10 ; 𝙂𝙮𝙥𝙨𝙤𝙥𝙝𝙞𝙡𝙖
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⊹ J e o n J u n g k o o k ⊹
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Pouco mais de uma semana se passou desde aquele fatídico dia em que tudo na minha vida desmoronou.
Eu não tinha qualquer notícia do Jimin. Nesse tempo, eu e o Namjoon voltamos para Wonju, enfrentando as consequências de uma missão fracassada. Na verdade, não foi apenas uma missão, mas sim, duas, já que ajudamos o Hoseok e o Taehyung a escaparem da Ordem e se refugiarem no interior da Coreia.
Para os líderes, inventamos outra história: dissemos que o Taehyung nos venceu em um confronto, e que o Hoseok, ferido, optou por deixar a Ordem para cuidar da própria saúde junto da família. Eu sabia que essa versão estava cheia de falhas, mas era o melhor que conseguimos fazer para encobrir a verdade.
Apesar de nossa versão dos eventos ter nos salvado de penalidades mais severas, a verdade era que as consequências ainda persistiam. Além do sermão e de outras medidas punitivas, fomos afastados de novas caçadas. Para mim, isso foi um alívio, já que, no fundo, eu não queria mais caçar Aether algum.
Namjoon, sempre calmo, lidava com a situação como se tudo estivesse sob controle, enquanto eu... Bom, eu estava um caos. Minha cabeça insistia em reviver cada detalhe daquele último encontro com o Jimin, cada palavra dita e cada olhar trocado.
Assim que acordei, já na minha casa em Wonju, a primeira coisa que fiz foi conferir a mensagem do Seokjin. Ele mantinha o contato de forma discreta, sem revelar onde o Jimin estava, mas ainda assim me tranquilizando ao dizer que ele estava bem. Parte de mim queria mais que isso, queria ele aqui, mas eu sabia que estava de mãos atadas.
Mesmo que meu subconsciente gritasse para pressionar o Seokjin a me contar onde ele estava, eu sabia que não poderia agir assim. Eu jamais forçaria ele a quebrar a confiança do próprio amigo. O que me restava era aceitava as migalhas de informações, me agarrando a elas como se fossem a única coisa que me mantinha firme.
Fui até a cozinha e, mesmo sem fome, preparei uma omelete. Observei o ovo na frigideira, vendo as bordas começarem a dourar enquanto minha mente vagava. A rotina parecia um escape vazio, uma tentativa de preencher o silêncio com algo, qualquer coisa. Eu mexia na frigideira quase mecanicamente, mas o peso dos pensamentos continuava ali, constante.
Sentei no balcão da cozinha para comer, mas mal dei uma mordida antes que meu celular começou a tocar. Era o Eunwoo.
— Bom dia, líder — atendi.
— Bom dia. Preciso que venha até a mansão. Consegue chegar em quanto tempo?
Olhei para o relógio rapidamente, calculando.
— Uns quinze minutos.
— Ok, estou te esperando.
Ele desligou, e eu fiquei por um instante encarando o prato quase intocado. Dei algumas colheradas no omelete, mais por obrigação do que por fome, mas logo larguei de canto, sem muito ânimo para comer.
Levantei, fui até o quarto e troquei de roupa. Com os pensamentos ainda dispersos, peguei a chave do carro e saí.
Dirigi em silêncio até a sede, com a mente cheia de cenários e perguntas, e o caminho parecendo mais longo do que o normal, mesmo sabendo que só levaria aqueles quinze minutos.
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Estacionei meu carro ao lado do carro do Nam, e ali já percebi que ele também havia sido convocado.
Cada passo que eu dava pelos corredores da sede trazia uma sensação de incômodo. Sentia os olhares dos outros caçadores, o peso das especulações e cochichos sobre o fracasso da minha missão. A Ordem jamais discutia falhas abertamente, mas isso nunca impedia que todos soubessem.
Ao cruzar com alguns rostos conhecidos, notei o sutil levantar de sobrancelhas e o desvio de olhares. Aquilo me irritava, mas fiz o possível para manter o rosto neutro. Afinal, demonstrar fraqueza ou preocupação só daria mais força aos rumores.
Assim que entrei na sala dos líderes, avistei Namjoon e mais seis caçadores, todos de elite. Eunwoo estava sentado atrás de sua mesa, com um olhar relaxado. Ao seu lado, em pé e com os braços cruzados, estava seu marido, com sua expressão calculista e fria, observando cada um de nós com um olhar afiado.
Enfrentar o próprio diabo parecia menos intimidador do que encarar o Sunoo. O Eunwoo ergueu o olhar ao me ver entrar, e senti o peso do clima tenso na sala.
— Jungkook, sente-se. — Eunwoo falou, e eu me acomodei em uma das poltronas.
Sunoo se afastou da mesa e começou a andar pela sala, com o som dos seus sapatos sendo o único ruído a ecoar no ambiente.
— Vocês são completamente diferentes de todos os outros caçadores lá fora, e estão nesse posto porque sempre se destacaram. Não queremos falhas, entenderam?
Assim que ele olhou para todos, seus olhos se fixaram em mim. Sunoo não era do tipo que se importava em disfarçar suas intenções; ele gostava de um bom espetáculo, de ser o centro das atenções.
— Pode me encarar mesmo, Jungkook, pois é de você que estou falando. — Ele falou com uma voz alta e autoritária, fazendo questão de dar ênfase.
Filho da puta desgraçadinho!
Tentei não demonstrar, mas a raiva estava crescendo, me corroendo por dentro. Respirei fundo, tentando manter a calma.
— Desculpe, líder, de modo algum quis encarar. Peço desculpas pelas falhas na minha última missão.
Ele não parecia convencido. Deu uma risadinha sarcástica e se aproximou de mim, baixando o rosto até ficar bem perto, seus olhos brilhando com uma malícia evidente.
— Seu olhar nem disfarça que tá me xingando na sua mente.
— De forma alguma, líder.
Ele se levantou, soltando uma risada baixa, e caminhou até Eunwoo, que o observava o marido com obediência. Não o julgava por isso, pois no fundo, eu faria o mesmo se fosse o Jimin ali, sendo um vilão.
— Os outros caçadores estão dispensados. Jungkook e Namjoon, vocês ficam. — O Eunwoo disse de forma direta.
Os outros caçadores se levantaram imediatamente, saindo da sala com passos rápidos, sem hesitar. O silêncio ficou ainda mais denso quando a porta se fechou atrás deles, e eu fiquei ali, sentindo o peso da situação se instalar. Só nós quatro agora, com os olhares pesados dos dois sobre nós.
— Como sabem, afastamos vocês de algumas missões até recuperarem a forma e descansar um pouco. Como estão se sentido? — o Eunwoo perguntou, sua voz calma e controlada.
— Estamos bem, líder — respondi.
— Ótimo, fico satisfeito em ouvir isso. Intensifiquem os treinos e logo vocês voltarão à ativa.
Eu e o Nam concordamos em silêncio.
— Por sinal, preciso falar com vocês algo que tem tirado minha paz; meu pai quer voltar. Não sabemos quando, mas como sempre, vai querer mexer nas minhas ordens e regras, e eu não quero isso. Vocês são meus subordinados, e não devem obedecer ordens dele.
Namjoon não hesitou em responder.
— Desculpe, líder, mas você sabe como seu pai é. Na teoria, é fácil pensar que vamos conseguir negar alguma ordem dele.
Eunwoo apertou a própria testa, visivelmente apreensivo.
— Eu sei... — ele murmurou, os olhos perdidos em um ponto qualquer da sala.
O temido Cha Taeha, criador da Ordem do Eclipse. O homem que, com suas mãos imundas, fundou e moldou toda essa organização com regras implacáveis e cruéis. Ele era um psicopata doente, sempre com aquele sorriso sádico no rosto, manipulando todos ao seu redor. Saber que ele estaria de volta só tornava as coisas mais difíceis.
— Se ele voltar, evitaremos de forma sutil as ordens dele. — Falei, quebrando o silêncio.
O Eunwoo respirou aliviado, sua expressão suavizando um pouco.
— Obrigado.
Era irônico, de certa forma, lembrar que o Eunwoo era o oposto do pai. Calmo, controlado, sem a sede de poder insana que seu pai e seu marido possuíam. O Sunoo parecia mais com seu sogro do que o próprio Eunwoo.
Falando em Sunoo, algo me veio na recordação. Se bem me lembro, o velhote sempre odiou o relacionamento dos dois, já que ambos eram alfas. Eu precisava usar essa brecha, explorar essa vulnerabilidade na estrutura deles, enfraquecendo suas bases.
Era minha oportunidade.
A reunião se estendeu por mais alguns minutos, enquanto ele nos passava instruções caso o retorno de seu pai realmente se confirmasse. Ao final, foi um alívio quando ficamos sabendo que não haveria missões de caçada para nós naquele momento.
Assim que a reunião terminou, eu e o Namjoon saímos juntos da sala, cruzando os corredores frios e pouco iluminados da sede. O silêncio ao nosso redor era interrompido apenas pelo eco dos nossos passos, ressoando nas paredes de concreto.
— Me segue, quero te mostrar uma coisa. — Ele disse.
Descemos as escadas que dão acesso ao subsolo, sentindo o ambiente tão denso e carregado que só aquele lugar podia oferecer. Quando chegamos às celas, o Namjoon se aproximou de um dos guardas que estava ali, e em poucos segundos, estavam trocando algumas palavras. Bastaram apenas alguns gestos e olhares para que o guarda permitisse a entrada.
— Vamos. — O Namjoon falou, e seguiu à frente.
Aquela área era restrita, e só podíamos entrar ali com autorização expressa. Mas, como sempre, o Namjoon dava um jeito de passar despercebido pelas regras.
— Não vamos fazer nada agora, mas veja isso. — Ele disse, apontando para uma parede no fundo da última cela.
Ao olhar para onde ele indicava, percebi o que estava tentando me mostrar. A parede dava acesso a outra sala, onde uma fuga seria possível.
— Você não tá pensando em... — Comecei a falar, mas já sabia o que ele queria dizer.
Ele me olhou, com um brilho calculista nos olhos, e confirmou.
— Sim, vamos explodir tudo. É a fuga perfeita para os Aethers saírem. Feito isso, com todos eles juntos, nós acabaremos com a Ordem.
Eu olhei para a parede, e era como se eu pudesse ver ela sendo destruída. A ideia era arriscada, mas sabia que se fosse executada corretamente, poderia dar certo. Se a Ordem fosse destruída de dentro para fora, todos poderiam finalmente ter a chance de escapar do controle que eles impunham.
— Precisamos de explosivos. Fortes o suficiente pra derrubar isso, mas não pra machucar eles. — Falei, já apostando na ideia do Namjoon. A visão da parede, com sua estrutura que parecia mais uma prisão disfarçada, só reforçava a necessidade de agir rapidamente e com precisão.
Ele me olhou com um olhar determinado, como se já tivesse planejado tudo.
— Ok, vou providenciar tudo e pensar na execução — respondeu, com confiança.
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Voltamos para o carro, com nossas mentes fervendo de ideias, e seguimos direto para a minha casa para continuar o planejamento com mais calma.
Assim que entramos, larguei as chaves e fui até a cozinha, voltando com duas garrafas de saquê. Sentei ao lado do Nam na sala, entregando uma das garrafas para ele.
— Precisamos agir de uma forma que a Ordem ache que eles fugiram por conta própria, e não saibam sobre nós. Assim, conseguiremos ficar mais um tempo dentro dela e continuar desarticulando tudo por dentro. — O Namjoon disse, já visualizando o que precisaria ser feito.
Pensei por um momento nas nossas possibilidades.
— Vamos tentar descobrir todos os ômegas que estão lá, e seus poderes, com certeza algum ali daria uma possibilidade de fuga para eles. — Falei.
Namjoon concordou com a cabeça, pensativo.
— Isso faz sentido. Se encontrarmos algum ômega com o poder certo, podemos usar ao nosso favor. A Ordem deve ter guardado informações sobre eles.
— A questão agora é como acessar essas informações sem que ninguém perceba. — Franzi a testa, pensando nas opções.
— Tem aquele caderno do Eunwoo.
Eu sabia exatamente do que ele estava falando. O Eunwoo carregava um caderno surrado pra todos os lados, como se fosse parte dele. Aquela coisa devia estar repleta de informações valiosas sobre os Aethers, um verdadeiro cofre de segredos.
— Seria ótimo, mas ele não desgruda daquele maldito caderno, é quase impossível. — Suspirei, já considerando alternativas. — Vou ver o que consigo achar nos arquivos amanhã.
— Boa ideia. — Ele pegou a garrafa, tomou um gole e então voltou a me olhar. — Teve notícias do seu Aether?
Eu suspirei fundo, pensando o quanto eu queria que minha resposta fosse diferente.
— Não tanto quanto eu gostaria, só um "ele está bem." — Fiz aspas com os dedos, frustrado. — Eu queria muito mais que isso, mas pelo menos o amigo dele me mantém informado. Poderia ser bem pior se eu não soubesse nada sobre ele.
— Isso é bom, no fim das contas. — Ele disse, com a voz calma, tentando me confortar. — Pelo menos, ele está bem e você sabe disso.
— Sim, mas eu queria que fosse diferente, queria que as coisas fossem mais simples. — Eu baixei a cabeça, sentindo o peso das palavras. — Queria ele comigo.
Namjoon me olhou com aquele olhar compreensivo de sempre. Ele sabia exatamente o que eu estava passando, talvez melhor que qualquer outra pessoa, já que sempre foi aquele que me conheceu em cada momento, cada fraqueza, cada escolha errada.
— Te conheço há tanto tempo, o suficiente para saber que você nunca se sentiu assim por alguém.
Eu olhei para a garrafa na minha mão, mexendo o líquido dentro dela. Um sorriso sutil apareceu no meu rosto.
— Ele mexeu tanto comigo de uma forma que não consigo pensar em mais nada, além dele.
Namjoon se recostou no sofá, ainda me observando, e o tom da sua voz ficou mais sério.
— Sei que não quer desistir dele, e você está certo, mas... e se ele já tiver seguido em frente? Infelizmente somos adultos, e você precisa estar pronto para essa possibilidade, mesmo que não queira.
Eu respirei fundo, tentando pensar nessa situação, mas simplesmente não conseguia. Ele sempre teve uma forma de ser direto que, muitas vezes, parecia mais um tapa na cara. Mas, no fundo, eu sabia que ele estava certo.
— Eu sei que você tem razão. — A voz saiu mais baixa do que eu pretendia, mas ainda assim firme. — Mas... não consigo aceitar essa possibilidade ainda. Não sei se vou conseguir... deixar ele ir.
O Nam não respondeu de imediato. Ele ficou me olhando, como se estivesse analisando cada palavra, cada gesto meu, como se soubesse exatamente o que eu estava pensando e, talvez, isso fosse mais frustrante ainda.
— Não se esqueça dos traumas que a Ordem do Eclipse trouxe à ele. Mesmo que não sejam sua culpa, ele vai atrelar a você, já que agora ele sabe que você é um caçador.
Apertei a garrafa com força, como se pudesse esmagar junto o peso da perda que crescia dentro de mim. Cada gole parecia anestesiar um pouco, mas a dor continuava ali, insistente.
— Queria ter tido a escolha de fazer parte ou não da Ordem — murmurei, mais para mim do que para qualquer outra pessoa.
Namjoon me olhou, sem um pingo de piedade.
— Não adianta nada você ficar remoendo o que não dá pra mudar. Passado é passado. Esquece disso e foca no futuro, com ou sem ele.
Respirei fundo, refletindo suas palavras. Passamos o restante do dia bebendo e traçando planos. Falamos sobre como agiríamos contra a Ordem e sobre as poucas opções que eu tinha para encontrar Jimin sem quebrar a confiança do Seokjin. Mesmo com a bebida e a frustração evidente nas minhas palavras, uma parte de mim ainda esperava que tudo aquilo levasse a alguma resposta, uma chance de fazer as pazes comigo mesmo; e com o Jimin.
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Com a chegada da noite, Namjoon acabou indo embora, e o silêncio voltou com tudo, pesado, enchendo cada canto da casa. O vazio parecia até mais forte, como se as paredes estivessem mais próximas, me apertando. E lá estava eu, sozinho de novo, encarando a sala e sentindo o peso da culpa.
Sentei no sofá, com a cabeça para trás e olhando para o teto, sem pensar em nada específico. Só sentindo esse vazio que não dava trégua e me lembrando de tudo o que não conseguia mudar.
Minha cabeça estava girando, e eu não sabia mais se era pelo álcool ou pelos pensamentos que não paravam de vir. Cada vez que eu tentava relaxar, o rosto do Jimin aparecia na minha mente, trazendo com ele toda a saudade e a frustração que eu tava tentando afogar.
Eu precisava comer. Minha alimentação, que já não era grande coisa, tinha piorado de vez. Fui até a cozinha e, com a cabeça ainda zonza, abri a geladeira. O frio me fez estremecer, mas me obriguei a olhar cada prateleira, tentando encontrar algo que prestasse. Depois, fui até os armários, analisando as opções, sem muita vontade de comer nada, mas sabendo que precisava.
Achei uma peça de salmão na geladeira e grelhei, misturando com um pouco de arroz gohan e maionese. Sentei no balcão da cozinha e comecei a comer, sem pressa, só com o som dos talheres quebrando o silêncio da casa.
Não tinha funcionários fixos por aqui. Era escolha minha deixar a casa vazia, só com duas moças que vinham limpar duas vezes na semana. A verdade é que eu nunca aprendi a conviver com as pessoas direito, então, quanto menos gente em volta, melhor.
Assim que terminei de comer, lavei a louça e subi para o meu quarto no andar de cima. A casa era grande, espaçosa, e até tinha conforto, mas nunca me senti em casa de verdade. Parecia mais um esconderijo do que um lar. Mesmo assim, foi a única opção quando tive a chance de sair da mansão da Ordem do Eclipse.
Foi o meu primeiro passo fora das sombras deles, minha primeira tentativa de quebrar as correntes que me prendiam. Na época, eu ainda não tinha percebido isso, afinal estava cego demais pelos ideais deles para entender o que liberdade realmente significava.
Depois de um banho longo e quente, deitei na cama, deixando a cabeça afundar no travesseiro. Apesar da bebida, o sono não vinha. Sentia que o cansaço estava lá, mas a mente continuava agitada. Estendi a mão até a mesinha de cabeceira, onde deixava uma cartela de calmante para essas noites em que o silêncio pesava mais do que deveria, e tomei um. Fechei os olhos, esperando que, dessa vez, o sono chegasse de verdade.
Em poucos minutos, senti a mente finalmente desligar, apagando como uma lâmpada que mal se sustenta antes de queimar. Era um sono pesado, mas nada que trouxesse descanso de verdade. Não era o tipo de sono que acalmava, mas sim aquele que apenas afastava a consciência por algumas horas, deixando as preocupações à espreita, prontas para voltar assim que eu abrisse os olhos.
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No dia seguinte.
Acordei com a luz do sol entrando pelas cortinas e acertando bem nos meus olhos, me forçando a despertar antes do que eu queria. Fechei os olhos de novo, tentando adiar a realidade por mais alguns segundos, mas já era impossível voltar a dormir.
Olhei para o relógio no meu pulso; eram 09h36. Suspirei, me levantando para seguir a rotina de sempre. Depois de um café rápido, fui até a casa do Namjoon, onde passamos boa parte do tempo organizando as dinamites que tínhamos conseguido. Analisamos tudo com calma, pensando em cada detalhe.
No início da tarde, meu celular tocou com uma ligação do Eunwoo, pedindo que eu fosse até a sede. Ele tinha liberado o Namjoon, então fiquei pensando no que poderia querer de mim.
Assim que cheguei na sede da Ordem, fui direto para a sala do Eunwoo. Passei pelos corredores frios e silenciosos até parar em frente à porta de madeira escura, tomando um segundo antes de bater.
— Com licença, líder. — bati na porta e entrei.
— Tranque a porta, por favor.
Fiz o que ele pediu e, em seguida, sentei de frente para ele. Eunwoo estava concentrado, digitando no computador com uma expressão de quem não gostava nada do que lia. Após terminar, ele parou, apoiou as costas na cadeira e me olhou.
— Preciso da sua ajuda, Jungkook.
Cerrei os olhos, já suspeitando do assunto.
— Com o Taeha?
Ele concordou, respirando fundo.
— Sim. Meu pai quer que eu vá à casa dele hoje à noite, mas não quero ir sozinho. Se eu for com o Sunoo… — ele fez uma pausa, deixando que eu completasse a linha de raciocínio. — Você já imagina como ele vai reagir.
— Onde ele está morando agora?
Eunwoo suspirou, parecendo tão desconfortável quanto eu me sentia.
— Em Fukuoka, no Japão. O voo leva cerca de uma hora.
Ele não precisou de mais do que um olhar para perceber minha reação. A ideia de sair do país, ainda mais para a casa do Taeha, não me agradava nem um pouco.
— Quando voltamos? — perguntei.
— Hoje mesmo.
— Isso se ele não nos mantiver presos lá, hm?
Eunwoo deu um meio sorriso, embora o brilho nos olhos ainda fosse de preocupação.
— Ele não vai. Está tudo sob controle.
Eu suspirei, aceitando que não tinha como escapar dessa. Era uma forma de consolidar de volta a confiança dele em mim, assim, vamos conseguir executar nossos planos.
— Ok, eu vou.
Eunwoo relaxou na cadeira, aliviado, e deu um leve sorriso.
— Obrigado. Vou organizar minha mala e te encontro no aeroporto de Elysium daqui duas horas.
Eu levantei, me preparando para sair, mas antes de ir, parei e olhei na sua direção novamente.
— Por que eu?
Ele parou, me encarando com um semblante confuso, como se a pergunta fosse tosca.
— Não entendi sua pergunta.
Respirei fundo antes de continuar.
— Líder, eu falhei na missão de captura do florista. E além disso, ainda falhei em manter o Aether rastreador sob nossa custódia. Por que você quer que eu vá com você? Não sei se sou a escolha certa, sinceramente.
Eunwoo ficou em silêncio por um momento, refletindo minhas palavras.
— Eu sei o que aconteceu nas missões, e não preciso te lembrar dos erros. Você tem algo que os outros não têm: me passa confiança. Eu sei que posso contar com você, mesmo quando as coisas não saem como planejado. E, no final das contas, é isso que importa pra mim agora.
Fiquei em silêncio, refletindo sobre as palavras dele. Afinal, eu estava agindo contra a Ordem, e era óbvio que não merecia mais a confiança dele. Dentro da liderança, Eunwoo era o único que realmente merecia minha consideração, e o único que a ideia de prejudicar me incomodava mais do que eu queria admitir. Assim como eu, ele também não havia escolhido esse caminho. Ele era alguém que tinha sido moldado pela Ordem, levado por um destino que nunca teve a chance de evitar.
O único que sempre me tratou bem, apesar das ordens e das obrigações que tínhamos.
— Obrigado, líder. Fico grato em saber disso — respondi, embora soubesse que em breve eu quebraria essa confiança.
Ele esboçou um leve sorriso, um gesto raro vindo dele, quase como um sinal de apoio silencioso.
— Agora vá. Não podemos mais perder tempo.
— Sim, com licença.
Da mansão, fui direto para casa. Assim que entrei, tomei uma ducha rápida, sem me permitir relaxar demais. Sequei o cabelo rápido e separei meu passaporte e alguns documentos essenciais em uma única mochila.
Em poucos minutos, saí de casa, carregando a mochila no ombro e com a mente focada no próximo passo. Dirigi direto para o aeroporto, sabendo que o tempo era meu maior adversário agora.
Enquanto dirigia, liguei para o Namjoon, tentando usar o tempo que tinha para colocar tudo nos eixos.
— E aí, JK! — Ele atendeu no segundo toque, com aquele tom animado de sempre.
— Tô indo pro Japão com o Eunwoo.
— Você só pode estar brincando...
— Infelizmente, não. Ele quer minha ajuda pra enfrentar o velho. É a chance que eu preciso pra recuperar a confiança dele de vez.
Houve uma pausa do outro lado da linha, e eu podia imaginar o Namjoon processando tudo.
— Pera aí, isso quer dizer que o Sunoo vai ficar na liderança sozinho?
— Exato. Eu sei o que você tá pensando, sobre a oportunidade de colocar o plano em prática. Mas não sei se vai dar certo agora.
— E por que não? — ele insistiu.
— Como você vai agir sozinho?
Do outro lado, ele suspirou, mas eu sabia que isso não ia fazer ele desistir de buscar alternativas.
— Eu vou dar um jeito — respondeu, com a determinação típica dele.
— Evite o plano com as dinamites, Nam. Vamos pensar em algo mais discreto. Você vai estar sozinho e sem apoio. Nem o Hoseok tá por aqui pra dar uma força se precisar.
— Tá, tá... vou pensar em outra coisa. Só não podemos perder a oportunidade de agir enquanto o Sunoo estiver vulnerável e sozinho.
Eu concordei em silêncio, porque sabia que ele tinha razão.
— Ok, só tome cuidado, por favor. E me mantém informado.
— Pode deixar — ele respondeu. — Vou planejar direitinho, e te aviso. Boa sorte com o velho psicopata.
— Valeu, Nam.
Desliguei a ligação e continuei o caminho até o aeroporto.
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Assim que cheguei no aeroporto de Elysium, encontrei o Eunwoo próximo à área de check-in. Ele parecia tranquilo, mas dava para perceber que algo se passava por trás daquele semblante calmo, talvez se preparando para enfrentar o temido e maluco Cha Taeha...
Qualquer pessoa precisaria de preparo para enfrentar aquele monstro.
Poucos minutos depois, embarcamos, e o avião decolou. Eu me perdi em pensamentos, olhando o celular. Na tela, estava o número do Jimin, sem foto, apenas o contato vazio que eu insistia em manter salvo. Eu ainda seguia bloqueado. Eu já imaginava que seria assim, mas ver aquilo me dava um aperto que eu tentava ignorar. Era claro que eu não conseguia.
Aquela sensação de vazio, de frustração, era impossível de apagar. As mensagens que não foram respondidas, as palavras não ditas, e o buraco que tudo isso deixava na minha garganta.
O som do avião me tirou um pouco dessa espiral de pensamentos. Olhei pela janela, tentando focar na paisagem, mas tudo o que eu conseguia pensar era no que eu ainda podia fazer para consertar.
Eu continuei olhando para a tela, o número dele ali, quase como um lembrete constante da distância que nos separava. Revirei a cabeça, tentando entender tudo o que aconteceu. Vivemos tão pouco juntos, momentos arrancados no meio do caos, mas, mesmo assim... como era possível eu sentir algo tão intenso por ele? Como os feromônios dele me atingiram de um jeito que nenhum outro conseguia?
O Jimin era um enigma. Um enigma que ocupava cada espaço na minha mente, cada pensamento. Não importava o quanto ele fosse complicado, quantas camadas ele escondesse, eu estava disposto a desvendar cada uma delas. De ter ele de volta pra mim.
Eu não era o tipo de pessoa que desistia fácil. Passei a vida toda enfrentando coisas que as pessoas nem imaginam, e a ideia de desistir de alguém como ele… era inconcebível. Mesmo com a distância, mesmo com todos os muros que ele levantava, eu sentia que lá no fundo ainda tinha algo nosso ali. Algo que valia a pena lutar pra recuperar.
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Chegamos ao Japão, e assim que saímos do aeroporto, um motorista enviado pelo Taeha já nos aguardava. Entramos no carro e seguimos por cerca de quinze minutos em silêncio, enquanto a paisagem urbana começava a dar lugar a uma área mais isolada e sofisticada.
Finalmente, avistamos a mansão. Era uma construção imensa e imponente, com um design moderno que parecia mais uma obra de arte arquitetônica do que uma simples residência. As linhas retas, as janelas amplas e as paredes de concreto aparente refletiam uma frieza quase palpável, deixando claro que aquele lugar não era um lar, mas um verdadeiro símbolo de poder.
Quando o carro estacionou, ficamos em silêncio por alguns segundos. Olhei para Eunwoo ao meu lado. Ele mantinha a postura firme, mas eu conhecia o suficiente para notar a tensão no seu rosto e a respiração um pouco mais pesada, como se estivesse se preparando para um confronto silencioso com o homem que todos temem.
— Está pronto pra entrar? — perguntei.
Eunwoo respirou fundo, inflando o peito, tentando esconder o nervosismo.
— Estou. Vamos lá.
Dois seguranças se aproximaram e nos guiaram pelos corredores amplos e silenciosos, até uma grande porta de madeira escura e maciça. Cada passo ecoava no chão de mármore, o som reforçando a pressão no ar.
Assim que a porta se abriu, entramos em um escritório vasto, com uma vista deslumbrante para o jardim, onde Taeha estava sentado de costas para nós, observando o horizonte. Aos 65 anos, ele já tinha se afastado do comando da Ordem do Eclipse, então, não tinha sentido ele querer se intrometer agora.
O som da porta fechando chamou sua atenção, e então ele se virou lentamente, os olhos cravados em nós, como se pudesse ler cada pensamento que passava pela nossa mente.
— Deixa eu adivinhar, não teve coragem de vir sozinho e arrastou o Jungkook para cá? — Taeha perguntou com desdém, o olhar fixo no filho.
Eunwoo manteve a postura firme, sustentando o olhar.
— Ele é meu caçador de maior confiança, então não vejo motivo pra não trazer ele comigo.
Taeha virou o olhar para mim, os olhos carregados com uma expressão que oscilava entre desinteresse e um julgamento silencioso.
— Sentem-se. Vocês estão me incomodando em pé. — Sua voz era fria, como se ele já estivesse cansado da nossa presença antes mesmo de começarmos a conversa, que ele mesmo solicitou.
Troquei um olhar rápido com Eunwoo antes de me sentar, tentando ler sua reação. Assim que sentamos, o silêncio pesado tomou conta do ambiente, até a voz grave voltar a soar.
— Estou aposentado, mas ainda sou o dono e fundador da Ordem do Eclipse. Então, é claro que fico sabendo de cada coisa que vocês fazem.
Ele se levantou com uma lentidão calculada, caminhando até uma mesa no canto, onde havia várias garrafas e copos brilhantes. Escolheu uma garrafa de gin, serviu apenas um copo e começou a andar pela sala. Até o barulho dos cubos de gelo chacoalhando no copo era irritante.
— Por que me chamou até aqui? — O Eunwoo perguntou.
Taeha estreitou os olhos, encarando o filho com um olhar frio e ríspido.
— Está com pressa, moleque?
— Não, senhor.
— Ótimo.
Ele virou o copo de gin de uma vez, e então caminhou lentamente até a mesma mesinha de canto. Ele se serviu de mais uma dose, com o líquido transparente preenchendo o copo de cristal.
O silêncio que se instalou era pesado, e parecia que ele estava nos testando, nos forçando a esperar. Ele tomou um gole tranquilo, quase como se estivesse assistindo a um espetáculo, antes de finalmente voltar a falar.
— Há cerca de quatorze anos, descobrimos a existência de um Aether Classe A, uma criança de sete ou oito anos. Era a idade perfeita para capturar e moldar ele da nossa forma. Na época fazia anos que não conseguíamos um Classe A... Enviei meus melhores caçadores. E mesmo assim, eles falharam.
Ele parou, encarando o copo enquanto relembrava. Eu e Eunwoo nos entreolhamos, confusos, sem entender o que ele queria dizer com aquilo.
— Onde o senhor quer chegar? — Eunwoo arriscou, mantendo a voz cautelosa.
O velho deu mais um gole demorado, parecendo saborear cada gota.
— Aquele pirralho desgraçado matou um dos caçadores, e deixou o outro ferido... a porra de uma criança. No meio da confusão, os caçadores acabaram matando a mãe dele. Segundo o que o caçador sobrevivente relatou, ele nunca tinha visto tanto poder numa criança tão pequena. Fizemos outras tentativas de captura, mas ele sempre escapava, deixando rastros de destruição na minha organização.
Assim que ele mencionou a mãe, tudo ficou claro: o velho estava falando do Jimin.
— Quando descobri que o Eunwoo conseguiu localizar o garoto aberração e designou você e o Namjoon para a missão, sinceramente acreditei que vocês finalmente conseguiriam capturar ele, Jungkook. Mas parece que estava errado. Do mesmo jeito que ele matou meus caçadores, quase matou você também.
Minha cabeça latejava com a raiva, cada palavra dele aumentando meu impulso de avançar e apertar seu pescoço até ele não ter mais forças para falar.
— Não vai me responder? — ele insistiu.
— Desculpe, senhor. Não lembro muito bem do que aconteceu naquele dia. Assim que ele me atingiu pela primeira vez, eu apaguei. Não consigo confirmar os detalhes.
O olhar dele permaneceu fixo em mim. Ele parecia absorver cada palavra, buscando alguma fraqueza, alguma hesitação. Taeha deu outro gole no gin e apertou o copo, frustrado com minha resposta vaga.
— Então você é tão inútil quanto os outros?
Eu deveria ter ficado quieto, mas as palavras escaparam antes que eu pudesse pensar melhor.
— Estou na Ordem desde que nasci, e acumulo caçadas bem-sucedidas. Se uma única falha te faz achar que eu sou inútil, então, por mim, que o senhor continue com esse pensamento. Não vou tentar mudar em nada.
Um silêncio tenso preencheu o ambiente. Taeha me encarou por um longo momento, e notei seus olhos estreitarem. Ao meu lado, Eunwoo parecia desconfortável, seus ombros rígidos, quase como se temesse uma reação explosiva do pai.
O velho esboçou um sorriso frio e desdenhoso, se inclinando um pouco mais em nossa direção.
— Interessante, Jungkook. Um pouco de coragem… ou seria insolência? — murmurou, girando lentamente o copo de gin nas mãos. — Saiba que aprecio coragem, mas é sempre bom lembrar que sou eu quem decide quem é útil e quem é descartável.
Eu mantive o silêncio, meus olhos firmes nele, enquanto Taeha se virava para Eunwoo com um olhar de desdém.
— E você, Eunwoo... que tipo de treinamento está fornecendo para esses caçadores?
— O mesmo que aplicamos durante todos esses anos. As técnicas e táticas permanecem eficazes.
Taeha soltou um riso baixo e irônico, largando o copo de gin sobre a mesa com um movimento brusco. Ele se recostou na cadeira, olhos afiados como lâminas, nos encarando como se fosse nos despedaçar com o olhar.
— Eficazes? Você é uma piada!
— O senhor me fez vir da Coreia até o Japão pra ficar me ofendendo? Por que não fez isso por ligação? — Eunwoo rebateu, e sua paciência já começava a se esgotar.
— Não quero que questione minhas decisões, Cha Eunwoo! — a voz dele ecoou, profunda e cortante, e até as paredes pareciam tremer com a intensidade.
O Eunwoo cruzou os braços, revirando os olhos com um suspiro exasperado. Mas o velho continuou, ignorando a reação do filho.
— Eu quero esse Aether de poderes mentais o quanto antes. E não apenas ele, quero o ômega rastreador também. Quem sabe assim vocês conseguem consertar essas falhas vergonhosas que mancham a minha organização.
Eunwoo fechou a expressão, sem muita paciência, e respondeu.
— Mas não temos pista alguma sobre o paradeiro deles. Nenhuma que seja confiável, pelo menos.
Taeha estreitou os olhos, a expressão fria.
— Foda-se, se virem. Esse é seu dever como atual líder! Vou dar três meses para vocês encontrarem e capturarem os dois. É tempo suficiente para qualquer caçador competente. Se isso não acontecer, eu volto para a liderança da Ordem do Eclipse e assumo o controle. E, nesse caso, vou reorganizar cada detalhe, incluindo a equipe.
Com Taeha de volta, as coisas inevitavelmente piorariam. Se a Ordem não encontrasse o Jimin, ele estaria seguro por mais algum tempo, mas, ao mesmo tempo, isso daria ao velho psicopata o motivo perfeito para retomar o controle da liderança. Era uma armadilha em qualquer direção que eu olhasse.
— Ok, pai.
Taeha franziu o rosto em desgosto e rebateu imediatamente:
— Pai, não. Isso soa fraco. Já basta meu único filho ser um fraco. Quero que continue me chamando de Cha Taeha, como sempre foi. Não tenho tempo pra melosidades familiares.
A lembrança que eu tinha dele de anos atrás já não era boa, mas agora... ele estava ainda pior. Pela primeira vez, senti pena de Eunwoo, por ser filho de alguém como esse demônio disfarçado de homem.
Taeha abanou a mão em um gesto impaciente, nos expulsando da sala. Nos levantamos e, enquanto nos aproximávamos da porta, ele voltou a falar, como se quisesse deixar uma última ferida.
— E tem mais, Eunwoo. Espero que termine logo essa palhaçada de casamento com aquele outro alfa, antes que eu te deserde de vez e você vire um mendigo!
Eunwoo o encarou por um instante, o olhar endurecido, mas não disse nada. Apenas deu as costas e saiu. Eu, que não tinha nenhuma obrigação de parecer respeitoso, apenas lancei um último olhar de desprezo para aquele velho antes de sair atrás de Eunwoo.
Ele manteve o silêncio até chegarmos ao lado de fora da casa, onde o mesmo motorista já nos aguardava. Ele apenas abriu a porta do carro para nós, sem trocar uma palavra, enquanto Eunwoo ainda mantinha o olhar perdido, quase como se estivesse tentando se recompor depois de tudo o que ouviu lá dentro.
Dentro do carro eu não insisti, e respeitei o silêncio dele. Sabia que não havia nada que eu pudesse dizer que diminuísse o peso das palavras do pai.
Não ficamos nem duas horas no Japão, e já estávamos de volta ao avião, prontos para partir. O silêncio entre nós durou até que ele finalmente quebrou, soltando um suspiro antes de falar após o avião decolar.
— Desculpe por fazer você vir comigo. Você não tinha obrigação nenhuma de estar aqui, e ainda teve que ouvir aquelas merdas por minha causa. — Ele disse, sem me encarar.
— Relaxa. Eu já estava preparado pra isso, sei bem como o Taeha é.
Ele abaixou a cabeça ainda mais, os olhos fixos nas próprias mãos, um silêncio pesado pairando entre nós. Eu sabia que ele estava remoendo cada palavra que o pai tinha dito, a raiva e a vergonha eram evidentes em sua postura.
— Não leve a sério o que ele falou. Pra ele, todo mundo é ruim e só ele é bom. Mas no fundo, ele é o pior de todos. — Fiz uma pausa, buscando as palavras certas. — Você não é fraco, Eunwoo.
Ele me lançou um olhar de canto, com um sorriso sutil e cansado, quase como se tivesse desistido de se animar.
— Obrigado por tentar melhorar as coisas. — murmurou.
Depois, voltou a olhar pela janela, o rosto refletindo o céu azul do lado de fora. Ele ficou em silêncio pelo resto da viagem, perdido em seus pensamentos. Eu também permaneci calado, respeitando o momento e me perdendo nos meus próprios pensamentos sobre o Jimin enquanto o avião seguia seu curso.
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O avião pousou no aeroporto de Elysium no fim da tarde, com o céu pintado em tons de laranja e roxo pelo pôr do sol. A luz dourada refletia nas janelas, criando uma atmosfera quase irônica, considerando o tipo de situação que acabamos de passar.
Pegamos o carro dele no estacionamento, e seguimos direto para a sede da Ordem em Wonju. Eunwoo, ao meu lado, mantinha os olhos fixos na estrada, mas eu sabia que sua mente devia estar voltada para as palavras do pai, para a pressão e para o próximo passo.
Assim que cruzamos os portões da sede, dois caçadores se aproximaram rapidamente, suas expressões carregadas de urgência e preocupação.
— Líder, dois Aethers conseguiram fugir! — um deles informou, com a voz carregada de desespero.
Senti meu estômago afundar, já suspeitando que o Namjoon tivesse mexido os pauzinhos enquanto estávamos fora. Eunwoo, por outro lado, apenas lançou um olhar vazio para os dois, como se estivesse longe dali, completamente desinteressado em lidar com esse assunto.
— Hm, ok. Vou para o meu quarto, e não quero ser incomodado por hoje — respondeu antes de se virar para mim. — Obrigado mais uma vez.
Sem mais uma palavra, deu as costas e se afastou, deixando os caçadores estáticos, trocando olhares confusos, ainda tentando processar a reação dele.
Eles se voltaram para mim, esperando alguma instrução.
— Deixem o líder descansar. Eu vou resolver isso.
Eles concordaram e, sem mais palavras, entraram na casa. Eu me afastei para os jardins, um pouco mais isolado, e liguei para o Namjoon. Quando atendeu, o som do vento forte na ligação indicava que ele estava em movimento.
— Que porra você aprontou?
Ele deu uma gargalhada, satisfeito.
— Gostou? Mais dois ômegas estão a salvo! — Sua voz estava cheia de entusiasmo.
— Você é maluco! Como conseguiu?
— Depois eu te conto, estou levando eles para algum lugar seguro. Eu te dou notícias depois. Fui! — E antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele desligou.
Olhei para o celular, e um sorriso discreto escapou. Eu sabia que cada Aether que conseguimos ajudar não apagava o que já fiz, nem as dores que causei a muitos deles. Mas, no fundo, eu só queria que o Jimin soubesse. Mesmo que ele nunca mais me quisesse por perto, que nunca mais confiasse em mim, eu queria que ele entendesse que estou tentando, que estou fazendo o possível pra compensar o que não dá pra apagar.
Meu passado me seguiria pra sempre, mas talvez, com isso, eu pudesse ao menos mudar alguma coisa do meu presente.
Ainda ali no jardim, na escuridão da noite iluminada apenas pelas luzes externas, vi algumas minúsculas florzinhas brancas crescendo no gramado. Elas conseguiram nascer em meio àquele solo impuro da sede da Ordem. Delicadas, quase como um milagre, pareciam desafiar a escuridão, como se houvesse algo de bom ainda resistindo, mesmo em um lugar tão corrompido.
— Eu sinto sua falta, Min... — sussurrei, os olhos fixos nas flores, como se pudesse sentir sua presença nelas.
Mesmo pensativo, aproveitei a oportunidade para ir até os arquivos da mansão, que ficavam bem guardados na biblioteca. Caminhei até lá em silêncio, atento para não chamar atenção, e rapidamente encontrei as fichas dos Aethers presos, tanto na sede quanto nas outras celas. Fotografei cada uma delas, garantindo que tivesse todas as informações que precisava.
Depois, segui em direção à garagem, onde meu carro estava estacionado. Entrei, liguei o motor e saí da mansão sem olhar para trás.
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Assim que cheguei, estacionei o carro na garagem e desliguei o motor, ficando ali por alguns segundos, respirando fundo. O peso do dia ainda estava sobre mim, como uma nuvem escura, mas ao menos o dia tinha terminado.
Entrei na casa e fechei a porta atrás de mim com um suspiro, já sentindo o silêncio familiar que me envolvia. Mas, por mais que fosse bom estar em casa, a sensação de vazio não ia embora.
Fui até o sofá e me joguei ali, fechando os olhos com força, tentando escapar por um momento da realidade que me perseguia.
Enquanto tentava afastar meus pensamentos, troquei algumas mensagens com o Namjoon, que aproveitou para me mostrar onde os dois Aethers ficariam até o dia amanhecer. Pelo menos, isso me trouxe um leve alívio, sabendo que eles estariam a salvo.
Enquanto digitava, meu celular vibrou, e ao olhar para a tela, vi um número desconhecido. Foi um único toque, logo seguido pelo silêncio. Meu coração disparou. Eu tentei retornar a ligação, mas a chamada simplesmente não completava. A possibilidade de ser o Jimin, mesmo que extremamente improvável, começou a tomar conta da minha mente.
E então, outro toque. Mais rápido dessa vez, consegui atender imediatamente.
— Alô? — Minha voz saiu baixa.
A respiração estava nítida do outro lado, pesada, como se a pessoa estivesse hesitando, tentando decidir se falava ou não. O som era familiar. Meu coração batia forte, e eu quase não conseguia respirar direito.
— Jimin? Min, é você?
O silêncio persistiu por um momento que parecia durar uma eternidade, e eu sabia que era ele. Antes mesmo que eu pudesse raciocinar qualquer outra palavra pra dizer, ele desligou.
Eu fiquei parado, com o celular ainda pressionado contra o ouvido, esperando, como se ele fosse voltar a falar a qualquer momento. Tentei ligar de volta, mas já estava bloqueado.
Olhei para o celular, como se ele pudesse me dar alguma resposta, mas o que eu sentia agora era algo muito mais forte do que qualquer lógica. O Jimin tinha ligado. Ele estava ali, do outro lado da linha. Se ele me ligou, era porque pensava em mim.
A sensação de saudade e de frustração se misturaram. Eu queria mais do que qualquer coisa poder ter dito tudo o que estava guardado dentro de mim. Talvez ele só tivesse precisado ouvir minha voz, ou talvez ele estivesse tentando se despedir de uma forma que ele achava que poderia suportar.
Eu não queria ficar sem ele. A ideia de não ter mais nenhuma chance de explicar, de tentar consertar o que fiz, me deixava completamente perdido.
Sem ter muito o que fazer naquele momento, fui até a geladeira, peguei algumas garrafas de soju e subi para o meu quarto. Fechei a porta com um estrondo, como se isso fosse me afastar de todo o caos que minha mente estava criando.
Me joguei na cama, a garrafa nas mãos, e comecei a beber. A cada gole, eu tentava apagar a dor, a frustração e a saudade que me consumiam. Era só por hoje, pensei. Só hoje, eu não vou pensar em tudo o que fiz e no que perdi.
Mas, no fundo, sabia que nada disso ia mudar o que estava acontecendo. Eu estava sofrendo as consequências de um passado que não escolhi ter, um passado que parecia ter me marcado de forma irreversível. E, mesmo tentando me afogar em álcool, a única coisa que eu sentia era a falta do Jimin, a falta de tudo o que a gente poderia ter sido.
— Que saudade do seu cheiro... — murmurei.
Depois de algumas garrafas, acompanhadas de lágrimas que caíam só agora que eu estava sozinho, acabei pegando no sono. Era a única forma que meu cérebro conseguia desligar, esquecer por um momento o que eu tinha feito e como a culpa me apertava no peito.
Eu sabia que essa era uma fuga temporária, que a manhã traria de volta a realidade dura e as consequências do que já não podia mais ser mudado. Mas naquele instante, enquanto meu corpo cedia ao cansaço e o álcool tomava conta de mim, minha mente girava em: ele voltaria? O ômega que fez eu me apaixonar, voltaria para mim?
A resposta, claro, não estava ali, mas a esperança, por mais frágil que fosse, ainda me fazia agarrar o sono com uma última tentativa de escapar da minha própria mente.
Eu não desistiria.
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🪻
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Olá, leitor!
Fico feliz em te ver por aqui.
O próximo capítulo promete, tem uma surpresinha para vocês! hehe
Obrigada por acompanhar até aqui.
Até o próximo capítulo!
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