Capítulo 8 - A Casa Abandonada
Para as teorias de vocês sobre o corvo:
⚰️⚰️
Dois dias haviam se passado. Mas não era como se Isabell tivesse magicamente se acostumado àquela nova família e a vida que vinha com eles.
Não.
Apesar de estranhamente Isabell sentir que não colapsou com o rio de informações no qual foi jogada, lidando com tudo até rápido demais, o motivo que a fizera lidar com tudo tão calmamente era simples: desconfiança.
Era óbvio que ela estaria desconfiada, pois enumerando os fatos dos últimos dias pela ordem de ocorridos, muitas partes pareciam peças soltas, sem justificativa do porquê terem sido executadas.
Então lá estava Bell em seus aposentos, tendo em seu colo folhas em branco que encontrara sobre uma mesa de estudos na biblioteca, as quais usava para anotar as partes que estavam lhe deixando intrigada. E assim uma lista foi criada:
1- Alguém que acreditou ser fruto de sua mente começa a aparecer em seus sonhos;
2 - Um dia esse alguém de seus sonhos aparece magicamente com uma família inteira e lhe adota;
3 - A família e o tal não são comuns;
4 - Descobre que os sonhos com esse alguém eram compartilhados entre ambos, como se fossem vinculados;
Ela encarou o que tinha escrito até ali, tentando assimilar e raciocinar.
Klaus tinha dito, na noite em que viera buscá-la, que ela fora avisada assim como ela de que ambos se encontrariam. Tendo isso em mente, ela se lembrou do fato de que a família já havia ido a outros orfanatos antes de chegar àquele.
Eles não estavam procurando um novo membro da família para adotar, e assim alguém específico. E se ela era a tal pessoa específica, isso se devia ao vínculo com Klaus? Até então, parecia que sim.
Mas se sim, de onde vinha aquele vínculo? Por que ela? Por que não outra garota? Ele era um vampiro, não? Não faria mais sentido ter tal ligação com alguém do próprio mundo do que o do humano?
As memórias de alguns dos sonhos que tivera junto com o loiro lhe invadiram a mente.
As bochechas ganharam cor. Não eram sonhos comuns, ela se lembrava bem. Muitas vezes eles paravam numa cama, compartilhando seus corpos por muito tempo para ter prazer. E a forma com que se ligavam... era tudo tão natural e... intenso.
Bell chegou a balançar a cabeça para os lados, só para afastar aquela última parte e voltar à linha de raciocínio.
Por que Klaus, sendo o que era, teria uma ligação com uma humana?
— Tem que ter um motivo... — Ela sussurrou para o nada.
A mente tentou buscar algo, mas o som de alguém batendo na porta fez Bell dar um pequeno pulo na cama, se obrigando a esconder os papéis debaixo de um dos travesseiros ali enquanto a caneta de bico de pena apenas caiu ao chão no processo.
— Posso entrar? — Era a voz de Klaus do outro lado
— Sim. — Respondeu, puxando a saia longa preta acinturada para baixo, cobrindo a meia calça da mesma cor, ficando mais apresentável.
Assim que a figura loira adentrou no cômodo, Bell teve que controlar seu interior para não recapitular os últimos pensamentos quanto a ele.
— O que acha de sair um pouco dessa casa? — Quis saber.
— Sair? Para onde? — A ideia tinha despertado prontamente a curiosidade de Bell.
— Recebi uma mensagem, vou ajudar um amigo da família que trabalha em Corvus. Rayna vai também, ela vai fazer algumas compras de reposição. Como os mais velhos saíram e o Vlad também, achei que talvez não quisesse ficar sozinha...
Bell até gostou da ideia de ficar sozinha pela primeira vez naquela casa enorme, mas a ideia de conhecer mais de Etheria e assim ver com seus próprios olhos o que ela até então só tinha lido em livros fantasia, lhe parecia muito mais interessante.
— Vamos, então. — Ela já se pôs de pé e foi em direção ao guarda-roupas. — Será que está muito frio lá fora?
Klaus fitou as costas da garota.
— Para você, acredito que sim. — A resposta fez com que ela o encarasse. — Coloque um casaco e troca a saia por uma calça, pois deve ficar mais confortável já que vamos andar bastante por lá.
— Boa ideia. — E tirou um cabide com casaco dali.
— Ah, e botas também. — Ele lembrou, chamando sua atenção outra vez. — A chuva pode ter parado um pouco, mas ainda há muitas poças. Não vai querer molhar os pés e correr o risco de ficar resfriada.
— Tudo bem, então. — E lá foi ela caçar as botas.
Klaus a observou por mais alguns segundos, notando o quão animada Bell parecia estar. Aquilo o fez sorrir pequeno.
— Esteja pronta em cinco minutos.
— Cinco minutos? — Ela se virou abruptamente, indignada com o tempo lhe dado, mas acabou encontrando só a porta batendo. — Pois só por causa disso, vou demorar meia hora! — Disse alto, sabendo que ele a ouviria.
⚰️
Isabell tinha um lampião a gás na mão e um olhar intrigado para onde quer que olhasse.
Estava tudo muito escuro ali fora, e as botas realmente foram necessárias, pois ela já havia pisado em umas cinco poças no solo cimentado, mesmo com o objeto luminoso.
Os três membros da família tinham acabado de sair da casa, Bell ficando atrás dos dois mais velhos que a guiaram pelos fundos até perto do celeiro que ela nem sabia que existia até então. E foi ali na entrada que ela viu a figura de um homem muito alto e magro, com trajes em preto, diante de dois belos cavalos com pelagem negra que puxavam uma carruagem nada modesta, ele acendia um dos lampiões enganchados da parte frontal do transporte.
Apesar de brevemente Bell estranhar a carruagem, por vir de um mundo onde os primeiros carros já eram mais comuns pelas ruas, tudo parecia normal, até os três estarem diante da figura do homem que pareceu estar curvado e ainda assim anormalmente alto, o que lhe causou estranheza. Porém, foi quando ele se virou, erguendo-se e revelando uma face completamente ausente de olhos, nariz, boca e qualquer outra coisa que ali devesse ter, que Bell ficou sem palavras, assombrada. O rosto dele era simplesmente um grande nada branco, como uma máscara de pano branca.
Isabell recuou um passo, mantendo o olhar acorrentado àquele ser que virou a cabeça em sua direção, olhando-a sem ver de fato.
— Bell? — Klaus a encarou, confuso por um momento ao se deparar com a expressão assustada dela.
— Ele é um...?
— Um Slender Man. — Rayna completou, alternando o olhar da figura para a garota, sem entender, por um segundo, o porquê dos olhos de Bell estarem esbugalhados. — Ah, você nunca tinha visto um...
— Não mesmo. — Ela confirmou, dando outro passo para trás.
— Está tudo bem. — Klaus assegurou — Diferente das histórias que você ouviu, eles são apenas seres tranquilos que vivem em florestas mal habitadas quando mais reclusos, enquanto outros, os que vivem na cidade, atuam como mensageiros e outras posições de auxílio.
— Isso! — Rayna concordou. — E esse é o Guz; o nosso cocheiro.
— Cocheiro? — Isabell assentiu lentamente com a cabeça enquanto as informações que recebera ainda estavam sendo processadas. — Certo. Guz, o cocheiro.
"Um nome fofo demais para um ser que era conhecido por capturar crianças que se perdiam", pensou ela enquanto eles adentravam na carruagem.
Os lampiões foram pendurados em ganchos com tais finalidades, um em cada lado, diante das janelas.
Bell se ajeitou em seu lugar ao lado de Rayna que havia trago um livro para ler n o caminho e agora o abria na página marcada. Klaus havia ficado diante das duas, também com um livro nas mãos, mas, diferente da mais velha, usando-o como apoio para uma lista que trouxera junto a uma caneta de ponta de pena.
Quando os três estavam devidamente acomodados, o loiro deu duas batidas com o indicador na madeira para sinalizar ao cocheiro. E assim a carruagem começou a fazer seu caminho.
— Deviam ter me dito que era para trazer algo pra me distrair também. — Bell disse, chamando a atenção dos dois.
— Que? — A ruiva só tinha ouvido ela murmurar algo, não prestando atenção.
— Você trouxe um livro e Klaus está ocupado fazendo uma lista de sei lá o que, enquanto eu acabei de perceber que não tem como sequer conseguir admirar a paisagem para passar o tempo porque simplesmente está muito escuro lá fora. Mal dá pra ver algo...
— A lista é complementar às coisas que Ray vai comprar para casa. — Klaus explicou.
— Dessa vez mamãe me deixou encarregada das compras do mês, e Klaus como o encarregado das compras de interesses pessoais.
— Falando nisso, o pai avisou que quer um telescópio. Ele acha que vai ser muito útil para os estudos que ele está auxiliando no laboratório central de magia. — O loiro avisou.
— Vai ter que ser feita uma encomenda, duvido que tenham um telescópio com todos os requisitos que ele precisa. — Rayna suspirou.
— Acha que conseguem fazer em uma semana?
— Talvez. — Rayna então leu a próxima linha da folha nas mãos do irmão. — É sério que o Vlad quer mais um livro do KJ? Ele já não tem toda a última coleção dele sobre os monstros marinhos do sul?
Klaus deu de ombros.
— Ele me falou que o cara agora está escrevendo sobre os dragões que vivem junto aos elfos.
— Eu nunca vi alguém gostar tanto de um escritor como ele...
Klaus então encarou Isabell que os observava em silêncio.
— E você, Bell? O que vai querer? — Quis saber
— Eu? — Ela não estava esperando aquela pergunta.
— É. Tem algo que queira, que acha que precisa?
— A gente aproveita e já compra. — Rayna avisou.
Isabell alternou o olhar de um para o outro ali, sem saber o que dizer.
— Eu... acho que não. Acho que não preciso de nada.
— Tem certeza? — A ruiva perguntou, recebendo um aceno em confirmação. — Se lembrar de algo, avisa.
— Tudo bem.
E assim a viagem continuou, os irmãos falando sobre lista de compras e Isabell se esforçando para enxergar algo na paisagem noturna lá fora.
O balanço da carruagem a incomodava um pouco, mas nada que pudesse lhe causar algum enjoo. A lua apareceu, iluminando um pouco toda aquela vasta região mergulhada em sombras.
Em algum momento, Bell começou a achar aquilo bonito. Vai ver era porque ela nunca havia se imaginado em uma carruagem, junto a dois vampiros, com um slender man como cocheiro, e ainda em rumo ao que seria como o centro de uma cidade, onde mais criaturas de contos e histórias fantasias se encontrariam.
Ela sorriu pequeno para a noite lá fora. Nada do que estava vivendo parecia ser real, e isso a fez até mesmo se questionar, ainda que por um único segundo, se não estivera sonhando tudo aquilo, e que logo acordaria em sua cama no orfanato.
"Vai ver é um sonho mesmo." Pensou, negando sutilmente com a cabeça, logo deixando o braço esticado descansar na janela, e a mão que tocou o frio da noite a fez se lembrar de como tudo aquilo era concreto.
Contudo, seus devaneios que até então haviam roubado toda sua atenção, foram subitamente interrompidos quando o som de um grasnado a fez erguer o olhar de sua mão do lado de fora da janela, para a paisagem outra vez.
Ela conhecia aquele som, e foi questão de um segundo até que seus olhos encontrassem a figura no novo cenário que se fez diante de si. Lá estava o corvo, junto a outros, no alto de enormes portões de ferro negro, perfeitamente ondulados na forma de vários caracóis.
Foram segundos para a carruagem passar por ali e a vista ser deixada para trás, mas ainda assim, Isabell avistou perfeitamente o corvo pousado no centro ao alto dos enormes portões, e ela sabia que, mesmo em meio a outros corvos, aquele era o corvo que aparecera diante de si há dois dias. A ave a olhou fixamente nos olhos naquela fração de segundos, deixando a garota intrigada. E como se já não fosse estranho reconhecer uma ave específica dentre outras junto a ela, não era só isso o que havia chamado a atenção de Bell naquele cenário.
Foi no último segundo, quando ela não pôde mais ver a ave, que seu olhar encontrou um ponto de luz. Ao lado de um dos portões, ao lado que eles passavam agora, havia uma arandela.
A paisagem se foi, mas a confusão ficou nítida na expressão de Isabell que colocou a cabeça sutilmente para fora da carruagem, tentando ver dali se a cena anterior estava certa.
No fim não era uma e sim duas arandelas, uma de cada lado dos portões com corvos ao alto descansando. Duas arandelas acesas.
— O que foi, Bell? — Rayna perguntou, notando que a morena parecia curiosa com algo lá fora. — Viu algum animal?
— Sim, mas... — Tinha algo juntando peças em sua mente e a deixando confusa. — A gente passou pelos portões de uma casa agora...
— Ah, é a casa dos Liondor's. — Rayna informou, olhando de soslaio para o loiro enquanto a garota olhava para fora.
— Não é a casa que está abandonada? Vladimir me contou sobre ela... — Bell ainda tentou olhar mais uma vez, mas já não era mais possível ver a casa depois da curva que o colchero havia feito.
— Contou? — O loiro ficou surpreso.
Bell então lhe encarou.
— Uhum. Mas ele disse que não havia mais ninguém lá.
— E não tem. — Dessa vez Bell notou os dois irmãos trocarem um olhar.
— Está realmente abandonada. — Rayna ainda confirmou a pergunta anterior da outra.
Aquilo só fez Isabell unir ainda mais as sobrancelhas.
— Mas se está abandonada, então quem acendeu as luzes nos portões? Ou elas só se acendem que nem mágica, mesmo que não tenha mais ninguém por lá?
Foi a vez dos dois mais velhos unirem as sobrancelhas em confusão.
— Que luzes, Bell?
— As arandelas da entrada, elas estavam acesas. — Contou.
— Isso é impossível. — Klaus voltou a encarar a lista em mãos.
— Não é impossível, eu vi elas acesas! — Ela não gostou da impressão que teve de sentir que não acreditavam em suas palavras.
— Mas não há ninguém morando lá, Bell. — Rayna tentou convencê-la.
— Eu não disse que tem alguém. Eu disse que as luzes estavam acesas. — Lembrou, ganhando a atenção dos dois novamente.
Klaus a fitou sério, como se tentasse encontrar um rastro de mentira nos olhos dela, mas Bell parecia convicta demais do que dissera.
Sobrou ao loiro a bater na parede da carruagem em sinal para que o transporte parasse, e assim que aconteceu, ele proferiu em voz alta:
— Retorne até a casa dos Liondor's. Quero ver uma coisa.
Houve algo como uma batida do outro lado com os dedos, semelhante a que Klaus fizera antes.
A carruagem fez o retorno.
O vampiro mais novo olhava fixamente para Isabell que fez questão de sustentar aquele olhar.
— Você tem certeza do que viu? — Ele perguntou uma última vez
— Tenho. — E segura, ela respondeu.
— Ótimo.
Quase um minuto depois, a carruagem parou diante dos enormes portões de ferro. A janela que agora era a oposta diante da entrada dos domínios do Liondor's, revelava nada mais além de breu lá fora.
O loiro encarou Isabell outra vez, esperando ela dizer algo.
A garota lhe fitou abismada, alternando o olhar com as trevas lá fora.
— Bell... — Rayna a fitou, nitidamente confusa.
— Não! — Isabell abriu a porta ao seu lado, logo pegando o lampião que havia sido pendurado ali. — Eu sei o que eu vi! — E deixou a carruagem.
— Klaus. — A vampira mais velha voltou-se para o irmão que entendeu o seu olhar de pronto.
— Eu disse sobre ela, não disse? — Ele sussurrou, antes de deixar a carruagem, indo atrás da garota.
Do lado de fora, Bell ergueu o lampião diante de uma das arandelas apagadas.
— Não pode ser... — Ela sussurrou para si mesma, indignada com o objeto apagado. Chegou até a tocar a superfície de vidro para averiguar se não havia aquecido já que tinha certeza dela estar acesa antes. Estavam frias. — ....Como se nunca tivessem sido acesas.
— Isabell...
Ela virou o corpo minimamente em sua direção.
— Não me chame de mentirosa. — Praticamente rosnou.
— Eu não ia. — Ele afirmou, enquanto Rayna também se aproximava.
— Você só deve ter se confundido. — A ruiva disse, tentando apaziguar a situação que havia se criado.
Um riso soprado deixou os lábios de Isabell com o que ouviu, antes dela negar com a cabeça e desviar o olhar para o alto dos portões.
Nem os corvos estavam mais lá. Nem aquele corvo. Era como se simplesmente tivesse tido uma alucinação.
Ela ainda tentou encontrar a ave, mas nem sinal. Só havia breu em volta delas e o silêncio da noite.
Rayna se aproximou mais e tocou gentilmente as costas da mais nova.
— Vem, Bell. — E a guiou em direção à carruagem. — Não se estressa com isso.
Isabell bufou, mas retornou ao transporte junto da mais velha.
Klaus ficou para trás por um momento, fitando além dos grandes portões, pois a visão afiada lhe permitia ver a grande mansão ao fundo, cercada de roseiras secas.
Ele se lembrava bem daquela casa, ainda que houvesse muito tempo desde que estivera ali.
— Klaus? — O chamado da irmã o fez deixar aquele lugar.
Logo a carruagem voltou a fazer sua rota inicial.
Para trás ficou o breu da noite, o silêncio dela, e a ave que antes estivera no alto dos portões e que agora se encontrava no galho de uma árvore, assistindo os três passageiros irem para longe.
O corvo olhou para a casa uma última vez e grasnou. E então ele voou para longe.
⚰️⚰️
Pra quem nunca viu um slender man.
A carruagem é bem próxima disso, mas cheia daqueles detalhes de frufru de caracóis negros de ferro, pq sim, eu sempre achei lindo esse formato e tudo qualquer livro que escrevo sobrenatural eu coloco ele.
O corvo
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