Aventura em Ação: Meliora
Num escritório com vista para os contrastes da cidade de Nova Tirrent, uma mulher enfezada procrastinava o trabalho que tinha sobre a secretária, a cabeça a abarrotar de preocupações. Depois de um par de horas desperdiçadas, um bater na porta metálica arrancou-a duma espiral de conjeturas e hipóteses. Subitamente alerta, abandonou os formulários que precisavam da sua autorização para ontem, dirigindo toda a sua atenção ao subordinado recém-chegado.
— E então?
— Ela está bem, Diretora. Está viva.
A mulher passou as mãos na cabeça, respirando de alívio.
— E conseguiram mais informações?
— Sim — disse, estendendo um pequeno tablet. — Meliora tem 32 anos e é membro do clã Midi. É das raras descendentes dos Haviz que saiu das Ilhas Meridionais, já que eles vivem há séculos em reclusão e harmonia com eles próprios. Os seus 1.77 metros de altura podem induzir em erro, mas a tez parda, os volumosos cabelos de ébano, atualmente curtíssimos, os olhos claros e a polidactilia central nas mãos não enganam ninguém quanto às suas raízes: é definitivamente descendente dos gigantes do arquipélago flutuante.
A Diretora assentiu, seguindo a descrição através das linhas do relatório escrito. Aquilo não lhe era grande novidade.
— Para além da sua habilidade com o martelo de plasma, é boa atiradora, apesar de não gostar de tirar a arma do coldre. Pertence à guilda de tarefeiros de Nova Tirrent, sendo tão eficiente quanto versátil. Aceita desde requisições mundanas até às mais perigosas. É conhecida nas vielas por ser carrancuda e desconfiada, mas irremediavelmente idealista.
O homem, mais velho que a Diretora, refreou a adenda de que os ideais matavam por aquelas bandas e que tinha sido pura sorte Meliora ainda não o ter descoberto em primeira mão. A mulher podia ser engenhosa, mas constava que já tivera mais remendos no corpo do que os recomendados. Claramente tinha um instinto de autopreservação em falta.
— Sabemos que tem andado a consumir cada vez mais Ster — continuou o subordinado, referindo-se à principal droga na cidade. — Os primeiros contactos foram recreativos, mas parece-nos que está em risco de ser algo mais. A mulher não toca em álcool, mas passa bastante do seu tempo livre a encontrar novas formas de "acordar".
A Diretora estremeceu, exteriorizando repulsa. Ster era uma praga cada vez mais incontrolável.
— Ela tem afinidade com o plasma?
— Sim, como todos os Haviz. Eles são os principais produtores, é natural que sintam o plasma de uma forma distinta.
— Temos ideia do que pode acontecer à sua afinidade com o abuso de Ster?
Um encolher de ombros acompanhou a resposta do subordinado.
— Não. Os especialistas estão cépticos quanto à hipótese de poder haver uma potenciação semelhante à que acontece com os outros sentidos, mas sem testemunhar as consequências do consumo e sem precedentes semelhantes, não conseguem opinar com fundamento.
Suspirando, a Diretora encarou de novo o relatório.
— Meliora teme alguém ou alguma coisa? Algo que possa ser utilizado para a manipular?
— Que nós saibamos, não. Tem aversão a álcool, a felinos e a motas, mas não lhe conhecemos nenhum medo particular. Apesar de suspeitarmos que possa ter alergia aos felinos. Ou talvez algum tipo de trauma, dada a veemência com que os evita.
— Mais alguma coisa?
O subordinado assentiu.
— Os nossos espiões ouviram uma conversa de madrugada. Parece que Meliora está grávida e não se lembra de nada desde que saiu do arquipélago flutuante há 4 anos.
A Diretora estreitou os olhos para o arauto diante de si, em descrença, antes de voltar a atenção para o relatório digital, folheando a transcrição da conversa ouvida e as fotografias clandestinas. Parecia, acima de tudo, intrigada com aquele pedaço de informação.
— Quem é o homem que está com ela? — inquiriu, evitando a pergunta redundante sobre a causa da amnésia. — É o pai da criança?
O subordinado esticou levemente o pescoço, num ato contínuo, para confirmar qual o alvo da curiosidade.
— Não. É o irmão mais novo, Hesiod. Veio atrás dela porque, aparentemente, estava incomunicável desde que abandonou as terras do clã.
— Irmão de sangue? — estranhou.
— Assim parece. Como chegou recentemente a Nova Tirrent, sabemos pouco mais do que aquilo que pudemos ouvir e inferir desde ontem.
A Diretora encarou-o.
— Não o conseguimos ver sem o manto que o cobre da cabeça aos pés, mas se os traços visíveis, semelhantes aos da irmã, não fossem já indicação suficiente, a altura que estimámos em pouco mais de 2.10 metros denuncia-o claramente como um Haviz.
Ela tornou a estudar a fotografia mais nítida do molhe, em que o encapuzado Hesiod, sentado no catre onde a irmã estava deitada, espremia o tronco da mais baixa com óbvia saudade, talvez até preocupação. A face dela estava enterrada no meio do peito largo do irmão, que se curvava para assentar o queixo no cocuruto da cabeça de Meliora.
— Vai ser difícil imiscuir-se em Nova Tirrent com todo este tamanho...
— Talvez não tanto... — ripostou o subordinado. — Para quem exala plena força bruta, os nossos analistas acharam Hesiod uma pessoa bastante cautelosa. Afinal, estivemos todos na cauda de Meliora, mas só demos por ele quando entrou em contacto direto com ela. Talvez seja mais discreto do que aparenta.
A Diretora reprimiu desagrado. Aquilo soava-lhe a desmazelo da sua equipa, mas ficaria para depois.
— Mais alguma informação relevante?
— Sabemos que manuseia manoplas-pistola e parece estar ligado à produção e comércio do plasma. Contudo, ainda não nos foi possível descobrir mais nada.
A Diretora cofiou o queixo, mergulhando em cálculos mentais e ponderações.
— Tudo bem. Mantenham-no debaixo de olho, só por precaução, mas informem-me de todos os movimentos de Meliora. Até ordem em contrário, ela continua a ser a nossa única prioridade — ordenou, pousando o aparelho que tinha nas mãos.
— Com certeza.
O subordinado saiu com uma vénia de cortesia, deixando-a sozinha para ignorar o trabalho em mãos e espiar a negra e moderna cidade lá em baixo, como se os seus olhos pudessem prescrutar os obstáculos para encontrar os dois Haviz no meio de transeuntes, edifícios e néons.
— Que farás agora, Meliora?
996 palavras
Hesiod e Meliora. Figuras autorais geradas através do website Hero Forge
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