Uma chance? ♡ Capítulo 19

A semana correu de pressa e era notável que eu não conseguia me concentrar no trabalho junto ao meu avô. Palavras ecoavam em minha mente e eu não conseguia arrumá-las em ordem para falar. Com o capô aberto, olho as peças e mangueiras por toda parte, e meu avô, debaixo do carro, me passa instruções do que fazer. 

Hoje mais cedo, chamei Alice para conversarmos, e ela concordou, justo por isso a noite não chega nunca.

— Filho, ligue o carro para mim, apenas um toque na chave — a voz abafada do meu avô me tira de pensamentos distantes.

— Desculpa, vô, minha cabeça estava longe... — toco na chave do carro e ele se liga de imediato. Ouço meu avô comemorar e solto uma risada seca.

Com dificuldade, vejo meu avô se arrastar e levantar. Fecho o capô do carro e sinto uma mão apoiada em meu ombro.

— O que houve? — a voz rouca dele ecoa no ambiente.

— Nada demais, o carro está ótimo mesmo! — sussurro, mudando de assunto rapidamente. 

Ele dá de ombros e volta a anotar em seu bloco de notas.

Lembro-me com carinho da nossa noite, Alice estava linda com seu jeito largado de ser, e seus cachos a faziam ainda mais bonita. Lembro-me do brilho em seus olhos observando todos os desenhos expostos e as artes muito bem pintadas. 

— Filho, pode ir para casa. Por aqui já acabamos, avise à sua vó que chego em instantes para buscá-la e iremos ao mercado!

— Boa noite então, vô. Caso não te veja hoje, se cuide e darei o recado sim! — beijo seus cabelos brancos e ele sorri timidamente.

《♡》

Sinto a água cair sob minha cabeça, minhas costas avisam o quão o trabalho na oficina é pesado. Entristece-me saber que em alguns meses eu estarei na faculdade, minha vontade é nunca sair de perto dos meus avós. Com a água caindo em meus olhos, sentia minha cabeça latejar. Em alguns minutos passarei mensagem para Alice vir aqui em casa, conversar sobre o que não esclarecemos. Estamos á dias nos evitando propósito, Anne aconselhou-me a dá o primeiro passo e assim fiz.

Ao sair do banho, me sentia tranquilo. Coloco uma bermuda e uma camisa regata sem ânimo, hoje está frio, mas minha impaciência não me deixa senti-lo. –Procurei meu celular na cama a fim de passar uma mensagem para minha melhor amiga.

Anne, conversarei com a Alice.

Em alguns minutos sua resposta chegou, me deixando mais animado.

Boa sorte, dará tudo certo, sério!

Antes de ler, ouço batidas leves em minha porta, minha vó provavelmente quer me encher de comida.

— Entra, vó, eu estou sem fome... — gritei do banheiro, e escuto a porta do quarto fechar com rapidez. — Nem me respondeu, vozinha — saí do banheiro secando meu cabelo com a toalha em movimentos rápidos.

— Boa noite!— a voz doce de Alice se estendeu por todo o quarto, me fazendo arregalar os olhos.

Como ela chegou sem falar nada?

— Estava ansiosa, presumo... Senta, fica à vontade — gaguejei, um sinal claro do meu nervosismo. Alice observou o ambiente e me mandou um sorriso de canto de boca.

— Estava ansiosa e, antes que você mudasse de ideia... Resolvi vir e conversar com a senhora Ann até você acabar seu banho — Ela me mandou uma piscada, sentando na beirada da minha cama.

Sorri em sua direção e ela sorriu de volta.

— Me deixa só pentear o cabelo, calma! — apontei para o banheiro, e ela apenas balançou a cabeça positivamente.

Encarei o espelho passando o pente em meus cabelos ondulados e analisando-me. Passei perfume no pescoço e segui de volta para o quarto.

— Pronto, aqui estou! — sentei-me na cama, e Alice sentou ao meu lado, ficando de frente para mim e procurando palavras.

— Precisamos conversar, Alex. — disse ela

É precisamos mesmo.

— Primeiro, queria falar que sua amizade é importante para mim, e desculpa se achei que... — Meu coração doe ao pensar que talvez me aproximar de você magoasse o Andrew, onde quer que ele esteja. Saiba que eu... — Antes que pudesse completar, suas mãos geladas e pequenas seguraram meu rosto e seus olhos castanhos encaravam os meus.

Nervoso demais para falar qualquer coisa, apenas a encarei fixamente, esperando suas palavras. Seu cheiro de lavanda deixava claro o quão perto ela estava de mim.

— Não ouse pedir desculpa por nada, Alexander. Você foi uma amizade que ganhei, assim como a Anne. Eu tenho é que agradecer por me deixarem fazer parte desse mundo de vocês. Meu coração também dói por isso, e eu também precisarei de tempo para me abrir de novo para alguém...

Suas mãos apertavam meu rosto e, se não me engano, ela estava com raiva.

— Por que está apertando meu rosto com tanta força? — Falei com dificuldade, minhas bochechas sendo esmagadas por suas pequenas mãos.

— Alex, tive medo. A culpa não foi sua. — Suas mãos ainda apertavam minhas bochechas, e eu me perguntava como ela tinha força para isso, com apenas um metro e sessenta de altura.

— Tem medo de me conhecer? Ou de conhecer outra pessoa no geral? — Perguntei com dificuldade, fazendo-a soltar minhas bochechas devagar.

Alice bufou, deixando os ombros murcharem em minha direção.

—Você sabe que namorei o Andrew, sabe que eu o amei e ainda o amo... deve imaginar como fiquei quando ele morreu. Ele foi a primeira pessoa de quem gostei e facilmente passaria toda minha vida com ele! — Alice foi sincera — Enfim, quando vi que talvez estivesse interessada em você, eu tive medo. Foi tudo muito rápido, não soube se era sentimental ou uma atração física. Não sabia como a Clark iria reagir, não sabia o que o Andrew pensaria de nós mesmo lá do céu vendo eu paquerar o melhor amigo dele...— A menina à minha frente suspirou, cruzando os braços com agilidade.

— Você me paquera?

Sinto uma enorme vontade de sorrir, mas permaneço sério, respeitando seus olhos cheios de lágrimas. 

— Obvio que sou atraída por você, você é tão gato, me faz bem e me faz esquecer problemas. — Alice revira os olhos, jogando seus cachos para trás.

Em poucos segundos, ela deixa transparecer sua irritabilidade. Pego sua mão e ela encara a rua pela janela sem me dar atenção.

— Nos sentimos da mesma forma então, porém nunca fui de chegar em meninas e pensei no Andrew. Não precisa ter medo, podemos ir com muita calma e ver onde dá, se é algo a mais ou só uma paquera... — Engulo seco, falei demais.

Alice me encarou novamente, seu aspecto sério me faz ficar ainda mais nervoso. Toco seus cachos macios e brinco com um deles, fazendo-a sorrir e socar meu ombro com destreza.

— Posso te fazer uma pergunta indiscreta? — Sussurrou Alice.

— Pode, claro.

— Você sente algo pela Anne? Ultrapassando as barreiras da amizade. Você entende? — A olhei pasmo.

Minha expressão surpresa é visível e a vejo corar. Por que todo mundo acha isso? Não se pode ser amigo de uma mulher sem querer beijá-la? Esfrego meus olhos com impaciência e respiro fundo, Alice me olha atentamente, em silêncio.

— Nossa conexão é de vida, entende? Conheço a Joanne desde os cinco ou seis anos de idade. Nós fomos criados como irmãos, juntamente com o Andrew. Eu sei que nossa relação pode parecer um romance de longe, parece mesmo. Mas não é, somos irmãos. Nossa relação é única, é como se tivéssemos o mesmo sangue. — Expliquei, novamente a encarando.

Alice me olha atentamente, processando minhas palavras. Sentada na minha cama, ela pega minha mão e aperta. Minha vontade de abraçá-la era constante, porém me dei um limite mínimo de aproximação para não assustá-la.

— Compreendo, Alexander, eu quis esclarecer. — Um sorriso tímido surgiu em seus lábios com um batom marrom bem escuro. — Prefiro ser honesta sempre, para não te magoar. Então não quero te prometer nada, não posso!— Alice franze as sobrancelhas e brinca com fios de sua calça jeans rasgada.

Eu soltei um sorriso e ela sorriu junto.

— Por favor, meu amigo Andrew, não estou furando seu olho. — Olho em direção ao teto, apertando os olhos, escuto sua risada doce preenchendo o ambiente. — Ok, parei. — Completei.

Alice parecia bem à vontade ao longo da noite. Escutamos músicas e ela me mostrou seus artistas preferidos em playlists em seu iPod, sinto-me bem com sua honestidade, mesmo sabendo de seus medos, ela se esforça para não transparecer. Minha avó nos trouxe frutas frescas e finalmente percebeu que eu não iria me casar com a Joanne, como ela havia imaginado por anos.

— Já está tarde... — Alice encarava o teto, deitada em meu tapete preto felpudo. Seus cachos espalhados ao chão se destacavam por sua cor diferente.

— Fique à vontade, o que vai fazer esse final de semana? — Sussurro, encarando as cordas do meu violão recém trocadas

Alice levantou do tapete e sentou na cama ao meu lado, quando a conversa se tornou mais leve.

— O que vou fazer? Depende do seu convite! — Alice me encarou com seus olhos castanhos, fazendo-me soltar uma risada estridente, ela conseguiu me chamar para sair primeiro.

— Te convido para ir ao cinema e depois comer alguma coisa. Nossa cidade é parada demais! Podemos sair com calma e deixar as coisas fluírem... — Sentado na cama ao seu lado, ela levanta o polegar em minha direção.

Alice sorriu, e me encara.

— Aceito, afinal nossa amiga Joanne vai ficar os três dias ocupada com o suposto amigo chamado Gustavo. — Seu tom sarcástico me fez arquear as sobrancelhas.

— Ela está feliz. — Sussurrei, dando de ombros. — A quero feliz.

Um cacho cai sob sua bochecha e em um movimento não planejado, minha mão caminha até seu rosto, tirando o cacho do lugar. Seu rosto gelado cora ao receber meu toque, logo seus lábios pequenos tocam os meus lentamente, me deixando estático. Sua mão percorre meu pescoço e, em um beijo calmo. Nossos lábios selados e seu corpo próximo ao meu faziam-me querer ainda mais. Meu corpo se arrepiou ao sentir seus dedos adentrarem em meus cabelos e ela se afastou lentamente da minha boca, passando o polegar em seu lábio inferior. Provavelmente, ela não planejou me beijar.

— Uma chance? — Ela sussurrou, se aproximando e colando sua testa na minha.

— Uma chance.

Me aproximei novamente e a beijei com um pouco mais de intensidade e senti sua mão caminhar por minhas costas. Seus movimentos delicados a fizeram deitar na cama, deitando parte do meu corpo sobre o seu. Suas mãos percorriam minhas costas por dentro da minha blusa e curtimos o nosso beijo por um tempo.

《♡》

Na voz da Joanne:

Deitada confortável em minha cama, encaro o lustre infantil com pequenas borboletas penduradas. O vento as faz se moverem de um lado para o outro em poucos instantes.

— Preciso tirar isso daí, é infantil. — Falo para mim mesma.

Imagino se a conversa da Alice e do Alex fluiu bem, afinal os dois merecem ser felizes, e vão. A semana passou rápido e amanhã já é a véspera de algo que o Gustavo está planejando. Me sinto um pouco nervosa, confesso, tento imaginar o que seria. Não é um costume meu sair por aí sem saber o destino, e confesso não saber reagir a surpresas. Sou um fracasso com isso, a pessoa pode pensar que eu não gostei, quando na verdade estou travada.

Com meu notebook em mãos, abro a  pasta do curso está lotada de fotos do Peat. Ele é um lindo asiático, não sendo nada difícil de todas as fotos ficarem ótimas. Nosso trabalho em dupla está fluindo bem. Pastas minhas com o Alex têm muitas, com viagens em família e aniversários, noites no lago, culinária, paisagens e céu. — Clico em nova pasta, talvez esse final de semana venha a render boas fotos.

Meu celular vibra em alguma parte da cama, ao balançar as cobertas, o escuto cair no chão.

— Virou passarinho pra sair voando? — Grito para o aparelho, pegando-o do chão.

Boa noite, está acordada?

Uma mensagem de Gustavo aponta na caixa de entrada, me fazendo abrir de imediato.

Ainda sim, como você está, coruja?

Deito-me confortável novamente, fechando o notebook e puxando as cobertas. Mesmo de folga amanhã, o dia será de arrumações.

Estou bem, ansiosa Clark? Já fez a mala?

É inevitável ler sua mensagem e não escutar sua voz grossa.

Sim, tive que colocar roupas aleatórias para os três dias misteriosos, o que coloco mais? Pelo menos me ajuda com isso!

Gustavo mandou muitos emojis gargalhando.

Uma roupa de cada, vai na sorte baby.

Uma risada sai dos meus lábios, quem ele pensa que é? Foi esperto demais, primeiro pediu aos meus pais. 

Esquece inútil, darei meu jeito.

Fechei meus olhos, colocando o celular ao meu lado. Porém o mesmo volta a vibrar.

Sai na janela e olha como sua rua está mais bonita essa noite, deixa de ser chata.

— Ele só pode estar brincando. —Falei sozinha e levantei.

Segui  até as cortinas roxas e, ainda pelo lado de dentro, o vejo sentado no capô de seu Mustang preto do outro lado da rua escura, usando uma calça jeans clara e botas pretas, uma camisa azul escura e uma jaqueta preta por cima. Seus cabelos estavam sendo bagunçados pelo vento e ele segurava o celular com apenas uma mão.

Gustavo devia ter algum problema com uma coisa com dormir, quase toda noite ele se encontrava na rua ou simplesmente acordado. Abro a janela, empurrando-a para cima, e ainda assim ele não se dá conta da minha presença do alto. Por cima do meu pijama, coloco um casaco e desço as escadas lentamente. Os degraus de madeira às vezes fazem barulho, e acordar meus pais em plena madrugada não é uma boa ideia.

— O que faz aqui a essa hora? — Falei e Gustavo me encarou com desdém, mexendo os ombros de uma maneira engraçada. 

Em um pequeno salto, desceu do capô e caminhou em minha direção.

— Pijama legal, sexy. — Gustavo aponta para minha calça estampada com bolinhas rosa claro. Arqueio as sobrancelhas e seu sorriso sarcástico desaparece.

— Mentiroso, e para onde você vai vestido assim? — Pergunto, fazendo-o rodopiar em minha frente.

— Gostou? Não sei, eu só fico desarrumado em casa. O que quer fazer hoje?

Arrumado ou desarrumado, ele não sabe o que é ser feio, apenas se destaca nos mínimos detalhes.

— Gost... Olha o ego. — Interrompo minha breve afirmação, ele já se acha demais. — Gustavo, são quase onze da noite. — Gesticulo um relógio em meu pulso, fazendo-o revirar os olhos e me imitar. — Por que não está na cama, engraçadinho? — Completei.

Ele negou e suspirou, cruzando os braços.

— Humm, às vezes eu tenho dificuldade para dormir. Desde que minha mãe morreu, passei anos esperando ela voltar toda noite quando criança e desenvolvi algum problema para dormir. Não sei, complicado. — Ele passou a mão por entre os cabelos e sorriu, me deixando sem jeito por julgá-lo.

— Entendo. Quer sentar ali no balanço de madeira? Te mandar embora não vai adiantar mesmo. — Aponto para o balanço e ele assente.

Caminhamos até o balanço em minha varanda e Gustavo sentou com desconfiança após um barulho agudo da madeira velha. Lado a lado, o balanço fazia um leve barulho ao balançar e o silêncio permanecia em todo o ambiente, ele encarava as flores plantadas recentemente e seu pensamento parecia longe.

— Desculpa roubar suas noites às vezes . — Sua voz rouca saiu junto a um sorriso tímido.

— Sorte sua que não trabalho amanhã e você é uma boa companhia. Só me preocupo,  a sua mente precisa descansar. — Um sorriso se formou em seus lábios molhados, seguido de um suspiro longo.

Após alguns minutos em silêncio, ambos olhando para a rua, Gustavo pegou seu celular para olhar a hora e o colocou de volta entre suas pernas.

— Quer dar uma volta? Ainda não está tão, tão, tão tarde. — Baker apontou para seu carro preto e eu aceitei.

Depois que ele surgiu em minha vida, a monotonia não prevalece, pois ele sempre tira algo da manga e nunca sei como recusar. 

《♡》

Percorrendo a cidade vazia o carro desliza lentamente sob o asfalto úmido, com os vidros abertos o vento gelado bagunça meus cabelos e me faz gelar internamente. Com minha mão para fora da janela, à sensação de liberdade me deixa feliz. A música no rádio tocava no volume mínimo como um som ambiente, mesmo assim Gustavo balbuciava a letra e encarava suas mãos ao volante seguindo o ritmo da música com os dedos. A música do rádio era do meu cantor preferido, James Arthur.

Gustavo canta o refrão em voz alta fazendo meu coração saltitar.

— Você sabe que eu te quero, não é um segredo que tento esconder. — Ele cantava e batia os dedos no volante. — Tudo que eu quero é voar com você. Tudo que eu quero é me apaixonar por você...

Ele me olhava ao cantar cada parte da música, sabia que me deixava completamente sem jeito e corada. Sentia meu rosto arder e disfarçava ao olhar a paisagem pela janela do carro. Sorri sem deixá-lo ver e minha boca travou; não consegui parar mais.

— Essa música pode ser nossa, sabia? — Gustavo sussurrou, aumentando a voz.

— Pode ser, eu gosto dessa musica! — Falei sem o encarar. Gustavo sorriu orgulhoso por minha resposta. 

Dirigindo sem rumo, Gustavo repetiu a música três vezes e cantou todas as três vezes. Até arrisquei cantar algumas partes com ele e o fiz rir do meu vasto talento musical.

— Soube da discussão com a Emma na padaria, nossa você arrasou com ela. — Declarou ele em um tom baixo enquanto mexia no som do carro. — Ela é mimada...

— Sua amiga passou dos limites no meu ambiente de trabalho. Só faltou dizer que você é propriedade dela... — Respondi prontamente. —Ela é mimada ou louca?

Gustavo respirou fundo e encostou sua coluna no banco do carro.

— Um pouco dos dois, e pra ela, eu sou dela. A briga foi por isso? — Gustavo deu de ombros, encarando o retrovisor com atenção.

— Digamos que ela me ameaçou e disse que isso aqui... — apontei para nós dois rapidamente — Ia acabar logo!

Irrito-me apenas de lembrar a cena constrangedora.

— Menina sem noção, não sabe o que fala. Ela é minha amiga há anos, mas mistura muito as coisas, não ligue para isso.— Seu tom calmo não parece se importar com o acontecido.

Gustavo não aparecia se importar com aquilo, mesmo que tivesse sido péssimo para mim.

— Você gosta é? Todas babando por você... — Encaro a paisagem e ouço sua risada seca. — Nem se importa com nada, mesmo que isso passe dos limites!

Falei com sinceridade e ele negou.

— Você que não precisa se importar e esquentar sua cabeça, afinal, ela age assim justamente porque eu não a quero. — Gustavo me manda uma piscada e um beijo ao ar. — Eu sei de quem gosto, estressar-se é inútil.

Como ele pode falar tão calmamente?

— É fácil falar, não sei por que tocou no assunto; já resolvi e resolvo de novo se preciso for. — Minha respiração alta o faz me encarar.

Gustavo freou o carro com agilidade e parou no acostamento da avenida vazia. Sinto meu coração acelerar pelo susto da freada brusca e o menino de cabelos bagunçados cruzou os braços, ainda encarando o volante de couro. O silêncio era cortado pelo barulho de algum inseto por perto e o ouço puxar a respiração e soltar.

O irritei mais uma vez, sua cara fechada é autoexplicativa.

— Você quer que eu faça o quê, Clark? — Gustavo virou-se para o meu lado e me encarou fixamente, sem ao menos piscar. — Ela acha que sou propriedade dela desde a infância. Não importa o quanto eu diga que não, ela insiste. É como se ela vivesse fantasiando algo que nunca vai acontecer, você não entende?

Seu tom um pouco mais alterado me faz falar ainda mais alto, ecoando no carro.

— Fala baixo, garoto, e não quero que faça nada. Quem sou eu pra mandar você fazer algo? — Sinto-me irritada, minha cara fechada não nega.

Cruzei os braços e virei minha cabeça para o outro lado.

— Desculpa por falar alto, ela quase estragou tudo aquela noite... O que quer que eu faça, Anne? — Sua mão pousou sobre minha coxa, seu toque firme fazia meu corpo gelar.

— Quero que me leve pra casa, obrigada pelo passeio. — Minha resposta seca o faz ligar o carro sem pestanejar.

Gustavo se aproxima de mim, apoiando parte de seu corpo ao meu, fazendo-me sentir sua respiração no meu rosto. Puxa o cinto de segurança com força, afivelando-o em mim. Fechei meus olhos e senti o vento gelado bater em meu rosto por todo o caminho.

《♡》

Após alguns minutos sob as rodas do Mustang preto, Gustavo para o carro lentamente e ouço um barulho alto de portão abrindo. Ao abrir os olhos, em minha frente se encontrava sua enorme e iluminada casa.

— Essa não é a minha casa. — Afirmei, olhando pelo retrovisor enquanto o portão se fechava lentamente, empurrei seu ombro com força, fazendo-o me olhar de canto.

— Não, é a minha casa. Você não especificou para qual era a casa, então eu escolhi. — Gustavo parou o carro e o manobrista se aproximou como um fantasma.

Ele não tem limites, se acha o dono do mundo. Descemos do carro e caminhamos até a enorme porta. Como ele ousa fazer as coisas sem me perguntar?

— Qual é seu plano? Vai me levar para casa que horas? Isso foi um sequestro! — Gustavo me encarou fixamente, fazendo-me andar contra a porta e encostar-me a ela.

Gustavo bufou mais uma vez.

— Você é uma chata, irritante, reclamona, senhora de oitenta anos e incrivelmente bonita. Ter ciúme da Emma é tão patéticos que chega ser engraçados, é a mesma coisa de eu ter ciúme de você e o Alex. — Seu tom sério e sua voz baixa faziam com que eu o encarasse fixamente.

— Eu sou tudo isso, ainda assim quer passar três dias comigo. Ela é nojenta e sem noção, não tem nada a ver com ciúmes. Não compara isso, o  Alex é meu melhor amigo e fica feliz em me ver feliz!— Rebati.

Gustavo se aproximou de mim, seu corpo colou ao meu, e encostei na porta grande de madeira, sentia sua respiração quente próxima ao meu rosto. Em um movimento rápido, ele abriu a porta, o que me fez desequilibrar e logo me segurei em sua jaqueta para não cair, mas senti sua mão firme em minha cintura, segurando-me.

A enorme casa estava toda escura, fazendo eco ao som dos nossos passos. Gustavo seguiu para a cozinha, puxando minha mão, e não havia sinal de pessoas na casa além de nós. Ao entrarmos no enorme espaço, Gustavo acendeu as luzes e abriu os braços, dando-me as boas-vindas.

— Quer torta de maçã? — Perguntou ele, apontando para a torta em um lindo porta bolos de vidro. — Tinha uma de chocolate, mas eu comi toda.

Arqueei o cenho e ele sorriu.

— Quero, cadê a Mary? E seu pai? — Tirei meu casaco e o apoiei sobre a mesa, sentando-me.

Gustavo partiu dois pedaços de torta e lambeu os vestígios de doce em seus dedos.

— Viajaram, Mary foi visitar parentes e meu pai foi para a Itália.

Consenti ao ouvir aquilo, ele realmente era uma pessoa bem sozinha.

— Itália é um lugar bonito, então estamos só nós dois... — Engoli seco, respirando fundo. — Aqui?

Gustavo sentou-se e arrastou o prato para mim, junto a um garfo de prata.

— Sim, e pode me prometer uma coisa simples, Joanne? — Ele apoiou o garfo no prato após comer um pedaço e me encarou seriamente, esperando uma resposta.

— O que? — Perguntei, ainda com vestígios de bolo na boca.

Senti seu dedo em minha bochecha, limpando delicadamente.

— Não acredite nas bobagens da Emma. Se escutar algo sobre mim, é só me perguntar. Eu vou ser sincero, mas não gosto de discutir com você porque é muito chata e faz um bico que poderia morder até sair um pedaço.

Meu olhar de indignação o fez rir e comer outro pedaço de bolo. Ele acabou de dizer que tem vontade de arrancar um pedaço da minha boca?

— Eu não disse que acreditei em nada, mas tudo bem. Prometo, eu sou chata e você é frio. Se você morder minha boca, eu mordo seu... — Gustavo arregalou os olhos, esperando eu terminar a frase. Coloquei o último pedaço de torta na boca e o vi sorrir. — Seu nariz... come sua torta, Baker.

— Nariz... Está bem. Tem certeza de que sou frio? Você me disse o contrário outra noite... — Revirei os olhos, empurrando seu braço. 

Ele pôs o último pedaço de torta na boca, raspando a calda restante no prato e continuou a falar.

— Trabalha amanhã? — Perguntou ele, enquanto eu levantava e seguia até a pia, colocando os pratos dentro e lavando as mãos sujas de calda.

— Não, meu pai me liberou para organizar as coisas. — Gustavo se aproximou de mim por trás, sabendo que sua presença me deixava nervosa. 

Senti sua mão acariciar meus cabelos, soltando-os de um coque mal feito. Seus braços me envolveram e eu o senti apoiar a cabeça em meu ombro. Com minha mão molhada, toquei seu rosto, fazendo-o soltar uma risada e passar o rosto em minha roupa para enxugar.

— Que bom que está aqui, não me sinto sozinho. — Sua voz rouca ao meu ouvido me fez arrepiar e disfarcei, culpando o frio das janelas abertas.

— Não tive escolha, Baker. — Virei-me, ficando frente a frente com ele, que mexia com cada célula do meu corpo.

Gustavo me puxou pela mão, fazendo-me seguir seus passos rápidos. Suas pernas compridas com certeza tinham mais vantagem. Ao entrarmos em seu quarto, sentia-me sem jeito e tentei desfazer minha falta de jeito, encarando a paisagem pela janela. A estufa ficava em frente ao seu quarto, fosse intencional ou não, era uma linda vista.

Ouvi a porta do banheiro bater e Gustavo sumiu do quarto sem falar nada, apenas me deixou a vontade. Sozinha no quarto, pude respirar e colocar para fora meu desconforto, apesar de já ter entrado ali.

Após alguns minutos, Gustavo saiu do banheiro, com um visual desarrumado que eu nunca tinha visto. Usava uma calça de moletom folgada e uma camisa branca básica, ele sentou na cama e enxugou seu cabelo com uma toalha pequena, a cada dia que passava, o achava mais bonito.

Encarei seus movimentos e sentei em sua enorme cama, ele me olhou de canto, mandando um breve sorriso.

— Ei, está no mundo da lua? Falei para deitar se quiser, fique a vontade assim como fiquei na sua!— Gustavo me tirou dos pensamentos distantes. — Tenho ideias em mente, podemos fazer uma brincadeira. — Sua ideia me fez arregalar os olhos, e sua risada contagiante me fez perceber que só eu havia pensado bobagem.

Deitei na cama com mil travesseiros, e Gustavo ao meu lado encarava o teto. Não se dizia uma palavra, ambos encarávamos o teto branco.

— Que brincadeira? — Perguntei curiosa.

— Verdade ou desafio. Se não responder ou escolher desafio, vai me beijar. — Engoli seco ao imaginar o tipo de pergunta.

Gustavo virou-se para o meu lado, me encarando. Apenas consenti e virei para encará-lo também.

— Joanne, verdade ou desafio? 

—Verdade, obvio.

Gustavo revirou os olhos. 

— Qual seu sonho? — Perguntou rapidamente, essa era fácil.

— Meu sonho é salvar vidas, incluindo a minha. — Rebati. — Como foi seu primeiro beijo?

Uma risada saiu de seus lábios, eu simplesmente esqueci de perguntar o que ele escolheria.

— Meu primeiro beijo foi com uma menina mais velha, foi muito bom. — Sua resposta me fez sorrir. — Joanne, por que não gostava de mim?

Aquela brincadeira em pouco tempo mudou de verdade ou desafio para apenas verdades.

— Porque você era mimado, metido e achava que todas caiam aos seus pés. — Gustavo revirou os olhos, não gostou da minha resposta. — Já amou alguém romanticamente?

Ele parecia surpreso com minha pergunta.

— Sim, e você? — Gustavo sussurrou. 

Não esperava essa resposta e permaneci em silêncio, seu olhar esperava minha resposta.

Minha mão tocou seu rosto em um gesto de carinho inesperado. Às vezes, eu só sentia vontade de tocar seu rosto. Com minha mão apoiada sobre sua bochecha, ele colocou a sua por cima. Puxei seu pescoço para perto de mim e beijei seus lábios quentes. O menino de cabelos molhados retribuiu o beijo com voracidade, me puxando contra seu corpo, sua mão acariciava meus cabelos em gestos delicados, e senti sua boca tocar minha testa. 

Meu corpo quente denunciava o efeito que ele provocava, eram as primeira vezes que sentia meu corpo aquela forma. Pela primeira vez na vida me senti desejando alguém, desejando como nunca.

— Isso valeu mais do que a resposta, gostei. Desculpa te arrastar até aqui, nem perguntei se você queria... — Seu rosto se afastou do meu, mantendo sua mão na minha cintura.

— Se queria me beijar, não precisava dessa brincadeira. — As palavras escaparam da minha boca, fazendo-o coçar a cabeça. Novamente, vi Gustavo Baker corar, seu sorriso tímido o entregou. — Eu gostei do sequestro, e desculpa surtar e sei lá. Mas eu gostei de estar aqui na sua cama... — Completei.

Ele sorriu, consentindo.

— Não quero que ache bobagens, mas gosto de beijar você.

— Gosto da sua companhia, Baker, e gosto da sua boca um pouco mais. — Sussurrei, fazendo-o beijar meus lábios novamente.

Ele tocou meu rosto, com carinho.

— Menina chata, o doce te acalmou. — Sussurrou ele.

Não foi a torta que me acalmou, foi você.

Ao meu lado, Gustavo tentava segurar o sono, seus olhos piscavam de forma mais pesada e ele parecia um garoto indefeso. Pergunto-me todos os dias como ele conseguiu entrar na minha vida, logo eu, que o evitei por tantos anos assim como qualquer pessoa. Peguei meu celular, finjo digitar e tiro uma foto de seu rosto calmo, supostamente me encarando.

— Eu sou inseguro e sem rumo. — Suas palavras secas o fizeram voltar a encarar o teto. — Às vezes surto e saio de casa sem rumo, após comer doces compulsivamente. Eu tenho medo do abandono, medo de perder pessoas e medo de morrer sozinho.

Ele falou com calma e não me encarou.

— Por que está me contando isso? — Rebati em seguida, fazendo-o passar a mão nos cabelos já bagunçados.

— Porque é a verdade, eu tenho milhares de defeitos,  você precisa saber o que vem no pacote junto a um corpo gostoso e uma aparência deslumbrante. — Dei uma leve tapa em sua testa, fazendo-o franzir as sobrancelhas.

— Qual foi?

— Se tem uma coisa sobre você que eu sei, são seus defeitos. Pode apostar, sei em ordem alfabética. Mas ne tudo é um defeito, medos não são um defeito...— Minha declaração o fez sorrir timidamente e ele consentiu com minha resposta.

Ficamos mais um tempo em silencio, encarando o teto.

— Você coloca na mala a sua câmera. — Sua voz rouca indicava que o sono estava chegando.

— Quer uma fotógrafa particular? Olhe que cobro caro; sou a melhor da região. — Minhas palavras saíram junto a um sorriso espontâneo.

Gustavo levantou da cama em um salto, indo até a janela larga. Olhou ao redor do ambiente e fechou as cortinas cinza, deixando o quarto escuro e as janelas abertas. A noite fria corria junto aos ponteiros do relógio. Mandei uma mensagem para minha mãe, e ela confirmou que não se preocupava com meu paradeiro noturno desde que meu pai não soubesse daquela minha noite fora, bem nas vésperas de uma viagem. Não gosto de deixá-la preocupada nem de mentir, mas meu pai não gostaria de saber onde eu estou, ou melhor, como estou.

Meus olhos observavam o quarto grande, com tons neutros e muito bem organizado. Deitada na cama, analisava Gustavo enquanto procurava algo no armário.

— Hummm. — O som alto saiu dos meus lábios ao observar sua calça de moletom justa, que deixava sua bunda em evidência, mas para minha tristeza, apenas a bunda. Nada mal, o idiota parece ter sido desenhado, todos os detalhes são bonitos.

Gustavo me olhou de canto, tentando entender o som que eu fiz ao olhar sua bunda. Disfarcei com um olhar sério, e ele voltou a procurar algo.

— Se durante a madrugada sentir frio, coloca esse moletom meu. Como há muitas árvores ao redor da casa, venta bastante. A janela está entreaberta, é só usar se precisar.

Gustavo passou minutos procurando algo, sem perceber que eu já estava de casaco. Logo ele deitou na cama ao meu lado e nos cobriu, estávamos dividindo um edredom branco.

— Viver momentos e registrar memórias. Quero ter isso nos três dias ao seu lado. Afinal, ninguém tira foto de um momento que quer esquecer, por isso a câmera. — Ele falou e passei a mão entre seus cabelos, seus olhos se fecharam em seguida.

Suas palavras faziam total sentido. Seria por isso que ele estava colado na minha parede? O menino do basquete dormia tranquilamente, ainda com minha mão alisando seus cabelos castanhos. Queria saber mais sobre seu problema com o sono, mas ele parece não gostar de demonstrar suas maiores fraquezas. Cheirei o moletom que ele havia colocado ao meu lado; tinha um aroma amadeirado, lembrando-me dele usando esse moletom pela primeira vez quando fez uma entrega na padaria.

A vida, sem dar pistas ou satisfações, me trouxe até aqui. De todas as coisas aleatórias que imaginei me acontecerem, até mesmo ser abduzida, gostar desse garoto não estava em cogitação.

— Idiota, é tão bonito... — Puxei o edredom até seus ombros e ele se mexeu lentamente, colando seu braço no meu. — Que bom que conseguiu dormir, fica mais bonito quieto.

《♡》

Me digam se gostaram desses casais.
Deixem a estrelinha pra titia aqui caso tenham gostado. ☆

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