01. Ji Woo
A coisa mais difícil sobre o luto é que a dor e a saudade esmagam seu coração nos momentos mais inesperados. Semana passada foi o aniversário de Song Min, e por mais que fosse difícil, passei o dia bem. Não chorei nenhuma vez. O visitei, levei flores e conversei com ele, até mesmo consegui rir quando lembrei do nosso primeiro encontro.
Alguns dias depois — quando Ga Eul insistiu em fazer uma limpeza de verão — encontrei uma das camisas dele perdida em meio as minhas roupas e desabei. Fiquei meia-hora encolhida no canto, chorando agarrada a camiseta como se ela fosse meu colete salva-vidas. Por que foi a que ele usou quando me pediu em casamento.
Com Tae Hyung é diferente. O visito diariamente e converso com ele, conto como vão nossos planos para ajudá-lo e peço que aguente só mais um pouco. Por que sei que vamos conseguir trazer ele de volta. É só uma saudade branda, porque sei que nos encontraremos em breve.
— Mamãe acha que você é namorada do meu oppa — Ah Reum diz enquanto mastiga um pedaço de maçã.
Ela parece muito melhor agora, sua pele está mais saudável e corada e sem aquele aspecto pálido e doente de antes. Tem dias que chego aqui e está até mesmo um pouco maquiada, com a desculpa de que tem que recuperar a prática para quando se encontrar com Deok Soo cara-a-cara pela primeira vez. Agora Ah Reum quer importunar ele em pessoa.
Eu, ahjussi e Ga Eul ainda não nos acostumamos com o verdadeiro nome dela — An Na — e tem sido um pouco difícil nos adaptarmos. Ela diz que gosta muito mais de Ah Reum e pretende dar entrada na mudança assim que sair do hospital. Alguns jornalistas têm se amontoado na frente da casa dela e os nomes dela e de Tae Hyung estão por toda a parte. A promotoria está esperando a alta dela para a data do julgamento ser definida, assim ela pode testemunhar.
De todo modo, ela acha que o nome An Na está amaldiçoado e não quer viver com o peso dele depois que tudo isso passar. Essa é a única decisão dela com a qual a mãe dos dois parece concordar.
A brisa está um pouco fria hoje, mas faz bem para Tae Hyung tomar um pouco de ar. Coloco suas mãos dentro da coberta e puxo o pano até a altura do pescoço. Sento na beirada da cama dele e volto a olhar para ela.
— E o que você disse?
— Que é mesmo — Joga outro pedaço de maçã na boca. — E nem me olhe assim, era namorada ou esquisitona obcecada pelo meu irmão. Minha mãe está traumatizada com o acidente e se você não fosse a detetive que prendeu quem nos atacou, ela já teria te denunciado.
— E ela acreditou nisso? Que estamos namorando?
— Claro que sim, graças as minhas habilidades de atuação — ela joga uma mecha do cabelo castanho por cima do ombro. — Disse que vocês se conheceram na faculdade e se esbarram pela primeira vez enquanto você procurava a sala do Na Moo — ela olha para o canto da parede, como se estivesse assistindo tudo desenrolar na frente dos seus olhos. — Oppa era apaixonado por você, mas você estava noiva e ele ficou sem opções além de esconder seus sentimentos, mesmo que isso o machucasse. E então, seu noivo estava morto e ele não hesitou em ir ao seu socorro!
— Ela acreditou mesmo em você?
— Calada! — ordena e volta ao seu tom sonhador. — Vocês se apoiaram nesse momento tão difícil e os sentimentos que cresceram em seus corações foram inevitáveis. Mas você não podia ceder a eles em nome da memória do seu grande e falecido amor, e então vocês brigaram. Oppa se afastou e você não ficou sabendo do nosso acidente por que Na Moo estava te enganando. O resto, bom, é história...
Ela joga um pedaço de maçã na boca e me olha, bastante orgulhosa de si mesma.
— Você como escritora é uma ótima fantasma. Foi a pior história que ouvi.
— Sabe qual a melhor parte? É baseada na sua vida! — ela ri.
No final, foi melhor que ela mentisse, mesmo sendo uma mentira horrorosa dessas. No lugar da mãe deles eu também ficaria preocupada. Nos primeiros dias em que apareci, chorando depois do vaso de lilases que ele deixou para mim, de duas uma: ou eu era uma namorada a maluca que o persegue por aí. Se Ah Reum não me conhecesse, acredito que a mãe dele acreditaria na segunda, mesmo eu sendo uma detetive. Ainsa mais com o que saiu nos noticiários.
Desde que Na Moo foi indiciado minha cara tem aparecido diariamente nos noticiários. Não sei como, mas conseguiram imagens nossas na época da escola, em antigas cenas de crime. A mídia está caindo com peso em cima do Chefe Kwong, já que o assassino era parte da equipe dele.
Ele recebeu uma punição até que leve para as proporções do ocorrido, em parte porque fomos nós dois que descobrimos. So Min me contou que a liderança do departamento de crimes violentos vai ser dividida entre ele e um novo detetive. Serão parceiros.
Na última mensagem que recebi, ele ainda não havia chegado, mas Chefe Kwong já estava no segundo maço de cigarro do dia.
— Noona — Ha Neul chama e estende um pacote de salgadinho para mim. — Ajuda.
Sorrio e vou até ele. Pego o saco de batatinhas da sua mão, devolvendo aberto em poucos segundos. Ele senta novamente nos pés da cama de Ah Reum e come, enquanto assiste seu desenho no meu celular.
— A última pessoa que alguém consideraria como babá — Ah Reum zomba e soco sua perna de leve. — Ei, não se bate em pacientes!
— Seu ferimento não é na perna — argumento e ela mostra a língua antes de jogar mais um pedaço de maçã dentro da boca. — Ouvi sua mãe dizendo que logo você vai receber alta. O que pretende fazer?
Ela suspira e seu olhar se perde em algum ponto do chão, enquanto mastiga a maçã. Quando engole, volta a me encarar.
— Primeiro vou ajudar como puder a trazer o oppa de volta, depois... — ela encolhe os ombros. — Ainda estou pensando nessa parte. Talvez, eu volte para a faculdade. Ah, não sei, não sei! — diz exasperada coçando a cabeça e fazendo os fios de cabelo voarem em todas as direções. — Primeiro, tenho que sair daqui.
Eu assinto, eu mesma ainda tenho pesadelos com o tempo que passei no hospital. Sem falar que mesmo com Ga Eul trazendo amuletos e fazendo orações, a vibração desse lugar é péssima. Principalmente do quarto 403, que fica na metade do corredor. Passamos ali juntas, quando levamos Ah Reum para tomar um ar fresco e a porta estava aberta. A energia foi avassaladora como um soco nô estomago. Parecia ter um peso vindo de lá, como se alguém se pendurasse em nós.
Nem mesmo olhamos para ver o que tinha ali dentro, seja quem for esse fantasma, é bom que ele não saiba que podemos vê-lo.
— Tem dormido?
— Um pouco, quando minha mãe não arranca os amuletos sem que eu esteja vendo — Ela enrola os fios longos em um coque baixo e prende com um elástico de cabelo que tem no pulso. — Ela não acredita, vai lá e arranca. Ontem não preguei os olhos, tinha um senhor mal resolvido andarilhando pelo quarto. Ficou a noite inteira explicando como mataria a própria esposa.
— Ele viu você?
— Não, mas por pouco que não levantei e comecei a gritar com ele. Sinceramente... — ela pega o último pedaço de maçã e reclama de boca cheia. — Será que é demais querer uma noite tranquila?
— Em um hospital? Quando consegue ver fantasmas? É sim.
...
Ha Neul espera impacientemente que eu termine de trancar o carro. Pego sua mão e caminhamos até o café da Ga Eul. Fica perto do fim da rua.
Nosso tempo está cada vez mais curto, pelo o que ahjussi disse temos pouco mais de uma semana, talvez duas. E não estamos nem perto de encontrar o pai da Ga Eul. Ela até tentou falar com o avô, mas parece que faz meses que ele não escuta falar do próprio filho. Assim como faz anos que ela não conversa com o próprio pai.
— Oi — a voz de Ha Neul chama minha atenção e olho para ele no momento em que acena para um fantasma.
De novo, não.
O homem de meia-idade o encara, perplexo. Os olhos escuros arregalados. Suspiro. Tem sido assim há um bom tempo e mesmo que eu diga a ele para não falar com fantasmas, seu senso de educação parece ser mais forte. Semana passada uma moça na casa dos trinta nos perseguiu por horas, por causa dele.
— Você pode me ver?
— É, ele pode — digo e seus olhos se arregalam ainda mais, ajeito a mochila de Ha Neul no meu ombro e o pego no colo. — Mas ninguém aqui pode ajudar você.
Ha Neul segura minha camisa com as duas mãozinhas e dou as costas para o fantasma. Vou com passos rápidos em direção ao café. Claro, isso não o impede de nos seguir.
— Não vou machucar o garoto.
— Sei que não — digo e o encaro. — Se fizer eu mesma te mando direto pro limbo.
A ameaça normalmente funciona e os mais fracos se afastam assustados. Mas esse aqui é persistente e corajoso o suficiente para me seguir como quem não ouviu nenhuma palavra.
— Por favor, preciso de ajuda.
— Não posso ajudar.
— Nem sabe o que vou pedir!
Paro na entrada e coloco Ha Neul no chão, abro a porta e o empurro para dentro. A movimentação chama a atenção de Ga Eul, que está limpando uma das mesas. Olho outra vez para o fantasma.
— Você quer que eu encontre alguma pessoa?
— Bom... é.
— Não.
Tento entrar no café, mas ele se enfia bem na minha frente. O susto me faz recuar ao invés de passar direto por ele. Tem algumas pessoas passando na rua, mas minha irritação é tão grande dessa vez que não me contenho:
— Ahjussi!
— Você é mãe, sei que está preocupada com o seu filho, é louvável — fala com um sorriso ansioso. — Sei que uma pessoa tão devotada à maternidade, deve ter carinho suficiente nesse coração para ajudar os mais velhos.
O sorriso fica colado em seu rosto, seus olhos se movem com rapidez formando um triângulo ao analisar minha expressão. Como não reajo, ele joga a cartada final:
— Poderia ser o seu pai no meu lugar, não iria gostar que o ajudassem?
— Não.
O empurro para o lado, entro no café e tranco a porta. Ele até tenta me seguir, mas o feitiço o repele no mesmo momento e o joga longe, vai parar no meio da rua. Não é por mal. Agora não tenho tempo e toda vez que ajudo um fantasma, acaba sendo um problemão para mim.
— Quem era? — pergunta, com Ha Neul abraçando sua cintura.
— Alguém aqui falou outra vez com fantasmas na rua. Não adianta se esconder atrás da Ga Eul, não — O puxo pela barra da camisa e me abaixo, assim ficamos cara-a-cara. — Qual foi o combinado?
Seus olhos miram seus sapatos escuros e ele fica brincando com a barra da camiseta do super-homem. Sua voz é quase inaudível quando murmura:
— Não falar com fantasmas...
— Então, por que falou?
— Ele tava tristi! — argumenta.
— Não importa, Ha Neul, temos um combinado: não falar com estranhos e muito menos fantasmas, porque... — giro a mão no ar, pedindo que ele continue a frase.
— ...porque é perigoso.
— Isso mesmo. O Polvo Ahjussi é um fantasma bom, mas nem todos são assim e com os humanos é a mesma coisa. Por isso, temos que nos cuidar. Entendeu?
Ele balança a cabeça para cima e para baixo. Me levanto e bagunço seus cabelos. Assim que o deixo ir desenhar, ele some para os fundos da cafeteria e senta em uma das mesas.
Só quando o assunto está resolvido paro para notar o mais novo look da Ga Eul. Uma saia tubinho de cintura alta, camiseta de manga longa e gola alta e salto altos. Todas as peças em um tom vibrante de verde-limão.
— Que isso? Assaltou a feira?
— Não seja tão dura com ele — Ga Eul me ignora —, ele ainda é novo e não foi tão exposto a fantasmas perigosos. É complicado para ele entender.
— Mesmo? E desde quando ele te contratou como advogada dele, Miss Alface?
— Desde que você virou a personificação da implicância. Você não se cansa de ser chata?
— Você é tão insuportável que ser chamada de chata por você é um elogio! — devolvo, tirando a bolsa atravessada no corpo e colocando em cima da mesa.
— Ya! — Aponta para minha bolsa — Tira isso daí, acabei de limpar essa mesa!
Meu telefone começa a tocar e isso é como um gongo anunciando o final do primeiro tempo da nossa discussão. Puxo o celular do bolso do casaco e assim que reconheço o número, solto um resmungo enfurecido. Como esse idiota conseguiu meu número novo?
— Oi, noona! Como vai?
— Como conseguiu meu número novo?
Ignoro as perguntas de Ga Eul sobre com quem estou falando e aponto para Ha Neul. Ele está com uma mania de se equilibrar na beirada das coisas, como se fosse algum ginasta olímpico e mata So Min de preocupação todos os dias.
— Eu vou bem também, fiz novos amigos, terminei três livros essa semana e... ah! Comecei uma rotina de exercícios!
— Guarda isso para sua terapeuta, tenho cara de quem quer ouvir sobre sua rotina na prisão?!
— Depois de tantos dias sem nos falarmos e é assim que você me recebe? — seu tom magoado me faz revirar os olhos.
— Não costumo manter contato com aqueles que tentam me matar — relembro, parece que ele se esqueceu do nosso momento no telhado.
— Mas é aí que tá, noona — Fala mais baixo usando aquela sua voz alucinada para falar das teorias que criou em sua própria cabeça. — Não fui eu, foi aquele fantasma.
Ele tem me ligado nas últimas semanas com o mesmo o papo. Está obcecado com Tae Hyung e com a possessão que aconteceu no telhado, me fazendo querer acreditar no mesmo que ele: não queria me machucar, foi tudo culpa da possessão. Acha que pode apelar para isso no tribunal, assim como aconteceu em alguns casos no exterior envolvendo espíritos e possessão. Como das outras vezes, desligo na cara dele e bloqueio o número.
Enfio o celular no bolso da jaqueta e me aproximo do balcão onde Ga Eul prepara um lanche para Ha Neul. Sento em um dos bancos e apoio os braços na madeira.
— Algum sinal do ahjussi?
— Não o vejo desde ontem a noite — Ela lambe o polegar sujo de glacê de chocolate. — E Ah Reum?
— Pediu mais amuletos, a mãe dela tá arrancando e jogando fora enquanto ela não está vendo, o quarto fica cheio de fantasmas a noite.
Ela assente e joga o cabelo para trás.
— Vou passar lá a noite e levar mais alguns. Talvez colocar mais perto do teto, a mãe dela é baixinha e se colocarmos muito alto, não tem como arrancar — sugere.
— Parece uma boa ideia.
Ajudo ela a terminar de limpar as mesas. Abrimos o restaurante assim que Yuri, sua nova funcionária de meio período, chega. Ha Neul fica na cozinha enquanto Ga Eul prepara algumas sobremesas e cuido das mesas com Yuri. Quando o telefone do café toca, sou a que está mais perto, então corro para atender.
Me estico por cima do balcão e pego o telefone do gancho:
— Alô?
— É do café da vidente?
A voz rouca parece a de alguém que fuma há muitos anos, exatamente como prevejo que a voz do Kwong vai acabar ficando. Me estico outra vez, ficando na ponta dos pés e pego o caderninho rosa de Ga Eul, já me preparando para marcar mais uma de suas consultas.
— Sim. Quer marcar horário?
— Quero falar com a dona.
— E quem é? — pergunto.
— Hyun Woo.
Deixo o telefone sobre o balcão e entro na cozinha. A primeira coisa que chama a minha atenção — e me distrai momentaneamente — é Ha Neul com as mãos meladas de tinta, assim como os braços e o rosto. Tem tinta espalhada por toda a mesa dela, porque ele está brincando de ser chefe de cozinha. Faz um montinho de farinha de trigo, joga tinta em cima e amassa tudo junto.
Quando Ga Eul percebe o que está acontecendo atrás dela, seus olhos quase saltam para fora.
— Ha Neul! Onde a noona trabalha, não! — reclama e me olha aflita. — Dá para me ajudar aqui?!
— Um tal de Hyun Woo está no telefone querendo falar com você.
Sua expressão fecha. Ela larga a panela no fogo, Ha Neul e as tintas e some de dentro da cozinha. Levo um tempo abaixando o fogo — e ficando de olho para não queimar — e limpando Ha Neul na pia da cozinha, ele acabou pintando até uns fios do cabelo. Ele promete limpar sozinho a mesa, então cuido da panela — observando para ver se está limpando certinho.
Ha Neul está quase terminando quando ela entra na cozinha. Pede que eu vá para o lado e assume novamente o fogão. A primeira coisa que faz é aumentar o fogo.
— O que aconteceu?
— Tem duas notícias — avisa. —, uma boa e uma ruim.
— Ruim primeiro.
— Era o meu pai no telefone.
Fico desconfiada porque isso é algo ótimo, mesmo que Ga Eul esteja com cara de enterro porque não gosta do pai dela. Passamos um bom tempo procurando ele e encontrar é estar mais perto de salvar Tae Hyung.
— Isso é ótimo! Qual é a boa?
Lembrar é o suficiente para fazer seu rosto brilhar. Com um sorriso do tamanho do Rio Han ela revela:
— Ele está preso!
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