VIII- Rehab
Três horas limpa.
Estava pegando o avião para ir a Malibu, já sentindo uma dor de cabeça chegando.
Seis horas limpa.
Cheguei em Malibu. Um carro de Marvel estava me esperando no aeroporto, me levando para a clínica. Parecia uma casa de campo, uma mansão num estilo rústico de chalé. Até cheguei a me sentir confortável olhando para a paisagem, mas a minha cabeça doía tanto que só pensava em entrar, ver um médico e tomar muitos calmantes para dormir por pelo menos um mês.
Um homem com uma camiseta branca com o logo da clínica apareceu. Ele era demasiadamente bonito, fazia-me lembrar do Jensen Ackles... O homem me deu um sorriso muito sugestivo, pegando minhas malas do carro enquanto eu entrava na recepção do lugar.
-Bom dia, senhorita! Estávamos a esperando, seja bem vinda à Promises Treatment Center! –uma moça loira com dentes gigantes e brancos me saudou, mas sua voz irritantemente fina apenas me fez levar os dedos às têmporas, fazendo uma massagem para tentar acalmar minha cabeça.
-Eu quero ver o médico. Psiquiatra. Farmacêutico dos calmantes. Qualquer coisa que possa me passar algo pra dormir... –minha voz era como um sussurro, porque todo movimento que realizava com a cabeça me dava a impressão que ela ia explodir.
-Desculpe, senhorita, mas aqui não usamos esse método. Seu médico está esperando na sala 2, seu quarto é o número 7.
Peguei a chave para me livrar logo da senhorita que falava como a Dora, a aventureira e comecei a seguir uma outra moça que surgiu do meu lado direito.
Cheguei a uma sala de espera com alguns sofás brancos, com madeira nos pisos, paredes e móveis. A porta se abriu, mostrando uma sala completamente branca muito parecida com um quarto de hospital.
-Olá, senhorita Dantas. Sou a médica Danvers, responsável pela sua estadia aqui. Como está se sentindo?
-Oi, médica. Eu só quero um remédio para dor de cabeça, falaram que eu não podia trazer nada, então...
-Nós só prescrevemos remédios em casos urgentes, senhorita. Sinto muito. Nossa política de desintoxicação é muito rígida, queremos livrá-la de tudo, inclusive excesso de remédios.
Eu não estava aguentando as pontadas que se espalhavam por minha testa e nuca, começando a ser tomada pelo nervosismo que jurei deixar para trás. Minha respiração começou a se tornar irregular, como se meus pulmões não estivessem recebendo ar suficiente, e meu coração parecia querer sair do meu peito de tão forte que batia. Comecei a suar frio, fechando os olhos para me concentrar em reclamar sobre essa politica estupida dessa clinica estupida e cara.
-Senhorita Dantas? Está tudo bem? Está sem nada há quanto tempo?
-Umas seis horas... –eu continuava com as mãos nas têmporas, os cotovelos apoiados nos joelhos e as costas curvadas.
-Entendo. As primeiras vinte e quatro horas são as piores. O seu corpo vai pedir por substâncias como se fosse dar pane por estar sem. Mas você tem que resistir, tem que ter em sua mente que vai ficar tudo bem e que isso é só uma crise de abstinência. Nós vamos cuidar de tudo para isso passar o mais rápido possível. Temos nutricionistas e chefes de culinária especiais para cuidar da sua alimentação, academia e pilates para você manter seu condicionamento físico, meditação e consultas psicológicas para cuidar de sua saúde mental, e todos os tipos de profissionais da saúde. De dentistas a cirurgiões gerais. Nós vamos realizar exames de sangue e algumas coisas rotineiras frequentemente para nos assegurar que está tudo indo bem.
Precisei apertar os olhos para conseguir ouvir tudo que ela dizia.
Doze horas limpa.
Comi uma salada cheia de coisas verdes na janta porque estava sendo monitorada e obrigada a fazê-lo. À tarde, fui à uma aula de boxe para descontar toda a dor que eu estava sentindo. Agora, tinha uma hora livre para assistir ou ler algo em meu dormitório, para depois dormir. Mas eu não conseguia. Fiquei uns quarenta minutos no banho com um zumbido horrível no ouvido esquerdo, olhando para frente e vendo as coisas em 3D, ou até se mexendo enquanto estava parada. Minha respiração continuava irregular, as dores na cabeça começando a se espalhar pelo meu corpo e o desespero tomando conta da minha mente. Uma enfermeira estava do lado de fora perguntando a cada cinco minutos se estava tudo bem.
Naquela noite, eu seria visitada de uma em uma hora, apenas para checarem se eu havia conseguido dormir ou que estava viva...
Vinte horas limpa.
Após as oito horas que, teoricamente, seriam de sono, minha médica apareceu em meu quarto. Fui visitada por enfermeiras de hora em hora, que me encontravam sentada no chão ao lado da cama chorando, abraçando minhas pernas e pedindo ora por remédios e ora por drogas. Agora, meu estômago resolveu entrar em ação me fazendo vomitar o que nem havia em mim.
Vinte e quatro horas limpa.
No café, uma psicóloga veio falar sobre minhas atividades do dia. Havia massagem relaxante, natação, consulta com a Dr. Danvers e algo que não consegui ouvir por conta do zumbido na minha orelha.
Eu não queria mais aquilo. Meus pratos, talheres, copos, tudo era de plástico para evitar que algo acontecesse. Meu quarto não tinha nem tomadas, e até para apagar a luz eu precisava pedir permissão. Eu, que sempre fiz o que quis, tinha que ser escoltada para o banheiro.
Meus olhos começaram a enxergar tudo em vermelho, minha cabeça doía como se estivem enfiando pregos e meu corpo estava extremamente cansado, mas não conseguia fechar os olhos por dois segundos sem pensar estar tendo um ataque cardíaco ou sem ser atormentada por imagens aleatórias relacionadas com mortes. Quando falava sobre isso com as enfermeiras, elas apenas diziam "está tudo bem", enquanto eu estava desabando.
Sete dias limpa.
Realmente, as vinte e quatro primeiras horas eram as piores.
Agora, eu já conseguia comer sem vomitar em todas as refeições, conseguia me concentrar em algumas conversas sem ter uma mente divagando ou sem o zumbido que me fazia querer enfiar um lápis no ouvido até atravessar meu cérebro. Ainda estava mal, com dores de cabeça sem interrupções, corpo doendo por completo, cansaço e insônia. Eu conseguia controlar meus pensamentos, falando que "ficaria tudo bem".
Um mês limpa.
Não vomitava todo dia. Não pensava em me suicidar mais que duas vezes por dia por conta de alguma dor ou mudança de humor. Conseguia conversar com a psicóloga sobre algumas coisas, mas sem entregar mais que uma ou outra historinha de meus últimos anos. Não chorava toda noite pedindo por calmantes, muito menos por drogas. Não queria passar por isso nunca mais.
Comecei a ter contato com outros pacientes da clínica em sessões de terapia em grupo. Falávamos sobre nossas atividades, nosso dia e o que esperávamos fazer quando saíssemos dali.
Dois meses limpa.
Tive minha primeira saída ao mundo exterior com escolta. Eram três opções: uma cafeteria muito tranquila na entrada da cidade, uma ida a um observatório de estrelas por três horas durante a madrugada ou uma loja de livros durante um horário especial reservado apenas para mim. Eu escolhi a loja de livros.
A Dr. Danvers, um segurança e a psicóloga foram comigo. Ocorreu tudo tranquilo, sendo a hora mais preocupante quando tive uma crise de dor de cabeça intensa, caindo no chão e chorando por alguns minutos enquanto abraçava minhas pernas. Os três ficaram do meu lado, sem encostarem em mim, apenas olhando, até que eu comecei a me controlar. No começo, eles diziam o que você deve pensar, fazer ou dizer durante uma crise. Agora, apenas me assistiam colocar em prática o autocontrole. Toda aquela dor era majoritariamente psicológica.
Três meses limpa.
No meu segundo mês na clínica, saí duas vezes escoltada. Nesse mês, finalmente pude descer sozinha nos lugares, sendo acompanhada de longe por um segurança. Consegui até sorrir na foto com um homem que me reconheceu na cafeteria enquanto eu comia um cookie integral (isso já era ousado demais para quem só comia saladas e frutas em um estado semi líquido).
Eu tinha olheiras normais como qualquer ser humano, e não mais escavações roxas embaixo dos olhos. Eu senti ter ganhado um pouco de massa, mas minha alimentação estava balanceada e os exercícios muito organizados. Sentia muito mal estar, mas estava bem. Estava livre.
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