Você de novo ♡ Capítulo 58
"Preso suspeito do acidente que matou Andrew Clark, anos depois, noites atrás o mesmo suspeito se envolveu no sequestro de duas pessoas e tentativa de homicídio.
Após dois anos de investigação, a polícia prendeu o principal suspeito do acidente que resultou na morte de Andrew Clark. Na época, o caso causou comoção pública devido à colisão em alta velocidade, na qual o suspeito teria negado socorro à vítima e, posteriormente, tentado se esquivar da responsabilidade, onde crime foi supostamente acobertado por aliado e pai do suspeito, o que dificultou o andamento das investigações até agora.
Em uma reviravolta chocante, o suspeito, anos após sua tentativa de fugir das consequências do acidente, sequestrou dois jovens que lutaram em busca da justiça, mantendo-os como reféns. Durante o sequestro, o criminoso atirou em um dos jovens, que foi deixado em estado critico.
Com novas ajuda do FBI, as autoridades localizaram o cativeiro e prenderam o principal responsável pelo trágico acidente, após dois anos de buscas e libertando os dois reféns. "Esta prisão representa um importante passo para trazer paz à família do Andrew e responsabilizar o culpado," declarou um porta-voz da polícia. Mais detalhes sobre o andamento do processo devem ser divulgados em breve."
Em poucos dias, toda a cidade já estava sabendo do ocorrido. O caso segue sendo manchete do nosso único jornal, e o nome de Joanne virou cochicho nas ruas, sendo conhecida como "a menina que salvou o namorado de um tiro". E, claro, sempre conseguiam aumentar um pouco a história, já que, mesmo sem o julgamento, ele já era visto como culpado.
Desde o fim do meu sequestro, tenho praticamente morado no hospital. Meus dias seguem o mesmo roteiro, e, com isso, passei a conhecer os funcionários e saber das fofocas locais. Estou sempre no hospital, exceto nos dias em que consigo dormir um pouco ao lado de Mary. Ainda estou me recuperando psicologicamente, e sei que será um processo lento, principalmente enquanto ela estiver aqui, não consigo dormir bem e sempre acordo ouvindo o som do tiro.
Alex, Alice, eu e os pais dela nos revezamos mesmo que na recepção... Minha namorada segue se recuperando aos poucos e, mesmo ainda na UTI, segue bem e tem menos fios ligados ao corpo. No entanto, ela ainda não acordou, e isso me deixa em pânico.
Os médicos diziam que cada corpo reagia de uma forma aos mesmos acidentes, pessoas que levam tiros no ombro muitas vezes não sobrevivem e outras se recuperam seguindo a vida como se não tivesse acontecido nada. Ela acordaria aos poucos com base as dosagens dos remédios fossem diminuindo, ela acordaria no tempo dela sem ter que sofrer muito com todas as dores. Todos os dias eu sentava perto de sua cama por alguns momentos e a fazia ter em mente nossos bons momentos, talvez ela não se sentisse tão sozinha dentro de si, meu medo era de que ela estivesse se sentindo sozinha. Lembro-me dela sempre me falar "ah Baker, eu gosto de ficar sozinha mais tenho medo da solidão", confesso não entender muito bem, mas por via das duvidas nunca consegui deixa-la só e sei que nunca conseguirei.
Joanne estava reagindo bem aos medicamentos e a cicatrização estava acontecendo de forma saudável, seu braço estava preso a uma tipoia preta e todos os dias Alice arrumava seus cabelos.
Os avôs de Alex não reagiram bem a tudo isso como imaginávamos e acabaram só conseguindo vir uma vez, eles ficaram chocados e preocupados, segundo os médicos era bom poupar a saúde frágil de ambos ainda mais por serem apegados a Joanne, Alex sempre ficava responsável por levar noticias.
Por outro lado, parecia que tudo tinha mudado drasticamente em minha casa — algo que me anima e me choca ao mesmo tempo. Meu pai tirou férias pela primeira vez em seis anos. Ele voltou a usar shorts com regata, raspou a barba completamente e redescobriu a televisão. Fazia muito tempo que eu não o via assim, e era como se minha alma tivesse ganho um pouco mais de luz. Todos os dias, ele vai até a casa dos Clark para se certificar de que está tudo bem, vem me buscar aqui no hospital e aproveita para ver Joanne. Ele fala sobre assuntos variados e está mais aberto, como era antes da morte da minha mãe. Isso é uma das poucas coisas que têm me trazido felicidade.
Quando fiquei nas mãos de Augustos, acreditei que ele me mataria. Nunca pensei que aquilo fosse apenas um sequestro, mas sabia que precisava lutar pela verdade. Quando entreguei as provas à polícia, foi como se pudesse ver Andrew recebendo a paz que tanto buscava, junto com sua família. Por ordem do pai de Joanne, tento não me culpar tanto pelo que aconteceu, mas isso é uma das coisas mais difíceis de fazer quando a pessoa que você ama leva um tiro em seus braços — e por sua causa. Sei que ninguém entende isso perfeitamente, mas eu recebi a maior prova de amor da história, e, mesmo não sendo atingido, até que ela acorde, é como se eu também tivesse perdido minha vida.
Muitas pessoas vieram ao hospital para vê-la, e sei que a maioria foi movida pela curiosidade, afinal, Joanne nunca teve muitos amigos. Mas todos deixavam mensagens de carinho e votos de recuperação, ela recebeu visitas de colegas de turma, professores e familiares que vieram de Wisconsin e trouxeram para ela terços e pequenos anjinhos de presente.
Na UTI, não são permitidas flores naturais, comidas, ou qualquer coisa com cheiro forte que possa tumultuar o ambiente. Então, as pessoas trazem pequenos vasos com flores artificiais, cartões desejando melhoras, e, junto com Alex, colocamos fotos de momentos felizes e sorridentes. Sempre que estou com ela, coloco uma música e conto histórias da minha infância, tentando não chorar nem falar coisas tristes.
Sentado na recepção, aguardava o horário para passar a noite com ela, quando uma garotinha se sentou ao meu lado com vários papéis e lápis de cor.
A família mais próxima de Joanne demonstrava todo seu carinho e apreço por ela. Sua avó, Diana, derramou lágrimas pela neta e nos mostrou fotos de quando ela era criança. Joanne era uma menina extremamente bonita e travessa, sempre gostava de cuidar dos passarinhos machucados que caíam das árvores, e, segundo sua avó, ela sempre sonhou em ter uma casa na árvore.
A garotinha ao meu lado desenhava, e, curioso, olhei para o desenho.
— O que está olhando, tio? Minha mãe disse que é feio ser curioso. — Arregalei os olhos e virei-me ao seu lado, tentando prender o riso.
A menina, com laços no cabelo, era falante e inteligente. Ela era prima de Joanne, a filha mais nova do tio Jerry, e estava desenhando várias pessoas com seus lápis de unicórnio. Tinha se afastado da multidão e parecia concentrada.
— Me desculpe, achei seu desenho muito bonito — comentei, apontando para o papel. — Esse desenho é para a Joanne?
Ela assentiu com a cabeça, fazendo seus laços balançarem junto. Era bochechuda, e suas expressões faciais me julgavam como se eu fosse um adulto intrometido.
-É Anne tio... -Fiz uma cara de espanto a ela acreditou ter me corrigido, eu havia virado tio e me senti dez anos mais velho. -Esse desenho é a Anne ficando boa, ela está fazendo biscoitos de unicórnio. Minha mãe disse que isso deixará ela feliz, e irá ficar boa rápido. -Ela apontou para algo que parecia ser alguém na cozinha com um chapéu na cabeça e algo na mão. -Como é seu nome? E porque está machucado, fiquei assim quando cai do balanço.
Não tinha percebido, mas estava conversando com uma garotinha que talvez tivesse seis ou sete anos. Ela era curiosa e inteligente, mas eu não sabia bem como explicar que tinha sido sequestrado e espancado quase até a morte.
— Isso aí é uma obra de arte — comentei, tentando aliviar o clima. — Estou machucado porque também caí, rolei montanha abaixo. — Sorri e mostrei minha mão arranhada e o rosto com curativos. Ela olhou curiosa. — Me chamo Gustavo. E você?
Ela me deu um papel e um dos seus lápis pequenos, na cor verde.
Apoiei o papel em minhas pernas e com meu pouco talento para desenhar, comecei a fazer um jardim. Mesmo ela não me respondendo seu nome, comecei a desenhar ao seu lado, iria colocar o desenho junto aos outros perto de Joanne, estava desenhando um jardim florido com um sol enorme e nuvens azuis por todo o céu. Com o meu pouco contato com criança podia recordar das vezes que Joanne tocou no nome filho e tremi, por anos pensei que meu maior medo seria de não ser um bom pai, mas hoje depois de passar por tudo isso e presar ainda mais por minha família e minha vida percebo que meu maior medo na verdade é não ter a chance de construir uma família com ela, tive medo de perder essa chance.
— Seu desenho é bonito. Me chamo Lady, gosto de desenhar, chocolate quente, mas não gosto de matemática. — Ela me entregou um lápis preto, e eu o segurei, sem entender. — Tio, o céu precisa de pássaros para ela gostar. — Ela me mostrou como desenhar um suposto pássaro em forma de "V".
— Lady, quase esqueci dos pássaros. — Sorri, e ela retribuiu com um sorriso. — Você é incrível, ainda mais por concordar que matemática é péssima. — Comentei, e ela assentiu.
Quando terminei o desenho, Lady começou a guardar suas coisas em uma pequena bolsa em formato de urso. Segundo ela, sua barriga avisava que precisava de salgadinhos de queijo. Ela era ágil, falante e pintava usando todas as cores. A companhia de Lady me deixou um pouco mais leve, aliviando minhas preocupações por um instante.
— Preciso ir, você é legal. — Ela se aproximou, e só então percebi o quanto era alta. — Se comer cenoura e sua mamãe beijar sua queda, você fica bom logo. — Soltei uma gargalhada espontânea.
Ela observou meus machucados, e eu toquei seus cabelos castanhos. Parecia que ela entendia exatamente como eu me sentia.
— Vou fazer isso, e, quando nos virmos de novo, estarei bom. — Ela sorriu e correu para onde os pais a aguardavam.
De fato, com os remédios e os cuidados de Mary, meus machucados estavam melhorando. Mas quanto às cenouras, eu teria que recusar.
Lady se afastou em direção à multidão, e sua mãe a pegou no colo. Ela mostrou o desenho com entusiasmo, apontando para mim, e eu a mandei um sorriso.
Foi então que o pai de Will chamou meu nome, me tirando dos pensamentos distantes. Levantei para cumprimentá-lo. Ele havia trazido alguns dos meus pertences quebrados por Augustos: meu celular, que ainda estava inteiro, e a mochila de Joanne, junto com o celular dela, que tinha apenas uma pequena trinca na tela — o que com certeza a faria surtar. Soube que meu carro ainda estava sendo localizado. O pai do meu amigo explicou que Augustos já havia sido preso, com uma lista extensa de crimes e infrações, e que em breve eu e Joanne seríamos chamados para prestar depoimento juntos. Os garotos, Emma e Alice já haviam dado os seus.
O pai do ruivo também foi preso como cúmplice e, sem dúvida, havia perdido seu posto na polícia. Ele tentou coagir o filho a parar, mas não deu certo. Assim, o pai de Will estava certo de que ele acabaria confessando, pelo menos a sua parte nessa história. Tim sentou-se ao meu lado, pensativo.
— Gostaria de agradecer a você por não ter desistido de tudo, e peço desculpas por talvez não ter sido tão ágil quanto eu gostaria. — O senhor, fardado e cabisbaixo, sorriu sem jeito. — Seu pai me entregou seu notebook. Desde que Joanne e os garotos abriram o jogo, não tem sido nada fácil.
Eu imaginava que não seria fácil, tanto para a justiça quanto para as pessoas da polícia que, anos atrás, arquivaram o caso por falta de provas.
— Agradeço a você por ter acreditado nessa história louca e tensa. Eu fiz o que sempre senti que deveria ser feito, mas demorei demais por medo. — Suspirei, sentindo sua mão em meu ombro. — Espero que consigam tudo o que for necessário para que ele pague por tudo o que fez.
— Estamos encontrando tudo, e a cada descoberta, ficamos mais chocados com a frieza daquele menino, agradeça ao seu pai também. Ele reuniu tudo o que podia e não parou de gritar até as autoridades mais competentes chegarem. E creia, vieram o mais rápido que conseguiram. — Apertei sua mão, e ele se levantou.
Aos poucos, fui sabendo de tudo o que aconteceu na minha ausência, das pessoas que lutaram por mim incessantemente, eu teria que agradecer a muitas pessoas. Por toda a minha vida, seria grato por estar vivo.
Desbloqueei o celular de Joanne, que fazia jus à sua boa bateria, ainda com um restinho de carga.
Nossa foto com o boneco de neve estampava o papel de parede, me fazendo recordar de dias divertidos e do quanto já vivemos juntos em apenas alguns meses. Abri sua galeria e me deparei com mais de mil fotos tiradas em poucas semanas, ela havia fotografado flores, paisagens, meus momentos despercebidos, nossos amigos, Mary, seus pais, e outras que me faziam suspirar.
Ela deixava registrado cada pequeno detalhe que, aos olhos de outras pessoas, passaria despercebido, como uma joaninha na pia do banheiro e o cabelo do seu pai bagunçado. Momentos bons, alegres, românticos, difíceis, e, acima de tudo, reais. Antes, sozinho, passei a ter uma enorme família, cuja maioria não tinha meu sangue. E reafirmei que família de verdade é aquela que se importa com você, tenho certeza de que tudo o que aconteceu nos trouxe pessoas que levaremos para o resto de nossas vidas.
— Mané, minha visita acabou... — Alice se aproximou e sentou ao meu lado. Ela estava com os cachos presos e uma calça rasgada. — Como você está? — Ela bagunçou meus cabelos e sorriu.
— Oi, ainda não sei o que essa palavra mané significa, mas tomara que seja o mesmo que "lindo". — Sorri, fazendo-a revirar os olhos. — Como ela está?
Alice sempre misturava idiomas e rezávamos para que não fosse um xingamento. Seus familiares vieram visitar Joanne e deixaram seu apoio também. Alice se mantinha calma, mesmo sendo explosiva e sempre muito preocupada, ela estava dando seu melhor assim como Alex.
— Me responda primeiro sobre você, e isso não significa "lindo". Tenho algumas coisas para te passar antes do médico liberar sua entrada, sei que não conversamos direito depois de tudo, mas estou aqui ao seu lado. — Alice pegou minha mão e a apertou.
Estávamos tão atordoados e preocupados que ainda não havíamos sentado e conversado direito.
— Estou bem melhor, tenho conseguido dormir e meus ferimentos estão bem... — Sussurrei, apertando sua mão de volta. — Quero boas notícias.
Alice sorriu, e algo em mim se acendeu.
— Ela teve uma boa melhora, está reagindo bem e finalmente, os médicos já suspenderam o sedativo. Daqui para frente, ela vai se recuperar sem sofrer com as dores. — Sorri e uma lágrima escorreu. — Ela vai acordar em breve, os médicos já comunicaram os pais dela. — A abracei, e fui abraçado de volta. — Sim, eu arrumei os seus cabelos e passei hidratante labial.
Estava com um misto de preocupação e alegria, não sabia o que sentir. Já haviam se passado duas semanas desde o ocorrido, e ainda tinha medo de que algo pudesse acontecer.
— Tem certeza que ela não vai sentir dor? — Perguntei. — E você é surreal.
Me sentia grato por ter em nossas vidas uma pessoa tão leal e companheira. Alice estava ao nosso lado para o que fosse preciso.
— O médico tem certeza, Mané, e outra coisa... — Ela me encarou, puxou o ar com calma e o soltou. — Quero deixar claro que nunca vou saber como agradecer por você ter dado justiça ao Andrew. Para mim e para a família dele, isso vai ajudar a seguir em frente. — Alice falou baixo, quase sem parecer ela mesma.
Dias atrás, Alice comentou que estava fazendo terapia, havia ido à primeira sessão e estava tentando dar o seu melhor para curar seu coração. Hoje, consigo me colocar no lugar dela em alguns aspectos. A dor de ver a pessoa que ama morrendo é dilacerante, é insuportável.
— Fiz isso por todos nós, por ele. Formamos um time... — Sorri e ela concordou. — Todos nós lutamos por isso, Mané...
Ao tentar pronunciar a mesma coisa que ela, seus olhos arregalados me fizeram entender que não era um elogio, mas um dia eu iria entender o que aquilo significava.
Alice se levantou e arrumou sua blusa com estampa de gatos.
— Essa palavra só serve pra você... — Alice estapeou minha cabeça e arqueou as sobrancelhas. — Mané.
— Então isso é algo realmente estranho. — Sorri, e ela me encarou e observou meu rosto completamente surrado.
— Que surra, hein Baker... — Alice bufou. — Mas ainda assim, tá bonito. Como é ser bonito? Mesmo ferrado ainda paqueram você... — Ela apontou para duas meninas que cochichavam.
Soltei uma risada e desviei do olhar das meninas.
— É normal, não sei como é ser feio. — Com ironia, me achei, e ela me olhou indignada.
— Mas é muito mané mesmo. Vai pagar a língua com seus filhos, por sua culpa eles irão nascer feinhos! — Ela sorriu e saiu andando, parecendo cansada.
-Isso é impossível, olha pra mim e pra Joanne. É dna puro, mané. -Falei, e ainda de costas ela levantou seu dedo do meio me fazendo rir. -Educada na Suíça mesmo. -Completei, a fazendo me mostrar os dois.
S2
Ainda era cedo, Alice havia saído há algumas horas e eu iria passar a noite no hospital e visitar Joanne. Sua família me entregou um saco com algumas coisinhas e desenhos de seus primos, eu estava responsável por arrumar o quarto e deixar claro o quanto aquelas pessoas se importavam com ela. Parado na UTI, buscava forças para entrar, tentava colocar um sorriso no rosto, a fim de passar boas energias a ela. Segundo os médicos, Joanne realmente poderia ouvir e sentir nossas emoções através das nossas vozes, mesmo sedada.
Peguei no trinco da porta e sorri.
Lá estava ela, ainda dormindo. O local era amplo e claro, havia uma pequena mesinha onde estavam organizados seus presentes e nossas fotos na parede. Mesmo sem poder, o dono do hospital nos permitiu fazer isso como uma forma de nos dar força.
Me aproximei dela e toquei seus cabelos, penteados em uma trança simples feita por Alice. Seus lábios estavam brilhando, cobertos pelo hidratante, e ela ainda estava pálida mas não como antes. Sua testa havia ganhado dois pontos quase imperceptíveis e estava com um pequeno curativo.
Beijei sua testa, que estava quente, o sangue parecia fluir perfeitamente pelo seu corpo.
— Cheguei, amor, irei arrumar as coisas que ganhou e mesmo sendo uma visita rápida, me sinto bem em te ver. — Sorri, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas. — Muita gente veio ver você, estão deixando lembrancinhas e muita energia boa.
Caminhei até a mesinha e comecei a desembalar as coisas, anjos e imagens religiosas foram dadas por sua família, uma plaquinha com uma oração foi deixada por sua avó e alguns brinquedos por seus primos. Alex mandou por Alice fotos suas quando crianças e juntos na formatura, ela estava linda e sorridente, segundo Joanne o momento mais feliz da escola foi deixa-la. -Colei os desenhos na parede e podia sentir a inocência de cada um deles, até do meu.
Havia desenhado um lago e uma casa à beira dele, um lugar calmo e sereno. Tentei desenhar nós dois juntos e um cachorro na grama, mas o cachorro ficou horrível. Poucos minutos depois, a enfermeira chegou — a mesma da ambulância. Ela era doce e parecia nunca sair daqui. A moça observava Joanne e anotava várias coisas.
— Ela está bem? — Sussurrei, sem querer ser intrometido. A enfermeira observava o monitor onde estavam os batimentos cardíacos.
— Está sim, e o coração parece ainda reagir à sua voz. — Ela sussurrou e continuou o exame físico. — Urina de cor normal, saturação boa, ombro menos edemaciado, temperatura um pouco baixa.
Arregalei os olhos e me aproximei.
— Ela está fria? — Perguntei, e a moça sorriu. — Você está sempre aqui? Desculpa te encher. — Ela caminhou até o sofá e se sentou, me chamando para ir ao seu lado.
A moça sorriu.
— Entendo você, ela está se recuperando muito bem. Está fria porque o corpo dela não se move há alguns dias. — Ela sorriu e eu consenti com a cabeça. — Eu estou sempre aqui porque, anos atrás, perdi meu marido e não aguento ficar em casa.
Ela me resumiu sua história, e eu fiquei cabisbaixo.
— Nossa... não sabia, perguntei falei por mal. — Gesticulei, arrependido.
— Tudo bem, meu bem. Entendo sua dor mais do que qualquer um, eu cuidei do irmão dela, mas o perdemos... Eu te falei que jamais a perderíamos. — Ela sorriu e apertou meu braço. — Luto todos os dias para que as pessoas não percam seus amores, e me orgulho disso. — Ela se levantou e seguiu até a porta.
Qual o seu problema, Gustavo? Tomara que eu não tenha feito cara de pena.
Estava tudo bem com ela, ou pelo menos, na medida do possível. Sentei ao seu lado, lamentando por não poder apagar as luzes. Na UTI, era proibido apagar as luzes, aparelhos sem som e calor. O ambiente era completamente gelado, pois as bactérias eram inimigas do frio.
Me apoiei na cama e suspirei.
— Tudo está caminhando. O Augusto foi acusado de muitas coisas e está preso. Eu já peguei suas coisas e resgatei o celular do sequestro também. — Sorri e peguei a mão de Joanne. — Saímos no jornal e você é minha heroína, como se já não fosse antes...
Não podia chorar, precisava me manter calmo e confiante.
— Anne, você não vai acreditar... Meu pai tirou férias e está passando o dia de short. Ele vem te ver sempre e vai na sua casa, ele mudou... Eu só queria que ele fosse assim para sempre. Você precisa ver isso com seus próprios olhos. Ontem, ele me chamou para assistir a um filme.
Falar com ela e não ter uma resposta era ruim. Era doloroso e irritante. Logo ela, que sempre tinha uma resposta na ponta da língua para me dar, ou para brigar comigo.
Os minutos passaram, e estava tudo na mesma. Ela dormia, eu falava, e ainda não passava das oito. A enfermeira me trouxe o jantar, e, infelizmente, não havia uma grama de sal. Talvez eu estivesse tão abatido que me confundiram com o paciente. Voltei a deitar a cabeça na cama e fechei os olhos para meu últimos minutos ali.
— Minha visita está acabando, quando você acordar e estiver recuperada, temos muita coisa para fazer. Eu fiz uma lista... — Sussurrei, ainda com os olhos fechados. — Contratarei alguém para ocupar seu lugar na padaria e não sairei do seu pé. Iremos ao parque na outra cidade, viajaremos, comeremos muito, veremos mais filmes, faremos programas clichês como beijar na chuva, iremos a festas de Halloween, cozinharemos juntos... E quando formos para a faculdade, vamos aproveitar a vida loucamente. — Uma lágrima escapou e sorri. — É uma promessa.
— E era bom começar me dando um panda, amor... — Joanne falou.
Meu coração entrou em taquicardia e meu corpo todo tremeu.
Entrei em um choro frenético, ainda com o rosto abaixado na cama. Senti sua mão nos meus cabelos e desabei ainda mais em lágrimas, meu choro ficando cada vez mais intenso. Levantei a cabeça lentamente e encarei seus grandes olhos azuis.
Peguei sua mão e a apertei, senti-la apertando de volta, e não conseguia parar de chorar.
— Você... Você... — Minhas palavras não saíam. Eu não sabia o que fazer, nem quem chamar. Sentia meu corpo em êxtase, mas ao mesmo tempo nervoso. — Eu preciso chamar alguém. — Levantei, mas senti sua mão, ainda sem força, me puxar.
Um sorriso fino surgiu em seus lábios pálidos, e eu sorri de volta, deixando mais lágrimas escaparem.
— Fique aqui... Os médicos já sabem, acordei há poucas horas... — Ela se aproximou do meu rosto, e me encarou de perto.
Estava tão nervoso e feliz, era como se algo tivesse me dado vida novamente. Seu olhar calmo, seu sorriso, seu toque tímido e lento me faziam entrar em êxtase.
-Pensei que ia te perder... -Sua mão tocou meu rosto e sorri. -Nunca mais faz isso comigo por favor. Você está bem? Consegue respirar? -Toquei seu corpo e acariciei sua testa.
Meu coração estava saindo pela boca. Não sabia como descrever o tamanho do alívio que estava sentindo. Sorri, e ela começou a chorar.
— Você está vivo, Gustavo. Está bem... — Ela sorriu entre as lágrimas, e, ainda próximo ao seu rosto, a beijei, sem saber se podia. — Te amo tanto, não aguentaria perder você. Todos esses dias ouvi você, ouvi todos... Eu queria acordar, mas não conseguia. Queria ver meus pais, meus amigos... Senti muito medo de não conseguir acordar.
Joanne se explicou, agoniada, e eu pedi silêncio.
Acariciei sua cabeça e a beijei novamente. Joanne respirava fundo e segurava minha mão com toda a força.
— Não se exalte, eu também amo você e nunca mais faça isso. — Apertei sua mão. — Todos esses dias minha vida foi vazia, a vida de todos ficou triste e escura. Eu te prometo tudo o que você quiser, se você prometer nunca mais ir para frente de uma arma.
Joanne deu duas batidinhas na cama e eu enxuguei minhas lágrimas com a camisa.
— Eu prometo, agora deite aqui comigo, me deixa matar toda a saudade, por favor. — Ela tentou se arrastar na cama e me deu espaço.
Ela era minha força, meu lar, e minha luz no fim do túnel. Ela era a única certeza que eu tinha na minha vida.
Deitei ao seu lado com cuidado, e seu braço saudável se entrelaçou no meu.
— Me senti tão culpado, tenho tanta coisa para falar... — Seus dedos entrelaçados aos meus me faziam respirar fundo. — Está bem mesmo?
Toquei seu rosto com pressa, deixando-a agoniada.
— Chiclete, ouvi você dizer isso várias vezes e minha vontade era te bater, a culpa não foi sua! — Sua voz falhou, seguida de um suspiro. — Fale sem pressa, teremos a vida toda. — Ela sorriu e puxou o lençol para me cobrir. — Totalmente bem, não, mas tudo acabou te melhorar.
Nossas pernas se entrelaçaram, e minha alma voltou para o corpo.
S2
Tudo vai ficar bem, esse casal está de volta meu povo ♡
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