L1|| IV. Bauer Inc.
A voz que quebra nosso abraço é reconhecida por nós dois.
Única em seu tom e inflexão. Viramos ambos para o dono dela.
Dimitri Bauer.
Meu patrão.
Esta à porta, esperando uma resposta a sua pergunta. Uma mão no bolso da calça social azul escuro, a outra segurando seu celular.
— A festa que a magrela vai hoje pra pegar o vizinho dela. — Flavio já vai me dedando e se dirigindo à porta, e eu fico absolutamente sem jeito. Antes de sair da minha sala de recepção, ele se vira para Bauer. — Você vai ver meu jogo hoje né, Jimmy?
Mesmo tentando me recompor da momentânea vergonha, acho engraçado como Flavio chama Dimitri de Djimmy. Não vejo ninguém mais se dirigir à ele desta forma, provávelmente por isso acho engraçado. Na verdade, não vejo ninguém ter a coragem de dar a Dimitri Bauer nenhum tipo de apelido, carinhoso ou zombeteiro.
Por quê? Bem, Bauer, não é... do tipo que encoraja tais intimidades de ninguém. Na verdade, acho que encoraja exatamente o contrário. Pelo menos em mim.
O homem de cabelos incrívelmente negros é sério demais, muitas vezes até mal humorado. Digo, ele sempre me respeitou, nunca o ouvi elevar a voz. E nem precisa. Já me intimida com sua voz baixa mesmo. Fato é que o normal do meu patrão são duas expressões: cara de nada ou cara de quem está extremamente puto com algo. É a feição natural dele. Você daria um apelidinho à alguém assim?
De qualquer forma, esse seu jeito carrancudo de ser deve tê-lo ajudado em sua carreira. Bauer é um bem sucedido investor. Adora escolher umas propostas promissoras, jogar umas notas de dinheiro nelas e receber o quíntuplo de volta. Trabalho invejável. E sim, é assim que o chamo: Bauer. Pelo sobrenome. Profissional. O chamaria de "senhor" se ele não fosse tão jovem.... acho que Bauer tem trinta e poucos anos. Sei lá, estou esperando ele sorrir para eu perguntar.
Acho que vou morrer sem saber.
Aqui no escritório da Bauer Investimentos somos três: eu, ele e Lena. Mas a maravilinda Lena passa mais tempo fazendo as viagens que Bauer não quer fazer, cuidando de seus investimentos e promovendo mais negócios em seu nome ao redor do país, então eu raramente a vejo. Nos falamos ao telefone boa parte do tempo. Lena é o tipo de mulher que eu gostaria de ter crescido em volta. Ela é esperta, rápida e eficiente. Eu a admiro por seu profissionalismo e competência. E o chefe confia cem por cento em sua capacidade de fazê-lo mais rico.
Bauer também passa mais tempo fora do escritório que dentro e quando está aqui, raramente sai de sua sala.
Já eu, fico aqui o tempo todo.
Mas o tempo todo mesmo.
Bauer não brincou quando disse que precisava de alguém com tempo livre. Ele usa todo o espaço da agenda da minha vida. E como paga bem por ele, não reclamo. Minhas contas estão em dia e eu estou até começando a guardar dinheiro para a faculdade, o que é uma droga de um milagre nessa economia.
— Seu jogo não era amanhã? — Bauer pergunta sobre a Flavio, voltando minha atenção a eles.
— Era. Mas passaram pra hoje porquê usarão a quadra amanhã. — Flavio parece se lembrar de algo. — Espera, você não tem aquele jantar amanhã?
Bauer assente lentamente.
— A Verena vai, né? — Flavio pergunta apontando para mim.
— Vou aonde? — Me intrometo.
— Já explico. — Bauer vira para mim e diz. Para Flavio, ele responde: — Não prometo, mas tento ir.
Um sorriso se abre no rosto de Flavio com a possibilidade. Vejo como o magrelo gosta de Bauer e sorrio para mim mesma. É compreensível, pois Bauer é uma das poucas presenças positivas na vida dele. Gosto de ver a proximidade dos dois e o carinho que o zé carranca aqui tem com ele. Pensando bem, isso até confirma que Dimitri Bauer é um ser humano e não um robô. O que ás vezes duvido.
Flavio se despede e sai. A sala de repente parece menor do que é, o que acontece sempre que todo chefe de qualquer pessoa está presente no trabalho.
E com Bauer, essa sensação piora.
— Jantar? — Questiono tímida e novamente.
— Meus sócios estão na cidade e é costume que minha secretária os conheçam.
Aff... não dava para nos apresentar aqui mesmo? Nomes, apertos de mão, eu sirvo um cafézinho e pronto?
Penso em dizer não. Penso em uma boa desculpa pra acompanhar esse "não". Já estou tão acostumada a uma vida social lenta e não existente que o prospecto de dois eventos com pessoas que não conheço em menos de vinte e quatro horas já me dá urticária.
Por outro lado... não foi para isso que vim para a cidade? Para expandir meus horizontes? Não posso me acostumar a ficar mofando em meu apartamento...
Aceito o convite com um humilde, mas corajoso sorriso.
Ver Bauer fora de nosso ambiente de trabalho vai ser estranho. A única vez que nos vimos assim foi na minha segunda semana de trabalho há uns meses atrás, em um dos jogos de basquete de Flavio. E mesmo assim, sentamos em lados opostos da quadra. Quando o vi, acenei entusiadamente, que nem uma retardada. Ele apenas me olhou, apertou os olhos tentando me enxergar e reconhecer, lançando um rápido sorriso em resposta que mal consegui ver, e depois ignorou minha presença por completo.
— Esteja pronta às seis da tarde. Mandarei um uber te buscar.
— Aonde vamos? — Preciso saber o que vestir.
Ele pensa por um momento e a sombra de um sorriso paira por seus lábios.
— Surpresa.
Surpresa???
— Mas o que devo...
— Pergunte a Lena, ela sabe. — Bauer me corta. — Algum importante recado pra mim?
Passo os recados deixados nesta manhã. Ele ouve atentamente.
Deixo um recado específico para ser dado por último.
— A Alina ligou.
— E? — É tudo o que ele diz, indo para sua sala.
— E ela me perguntou por quê você não atende seu celular. Eu disse que não sabia, que só cuido do telefone do escritório. Ela começou a chorar e me perguntou se você está saindo com alguma... "vagabunda". — Falo essa palavra mais baixo, fazendo as aspas com as mãos. Tento com todo meu esforço fazer essa mensagem sair como qualquer outra mensagem de trabalho.
Tive a impressão de que Bauer quis rir com isso.
Alina é a terceira mulher que corre atrás de Bauer desde quando entrei aqui. A terceira em cinco meses. No entanto, é a primeira que chora e me faz perguntas sobre ele das quais não sei responder. "Por que ele não gosta de mim?" e "Ele tem outra?" estão fora da minha competência como secretária.
Honestamente, não sei nem o que veêm nele. Essa era a pergunta que eu queria fazer a elas: "Por quê vocês correm tanto atrás desse homem que nem liga pra vocês, suas malucas?"
Okay, okay, ele é charmoso e tem dinheiro. MAS ele parece ser o tipo mais frio de homem para se ter ao lado. O tipo mais chato. Pelo menos para mim.
Não sei qual tipo de mulher gostaria de mantê-lo para si, especialmente depois das botas que ele lhes dá. Também não o imagino sendo romântico ou atencioso. Aliás, o pensamento em si é quase cômico.
De qualquer forma, quanto mais ele pisa e ignora, mais elas ligam para mim, mais elas enchem o meu saco fazendo perguntas e tentando me transformar em algum tipo de aliada para espiá-lo.
Tô fora.
— E o que você respondeu a ela? — Bauer pergunta, mãos nos bolsos.
— Eu disse que não sabia aonde você estava nem quando voltaria. Ela chorou e falou um monte de coisa que não consegui entender e desligou na minha cara. Foi muito agradável. — Relembro sarcásticamente.
O canto da boca de Bauer segura a risada que ele quer soltar ao ouvir isso. Ás vezes ele quer rir das coisas que falo e o pego se segurando. Me pergunto por quê.
— Deve ser divertido trabalhar pra mim. — Ele escora as costas na porta de sua sala, cruzando os braços.
Vou abrir um consultório exclusivo para suas ex-namoradas, Bauer. Vou ficar rica.
— Se quero ser psicóloga, essas ligações são um ótimo treino.
Bauer resfolga e inclina a cabeça.
— Não ofereça consultas de graça, Moralles. — Ele também me chama pelo sobrenome. Nossa pequena idiosincrasia. — Na próxima vez que ela ligar, sinta-se a vontade pra não atender. E se atender, pode desligar na cara. Não há nada entre nós e já deixei claro que não quero que me ligue. Especialmente aqui, no trabalho. Se ainda liga, o problema é dela. — Desligar na cara de todas elas? Quase perguntei. — De qualquer uma delas. — Ele responde sem eu precisar perguntar. Ele faz isso ás vezes e me dá um negócio.
— Mas, Bauer... não posso fazer isso. — Não que eu não queira desligar na cara delas.
— Por quê não? — Bauer desfaz sua pose e entra em sua sala. — É exatamente o que faço.
Ele diz e fecha a porta.
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