao meu dormitório. O céu lá fora ganhava tons alaranjados e rosados, um espetáculo que eu não tinha ânimo para admirar. Assim que entrei no banheiro, tirei a roupa e, sem pensar, fui direto para o espelho.
Olhei minha barriga. Lá estava ela, levemente arredondada, como uma prova silenciosa do que a médica havia me dito mais cedo. Até agora, eu tinha realmente acreditado que era só peso a mais, resultado das refeições abundantes e saudáveis no vilarejo. Mas não era.
Soltei uma risada nervosa, quase histérica.
— Como não notei que estava redonda demais pra ser só comida? — murmurei para o reflexo no espelho, balançando a cabeça em descrença.
Minhas mãos tremeram. Eu hesitava em tocar minha barriga, como se o simples gesto pudesse confirmar a verdade que eu ainda não sabia como enfrentar. Mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim queria esse contato, queria sentir. Precisava saber que aquilo era real, que não era apenas um pesadelo ou uma invenção da minha mente confusa.
Com um aperto no peito, fechei os olhos e deixei os dedos tocarem a pele da minha barriga. O gesto foi suave, quase tímido, e uma enxurrada de sentimentos me atingiu de uma vez. Um medo profundo, uma curiosidade silenciosa e uma pontada amarga de ironia. Eu engravidei na primeira vez que transei, e isso seria cômico se não fosse tão trágico. Dentro de um carro, bêbados, no dia do meu aniversário, e com um caçador.
A sensação era estranha. Não era ruim, mas também não era algo que eu sabia como lidar.
Por um instante, me permiti imaginar como seria se as coisas fossem diferentes. Se não existisse a Ordem, se eu não precisasse me esconder, se ele não fosse quem é. Eu e o Jungkook, juntos. Construindo uma vida, uma família... A imagem surgiu tão clara na minha mente que, antes que eu percebesse, um sorriso triste escapou dos meus lábios.
Mas logo a realidade me puxou de volta. Não adiantava pensar nisso. Era inútil. Eu estava sozinho nisso, e a verdade era que eu precisava encontrar uma saída para lidar com tudo isso, por mais desesperador que fosse.
Suspirei profundamente e fui para o chuveiro.
A água quente escorria pelo meu corpo, e enquanto eu me deixava levar pela sensação, meus pensamentos continuavam a vagar. A ideia de uma vida tranquila, sem os perigos que nos cercavam, parecia tão distante quanto impossível. Mas, por alguns segundos, eu me permiti sonhar com isso. Com ele ao meu lado, sem mentiras, sem medo. Só nós dois e... esse bebê.
Eu apertei os olhos, tentando afastar a imagem da minha mente. Não adiantava ficar fantasiando sobre algo que nunca seria real.
Saí do banheiro e coloquei uma camiseta larga, algo confortável e que também escondesse qualquer existência dessa barriga, mesmo que por enquanto.
O cansaço ainda estava presente, mas a fome também já começava a me incomodar, então coloquei um pouco de patê de atum pra Haru e saí do quarto para ir jantar no refeitório. A noite já dava o ar da sua presença, e o vilarejo parecia pacífico, como se o mundo ao meu redor estivesse em perfeita harmonia. Exceto eu.
Enquanto caminhava, tentei me distrair, mas meus pensamentos continuavam a me atormentar.
O refeitório estava tranquilo, como de costume. Peguei uma bandeja de comida e me sentei em uma das mesas mais afastadas, onde poderia ter um pouco de privacidade. Mesmo cercado de pessoas, eu me isolava, e sempre fui assim.
Comi lentamente, tentando saborear a comida, mas meu estômago ainda estava embrulhado, mesmo com a fome. Eu me forcei a comer, mesmo sem apetite, sabendo que precisava manter minha saúde. Cada garfada parecia pesar mais que a anterior, mas eu continuei, porque agora não era só sobre mim.
Quando terminei, empurrei a bandeja de lado e permaneci sentado, olhando para o nada por alguns minutos.
Depois de um tempo, levantei da mesa, deixei a bandeja perto da cozinha e saí do refeitório em silêncio. O céu estava com mais estrelas do que antes, e o ar fresco da noite trazia uma sensação boa na pele.
Caminhei em direção ao campo, onde as camomilas que eu cuidava estavam plantadas, como se observar elas pudesse me ajudar a limpar a mente.
O silêncio ao redor era um consolo, mas, no fundo, eu sabia que o que mais me assustava era o silêncio dentro de mim. Por mais que eu não quisesse, acabei chorando, com medo do que o futuro me reservava.
Eu não queria passar por isso sozinho.
— Jimin?
Quando olhei para trás, vi que era o Yoongi.
Arrumei a postura e ele me encarou enquanto eu tentava esconder meu rosto molhado de lágrimas.
— Eu estava indo para o refeitório e te vi vindo para cá. Achei melhor ver se você estava bem.
— Uhum, estou.
Ele deu alguns passos, observando as flores que nasciam ali.
— Se está bem, por que está chorando?
O Yoongi sempre foi como um irmão mais velho e cuidou de mim desde que cheguei ao vilarejo. Não fazia sentido esconder isso dele.
— Eu... bem... — minha mente começou a ensaiar como dizer.
— Só diga sem pensar muito.
— Estou esperando um filho do Jungkook.
Mesmo com a notícia, a expressão do Yoongi permaneceu neutra e tranquila.
— Então é por isso que seus feromônios andam tão instáveis e confusos desde o momento em que você chegou aqui.
Às vezes eu me esquecia que, mesmo sendo recessivo, ele ainda era um alfa e podia sentir meu cheiro.
— Sim... descobri hoje junto com a médica.
Ele olhou pensativo para as flores e, em seguida, voltou seu olhar para mim.
— Então, ao invés de ficar aqui só até a poeira baixar, você precisa ficar até esse bebê nascer, ou até mais. Você está muito mais vulnerável agora. Fora que, se nascer um ômega, ele também será um Aether, e se a Ordem souber desse bebê, vai querer vocês dois.
Quando eu ia responder, alguém apareceu e falou conosco.
— Do que vocês estão falando?
Nós dois olhamos assustados e era o Arconde. Eu e o Yoongi nos curvamos assim que o vimos. Ele dificilmente vinha para essas áreas externas, e com certeza estava procurando o Yoongi.
Merda... o quanto ele ouviu dessa conversa?
— Pai, estamos conversando sobre os poderes dele, e nossos próximos treinos pra controlar melh...
— Não minta para mim. — Assim que ele respondeu, cortando o Yoon, se virou para mim. — Então você está esperando um filho do caçador? Isso foi mais longe do que imaginei.
Eu e o Yoongi ficamos em silêncio, incrédulos por ele ter escutado o que falamos. Meu cérebro perambulou por várias desculpas possíveis, mas, naquele momento, nenhuma conseguia sair da minha boca.
Até que a própria voz dele voltou a cortar o silêncio entre nós.
— Não importa o tempo que passe, Park, você sempre será bem-vindo no vilarejo, assim como essa criança. Nós cuidaremos de vocês dois, mesmo que nasça alfa, beta ou ômega. Não importa de quem seja o filho.
Ao ouvir suas palavras, foi como se o alívio tivesse relaxado cada músculo do meu corpo. Fiquei feliz por receber esse apoio, mas, ao mesmo tempo, sabia que isso tornaria as coisas ainda mais difíceis se eu decidisse abrir mão dessa criança.
— Obrigado, Arconde.
Eu estava emotivo, e meus olhos voltaram a encher de lágrimas, que eu tentava segurar a todo custo. O peso de tudo o que estava acontecendo parecia se misturar com o alívio, criando uma confusão de sentimentos. O Arconde apenas assentiu, como se entendesse a batalha interna que eu estava travando.
— Descanse por hoje, Jimin. Amanhã será um novo dia, e teremos muito a fazer com relação aos seus treinamentos, e agora, os cuidados com sua gravidez.
Eu apenas concordei, tentando me recompor, enquanto o Yoongi permanecia ao meu lado em silêncio.
O Arconde se afastou, deixando apenas eu e o Yoongi no campo, sob o céu estrelado. Permanecemos em silêncio por alguns minutos, sentindo o peso das palavras ditas. Eu ainda tentava controlar as emoções que estavam à flor da pele.
— Eu realmente não esperava que ele fosse reagir assim — comentei, ainda um pouco surpreso. — Achei que ele ia me mandar embora.
— Meu pai é um pouco rígido, mas ele sempre foi justo — Yoongi respondeu, seus olhos focados no céu. — Ele jamais mandaria você ou qualquer outra pessoa embora.
Eu suspirei, sentindo o vento frio contra meu rosto. Estava tudo mudando rápido demais, e eu ainda não sabia como lidar com a ideia de ter um filho, muito menos com o fato do Jungkook nem saber disso.
— Bem, vou para o refeitório jantar. Vai ficar aqui? — ele perguntou.
— Uhum, vou ficar mais um pouco olhando as flores e o céu. Depois volto para o quarto. Pode ir, eu ficarei bem.
Ele colocou a mão na minha cabeça e bagunçou meu cabelo com um cafuné, como um irmão mais velho faria. Ele se afastou e eu continuei observando o grande campo de camomila.
O cheiro que saía das flores era agradável, e sua beleza só adicionava ao encanto do momento. As camomilas, com suas pétalas brancas e centros amarelos vibrantes, não eram apenas bonitas aos olhos, mas também exalavam uma fragrância calmante e reconfortante.
Esse pequeno pedaço de tranquilidade no vilarejo oferecia um alívio bem-vindo para as preocupações que pesavam sobre mim, e sempre foi assim, desde que eu era criança.
Olhei para o céu novamente, observando as estrelas. Era difícil encarar o céu sem que a memória da minha mãe viesse à tona.
— Como a senhora reagiria a esse filho se estivesse aqui? — murmurei para mim mesmo, na esperança de que, de algum modo, ela pudesse ouvir a pergunta.
As estrelas brilhavam no céu, como se quisessem responder às minhas perguntas. Fechei os olhos, imaginando... Será que ela teria ficado feliz? Preocupada? Ou talvez teria me dado conselhos sábios que agora pareciam tão distantes?
O pensamento me trouxe um misto de conforto e tristeza. Eu sentia falta dela mais do que poderia expressar, e a ausência dela só tornava o futuro ainda mais incerto e assustador.
Após algum tempo, dei um último olhar para as flores e comecei a caminhar de volta para o quarto.
A Haru já estava deitada na cama, parecendo me esperar. Assim que entrei, ela levantou a cabeça e veio se aconchegar ao meu lado. Ela sempre foi carinhosa, mas ultimamente estava ainda mais. O primeiro lugar onde ela se aninhou foi na minha barriga, e isso foi o suficiente para me fazer chorar novamente.
— Obrigado por isso, Haru.
Ela deu um miado baixinho e continuou ali, oferecendo seu conforto silencioso.
Com as luzes apagadas e o silêncio do quarto, eu não conseguia parar de pensar nessa criança. Será que ela se pareceria comigo? Ou com ele?
Peguei meu celular e comecei a pesquisar sobre o tamanho de bebês de três meses. Em poucos minutos, estava vendo fotos de roupinhas e brinquedos, me perdendo em detalhes sobre o que comprar.
E de novo, Jeon Jungkook voltou a tomar conta dos meus pensamentos. Eu me peguei imaginando como ele reagiria se soubesse. Será que ele ficaria feliz? Ou ficaria confuso? Bravo? Irritado? Cada possível reação dele se misturava com as minhas próprias incertezas, criando um turbilhão de sentimentos.
Eu lembrei do seu rosto e senti meu coração acelerar só com a lembrança. Durante todo esse tempo, não o esqueci nem por um segundo. As memórias dele eram vívidas, como se ele estivesse sempre ao meu lado.
— Eu sinto tanto a sua falta... — sussurrei.
Minha voz soou quase inaudível no silêncio do quarto, e uma pontada no peito acompanhou minhas palavras. As lembranças dele eram como fantasmas que não me deixavam em paz. Cada pequena coisa me fazia lembrar do sorriso dele, do jeito que ele me olhava, das conversas que tivemos.
A saudade apertava, mas vinha acompanhada pela dor das mentiras que ele me contou. Eu sabia que esse sentimento tornava tudo mais complicado e confuso. Ainda assim, era impossível negar o quanto eu desejava que ele estivesse ali, compartilhando esse momento comigo.
Pelo menos, mesmo em meio a todos os problemas, eu ganhei de presente um pedacinho dele comigo.
Minha mão deslizou pela minha barriga de novo, dessa vez com mais confiança na minha decisão e na realidade que eu estava aceitando. Bastou um dia para decidir que não abriria mão desse bebê.
Eu sabia que o caminho à frente seria cheio de desafios, mas, de algum jeito, aquela pequena vida dentro de mim me dava forças para seguir em frente.
Era um novo motivo pra seguir em frente.
Com os carinhos da Haru na minha barriga, meus pensamentos finalmente começaram a se acalmar. Aos poucos, a tensão do dia foi desaparecendo. Sem perceber, meus olhos foram se fechando, e eu acabei adormecendo, com um sentimento de esperança dentro de mim.
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No dia seguinte.
Acordei com enjoo, assim como nos últimos dias. A sensação era constante, uma náusea persistente que me acompanhava insistentemente. O simples fato de abrir os olhos me fez sentir o peso da realidade sobre mim, e o mal-estar só piorou.
Me sentei na cama, tentando controlar a respiração, mas não adiantava. O enjoo era forte demais. Levantei rápido, com as pernas trêmulas, e corri para o banheiro. Fechei a porta atrás de mim e me ajoelhei diante do vaso sanitário.
O desconforto parecia me consumir de dentro para fora, e, por um momento, tudo o que eu queria era desaparecer.
Quando finalmente consegui me acalmar, respirei fundo e me levantei, tentando me recompor. O gosto amargo na boca ainda incomodava, mas ignorei enquanto caminhava até a pia para lavar o rosto e escovar os dentes. A água fria ajudou a clarear um pouco a mente, mas o mal-estar persistia.
Olhei para o meu reflexo no espelho, vendo um rosto mais cansado do que eu gostaria de admitir. Definitivamente, eu precisava tentar comer.
Deixei comida e água para minha gata. Depois, segui em direção ao refeitório.
Assim que o ar fresco encheu meus pulmões, senti uma leve melhora na minha disposição. O sol estava nascendo, pintando o céu com tons de laranja e rosa, e, por um momento, aquilo me trouxe um pouco de paz.
Ao chegar no refeitório, nada parecia diferente. As conversas baixas, o som de talheres e o cheiro da comida quente preenchiam o espaço de maneira quase reconfortante. Peguei minha bandeja com porções moderadas, e caminhei até uma mesa afastada.
Sentei separado de todos, como de costume. Enquanto comia devagar, meus olhos vagavam pelo salão, observando as interações sem realmente participar.
No fundo, enquanto olhava ao redor e sentia a distância que sempre mantive das pessoas, lembrei que eu não estava mais sozinho. Mesmo agora, depois de tudo o que aconteceu, agora eu carregava comigo um pedacinho do Jeon.
Um pedacinho daquele que eu sentia tanta falta.
Respirei fundo, tentando engolir junto com a comida aquele aperto no peito. Era um pouco assustador e, ao mesmo tempo, reconfortante. Por mais perdido que eu estivesse, não estava mais completamente só.
Ao fim do café, fui direto para a estufa, buscando o consolo silencioso das plantas. O cheiro da terra úmida e o ambiente tranquilo eram como um refúgio, um lugar onde eu podia organizar os pensamentos sem distrações.
Tudo ainda era muito recente. A notícia da gravidez mal havia se concretizado na minha cabeça, e contar para alguém além do Yoon e do Arconde parecia um passo grande demais por enquanto.
Eu precisava de tempo, tempo para entender, para aceitar, e, acima de tudo, para descobrir como seguir em frente. As pessoas, as perguntas, os julgamentos... tudo isso podia esperar.
Por enquanto, o silêncio da estufa e o trabalho com as plantas eram suficientes para me manter de pé.
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Quando já estava na cabana, ouvi batidas na porta. Imaginei que fosse o Yoon, afinal, ele era o único que mantinha contato constante comigo aqui no vilarejo. Mas, ao abrir, me deparei com ninguém menos que Seokjin.
Assim que me viu e a ficha caiu, ele praticamente voou em cima de mim, me puxando para um abraço apertado.
— Eu não acredito que você tá aqui! Achei que nunca mais ia me visitar.
— Não ia deixar de ver o gravidinho do ano. Deixa eu ver meu sobrinho.
Dei risada da sua empolgação e levantei um pouco a camisa, mostrando minha barriga. Ele arregalou os olhos, e foi como se tivesse presenciado um milagre.
— Uau, isso... isso é incrível!
Ele deu um passo mais perto, se inclinando como se quisesse observar cada detalhe. Sua expressão era um misto de encanto e empolgação, quase como se fosse ele quem estivesse esperando um bebê.
— Parece até que você é o pai — brinquei.
— Eu vou mimar tanto esse bebê que vou ser o melhor tio do mundo — disse ele, com um sorriso tão largo que quase dividia o rosto. — Tô ansioso pra você voltar pra Elysium logo.
Suspirei, baixando a camisa novamente enquanto ele pegava a Haru no colo. Ela parecia tão feliz com a presença dele quanto eu.
— Também estou ansioso, mas com esse bebê, o ideal é passar a gestação aqui.
Ele me olhou com aquele misto de compreensão e preocupação que só o Seokjin sabia expressar, mas seu entusiasmo continuava presente, iluminando a sala.
— É o ideal pra vocês ficarem seguros mesmo.
— Uhum.
Ele se acomodou na minha cama, enquanto a Haru, toda animada, pulava no colo dele. Era fácil ver o quanto ela amava o Jin, ronronando alto enquanto ele a acariciava.
— Decidiu se vai contar para o Jungkook? — perguntou, direto.
Senti um peso no peito, as palavras dele ecoando no meu silêncio enquanto eu desviava o olhar.
— Ainda não.
— Você sabe o que eu acho, certo? Eu acredito que ele mudou, e isso tá escancarado no olhar dele, em todas as vezes que ele veio atrás de mim pra saber de você.
Eu dei um suspiro cansado, sentindo o peso das lembranças.
— Ele é manipulador, é claro que você acredita nele. Eu também acreditei.
Seokjin revirou os olhos e suspirou fundo antes de responder.
— Não vou insistir. Você já é grande, e agora, vocês vão ter um filho. Só você deve decidir isso.
Sentei do lado dele, esfregando os olhos com as mãos enquanto tentava organizar os pensamentos.
— Eu tentei matar ele, Jin. Não faz sentido ele ainda vir atrás de mim. Eu sei que tem a chance de você estar certo, mas também tem a chance dele só querer me caçar. A Ordem sempre me quis, e com certeza ele ganharia muito dinheiro me entregando.
Seokjin arqueou uma sobrancelha, inclinando a cabeça para me encarar.
— Sério mesmo que você acha que ele vai te caçar?
— É uma possibilidade... — respondi, desviando o olhar.
Ele riu, mas era aquele tipo de riso que vinha acompanhado de indignação.
— Ah, claro, porque faz todo o sentido ele caçar a pessoa que tá carregando o filho dele. Só se ele fosse um louco que fugiu do manicômio.
Dei um longo suspiro, afinal, sabia que fazia muito mais sentido o que ele estava dizendo.
— Digamos que seja verdade, como você acha que ele vai sair da Ordem do Eclipse? Se bem sei, é impossível.
Seokjin deu com os ombros.
— Sei lá, talvez destruindo tudo?
Dei um sorriso fraco, sem energia, e me deixei cair na cama, encarando o teto da cabana enquanto meus pensamentos continuavam um caos.
— Eu sinto que vou enlouquecer. Vai ser eu que vou acabar indo pra droga de um manicômio.
Ele riu, e continuou brincando com a Haru, que parecia amar mais ele do que a mim naquele momento.
— Não vai não. Eu tô contigo, não importa o que você escolha. Agora para de surtar e vamos sair pra comer alguma coisa. Relaxa, Aether, um pouco de comida vai te fazer bem.
Soltei outro suspiro, mas dessa vez acompanhado de um pequeno sorriso. Talvez sair fosse mesmo uma boa ideia.
— Ok, vamos.
Ele tinha vindo com o carro do pai, então aproveitamos para ir ao centro de Hadong-gun. A cidade era pequena, e o centro, menor ainda, mas tinha alguns comércios onde podíamos encontrar algo para comer.
Enquanto ele dirigia, o som animado da música preenchia o carro, e a gente cantava sem se importar com nada ao redor. A playlist estava cheia de músicas antigas que a gente adorava, e isso fazia o momento ainda mais nostálgico. Seokjin, como sempre, exagerava nas performances, fazendo gestos exagerados e expressões dramáticas, e eu não conseguia evitar de rir. Por alguns minutos, a tensão e o peso que estavam sobre mim desapareceram.
— Ainda bem que você faz medicina, se fosse cantor ia passar fome — eu disse, rindo, depois de ouvir uma nota desafinada que ele soltou.
— Você é florista, não entende nada de uma boa voz.
Eu gargalhei ainda mais enquanto nosso caminho seguia a frente.
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Assim que chegamos, escolhemos uma confeitaria. Ultimamente, eu estava com uma vontade constante de comer doces, então não hesitei em pedir alguns. Seokjin fez o mesmo, e logo nos acomodamos à mesa para comer.
A conversa fluiu naturalmente. Ele compartilhou todas as fofocas da universidade e até me atualizou sobre os pais dele, que eu sempre gostei muito.
— Você contou pra tia?
— Sobre sua gravidez?
— Uhum — concordei levando uma colherada de pudim até a boca.
— Ainda não. Não vou contar, a menos que você me dê permissão.
Eu ri, notando a animação no rosto dele.
— Eu deixo, pode contar.
— Obrigado, eu tava ansioso pra você deixar. Minha mãe vai pirar quando souber!
— Diz pra eles virem me visitar. Tenho certeza de que eles vão amar ver tantos Aethers juntos em um lugar só.
— Meu pai principalmente. Você sabe o quanto ele é obcecado por estudar os genes de vocês.
— Ele me ajudou por tanto tempo... vocês três, na verdade. Nem sei como agradecer.
— Agradeça cuidando desse bebê aí.
Depois que terminamos de comer, voltamos para o carro e seguimos o caminho de volta ao vilarejo. O clima estava leve, e a conversa continuava fluindo entre risadas e algumas histórias antigas.
Assim que chegamos, terminamos de curtir o restante da tarde juntos.
Já era noite quando ele se preparou pra voltar para casa. Por mais que eu quisesse que ele dormisse aqui, ele não podia, não com um TCC enorme pra apresentar amanhã na faculdade. Nos despedimos, e ele seguiu viagem, com destino a Elysium.
Fiquei parado próximo a saída do vilarejo, olhando o carro até virar um pequeno pontinho de luz entre a escuridão da estrada.
— Elysium... — repeti o nome da cidade em voz baixa.
Eu amava aquela cidade, amava a agitação, os LEDs por todo lado, a quantidade de pessoas nas ruas, independente do horário. Mas, ao mesmo tempo, sentia uma paz profunda em lugares como Hadong-gun. O contraste entre os dois mundos sempre me fascinou.
Em Elysium, eu era apenas um florista comum, longe de qualquer perigo, vivendo a vida monótona que eu tanto gostava. Já aqui, em Hadong-gun, a realidade era bem diferente. Aqui, eu me lembrava constantemente de que era o Aether Classe A, o alvo desde que me entendo por gente, sempre fugindo, sempre em alerta.
Voltei para a cabana, e a rotina se repetiu, como sempre. Entrei, tomei banho, e depois me joguei na cama, ligando a TV sem muita animação. A tela iluminava o quarto silencioso, mas meu pensamento estava distante, vagando entre as lembranças e os medos que me acompanhavam.
O conforto da rotina era tudo o que eu tinha no momento, mas, ao mesmo tempo, ela não conseguia me afastar da inquietação que não me deixava em paz.
Peguei meu celular, e quase instintivamente, desbloqueei o número do Jungkook. Queria ligar, queria ouvir sua voz, mas, ao olhar para a tela, algo me impediu. A coragem que normalmente me vinha, agora parecia distante. Fiquei ali, parado, com o dedo sobre a tela, hesitando.
Só de pensar nele, minha cabeça começava a doer, o conflito de emoções me consumindo. Por um lado, sentia uma saudade esmagadora, saudade dele e da maneira como ele me fazia sentir. Mas, ao mesmo tempo, havia uma sensação amarga, um nó no estômago. Me sentia enganado, como se tudo tivesse sido uma ilusão, um plano maligno de caça que eu me deixei levar.
Mas, no fundo, eu não queria mais sentir isso. Queria acreditar que as palavras do Jin sobre o Jeon eram verdade, que ele realmente me amava. A dúvida me corroía, mas a esperança de que as coisas poderiam ser diferentes ainda estava ali, quase como uma necessidade.
Deitado daquela forma, a blusa do pijama marcava minha barriga, ainda pequena. Olhei para ela, sentindo um misto maior ainda de emoções. Vi na internet que, com três meses, o bebê tinha o tamanho de uma ameixa.
— Você é tão pequeno... — murmurei.
Eu tinha um certo medo, ou até mesmo receio de colocar a mão na minha barriga, como se não fosse real. Não fazia isso o tempo todo, mas agora, no silêncio da cabana, senti essa necessidade.
Coloquei a mão sobre a minha barriga, e a sensação foi estranha no começo, como se eu estivesse redescobrindo meu corpo, mas logo se tornou reconfortante.
Minha gata, como sempre, estava deitada na cama, com seu corpo todo apoiado em mim. Ela me olhava com aqueles olhos azuis e atentos, como se sentisse tudo o que eu estava sentindo.
— Eu quero contar pra ele, Haru. Quero que o Jungkook saiba desse bebê. Se ele odiar, ou agir mal, eu sumo da sua vida pra sempre. Ou, se tentar me caçar, eu não vou ter medo de agir. — murmurei, tentando encontrar alguma clareza nos meus pensamentos, mas a incerteza ainda estava ali, como uma sombra.
Ela miou e se aproximou do meu rosto. Seus olhos, sempre tão calmos, transmitiam uma sensação de conforto. Ela passou a cabeça na minha bochecha, buscando carinho, e senti um alívio momentâneo, como se ela estivesse me dizendo que tudo ficaria bem, de alguma forma.
Ela ganhou muitos beijos e amassos por ser tão perfeita, ronronando alto enquanto se aconchegava ainda mais em mim.
— Eu te amo, e espero que você goste desse bebê também. — murmurei, acariciando o pelo macio dela.
Ela respondeu com mais um miado suave, e me fez rir, quebrando um pouco o peso dos meus pensamentos.
A brisa leve batia nas janelas, fazendo um barulho aconchegante, como um sussurro que embalava a noite. O som da TV ao fundo se misturava ao ambiente, criando uma espécie de tranquilidade rara. Haru, deitada no meu abraço como se fosse uma pelúcia, ronronava baixinho, e esse conforto acabou me vencendo.
Sem nem perceber, meus olhos se fecharam, e o sono veio, me envolvendo como um alívio momentâneo da confusão que minha vida estava.
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Oi, leitor!
Seremos titios(as)!
Obrigada por acompanhar até aqui, o próximo cap tem mais surpresas. Prometo que serão boas!
Senta o dedo na estrelinha pra incentivar a probi autora.
E até o próximo capítulo!
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