XII- Save tonight


Bianca


Sentia pontadas na minha cabeça. Meus olhos ainda estavam fechados quando levei minha mão à cabeça. Comecei a me dar conta da realidade, sentindo que estava quase deitada, mas com um braço embaixo do meu pescoço me mantendo com o tronco mais elevado e uma mão no lado direito do meu rosto.

Minha audição também voltou aos poucos, e conseguia ouvir muitas pessoas à minha volta. Ouvia alguém me chamar de longe, mas ainda não tinha capacidade física para responder. Me sentia fraca.

Depois de apertar meus olhos ainda fechados algumas vezes, como para realmente começar a despertar, os abri. As vozes estavam mais próximas e mais inteligíveis.

As primeiras coisas que entraram em meu campo de visão quando finalmente consegui focar e enxergar direito foram dois olhos azuis.

Chris.

Ele estava ajoelhado no chão, me segurando, passando a mão pelo meu rosto e chamando meu nome.

Conforme olhava à minha volta para tentar entender o ocorrido, pude identificar Sebastian abaixado ao meu lado com um copo de água, Lizzie ao lado dele, Robert e Mackie dos lados direito e esquerdo de Chris, todos me olhando com muita aflição.

Acabei de dar o maior vexame como primeira impressão para todos os meus futuros colegas de trabalho.

Eu era muito fodida mesmo.

Comecei a me mexer, sentando para liberar o braço de um Chris que me encarava muito sério.

-Bianca? Você tá bem? O que aconteceu? Tá sentindo alguma dor? Precisa de alguma coisa?

Eu só olhava para baixo, extremamente envergonhada enquanto ele me metralhava com todas as perguntas possíveis. A pior parte era que eu estava com uma taça na mão. Antes de desmaiar, lembro que senti ela escorrendo da minha mão, caindo próxima ao meu pé, e eu podia sentir o sangue escorrendo de alguns cortes que ardiam demais na lateral do meu pé direito.

Eu nunca conseguiria dizer que aquilo foi só uma reação por ter parado de consumir dez mil dólares em drogas por semana. Não poderia dizer que era uma viciada do caralho e que estava tentando mudar. Eu queria fazer tudo diferente, mas precisava que todo o meu passado ficasse apenas no passado. Por isso decidi ocultar tudo. Sei que não é como se eles não pudessem pesquisar todos os meus feitos na internet, mas realmente gostaria de focar apenas na parte em que eu sigo a vida como uma pessoa normal, que não é quase processada uma vez por mês ou presa todo ano.

-Estou bem, Chris. Foi só uma tontura.

Enquanto eu levava minha mão esquerda à minha cabeça para tentar acalmar as pontadas que me pegavam, segurei a mão direita de Chris para me levantar. Todos estavam muito apreensivos, quietos, apenas me ouvindo e observando.

Enquanto ia me colocando em pé, minha visão ficou turva mais uma vez. Tive um baque, quase indo ao chão de novo quando senti os braços de Chris se colocando rápidos ao redor dos meus quadris, pressionando meu corpo contra o dele.

-Você não está bem, Bianca. Vamos te levar na enfermaria. –Sebastian me ofereceu o copo de água que tinha em mãos, e eu apenas neguei com a cabeça. Também estava com uma expressão de preocupação, e eu me odiava ainda mais por todo o transtorno que estava causando na noite que eles teriam que aproveitar antes de começarem a trabalhar como condenados. Estava estragando tudo mais uma vez.

-Eu não vou, está tudo bem. Eu juro! Só não comi direito hoje com toda a movimentação da minha chegada aqui... Vou para o meu trailer e amanhã estarei melhor. Só aproveitem a festa.

Eu me separava de um Chris que insistia em continuar me abraçando, como se estivesse prevendo mais uma queda. Eu sabia que eles não iriam aceitar minha proposta de me deixarem ir embora facilmente.

-Eu vou com você. –Chris foi o primeiro a se manifestar, e todos os outros só concordaram em silêncio. –Não quero que você volte sozinha.

Apenas assenti, e logo estávamos do lado de fora do Village. Ele havia tirado seu braço de volta de mim, mas continuava andando e me encarando de perto. Fizemos quase todo o trajeto em silêncio.

-Você sabe que não me convenceu com aquela história, né?

-Eu sei. –tentei sorrir, mas saiu forçado demais. Ele percebeu que havia mais.

-Tudo bem se não quiser me contar, até porque você nem me conhece direito, mas eu estou preocupado. Posso fazer algo para ajudar?

-Eu só... É que é difícil... –estávamos na porta do meu trailer.

Minha cabeça começou a girar, mas eu tinha certeza que estava parada. Minha visão estava embaçada e escura nas extremidades e, mais uma vez naquela noite, meu corpo sofreu um baque e foi jogado para o chão.

E, mais uma vez, um Chris estava me segurando.

Eu estava consciente, eu sabia que estava muito fraca e que talvez realmente tenha sido falta de comer. Meu estômago ainda não estava cem por cento desde a clínica, quando passei meses vomitando quase todo dia por conta da abstinência de heroína. O dia todo foi apenas mudança, ansiedade, excitação por conhecer vários de meus atores preferidos, um almoço quase nada proveitoso de Robert (era uma comida muito estranha que preferi deixar de lado com a desculpa de estar em uma dieta de salada) e uma taça de vinho.

Chris estava de frente para mim, me segurando pela cintura, enquanto meu rosto estava em seu ombro. O cheiro dele era apenas incrível... Um perfume amadeirado, bem do jeito que sempre imaginei. Mas eu estava fraca demais para sequer sonhar com aproveitar aquele momento. Apenas apontei para o trailer, e ele passou meu braço esquerdo sobre seus ombros, me carregando para dentro.

Usei toda a energia disponível para me jogar no sofá branco que ficava à direita da porta de entrada. Chris me ajudou em cada passo e movimento até lá. Depois que me sentei, jogando minha cabeça para trás para pensar em toda a merda que foi minha noite, apenas queria deixa-lo livre de mim.

-Pode ir, Chris. Eu vou ficar aqui descansando, não quero que perca a festa.

-A parte mais interessante da festa, para mim, está jogada em um sofá fingindo não estar mal.

Tive que levantar a cabeça para encará-lo após essa constatação.

-O que? Vai dizer que ficou surpresa com isso? –seu sorriso iluminava mais aquele lugar que todas as luzes juntas... Ele foi se sentar ao meu lado, mas não muito perto. –Você me surpreendeu sendo uma rabugenta no dia da audição. Foi legal.

-Ah, é claro. Você está todo acostumado com mulheres se jogando aos seus pés, sem nenhuma força de vontade para resistir a esses estúpidos olhos azuis... Então eu sou o seu clichê de bad girl? –eu também sorria para ele, mas de um jeito muito preguiçoso.

-Você pode ser tudo, menos clichê! Olha bem, nosso momento mais íntimo até agora foi você desmaiando no meu colo. Isso é clichê?

-Desmaiei no seu colo? –arregalei meus olhos pensando em Chris sendo atingido por mim. –Argh, que estúpida!

-Não! Quer dizer, mais ou menos... Você caiu pra frente, e os reflexos do Sebastian são mais lentos, então eu me joguei para frente para te segurar. Eu me joguei em você, então...

Ele fez uma cara muito estúpida, tentando me fazer sentir melhor. Eu estava tão grata que não conseguia nem raciocinar sobre quais palavras usar com ele.

-Obrigada. –o clima ficou mais sério com o meu tom, mas ainda assim nós dois sorríamos nos encarando.

-Estarei aqui para toda eventual queda. Mas prefiro que você não precise mais de mim, Bianca.

-Eu espero precisar, mas de um jeito melhor... –eu simplesmente NÃO conseguia guardar meus flertes para mim com aquele homem sorrindo e me encarando daquele jeito!

O contrato tilintava na minha cabeça. Eu sei que não posso me envolver com ninguém, eu sei que isso prejudicará meu desempenho, já que não saberia fingir não estar apaixonada ou com raiva caso realmente estivesse. Mas como eu conseguiria resistir àquele homem? Já me entreguei por muito menos.

Mas aquela ali era minha segunda chance de vida. A chance de ser uma pessoa melhor. Era contra as leis do feminismo me fuder profissionalmente por conta de homem, era contra o meu contrato me envolver de qualquer jeito com ele, então eu precisaria saber me controlar. Como, é a questão.

-Chris... Acho melhor você ir. Quer dizer, não estou te expulsando, é que eu realmente não posso fazer isso... –apontei para nós dois, sugerindo que o nós não poderia existir. –E eu sou péssima em autocontrole.

-Você... Tem namorado? -seu olhar decepcionado era quase palpável.

-Mmm... Sim? Digo, sim! Eu tenho um namorado sério, de verdade. Não posso... como se chama?

-Trair?

-Isso! Trair! Não posso trair, porque é sério. –sustentei uma postura mais séria enquanto tentava consertar a mentira que criei.

Eu sou a PIOR mentirosa desse mundo. Não me conformo com minha capacidade de soar natural ao sugerir sexo à três e esquecer a palavra trair ao inventar um namorinho. Eu sou inacreditável! Porém, seria mais fácil dizer isso que explicar um contrato e uma rehab.

É claro que Chris não acreditou. Ele franziu o cenho, como se estivesse pensando sobre o porquê de eu estar mentindo. Aquilo me deixou muito triste, não queria que ele pensasse coisas erradas, ainda mais depois de ser tão atencioso comigo hoje.

Não queria que ele se afastasse quando mal começou a se aproximar.

Sinto que ele vai ser uma pessoa muito importante na minha vida. Depois que o ranço da primeira impressão passou, só consegui enxergar nos seus olhos brilhantes um cara muito doce. Eu nunca tive uma relação bonita com nenhum homem, nem mesmo em relação a amizades. Estava disposta a tentar mudar aquilo também.

-Ã... Tudo bem, então, vou voltar para o Village. Provavelmente ficaremos lá até o dia amanhecer, então pode me avisar quando se sentir melhor? Ou até mesmo me ligar se precisar de qualquer coisa. De verdade. Pode contar comigo.

Eu apenas assenti, enquanto ele me entregava um cartãozinho um tanto profissional com o logo de sua agência, seu nome e número.

Ele deu um sorriso contido, e eu senti que ele estava um pouco chateado. Quando pensei em desmentir aquela história e explicar direito os meus motivos para mantê-lo longe, ele apenas se levantou e caminhou em direção à porta. Deu uma última olhada para mim, fez um aceno com a mão e saiu.

Eu estava me sentindo muito estúpida. Iria consertar aquilo ainda hoje, porque não era do meu feitio ficar me regulando por medo do que os outros iriam pensar.

Peguei meu celular, adicionei o número dele e fui direito abrindo sua conversa no WhatsApp. Seu visto por último era de um minuto atrás, então fiquei um pouco mais ansiosa do que já estava...

"Chris. (23:55)

Obrigada e desculpe-me por qualquer coisa. (23:55)

Espero que não se afaste pela minha estupidez. (23:56)

Boa noite, xx. (23:56)"

Levantei-me do sofá e fui em direção ao meu quarto. Antes de chegar no quarto de verdade, havia um cômodo com meu closet e uma penteadeira cheia de luzes envolta do espelho para maquiagem. Minha cama era de casal, muito confortável, e ocupava quase todo o espaço do quarto, tendo apenas alguns abajures nas laterais e uma TV grande de frente para a cama. Eu tinha certeza que passaria a maior parte do meu tempo livre ali, sendo acompanhada pelo Netflix.

Coloquei meu pijama muito fofinho, tendo mais uma tontura quando me abaixei para vestir a calça de moletom. Estava ficando muito irritada com aquilo, e com certeza ligaria para a Dr. Danvers pela manhã para falar sobre essa crise ridícula que tive hoje. Fui para a cozinha, tomando um copo de água seguido do meu anticoncepcional.

Quando me sentei na cama, fiz uma checagem final no meu celular.

Havia notificações de mensagem dele.

"Bianca. (00:22)

Não se preocupe. (00:22)

Sua estupidez te deixa ainda mais encantadora. (00:25)

Boa noite. (00:25)

XX. (00:28)"

Joguei-me na cama, abraçando o celular como uma adolescente.     

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