Capítulo 2 - Olhos Verdes


Esse capítulo foi bem difícil de escrever porque eu queria manter determinadas referências da primeira versão e mudar outras. Espero que gostem! 

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      Assim que Helenor deixou a sala com os visitantes, não demorou para, uma a uma, as garotas serem chamadas para a conversa particular.

    Os murmúrios daquelas que ficaram no salão aguardando logo voltaram.

— Tem algo de errado com eles. — Isabell sussurrou para a melhor amiga.

— Como o quê? Eu só vi uma família como qualquer outra. — Tânia afirmou, cruzando os braços.

— Uma família onde a mãe e o pai parecem ser tão novos quanto os filhos? — Apontou. — Todo mundo parecia ser irmão ali.

— Talvez os filhos fossem adotados também. — Tânia deu de ombros.

— Aham... — Isabell duvidava que fosse isso.

     Assim que a outra bufou, a morena já esperou pelo que estava por vir.

— Olha, eu sei que você não tem mais vontade de ser adotada, mas não estrague isso. Não estrague as chances de alguém hoje.

     Foi a vez de Bell bufar.

— Tá, tá. — Assentiu por fim, não querendo continuar aquele assunto.

     Emburrada, a morena subiu de volta para o mezanino, onde devolveu o livro em mãos ao seu devido lugar.

     Buscando por outros, Bell se deu conta de que talvez, só talvez já tivesse lido praticamente tudo naquele cantinho. Isso lhe causou uma breve sensação composta por um misto de satisfação e frustração, pois enquanto se sentia realizada por suas leituras, também sentia-se chateada por não encontrar nada mais que a deixasse curiosa por ali. Ela nem percebeu o tempo passar, apenas se surpreendeu quando uma das madres entrou no pequeno salão e a chamou, avisando que sua vez tinha chegado.

    O problema de simplesmente não se importar mais com algo, como era o caso de Isabell em relação a adoção, é que a pessoa passa a ser indiferente em meio a determinados acontecimentos. Então, quando Bell se viu diante das portas conjuntas que levariam até a família de convidados, ela não sentiu mais aquela ansiedade de fazer tudo certo, de sorrir e ser cuidadosa em cada palavra a proferir, de agradar.

     Dessa vez ela podia ser ela mesma, sem medo de chegar ao fim do dia e se perguntar por que não foi escolhida outra vez.

    Contudo, quando acreditamos estar finalmente prontos para lidar com o destino, ele novamente se mostra disposto a nos surpreender, pois logo após bater na porta e esperar ser convidada, não havia um olhar que não fosse dirigido para si.

     A cena que a garota tinha era a da senhora Durand sentada em um sofá com o senhor Durand ao seu lado, a filha ruiva do casal sentada no outro sofá, e os dois filhos da família de pé, o moreno logo atrás do sofá onde a irmã estava, parecendo antes estar conversando com ela, e o outro, o loiro, mais afastado, com o corpo levemente apoiado na frente da mesa da diretora enquanto folheava alguns papéis em mãos.

    Sentir todos aqueles olhares era um pouquinho intimidador, mas nada comparado ao olhar daquele cujos lumes verdes pesavam demais sobre os seus.

— Isabell, não é? — A senhora Durand quem perguntou, fazendo a garota desviar a atenção para ela.

— Isso. — Foi a resposta de Bell, antes de fechar a porta.

— Venha, sente-se. — Pediu gentilmente, esperando até que a mais nova estivesse confortável no sofá de dois lugares livre diante de todos convidados ali. — Está confortável?

    "Não." Foi o pensamento de Bell que tentou manter a atenção unicamente na mulher mais velha.

— Sim. — Respondeu baixo.

— Ótimo. — Ela sorriu pequeno. — Bem, apresentando a ti devidamente, meu nome é Halina, Halina Durand. Este é o meu esposo; Festus. — Disse ao encarar o homem loiro ao seu lado que assentiu brevemente para a garota. — Aquele à sua esquerda é o Vladimir - Referiu-se ao garoto de cabelo preto, pálido que apenas continuou a fitar Isabell. — Essa é a Rayna.

     A garota ruiva imitou o gesto da mais velha, sorrindo pequeno.

— Olá, Isabell. É um prazer conhecê-la. — A voz melodiosa proferiu.

     De alguma forma, Bell sentiu se tão confortável com aquelas breves palavras e o sorriso acolhedor da outra, que ela quase se permitiu dizer o mesmo, pois também seria um prazer conhecer a jovem, se, é claro, Bell não soubesse que ao fim do dia ela novamente não seria escolhida, sendo deixada para trás outra vez com o coração apertado.

     Restou a Isabell assentir com a cabeça.

— E aquele é o Klaus. — Helina informou, sabendo que o filho estava logo atrás de si.

      A figura loira se pôs ereta novamente assim que seu nome foi proferido, logo dando poucos passos, descendo o único degrau que separava o espaço do que seria de conversação ao da mesa da diretora.

      Os olhares outra vez se conectaram, como dois imãs. De fato nada se comparava ao peso daquelas orbes verdes que pareciam carregadas de coisas não ditas. A expressão do jovem era voltada à calma diante de uma primeira impressão, porém se olhasse bem, não era só Isabell quem tentava não unir as sobrancelhas, como se a mente estivesse lhe enchendo de pensamentos.

— Bem, para começarmos... — A voz de Helina fez Bell voltar a atenção à situação. — Você pode nos contar um pouco de ti?

     O som forte da chuva lá fora se fez ouvido, mas ninguém pareceu se importar.

— Ahn... — O que ela deveria dizer? Não havia nada de interessante sobre si. Sem perceber, Bell inclinou sutilmente a cabeça, mostrando a todos o quão se encontrava sem saber o que dizer. — Eu... tenho dezessete anos, em breve farei dezoito... — Foi a primeira coisa que fez questão de dizer, como um aviso indireto de que havia grandes chances dela não servir para eles.

— Quando? — Rayna perguntou.

— Primeiro de agosto.

     Mesmo que por uma fração de segundos, houve uma troca de olhares entre as duas mulheres ali, coisa que Isabell percebeu.

— E o que gosta de fazer no seu tempo livre? — Festus lhe questionou.

— Ler, senhor. — Ela respondeu de forma simples.

— Que tipo de livro gosta de ler? — Foi a vez do filho mais velho, Vladimir, perguntar.

— Livros que contem histórias, reais ou ficção. — Contou. — Ainda que os de ficção sejam melhores muitas vezes.

— Fantasia te atrai mais? Que curioso. — Helina comentou, pensativa. — Geralmente as pessoas preferem o retrato da realidade através das páginas de um livro...

     Bell se incomodou com aquele comentário.

— É uma pena... — Afirmou, ganhando olhares interrogativos em troca. — Certamente é uma pena para quem prefere apenas se prender em um tipo de literatura, pois sequer imaginam o quão estão se limitando a apenas conhecer um mundo quando os livros podem te oferecer um universo com incontáveis dimensões...

      Ela não tinha sido grossa, certo? Só buscou mostrar o valor de sua visão.

— Mas não seria uma perda de tempo? — A pergunta veio de quem ela menos esperava. Sim, do dono dos olhos verdes que agora não conseguia esconder a irritação que sentia no momento em que ouviu tal pergunta. — Ler sobre mundos que não são reais, que não vão lhe agregar em nada... não é perda de tempo?

     "Céus, dai-me paciência." Sim, era isso o que se passava na mente da garota. Ela tinha ouvido certo mesmo?

     Antes que pudesse se dar conta, um riso soprado, carregado de sarcasmo, escapou de seus lábios enquanto seu olhar se afiava para o Durand mais novo que claramente havia percebido que havia desconsertado-a com aquela pergunta.

— Não vai responder, senhorita? — Klaus interrogou, os lumes desafiadores junto a um canto dos lábios erguido num esboço do que seria um sorriso arrogante.

     Por que diabos aquele garoto parecia estar gostando de vê-la daquela forma?

— É que estou pensando em qual escolher, senhor. — A rispidez não conseguiu ficar oculta, mesmo que aquela fosse uma breve frase.

— Escolher o que? — Ele fazia questão de sustentar o olhar num desafio oculto.

     Mas se Klaus achou que Isabell iria se manter contida, estava muito enganado.

— Escolher qual dos números argumentos eu posso utilizar para fazer esse seu questionamento de merda cair por terra. — Cuspiu.

    Um segundo depois, ela sentiu os olhos se esbugalharam ligeiramente ao perceber o quão mal educada havia sido.

     No entanto, a figura loira que havia atormentado seus sonhos nas últimas noites apenas riu de suas palavras enquanto Helina soltava um suspiro, Vladimir revirava os olhos para o irmão e Rayna fitava Klaus como se estivesse prestes a assassiná-lo ali mesmo.

— Irritante. — Isabell sussurrou bem baixinho, um segundo antes de encontrar o olhar de Festus que ergueu uma sobrancelha para si seriamente lhe fazendo se questionar se tinha dito aquilo alto.

— E quanto ao livro que você estava lendo? — Rayna quis saber. — Aquele livro era sobre poesias, não?! — Lembrou-se atraindo novamente todos os olhares para a garota. — E, se me lembro bem, estava em latim... não sabia que ensinavam esse idioma aqui.

— Helenor mencionou ensinarem aqui inglês e francês, certo? — Helina voltou-se ao esposo antes de ambos fitarem Isabell mais uma vez junto aos outros.

— Ahn...

     O que ela ia dizer? Que nunca nem sequer parou para tentar aprender latim, apenas abriu um livro no idioma sem querer e descobriu que conseguia entender o que estava escrito ali sem nunca ter aprendido nada sobre antes?

     Quem iria acreditar, ainda que aquela fosse a mais pura verdade?!

     Bell não gostava de mentir, mas precisava naquele momento, então mesmo sentido o coração acelerar e as mão começarem a suar, ela buscou manter toda a calma e então dizer:

— Há alguns livros didáticos perdidos lá na biblioteca. Fui aprendendo com eles... O francês também me ajudou muito por descender do idioma... Você acaba aprendendo a identificar algumas palavras e assim aprender mais... — Para uma mentira improvisada, ela até que tinha ido bem.

—Entendi... — Rayna novamente deu aquele sorriso delicado, contudo, dessa vez contrastava com alguma coisa passando em sua mente que seu olhar para Bell deixou escapar como pista.

— Mas e os argumentos? — Klaus questionou Isabell de repente. — Você ainda não deu nenhum.

     Naquele momento, Bell constatou que aquela criatura era nitidamente um teste de paciência vindo dos céus... só podia ser.

— Klaus... — Seu pai o advertiu quando ele contornou o sofá onde os dois mais velhos se encontravam e se moveu até ficar atrás do sofá no qual a irmã estava.

— Só estou curioso... — Foi sua resposta transbordando sarcasmo.

     E em muito tempo Isabell pôde sentir uma raiva indescritível se apoderar de si. Nem ela entendia como aquele sentimento tinha se instalado e a tomado, mas se viu facilmente perdendo o controle só pela forma como sentia que encarava com indignação aqueles lumes irritantemente intensos.

     Por que ele tinha que ser tão diferente do homem que via em seus sonhos? O Klaus que encontrava todas as noites lhe acariciava com as mais belas palavras, como se a cortejasse e a admirasse a todo tempo, diferente deste que parecia ter simplesmente cismado com a sua pessoa e queria lhe tirar do sério.

    Um trovão foi ouvido lá fora, mas novamente ninguém ligou para o que acontecia além das janelas.

— Acho que você gostou da resposta que eu lhe dei antes. — Bell pensou alto. — Ou isso, ou eu lhe deixei insatisfeito, vai ver é por isso que está tentando chamar atenção com tão pouco. — Foi a vez dela rir soprado, não escondendo o quão satisfeita tinha ficado em vê-lo daquela forma. Não dando tempo para o outro lhe responder algo, Bell focou em Helina mais uma vez —Bem, assim como vocês, eu também gostaria de fazer algumas perguntas...

    As faces surpresas se mostraram. Pelo jeito ninguém esperava que também fossem ser interrogados.

— Tudo bem. — Isabell percebeu o tom cuidadoso de Helina com aquelas poucas palavras.

    Ela não sabia dizer o porquê, mas era óbvio demais para si que aquela família escondia algo.

— O que deseja saber? — Festus perguntou.

     Bell deixou o olhar vagar rapidamente pelos olhares sobre si, tentando captar algo enquanto formulava o que diria a seguir.

— Por que — diabos, pensou — vocês decidiram que gostariam de mais alguém na família de vocês? — O questionamento saiu de forma educada, mas por dentro, Isabell sentia uma ânsia imensa por aquela resposta, pois era como se algo dentro de si dissesse que aquela era a chave para entender toda aquela situação, ainda mais a parte do homem de seus sonhos ter se materializado magicamente diante de si.

— Eu acho que essa pergunta é um pouco pessoal, por isso... — Rayna foi quem se pronunciou cuidadosamente.

— Está tudo bem, querida. — Helina assegurou à filha antes de voltar a atenção para Isabell mais uma vez. — Digamos que percebemos há muito tempo que falta alguém para completar nossa família e decidimos procurar nos orfanatos desde então.

     Aquilo fez Bell erguer uma sobrancelha.

— Então já procuraram em outros orfanatos... — Já encheram de esperança o coração de mais pessoas e as desiludiram logo depois, completou em pensamento — E nada até agora?

— Digamos que ninguém se encaixou no nosso estilo de vida. — Klaus expôs, como se aquelas palavras não pesassem nada.

    Dessa vez Isabell não conseguiu comprimir o sentimento de irritação dentro de si, revelando em seu olhar se afiando para eles.

    O riso soprado escapou mais uma vez, agora acompanhado de indignação.

    Outro trovão lá fora e um tiritar do chão ali dentro. Dessa vez só Isabell não percebeu por estar imersa no sentimento mal contido.

    Surpreendendo a todos, ela se pôs de pé e lhes deixou com uma linha nos lábios erguidos pelos cantos, em um sorriso que não fez questão de tentar ser verdadeiro.

— Bem, acredito que eu também acabe por me divergir do seu estilo. — Discorreu com graça, a voz melodiosa contrastando com o sentimento em suas orbes. — Não vou tomar mais o seu tempo, sei que há mais meninas os aguardando. — E simplesmente começou a se afastar, ansiosa para deixar aquele lugar.

    Se ela tivesse prestado um pouquinho só de atenção, só o suficiente para que percebesse o novo tremor a tomar o lugar ou em como todos ali ficaram após suas palavras, as coisas não teriam saído do controle tão de repente.

    Isabell deu um total de cinco passos antes que uma mão pegasse seu pulso, fazendo-a parar de súbito e então voltar-se à figura loira que lhe fitava com novamente aquele peso estranho nas orbes.

— Espere. — Ele pediu.

— Pode largar o meu pulso, por favor? — Ela não poupou o tom ríspido.

     O chão tremeu novamente, e com o olhar de ambos fixo um no outro, Isabell não percebeu a luz sobre Klaus oscilar um pouco, o que era resultado do lustre acima deles balançando ligeiramente.

— Klaus. — Helina chamou, parecendo pedir algo silenciosamente ao filho.

    Tentando não se perder no rosto nunca visto antes, mas que parecia significar algo ainda incompreendido por si, ele disse:

— Venha, vamos conversar primeiro.

    E a puxou quando voltou-se para os outros membros ali.

— Não quero. — Isabell, não querendo aceitar seu pedido, o puxou de volta.

    E assim um se chocou com outro. Klaus a segurou firme pela cintura, outra vez encarando aqueles olhos castanhos profundos. Isabell também não se mostrou diferente, pois os lumes verdes familiares demais ainda eram algo a deixá-la fora de órbita.

— Você é igualzinho... — Ela sussurrou, inconformada, analisando-o. — Isso é assustador.

    O som de algo desencaixando se fez.

    Klaus agora encarava a garota com uma expressão atônita.

— Você já me viu antes, não foi? — replicou.

   Bell apenas conseguiu assentir com a cabeça lentamente.

— Klaus, o lustre! — A voz de Festus ecoou.

    E tudo o que seguiu-se ali foi visto como vultos, pois Isabell só sentiu sua cintura ser cercada rapidamente e então ela ser puxada contra o peito alheio, não enxergando nada do que acontecia à sua volta.

    Em um segundo, os dois estavam debaixo de um enorme lustre, e em outro, estavam em um canto próximo à entrada.

    O som dos cristais e a prata chocando-se com o chão ecoou por além do espaço, ensurdecendo momentaneamente a garota que se encolheu rapidamente num reflexo dentro daquele abraço protetor.

    Cacos foram para todos os lados mais próximos, e nem demorou para a sala ser tomada por um silêncio intenso.

   Como estava escuro lá fora devido à chuva e um dos lustres foi derrubado enquanto o outro, aquele menor no centro do escritório, se apagou, o lugar tornou-se parcialmente desalumiado.

   Ainda sob aqueles braços, Isabell se permitiu soltar todo o ar que prendeu no peito enquanto seus olhos se esbugalharam ligeiramente.

    Em algum momento ela percebeu estar tremendo, mas tentou se afastar um pouco de Klaus que, notando seu estado de susto, não se permitiu soltá-la por inteiro, mantendo uma das mãos em sua cintura quando ela se virou e fitou o enorme lustre agora em ruína no chão.

    Um raio atravessou os céus, a luz adentrou no espaço, iluminando bem os rostos naquele lugar.

   Isabell não percebeu, mas a atenção de todos estava sobre si.

    Vladimir foi quem saiu primeiro do estado de surpresa coletiva ao qual todos estavam imersos. O moreno sorriu pequeno, e ainda encarando a garota, ele ousou sussurrar:

— Parece que finalmente achamos quem estávamos procurando. 

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