Você precisa correr ♡ Capitulo 60

A alta era tudo que eu precisava, e finalmente estava prestes a ser liberada após dias de recuperação no hospital. Mas não foi um processo simples; exames intermináveis, recomendações escritas, uma lista de remédios, e um encontro esperado com os policiais, que aguardaram apenas a autorização do médico para me visitar. Gustavo já havia dado seu depoimento sozinho e, juntos, detalhamos toda a nossa experiência — cada detalhe das mais de vinte e quatro horas que passamos juntos.

Ouvir Gustavo contar tudo o que passou desde o começo foi difícil, mas permaneci ao lado dele o tempo todo. Foi nesse depoimento que o caso do meu irmão foi oficialmente reaberto, agora conectado ao nosso, e a revelação chocou a todos: duas vítimas da mesma família e um único culpado. Augusto foi preso em flagrante pelo FBI, mas Gustavo garantiu que conseguiu provas contundentes sobre o que realmente aconteceu no acidente do meu irmão.

De volta ao quarto, recebi mais visitas do que esperava. Familiares, amigos, e até colegas da escola que não imaginava ver. Michael ligou da Alemanha, e, ao contrário do que eu pensava, Gustavo não demonstrou nenhum incômodo com a ligação. O médico estava aguardando os últimos exames para me liberar, mas tudo indicava que passaria mais uma noite ali. No entanto, com Gustavo ao meu lado todas as noites, a espera se tornou mais fácil. 

Meus pais e amigos se revezavam durante o dia, e Mary continuava trazendo comidas escondidas, fugindo da dieta restrita do hospital. Aquela noite, Gustavo ficaria comigo, e Alex viria no dia seguinte para passar o dia. Nós dois passamos o tempo assistindo a um filme na cama estreita.

— Acha que o médico vai aparecer de novo? — Gustavo sussurrou, com o braço sob meu pescoço, criando uma sensação de segurança e conforto. —Ele é um chato, nossa.

Ele vestia um moletom e meias listradas, parecendo completamente à vontade. Apesar disso, ele ainda tinha um leve receio de ser expulso da cama como acontecera antes, e eu sabia que ele estava se controlando para não confrontar o doutor.

— Você sabe que não tem razão para brigar, né? — sussurrei, olhando para nossos braços entrelaçados. — Como está aguentando passar todas as noites em claro? Agora vai me contar o que armou para o Augusto? — minha voz saiu em um tom de desafio.

Gustavo prometeu me contar tudo após ter cabeça para falar com os policiais, o que aconteceu hoje. Tivemos horas de depoimento aqui no quarto, foram horas revivendo os fatos e sei que isso é extremamente pesado. Quando o depoimento acabou, Gustavo pediu para tomar um ar e voltou muitos minutos depois.

— Como você faz tantas perguntas ao mesmo tempo? — Gustavo me lançou um olhar de lado, e eu respondi com um sorriso provocador. — Primeiro, eu tenho razão, quero ficar ao seu lado e ele quer me barrar. — disse, com confiança — Segundo, eu nunca dormi bem de verdade, então isso não é novidade. E terceiro, sim, eu vou te contar.

Gustavo respirou fundo, e me encarou.

-Quando resolvi não desistir sabia que ele ia fazer algo, então sabe aquela corrente que te dei e usei uma? -Ele perguntou e consenti. -Por aqueles dias mandei fazer as duas e na minha tinha um micro gravador, aquela bolinha preta. Então quando coloquei no pescoço comecei a tentar fazer com que ele falasse, ele nunca saberia que haveria um gravador daquele tamanho. -Ele me encarou e sorriu. -No galpão induzi ele a falar tudo, ele falou tudo. E continuou falando quando disse que nos mataria, quando falou que não salvou o Andrew por que não quis e tudo. -Arregalei os olhos e degluti seco. -Ele confessou tudo baby, não tem defesa alguma.

Um gravador? Então tudo estava sendo gravado desde então? Gustavo não é só um rosto bonito, ele é extremamente inteligente e pensa rápido.

— Gustavo, tudo foi gravado? Tudo mesmo? —Sentia meu corpo aquecer, e meu coração batia tão rápido que parecia estar prestes a explodir. 

Ele assentiu com um sorriso largo.

— Tudo mesmo, tudinho. — Seus olhos brilharam — Mas, honestamente, eu não planejava ser sequestrado nem fazer você arriscar sua vida desse jeito. Quem mandou você aparecer lá? Eu nem te convidei para o meu sequestro! Que falta de educação, hein? — Gustavo me encarou, fingindo uma expressão brava, mas era evidente o quanto ele estava se divertindo.

Aquela maneira dele de misturar humor com momentos tensos era única, como se pudesse fazer até a situação mais sombria parecer menos assustadora. Senti meus lábios se curvarem em um sorriso, mesmo com o nariz ardendo e a ameaça das lágrimas querendo escapar.

-Meu coração mandou, tive medo de perder você. O que eu iria fazer? Ficar viúva assim? Meu aniversario chegaria e não passaria com você? -Encostei minha cabeça em seu ombro e senti sua mão em meus cabelos. -Nossas noites também foram gravadas? Tipo o barulho... -Sem o encarar sanei minha duvida e fiquei com vergonha ao ouvir sua risada.

— Você está preocupada com isso? — Ele virou meu rosto, e fechei os olhos. — Não vai me perder, não pense nisso. Eu que quase fico viúvo. — Ele beijou meu nariz e minha testa.

Óbvio que me preocuparia com isso. Afinal, na mesma noite ficamos juntos, e a polícia ouviria tudo?

— Claro que me preocupo, nossas intimidades. Nossos momentos salientes e quentes... A polícia vai ouvir tudo! E já pensou meu pai ouvir, Gustavo... — Ele riu na minha cara e demorou a parar, o rosto vermelho.

Mas sua risada era contagiante e engraçada, me deixava feliz, mesmo que eu ficasse brava. Quando ele tinha crises de riso, normalmente fechava os olhos, e suas bochechas ficavam maiores.

— Acha mesmo que eu deixaria alguém ouvir você? É tão sexy... — Corei de novo, e sabia que continuaria assim por um bom tempo. — Está bem, nós. Não deixaria ninguém nos ouvir. — Olhei para ele, querendo ter coragem para dizer que estava com saudade. — Aquele gravador foi acionado por um aplicativo, fiz isso quando notei que estava sendo seguido. Nossas noites serão sempre só nossas. — Sorri, e ele fechou meus olhos com a mão gelada.

Talvez meu olhar o tenha deixado sem jeito — algo raro. Mas estava tudo bem, e eu estava tão orgulhosa dele que mal conseguia expressar. 

— Você deu justiça ao meu irmão, obrigada por isso. Nunca foi conseguir ser grata o suficiente!— Me aconcheguei em seus braços, sentindo uma paz rara. — Passei tantas noites mal por não ter um culpado, era horrível ninguém pagar por isso. Você não imagina o quanto isso tirou um peso dos meus pais. — Suspirei, realmente aliviada.

— Estamos quites, pra sempre — disse ele. — Vou fazer tudo que puder para que você nunca mais se sinta daquela forma. É minha missão no mundo. — Ele encarava a televisão e nem reclamou da cena romântica. — E qual será sua missão?

Gustavo era doce. Falava coisas bonitas aleatoriamente, e mesmo após tantos meses, ele ainda me surpreendia.

— Minha missão será aguentar seu chulé e fazer você dormir todas as noites. — Falei, e ele levantou os pés grandes.

Ele nunca aceitaria tal acusação.

— Eu não tenho chulé, nem de longe. — Ele se levantou, mas o puxei de volta. — Nunca poderá me acusar disso, meus pés são limpos.

Ele sempre ficava irritado ao ser acusado de ter chulé, e, na verdade, nem tinha. Estava cada vez mais difícil encontrar defeitos no ser ao meu lado: ele era simpático, prestativo, romântico, acolhedor e completamente cheiroso. Mas vê-lo bravo também era engraçado.

— Fica quieto aqui, senão te empurro da cama. Acho que hoje é minha última noite aqui. Esse canal é péssimo, esse filme é muito dramático. — Apontei para a televisão. — Seu pai me prometeu uma enorme festa na piscina. — Falei, e ele me encarou.

Eu realmente estava animada para isso.

— Foi? Ainda não me acostumei com ele desse jeito, mas confesso que estou gostando. Fomos ao shopping, e ele comprou algumas roupas joviais e coloridas. Quase me forçou a comprar também. Cores vibrantes não me agradam, meu estilo é mais "garoto mal e super estiloso". — Ele balançou a cabeça, e eu o abracei mais forte.

Era evidente que o pai dele estava se esforçando, com certeza não seria fácil compensar os anos perdidos e todos os momentos também... mas confesso que, me colocando no lugar do Gustavo, eu entendo que essa mudança toda deve ser um pouco surpreendente, mas agora era a vez dele se esforçar e ajudá-lo a conseguir.

— Sim, você é estiloso, mas nada de garoto mal; você é um ursinho fofo. — Arrumei seu cabelo, e ele bufou. — Mesmo sendo chocante, ele está se esforçando. Ajude-o... não é tarde demais, e antes tarde do que nunca. — Falei seriamente, e ele me encarou. — Sabe se há algo de errado com a Emma? O Alex não está conseguindo contato com ela.

Sim, eu estava preocupada. Emma se preocupou comigo, esteve aqui mesmo sem ser minha amiga e provavelmente ajudou Alex em momentos infernais para ele. Mas em uma das visitas dele, o mesmo comentou que a loira estava mais ausente e mal atendia suas ligações. Alex disse que não poderia cobra-la nada, mas senti sua preocupação.

A relação de Alex com Emma pegou a todos de surpresa. Foi algo que, em toda a minha vida, nunca imaginei que aconteceria, mas sei que meu amigo está completamente envolvido, e, pelo que ouvi, ela também parecia estar. Não posso julgar e prefiro me abster de fazer isso; a única coisa que quero é que Alex seja feliz, seja com quem for.

— Emma... — Ele ficou pensativo e deu de ombros. — Até onde sei, não tem nada de errado com ela, mas a vida dela é muito complicada, com certeza ela não conta metade do que acontece. Ela estava aqui por você e pelo Alex... Ninguém sabe como aconteceu, mas eles se gostam. — Gustavo afirmou com segurança, e me senti um pouco mais tranquila.

-Tudo bem, coloca mais um pedaço de torta para mim. Está passando de meia noite, o medico não vem mais. -Sorri e ele levantou me fazendo encarar sua bunda. -Sabia que tem mais bunda que eu?

Gustavo caminhou até a pequena mesa rebolando e me fez rir, ele se agachou empinando e voltou a me encarar.

-Claro, alguém do casal tem que ter bunda. -Arregalei os olhos e foi a vez dele de cair na risada. -Tudo bem se essa pessoa for eu, querida.

Ele me deu o troco rápido. Não gosta quando encaro sua bunda ou a aperto, mas, ao invés de reclamar, me chamou de "sem bunda".

— Eu tenho bunda, sim, só não é assim... — Apontei para ele, vendo-o lamber os dedos sujos de calda. — Mas vou entrar na academia, ficarei gostosona. — Bufei, e Gustavo voltou a sentar ao meu lado.

— Você já é gostosona, confie em mim. Mas, se quiser ir, tudo bem. Estava pensando em me livrar da minha barriga saliente... — Ele levantou o moletom e mostrou sua dobrinha.

Gustavo não era sarado, ele tinha uma barriguinha que poderia ser apertada facilmente.

— Vamos juntos, então. — Falei, já comendo a torta da Mary.

— Depois o chiclete sou eu. — Ele soltou uma risada falsa, e percebi que mordi minha língua mais uma vez.

— Calado, foca na mulher caindo da escada. — Encarei a televisão. Era um filme que não conseguíamos entender, mas as pessoas viviam desmaiando, gritando e chorando. — E morreu. — Soltei uma risada quando a moça caiu no chão, e Gustavo me olhou intrigado.

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A noite passou rápido, ou pelo menos foi assim que me senti ao finalmente conseguir dormir a noite inteira. Talvez estivesse ansiosa demais para sair daqui, então fiz como quando era criança: dormi para o tempo passar mais rápido. Assim que amanheceu, senti o beijo de Gustavo em minha testa, infelizmente, ele precisava ir embora. Embora seu pai estivesse se esforçando para ser melhor, o garoto resolveu voltar às suas atividades no trabalho assim que estivesse mais forte, mesmo com seu pai cedendo mais dias de folga.

O relógio na parede marcava sete da manhã, e com toda certeza o médico passaria por aqui em poucas horas para me ver, recebi notícias do mundo lá fora e tudo parecia estar voltando aos trilhos. Alice estava treinando muito seus traços para desenhos mais delicados, Alex continuava ajudando seu avô pela manhã, meus pais tentavam voltar aos seus trabalhos e uma boa notícia era que, em breve, minha mãe marcaria o dia de sua cesariana. 

Tomei meu banho com a ajuda da Amy, que se recusou a dizer se conversou algo com o pai de Gustavo, mas óbvio que eu não poderia falar nada sobre isso. Não tínhamos toda essa intimidade. 

Batidas fracas na porta me tiraram dos meus pensamentos.

— Pode entrar. — Falei, e a porta demorou a ser aberta.

Emma entrou em silêncio, e não poderia estar mais surpresa com sua visita, nunca fomos próximas. Ela estava usando roupas simples, com uma bota de salto alto. A loira, sem animação, entrou e se sentou na cadeira ao meu lado.

— Oi... — Emma endireitou a coluna e respirou fundo. — Sua fisionomia não nega que está surpresa, fiquei muito preocupada com você, nos assustou. — Ela sorriu, sem graça.

Eu poderia confirmar, mas apenas sorri.

— Confesso que fico feliz pela sua visita e agradeço a preocupação... — Falei, fazendo-a consentir com a cabeça. — Está tudo bem? 

— Eu que preciso perguntar se está tudo bem, mas também preciso falar outras coisas. — Emma prendeu os cabelos e tirou sua bolsa do ombro.

Emma suspirou, como se fosse difícil encontrar as palavras certas. Ela se mexeu desconfortavelmente na cadeira ao meu lado, sua postura mais rígida do que o normal. Não sabia o que esperar, mas pelo tom dela, não seria nada ofensivo. Juro que não esperava mais isso dela, tivemos nossas desavenças no passado e sei que somos bem diferentes. 

— Estou me recuperando bem, o seu hospital não deixa nada a desejar. Mas pode falar, essa hora não tenho acompanhante. Aliás, o Alex chega à tarde, se quiser esperar. — Falei, mas não recebi animação por parte dela.

Por que eu estava com um péssimo pressentimento?

— Fico aliviada por você estar bem.... Primeiro, obrigada por salvar o Baker. — A loira baixou a cabeça, parecendo sem saber como continuar. — Também queria pedir desculpas por tudo no passado. Por nunca ter facilitado nada e por ser obcecada pelo seu namorado, meu amigo.

Arregalei os olhos e pisquei repetidas vezes.

— Eu sei que temos nossas diferenças Joanne, e sei também que nunca fomos as melhores amigas — ela começou, desviando o olhar. — Mas, depois de tudo o que aconteceu, sinto que talvez eu devesse ter sido mais... madura. Eu estive tão envolvida com meus próprios sentimentos que não percebi o quanto isso afetava vocês, me arrependo disso.

— Eu entendo e desculpo, Emma. — respondi por fim, tentando manter a calma. — Não é fácil lidar com tudo, e quem somos agora não é o mesmo de antes. Eu realmente aprecio suas palavras e depois de tudo que vem acontecendo, brigas bobas não merecem importância. Estou feliz por você e o Alex... Agradeço por ter ficado aqui com ele. 

Emma permaneceu em silencio por um tempo, talvez pensando no que falar.

-Joanne, quero te fazer um pedido, e preciso e prometa cumprir de imediato mesmo sem gostar de mim.

A loira me encarou mais uma vez e podia perceber sua respiração forte.

—Não pedindo meu namorado, pode pedir — Mexi um ombro ao brincar e ela negou de imediato gesticulando com as mãos — Então tudo bem! — Sorri

Talvez tivesse me precipitado em prometer algo sem saber do que se tratava, mas queria paz entre nós por todas as pessoas que estavam envolvidas, em especial pelo Alex

-Não quero o Gustavo, acabei bagunçando tudo e não me orgulho. -Ela suspirou e me encarou. -Eu estou indo embora Joanne. -Ela deixou uma lagrima cair e entrei em uma tosse frenética.

Como assim indo embora? E o Alex? Eles não estavam bem? A vida não me da um dia de paz?

— Como é? Você vai embora onde? Eu pensei que... — Meu ombro murchou e suas lágrimas começaram a cair — Não, fique aqui ao nosso lado!

Emma estava chorando sem se importar, ela parecia estar fora de si. O Alex não ficará bem, então ela nunca sentiu nada por ele? Com minha mão na cabeça, tentava processar todas as informações que recebi

— Pensou que eu gostava dele? — Ela sorriu — Eu me apaixonei pela primeira vez e foi por ele. Foi louco e pouco tempo, como uma explosão, e você não esperava, não é? Eu também não, o jeito com que ele fazia pouco caso das minhas birras, seu olhar doce e seus abraços inesperados... Eu gosto dele de verdade e talvez ele nem saiba disso, eu gosto dele de uma forma assustadora e feroz. — Ela suspirou e bufou — Não me julgue, não pense que sou a vilã!

Emma fez meus olhos encherem-se de lagrimas, ela estava falando sem parar e não parecia ter vergonha de revelar seus sentimentos. Mas se ela gostava dele, e ele dela... Por que motivo ela estaria fugindo? Fugindo dos próprios sentimentos? Deveria dizer a ela que isso é inútil?

-Não receberá julgamentos meus, só posso saber o porque? Para onde e quando vai? -Perguntei e ela buscou se acalmar. -Sabe que ele gosta de você não é? Ele não ficará bem, não faz isso. Podemos nos unir e resolver o que quer que seja, depois de sequestro e tiro o que vier é fichinha. -A encarei e recebi sua risada.

Talvez meu humor estivesse melhorando ou ela estava rindo de puro desespero?

-Estou indo hoje a noite. Por favor, para o bem dele não fala nada antes dessa noite. Eu estou fazendo isso por ele também, mesmo que não entenda nada. Estou fazendo por gostar demais dele, e saber que ele merece o mundo todo. -Emma me explicou e ainda não entendia. -Acho que nunca tomei uma decisão mais difícil que essa.

Ela me contou de todos os momentos que passou com Alex e do quanto ele a ajudou sem querer nada em troca. Ela falava dele com calma e se tornava pensativa em muitos momentos, Emma parecia estar indo contra si mesma. Não imaginava que os dois já teriam uma ligação assim e queria impedi-la de ir

— Por que me contou? — Perguntei, ainda indignada — Se não posso te convencer a ficar...

— Contei porque sei que você será a única pessoa capaz de convencê-lo de que foi melhor assim. Mesmo sem saber os motivos, essa decisão foi a primeira que tomei sem pensar em mim. Foi a primeira vez que não pensei em mim mesma e no meu próprio bem, então... — Emma deglutiu e enxugou uma lágrima — Só não deixa ele ficar mal por muito tempo...

Toquei sua mão gelada, assustando-a. Eu não esperava minha própria atitude, mas não consegui me revoltar com sua decisão, embora não pudesse entendê-la. Emma voltou a apertar minha mão e senti um breve sorriso sair por seus lábios. Por que eu sentia que não era isso que ela queria? Não sabia o que falar para convencê-la do contrário, seus argumentos foram fortes e sinceros. Ela sabia a importância que tinha para meu amigo, mesmo em pouco tempo, sei que ele deixou isso claro.

Tudo o que queria era a felicidade das pessoas à minha volta, e por isso minha fama era de cupido. Talvez tivesse herdado isso da minha mãe, e me orgulho. Mas sobre Emma e Alex, não houve nenhum dedo meu, as coisas simplesmente aconteceram, como se realmente tivesse que acontecer, sem um porquê

— Se isso for te deixar em paz, respeito. Mas saiba que não está sozinha e saiba que farei de tudo por ele, só espero que seja feliz para onde quer que vá. E, se quer um conselho, mesmo sem me pedir: se for amor, ainda o amará aqui ou na China — Sussurrei, cabisbaixa — Porque não falou com ele?

Queria ajudar, mas não tinha como, a não ser por algumas palavras. Mas, como todos sabem, palavras são apenas palavras

-Não consigo encara-lo Joanne, por que ele sempre me faz ceder e provavelmente não sabe disso, confesso que nunca o deixei saber por medo do que ele se tornaria dentro de mim, como de fato se tornou. Precisei de muita coragem para fazer isso, apenas creia. -Emma me explicou e consenti. -Foi como ganhar algo valioso e ter que deixa-lo por muitos bens, menos o meu. Parte de mim o quer, mas precisei aprender a me por de lado para proteger as pessoas. -Emma encarou as próprias mãos e suspirou. -Eu já vou, voos são imprevisíveis mesmo a noite.

Talvez fosse por isso que não a julgaria, mas vezes precisamos ir longe para proteger as pessoas. Mas do que ela protegeria o Alex? Seria seu pai atrapalhando o relacionamento? Isso não é coisa do século passado?

— Mesmo sem entender, vou respeitar sua decisão. Apenas se certifique de que não se arrependerá depois — Emma levantou e colocou sua bolsa no ombro — Podemos?

Abri meu braço e ela consentiu, logo me abraçando.

— Se despediu do Gustavo?

— Você foi a única sortuda para a despedida, acredite — Ela cochichou, e meu coração apertou — Não ache que eu mudei do dia para noite, pode soar como falsidade minha visita. Acho que irei permanecer em constante mudança por um tempo...

Pela primeira vez, nos abraçamos, deixando assim muita coisa para trás, coisas que hoje já não fazem mais sentido algum e parecem tolice. A loira e eu tínhamos tudo para sermos as rivais e inimigas da cidade, mas nunca foi isso que eu quis, e fico feliz por ter sido sua escolha também no final das contas. Emma me abraçou rapidamente e se afastou, ela esticou sua coluna, parecendo buscar coragem, e soltou um longo suspiro

— Emma... não acho falsidade, todo ser humano está em constante mudança e fico aliviada por isso. Às vezes conseguimos segundas chances... Quer que eu diga alguma coisa ao Ross, ou só que você partiu? — Sussurrei, e ela parou na porta ainda segurando o trinco

Ouvi Emma fungar e enxugar o rosto com o dorso da mão, ela ainda não tinha conseguido parar de chorar, meu coração estava do tamanho de uma pequena uva-passa. Por muito tempo achei que seria bom vê-la chorar e hoje me pego com o coração apertado. De fato, tudo entre eles aconteceu muito rápido, mas isso não significava que fosse irreal, ao contrário disso, parecia bem real. 

-Diga que ele não posso pedir desculpa por isso... Diga que em pouco tempo ele foi a luz que sempre faltou em mim, e que... -Ela virou para mim e sorriu. -Fiz isso por finalmente conhecer o amor, mesmo que ele não acredite.

Sem esperar uma resposta minha, ela saiu e fechou a porta lentamente, se não estivesse louca, poderia ouvir o choro sendo reprimido. Murchei como uma flor e não sabia como dizer isso ao meu amigo. Há poucas horas, estava feliz pela minha alta... — Suspirei alto e me joguei no travesseiro

Não entendi nada, e por mais que pensasse, não entendia o porquê de sua ida, se gostava tanto dele. Sabia que isso o deixaria péssimo, e nada que eu falasse ia ajudá-lo. Mas por que não consegui ter raiva dela? Sinto-me triste por sua ida, eu realmente odeio despedidas.

S2

Claro que sei guardar segredos, esse é um dos meus melhores adjetivos. Falar, isso que era difícil. Alex chegou na parte da tarde como prometido, mesmo eu pressentindo ter alta hoje ele veio após seu turno de trabalho. Ele era uma caixa de surpresas, sempre me trazia algum jogo ou comida que estivesse eu desejando após dias comendo coisas sem gosto. 

Estávamos jogando um jogo de tabuleiro em cima da cama após comermos donuts as escondidas como sempre, conseguimos conversar sobre como a vida está andando e vi a felicidade dele ao falar que está ansioso para receber a carta da faculdade, ele era a pessoa mais otimista do mundo, mesmo podendo não receber ele estava confiante.

Quando Alex perguntou como havia sido minha manhã, meu coração apertou e gaguejei. Busquei mudar de assunto e faze-lo esquecer de perguntar sobre isso, eu não estava pronta para o dar uma noticia ruim em meio ao caos que já passamos semanas atrás, era muita coisa para uma pessoa só.

— Você está bem mais corada, o Baker passou a noite aqui? Nos encontramos de vez em quando, tem dias que ele passa na oficina e ficamos conversando — Alex sussurrou, jogando o dado.

Talvez por eu estar jogando o dado sem ânimo, ele sempre conseguia números maiores, e, por conta disso, estava quase na linha de chegada. — Sorri, sem emoção.

— Ele está aqui todos os dias, é meu chicletinho. Estou feliz por essa amizade de vocês — Sorri, andando apenas duas casas e recebi um castigo de passar duas rodadas sem jogar. — Que jogo ladrão — Bufei, apoiando meu carro onde parei.

Estava sem paciência ou somente aflita demais para me concentrar, ia acabar falando tudo de uma vez. — Encarei seu rosto sereno e fui encarada por seus olhos verdes com cílios enormes. O Alex era calmo, sua expressão era tranquila e sua voz mansa, ele era otimista e não se importava quando eu roubava nos jogos. Não queria vê-lo triste, mais do que ele já tinha ficado por minha causa.

— Anne... — Arqueei as sobrancelhas. — Estou falando com você... Já sei, você e o Baker  brigaram? — Ele bufou, me mandando jogar mesmo estando de castigo. — Jogue logo, quando está de cara fechada parece um pão de hambúrguer.

Ele sempre me fazia parecer algo por meu rosto redondo, mas não estava com energia para apelidá-lo de volta.

— Não brigamos, estamos muito bem. Soube que, apesar de irmãos, você não pode me doar sangue... — Sorri, mudando de assunto de novo.

Quando éramos crianças, na faixa dos sete anos, achávamos que, por nosso sangue ter a mesma cor, significava que, de fato, éramos irmãos.

— Fiz o teste, mas não temos o mesmo tipo sanguíneo. Todos tentamos, e graças a Deus, ao menos seu pai e a Emma tinham o O+ — Alex sorriu orgulhoso ao alcançar a linha de chegada, e minha mente entrou em pane, como uma máquina prestes a explodir. — Você sabia que seu tipo sanguíneo é um dos mais difíceis? Só perde para o O-.

Emma? EMMA? Não, foi minha mãe. Eu tenho certeza que a Amy falou sobre ser meus pais, como assim a Emma?

— Como é, Alex? — Eu o mandei repetir, e ele me olhou confuso. — Quem?

— O que, louca? — Ele deu um peteleco na minha cabeça, me fazendo fazer careta. — A Emma não é uma pessoa ruim, ela estava aqui torcendo por você e fez o teste também. Não implica, nossa. — Alex falou orgulhoso, defendendo-a, e sorriu. 

As palavras da enfermeira ecoaram em minha mente.

"Recebeu doação de apenas uma pessoa, pois a outra estava gravida."

Tudo estava bagunçado. Dias atrás, ele me falou que ela estava estranha. Isso realmente estava acontecendo? Ela estava fugindo? Emma não faz isso, não faz. — Agoniada, procurei meu celular pela cama, e Alex estava confuso.

— Alex, cadê meu celular? — Meu coração estava saindo do peito. Meu celular não estava, e eu precisava ligar para ela agora. — Eu sei que ela não é malvada. Tem certeza que foi ela? Não foi minha mãe?

Peguei o celular do meu amigo e desbloqueei com facilidade, apesar de usar apenas uma mão, até porque minha digital estava gravada. Ele estava confuso, perguntava o que estava acontecendo e não sabia o que falar. Eu também não sabia, estava prestes a surtar.

— Joanne está me assustando. O que está acontecendo? Óbvio que não foi sua mãe, ela nem fez o teste. Ela está grávida, está com amnésia? — Alex segurou minha mão e eu o encarei, seus olhos verdes penetrantes.

— Como assim, onde está o número da sua loira aqui? Qual seu problema? Por que não coloca apenas o nome dela? — Meu dedo deslizou na lista de contatos e ouvi sua risada.

Merda, merda, merda.

— Minha fruta preferida... — Alex sussurrou, e eu o encarei.

— Limão? — Perguntei, e ele sorriu.— Está bem, como ia saber?

Era limão. Lá estava o número dela, mas não adiantou ligar; caiu na caixa postal várias vezes. Eu estava impaciente e surtando. Ela tinha um grande motivo para querer ir embora, mas não poderia fazer isso. Ela deve estar confusa, triste, com medo e surtando, mas ainda assim não deveria ir embora. — Estapeei a cabeça do meu amigo, e ele não entendeu nada.

— Olha para mim. — O encarei. — Gosta mesmo dela? Estou falando de gostar, e não só fogo na genitália. — Perguntei, e ele gesticulou sem entender. — Alex, você gosta daquela menina de verdade ou ela foi apenas uma aventura?

— Fogo na genitália? Joanne mesmo que você não acredite, eu gosto dela, e sou tão azarado que estou levando gelo. Podemos não falar sobre isso? Já sabia que ficaria sozinho nessa, mas é compl... — Calei sua boca com meu dedo.

Não fala o que não sabe, Alex.

— Levanta, agora. Sai dessa cama. — O empurrei, e ele se segurou. — Se você gosta dela, precisa correr. Na verdade... — Olhei pela janela, e o sol estava indo embora. — Você precisa voar.

Alex em pé, me olhava confuso, e com razão.  Emma não atendia, e depois que ela fosse embora, provavelmente nunca saberíamos seu destino.

— Pra onde? Tá louca, é? — Ele bufou. — Que amiga louca é essa que tenho... Surtou depois do tiro, agora estou perdido.

— Alex, a Emma está indo embora. — Falei, cortando sua reclamação. — Vou te explicar, e você precisa correr. Alcança sua garota, não importa quantos defeitos ela tenha, não importa o quão difícil isso será. Posso garantir que você terá a mim pra tudo, sempre. — Puxei seu braço. — Cara, ela gosta muito de você. Isso é a primeira coisa de muitas que você precisa saber, irei contar tudo... — Sorri, e ele me olhou assustado.

Alex não estava entendendo muita coisa, mas eu estava. Estava entendendo como a vida é uma vadia e que nossas vidas eram feitas de acasos, que muitas vezes não estavam nos nossos planos e nos desafiariam. 

Nunca vi meu amigo tão desnorteado, em pânico, em lágrimas como vi hoje. Alex segurava o choro com a mão e tentava processar tudo. Contá-lo não foi fácil, sua reação não foi fácil, mas  não tinha uma forma fácil de falar, não podia esconder, não podia ficar calada. 

Após ouvir tudo, sem muitas palavras ele pegou o celular, a mochila, e saiu correndo. Quando a porta do quarto bateu, minhas lágrimas caíram. Estava ainda em choque, confusa, feliz e aliviada. 

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Gente, se preparem! Emoção, babado e confusão... mas por enquanto, tudo de graça pra vocês! Hahaha, aproveitem e se joguem nessa montanha-russa de sentimentos!


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