Um apoio inesperado ♡ Capítulo 52

Quando temos muito a falar, muitas vezes acabamos em silêncio. Como o virar de um dia para o outro, minha vida e a de muitas pessoas mudaram, e eu nem sei por onde começar a pensar. Minha mente estava em dois lugares ao mesmo tempo: deitado em uma cama junto à minha melhor amiga, tentava encontrar algo que pudesse entreter sua mente conturbada. Mas a verdade era que a minha também estava conturbada; pensar em Gustavo nas mãos de um bandido me causava uma agonia que era consequência de uma bela amizade construída ao longo de muitos e muitos meses.

— Quando o Gustavo voltar, vou comprar um saco de maçãs para você arremessar nele — sussurrei, tentando quebrar o gelo.

Já passava das onze horas da noite. Havíamos voltado da casa da avó do William, que, por sinal, era uma senhora com um estilo de vida bem diferente. A casa era quase toda rosa, enfeitada com coisas fofas, e no quintal havia uma piscina enorme com uma pequena canoa dentro — e, se não bastasse, um guarda-sol dentro da canoa. Enquanto ainda encarava o teto, Joanne fazia pouco caso da minha tentativa de puxar assunto.

— Não sabemos se vamos encontrá-lo. É o Augustos... — Sem reação, ela sussurrou. — Por que jogaria maçã nele? E por que estragar as pobres maçãs? — Sem humor, suspirou.

Um fato sobre minha amiga é que ela é a pessoa mais difícil do mundo de tirar do ápice da tristeza. 

— Na Grécia antiga, uma forma de declarar seu profundo amor por alguém era arremessar maçãs nela — compartilhei uma das minhas mais novas descobertas.

Era real, não entendia o porquê, mas era verdade.

— O que você passa seu tempo livre fazendo, Ross? — Um sorriso escapou dos lábios dela, e me senti bem por isso. — E uma maçã na testa deve machucar. Testei isso no Andrew na infância e ficou uma montanha vermelha em sua testa.

— Poxa, verdade... — Ela realmente fez isso. — Mas...

Sempre gostei de saber coisas que quase ninguém sabia; isso me ajudava a nunca ficar sem assunto, por ser uma pessoa tímida. Fechei os olhos e tentei pensar em outra.

— Dizem que quanto mais você briga com alguém, mais chances tem de se apaixonar por essa pessoa — falei, e minha explicação fez Joanne me olhar com cara de poucos amigos, como era de costume.

Não era um fato curioso, era apenas o que diziam oitenta por cento dos romances que assisti.

— Como você e o Gustavo — completei, fazendo-a consentir. — Vamos falar sobre algo que você gosta. O que te fez gostar dele? — perguntei, atraindo sua atenção. — Fora a beleza, que, obviamente, ele é uma pessoa bonita — afirmei, com calma.

Sua expressão mudou ao entrarmos no assunto Baker. Com certeza, ele tinha um poder sentimental sobre ela que ambos desconheciam.

— Umm... — Joanne se acomodou na cama, encostando-se na cabeceira. — A beleza dele é bem óbvia, mas nunca o paquerei na escola ou na rua. Com o passar das brigas... — Ela sorriu, mergulhando em seus pensamentos.

Sentei-me ao seu lado e, após longos minutos encarando o nada, ela enxugou uma lágrima que insistia em cair.

-Gostei do sorriso dele que me fazia sorrir a troco de nada, da sua mania de inventar assuntos para não ficar calado e suas piadas ruins. Ele tem o dom de me irritar e me deixar feliz na mesma fração de segundos, gostei da sua sinceridade muitas vezes em excesso, da forma que ele trata as pessoas e de todo o respeito que sempre teve a mim o que muitas vezes fez a minha opinião como única. Ele também fica cheirando meu cabelo quando dormimos juntos, então a respiração dele em mim me faz dormir melhor... –Ela sorriu e sorri também. -Gostar do Gustavo foi algo gradativo mais que também me pegou de surpresa, ele foi aquecendo meu coração gelado aos poucos, quando vi... –Joanne suspirou, e apontou para metade da parede de fotos compostas por fotos deles. –Já era amor. –Ela completou.

Ouvir sua declaração feita em poucos minutos me deu uma imensa vontade de chorar, passou em minha cabeça tudo que eles passaram até hoje e me peguei pensando por que a vida faz certas coisas, por que ele está nas mãos de um bandido agora? Por que o Andrew morreu de uma forma tão cruel? Por que tudo isso?

-E você? –Disse ela.

-Não cheguei a me apaixonar por ele, mas ele é um bonito e grande amigo. –Com brincadeira, a fiz rir de verdade depois de muitas lágrimas. –Eu o que pequena Clark? –A encarei e seu sorriso havia sumido.

-O que te fez gostar da Raybell?

Sua pergunta seca me fez engasgar com a própria saliva. Como ela imagina isso? De onde essa pentelha tirou isso? –Virei-me em sua direção e a mesma cruzou os braços.

— Gostar da Emma? Como cheguei a isso... — arregalei os olhos e gesticulei negativamente em sua direção. — Só porque fui gentil naquela hora? Onde vamos parar? Um homem não pode mais ser gentil? — fingi estar indignado, mas ela não deu bola.

Não sabia o que dizer para o céu não desabar sobre minha cabeça, mas minha cara de idiota com certeza entregou que eu não sabia mentir. Mil vezes droga, mil vezes qualquer palavrão.

— Você é um ator horrível. Ela é uma pessoa aleatória, e você gosta dela. Só não vê quem não liga os pontos... Emma Raybell. — Ela suspirou e tapou a boca com a mão. — De quietinho você não tem nada...

Por algum motivo desconhecido, ela não surtou, o que me deixava muito assustado a cada minuto que passava. Emma foi a pessoa que mais a vi xingar, com toda razão, óbvio. — Cocei o queixo e entrei em negação, balançando a cabeça repetidamente.

— Conta tudo de uma vez, Ross. Isso é bem aleatório. Sinceramente, não sei o que pensar. Tinha que ser você para me fazer entrar em uma pane mental. — Joanne prendeu o cabelo e passou as mãos no rosto a uma velocidade consideravelmente rápida, respirando fundo. — Manda ver, estou pronta para ouvir.

Encarei seus movimentos enquanto seu olhar se fixava no meu, esperando que algo saísse dos meus lábios. Eu estava passando por um momento que se diz ficar contra a parede.

— Quando voltei de Boston, fazia algumas semanas que eu e a Alice tínhamos terminado nosso lance. Foi um dia antes do aniversário da sua mãe, eu estava mal pós viagem e fui ao lago. Ela estava lá, bêbada e chorando, então sentei e bebemos uma bebida horrível e quente... — com as sobrancelhas arqueadas, Joanne parecia ter travado. — Tudo bem?

Pausei minha explicação e passei a mão em frente ao seu rosto paralisado.

-Continua idiota. –Ela cerrou os dentes e lançou uma tapa em meu braço. –Isso parece um livro, senhor. –Ela piscou os olhos e bufei.

Acredite também acho isso.

-Ela ficou bem pesada de bebida e a levei em casa. Nós beijamos e transamos quase a noite toda e depois fingimos que nada aconteceu até... –Suspirei e Joanne com a mão na boca parecia chocada. –Acasos, aconteceram acasos que fizeram nos encontrarmos novamente e acabei a conhecendo mais e... –Pausei minha explicação, me jogando na cama.

Minha cabeça voltou a rodar; todos os breves momentos retornaram em minha mente, incluindo seu sorriso. Tudo que sabia sobre sua vida, poderiam e não poderiam ser um motivo para ela ser como era. No fundo, eu tinha ciência de que ela era uma menina desprovida de receber sentimentos e também não sabia se seria capaz de doar algo que nunca recebeu. E claro, havia o pior de tudo: estar perto dela trazia sensações que nunca havia experimentado antes. Sensações como querer protegê-la e abraçá-la, ao mesmo tempo em que sentia um desejo de não ir embora, mesmo ela sendo quem era.

— Você se apaixonou e, nesse momento, está se martirizando por gostar de alguém como ela? — com calma, Joanne se deitou ao meu lado e retirou as mãos do meu rosto. — A paixão é rápida.

Essa não parecia ser a minha amiga que surtaria; o que tornava o ambiente todo estranho e desconfiado.

— Anne, essa não é você. Descarrega sua raiva e fúria logo. Você sabe que vai surtar por isso, eu sei que é a Emma. Eu sei, ela já magoou metade da América e... — desabafei sozinho. — Já sei sua opinião e a da Alice.

Joanne levantou mais uma vez e puxou meu braço com fúria.

-É a Emma, ela já magoou metade do mundo. Ela parece não ter sentimentos e já quis mata-la muitas vezes, com certeza isso não é algo que esperava mais a essa altura da vida já parei de prever os acontecimentos. –Ela deu de ombros e franziu as sobrancelhas... –Mas...

De fato a opinião de Joanne era como eu pensei, sempre soube da opinião dela sobre a loira. Afinal sobre ela não ter sentimentos sempre foi algo que pensei, acho que todos que a conhecem pensam o mesmo, mas claro, não a conhecem de verdade.

-Mas... –Perguntei, sem saber o que esperar.

-Não precisa se importar com a minha opinião ou da Alice, afinal não temos muita moral sobre isso. Eu mordi minha língua e me apaixonei por uma pessoa que não suportava e a Alice... Bom, ela ama uma pessoa morta e se recusa a seguir em frente. E creia, está tudo bem contanto que estejamos bem com nosso próprio coração. –Joanne falou sem parar e minha mente estava processando tudo lentamente.

-Você está bem mesmo Anne? Acabei de te falar que fiquei com uma pessoa que você odeia. –Sussurrei, tocando em sua testa.

-Para... –Ela empurrou minha mão e bufou. –Não odeio a Emma, só odeio o fato dela falar para o mundo que ama meu namorado. Sei que ela nunca foi amada... Até agora não é Alex? –Sua suposição deixava algo no ar e me fez suspirar.

Amor?

— Me preocupo com a Alice. Terminamos nosso lance há pouco tempo, sei lá... — cabisbaixo, expus minha opinião.

A Alice foi alguém de quem gostei, e sua amizade é importante demais para mim.

— Acredite, ela está bem. Ela está amando meu irmão, afinal, não temos controle sobre isso. Quando estiver pronta, encontrará alguém sem precisar voltar atrás. Preocupe-se com você. Me prometa que não deixará ela te magoar? Preocupo-me com você, mas sei que os sentimentos não podem ser controlados. — Ela sorriu triste. — Sabe qual é meu arrependimento hoje?

Joanne não parecia mais a menina de anos e meses atrás; ela estava calma e pensativa, uma mudança drástica em relação à sua antiga explosividade.

— O que? — perguntei.

-Hoje, aqui... Segurando-me para não chorar, sentindo falta dele e com medo de perdê-lo sem poder fazer merda nenhuma... –Com raiva, ela falou cerrando os dentes. –Me arrependo de ter tido medo de me aproximar dele, me arrependo de todos os foras que o dei, das vezes que o julguei sem conhecê-lo e daquele um mês longe. Em fração de horas tenho milhares de arrependimentos, então faça o que quiser sem se importar com opiniões ou os e se...

Mais uma vez poderia ver a dor em seus olhos e o desespero em suas palavras acolhedoras. Palavras essas que entravam em meu coração como tiros certeiros.

-Não acha uma loucura completa? –A encarei e recebi seu sorriso.

-Loucura de verdade é perdermos tempo imaginando o que as pessoas vão achar de coisas que só dizem respeito a nós e ao nosso coração. Você é inteligente, maduro, dono de si, talentoso e acho muito difícil de se deixar ser magoado. Sobre magoar sei que não vai, ela ganhou na loteria.

Joanne me abraçou de modo caloroso, e beijou minha bochecha. Ela estava sendo sincera e provavelmente feliz por Emma parar de cobiçar seu namorado. -Sorri, quando isso fez sentido.

— Tirei um peso das minhas costas. Foi horrível esconder isso de você. Mas não temos nada sério, foi apenas um acaso da vida; somos muito diferentes. — Com calma e aliviado, expliquei. — Por isso você é minha melhor amiga, eu realmente amo você.

Declarei-me, fazendo-a sorrir. Por trás de sua casca dura e seu humor negro quase nulo, seu coração é bom e enorme.

— Eu também amo você, Ross, e isso de sermos muito diferentes é um baita clichê. Deixa de orgulho. Vai lá, pode ir... — Joanne apontou para a porta, e intrigado, balancei os ombros.

Ela está me colocando para fora?

— Vou passar a noite com você. O pai da Alice fala por dias se ela passar a noite fora. — Me acomodei na cama, sem preocupação.

— Vai ver como ela está... Sei que está preocupado, afinal, ela se machucou recentemente e é amiga do Baker há anos. Não vou fugir, vou pedir folga ao meu pai por uma cólica muito forte que sentirei amanhã. Não estou bem para me concentrar, só vai. — Ainda pasmo, permaneci calado.

— Você precisa de mim. — Afirmei, me negando a deixá-la sozinha, mas de fato estava preocupado, justo por isso minha cabeça estava em dois lugares.

Meu coração estava inseguro de deixá-la sozinha em um momento como esse, eu estava surtando internamente.

— Preciso e sempre precisarei, pois você é minha pessoa, mas estou em uma casa com meus pais e preciso ser forte. A Alice está bem com a família dela, e os garotos também, afinal, moram juntos. — Concordei, apenas balançando a cabeça. — Eu irei dormir, tentar me acalmar e pensar em uma solução para tudo isso. Vá, siga seu coração e me conte tudo amanhã.

Joanne me empurrou da cama, e eu me segurei para não cair, totalmente o oposto do que pensei. Ela me pediu para ir até Emma, que de fato estaria sozinha, mas não sabia se a mesma me queria em sua casa.

— Está bem, eu irei. Mas antes do sol nascer, estou passando por essa porta. — Levantei e peguei minha mochila.

— Saia por trás e mande mensagem assim que chegar lá.

— Sim, senhora. — A abracei. — Sei que precisa de um tempo. Desculpa grudar tanto em você. — Passei por entre a porta do seu quarto e tentei ser o mais discreto possível.

— Sim, eu preciso. Ioga, meditação, pilates, e algum remédio. — Ela sorriu, e senti sua tristeza sair por uma voz mansa. — Irei fazer algo, agora vai.

Joanne fechou a porta de seu quarto, e fiquei em pé por alguns minutos aguardando algum barulho suspeito, mas nada ouvi. Talvez ela precise de um tempo para digerir tudo que está acontecendo. 

Desci as escadas lentamente e segui rumo à casa de Emma, como meu coração realmente queria.

S2

Balançando um pequeno sino no topo da porta, o Bell me recebeu com alegria. O ambiente cheirava a doces, trazendo boas lembranças. Talvez o que eu mais quisesse fosse que tudo pudesse voltar ao normal, que todos nós pudéssemos sentar em uma mesa no canto e falar sobre a vida enquanto comíamos pilhas de doces. Suspirei, encarando as guloseimas.

— Bell, boa madrugada! Me dá uma fatia dessa torta enfeitada com brilhos. Esses brilhos podem ser comidos, certo? — Perguntei, encarando o doce coberto de glitter. Ele sorriu e consentiu. — Então coloca esse pedaço, alguns donuts rosa, minha torta de limão e dois refrigerantes.

Enquanto o senhor arrumava todas as comidas em pequenas caixas, conversamos sobre todas as vezes que viemos aqui.

— Senti falta de vocês. — O senhor sorriu, pegando o dinheiro da minha mão.

— Nós voltaremos em breve. Muita coisa está acontecendo: faculdade em breve, vida corrida... O senhor sabe... — Respondi, sorrindo e me despedindo.

— Aguardo vocês. Boa noite, garotinho. — Com carinho, ele acenou e sorriu.

Era isso que queríamos, Bell: voltar como sempre fazíamos após um dia cheio.

S2

Ainda dentro do carro, procurava pensar em como entrar na casa de Emma, meia-noite e meia de um domingo. Nem eu sabia os motivos reais de estar aqui com sacolas cheias de doces, mas era o que sentia. Aconteceu tudo muito rápido, como um flash de luz; quando paro para pensar, o medo me invade. Então, prefiro não pensar. Desci do carro, deixando-o na porta, e o segurança sorriu, me conhecendo.

— Olá, desculpe a hora. Lembra de mim? — Sussurrei, chegando perto do portão.

O segurança engravatado se aproximou e apertou minha mão.

— Lembro sim, o rapaz que faz o serviço dos carros da família. Te vi outro dia trazendo a senhorita Emma. — Ele sorriu, provavelmente recordando-se do dia em que a trouxe após a briga com seu pai.

Martirizei-me por lembrar do beijo que dei nela aqui na porta, em frente a milhares de câmeras. Onde estou com a cabeça? Que inferno.

— Sim, sinceramente queria falar com a Emma. Mas não fui convidado, e o pai dela não gosta muito da nossa aproximação. Então... — Suspirei, e o portão pequeno foi destravado.

Aquilo seria minha liberação? Assim, tão fácil?

— Entra, o doutor não gosta de quase ninguém. O quarto dela é à esquerda, e o pai não está em casa, mas a madrasta sim.  — Ele me explicou, e agradeci profundamente por isso.

Creia que eu sei o caminho do quarto, meu caro.

— Obrigado, te devo uma. Como entro sem os empregados me verem? — Gesticulei, e ele mandou que eu o seguisse.

Assim fiz, e com a ajuda do segurança, que parecia não se importar com o patrão, entrei na casa e, em passos rápidos, me dirigi ao corredor escuro e silencioso. Parado em frente à porta bege, que me trazia muitas lembranças, quase esqueci que deveria entrar o mais rápido possível. Bati na porta com medo de ser visto e esperei, vastos e torturantes minutos.

Emma abriu a porta vestindo um roupão preto e uma toalha na cabeça. Seus olhos arregalados me fizeram soltar uma risada.

— Oi... — sussurrei, e fui puxado pelo moletom com voracidade. — De novo.

Já dentro do quarto extremamente rosa, ela tirou a toalha dos cabelos e gesticulou algo que não entendi. Seus olhos estavam brilhantes e surpresos, mas também havia uma sombra de cansaço em seu olhar. 

-O que faz aqui? Como entrou aqui? Perdeu o juízo? –Em voz baixa, ela parecia pasma e nervosa. –Os seguranças...

-Percebe que nunca me dá oi? Entrei com ajuda de um segurança e sei que no fundo está feliz em me ver. Baixa a bola e trouxe doc... –Antes de completar minha frase recebi seu abraço, fazendo-me derrubar a sacola no chão.

Seu cheiro floral e seu cabelo molhado estavam grudados em meu rosto, e de ponta de pés ela conseguiu me envolver em seus braços curtos. A abracei também e pude ouvi-la suspirar.

— Bem no fundo... — ela sussurrou, e sorri.

Ela nunca conseguia admitir nada me olhando, mas, por seu abraço, podia perceber que não era tão no fundo assim.

-Termine de se vestir e penteei esse cabelo. –A soltei e ela se afastou. –Espero você aqui, tenho algo que vai gostar. –Seu olhar malicioso me fez sorrir. –É de comer. –Sussurrei.

-Eu sei. –Mais uma vez ela tinha levado para o lado malicioso e não se importou.

-É uma comida Cristal. –Sussurrei e já de dentro do banheiro ela me fuzilou com o olhar. –O que? –Perguntei dando de ombros.

Fui ignorado e não me importei. Arrumei as comidas em sua cama, abrindo todas as caixas, menos uma. Com certeza, o bolo brilhante a deixaria feliz. Emma passou minutos a fio no banheiro, e pude perceber todos os detalhes do seu espaço. Não havia muitas fotos, apenas algumas dela mesma e uma com seus pais na Disney, provavelmente quando criança. Vê-la hoje é realmente como ver sua mãe anos atrás. Ela gostava de balé e aparentemente de moda, mas o que me chamou a atenção foi que os desenhos eram apenas de vestidos de noiva, apenas isso. Em sua mesa, havia muitos lápis, canetas e pilhas de papéis. Seu primeiro nome, em letras garrafais na parede na cor dourada, me fazia imaginar o porquê de ela parecer não gostar do segundo nome.

— O que vou gostar? E o que acha de aparecer quando é convidado? — Ela sorriu e sentou na cama, observando as comidas.

Com certeza, ela não tinha papas na língua e não sabia falar sem farpas.

— Deixa de ser amarga, esse é o motivo dos doces. Quero adoçar você! — Sentei-me na cama à sua frente e entreguei uma pequena caixa. — Abra, acho que vai gostar. — Falei, seriamente, e ela abriu.

Seus olhos verdes e redondos encararam a torta rosa e brilhante, e um sorriso surgiu em meus lábios rosados. Como amansar uma fera, irei criar um manual e virar escritor.

— Quanto brilho! Você é louco? Eu amo brilho, e eu amo a cor rosa. — Emma passou o dedo no brilho rosa e lambeu. Por sua expressão, parecia bom. — É de comer mesmo, uau!— A loira abocanhou a fatia e observei-a comer tudo em minutos.

Me peguei admirando-a enquanto comia um pedaço de torta.

Emma comeu a fatia rapidamente, sem ao menos dizer se era bom de fato, o que me deixou internamente feliz, logo peguei um donut e o comi em duas mordidas.

— Estou aqui porque me preocupei, mas teve ter esqueci que nunca trocamos números de telefone, por isso não liguei. Não pude falar muito com você lá e pensei que pudesse estar sozinha. — Emma lambeu o polegar e pausou sua comilança.

— Senti sua falta hoje, mas não quero meu pai falando aquelas coisas para você. — Emma admitiu algo, mas ainda sem me olhar. — Preciso pegar o curativo da minha testa, quase esqueci. Me recuso a ter uma cicatriz! — Ela saiu da cama apressada e voltou rapidamente.

Ela não sabia expor nada que estava sentindo, mas seus poucos sorrisos me deixaram feliz, e era isso que eu mais temia. 

— Não ligo para seu pai, que se dane ele. Soube de boatos de que a parte filantrópica do hospital está ruim, meu avô ouviu quando foi para uma consulta. — Juntei as embalagens da cama e coloquei o restante em sua mesinha.

Conversando como uma pessoa normal, ela me explicou que a parte do hospital que recebia doações financeiras e de medicamentos parou de receber há um tempo. Ninguém sabia o porquê, mas segundo Emma,  a personalidade péssima do seu pai não contribui para amizades em seu círculo social.

— A parte filantrópica está falindo, e ele jamais tiraria do bolso para salvá-la. Ele é egoísta. — Emma tentou colar seu curativo, e metade ficou para fora.

egurei seu pulso, fazendo-a parar de tentar, e desgrudei o curativo.

— O mundo está carente de pessoas dispostas a ajudar, Cristal. — Expliquei, colando o curativo, e senti seu olhar fixo em mim.

— Não me chama assim. — Seria, a encarei e dei de ombros, sem me importar. — É o nome da minha mãe, só me chama de Emma.

Merda, obviamente ela guardava mágoas de sua mãe.

Deitamos lado a lado e com insistência, coloquei sua cabeça em cima do meu braço; afinal, ela era orgulhosa demais para pedir isso. Ao me remexer, senti que estava deitado em cima de algo e tentei puxar algo de debaixo do travesseiro.

— Levanta um pouco, limão, tem algo cutucando debaixo do travesseiro. — Assustada, ela me olhou e empurrou minha cabeça com força, buscando algo debaixo dos travesseiros.

Emma, aflita, escavou seus travesseiros e puxou uma espécie de caixa, jogando-a embaixo da cama.

— Coisa de mulher, esquece. — Assustado, olhei para ela, e a mesma puxou meu braço, deitando-se por cima dele novamente.

Emma era uma pessoa que me assustava com facilidade.

— Gosta de moda? — Quebrei o gelo, e ela consentiu.

— Noivas, não a moda por completo. — Ela respondeu, virando-se para meu lado. — Acho que desenhar um vestido de noiva é ter a chance de fazer algo que ninguém nunca esquecerá. — Ela explicou e fez sentido.

Ela não era uma menina ruim, ou muito menos amarga. Ela era vazia de sentimentos, apenas.

-Aquela na Disney é sua mãe? –Perguntei temendo sua resposta e senti sua mão puxar meus cabelos. –Ai... –Resmunguei e puxei seu corpo contra o meu.

Éramos como fios que ao se tocarem ambos passavam para o outro algum tipo de circuito.

— Não gosto de ser chamada pelo nome dela por que fui abandonada por ela. Não a vejo há um pouco mais de dez anos Ross, ou seja, eu tinha quase oito anos quando ela se foi. Não sinto amor por ela, nem raiva. Não respondo suas cartas ou agradeço por sua mesada. — Emma cerrou os dentes e passei minhas mãos por seus cabelos úmidos.

-Isso não te define. –Beijei seus lábios e fui correspondido na mesma intensidade. –Te farei companhia hoje quer você queira ou não. –A abracei e sua cabeça ficou escondida entre meu pescoço.

Sentia suas lágrimas pingarem; suas mãos apertavam minhas costas e senti novamente que estava protegendo-a de algo, ou de tudo.

— Seus doces vão me engordar... — Sua voz abafada me fez sorrir.

— Quem se importa com isso? — Ela se afastou e enxugou as lágrimas. — Sei que está preocupada com seu amigo, eu também estou. Antes de vir para cá, deixei Joanne em casa e ela está mal.

— Imagino que ela esteja... Conheço o ruivo, na época ele nos  ameaçou sem piscar. Estou com medo. E você deveria estar com ela, sério. — A loira revirou os olhos e se afastou, fazendo-me puxá-la de volta.

— Eu estava, mas agora estou aqui e nem precisa agradecer, sabia? Eu vim porque acho... — Pausei minhas palavras e suspirei. — Acho que gosto de você, mesmo sendo repentino.

Emma me encarou com seus olhos verdes e deglutiu, ela não esboçou emoção alguma, muito menos eu. Não sabia como consegui falar aquilo sem pensar, mas a bomba estava prestes a explodir.

-Você não pode gostar de mim, eu sou ruim e vazia. Vou acabar te afastando dos seus amigos e não quero te destruir. –Ela sentou na cama e continuei deitado.

Ela estava certa quanto ao fato de eu não poder gostar dela, isso era algo que jamais planejei ou pensei em fazer. Mas sobre me destruir, ela estava enganada.

— Tudo bem, não queria gostar de você mesmo. — Brinquei, encarando seu lustre. — Não precisa se preocupar comigo, sou grandinho. — Novamente fui surpreendido por seu pulo na cama, jogando-se ao meu lado.

— Você merece alguém realmente bom, porque você é uma pessoa tão incrível, e pela primeira vez na vida sinto muito por não merecer isso. Queria tanto merecer, seria como ganhar um bilhete premido com milhões de dólares. — Ela falou com mansidão e contornei suas sobrancelhas e a beijei com carinho.

Onde fui me meter?

— Só por hoje, vamos aproveitar o que está acontecendo agora. Me deixe cuidar de você só por hoje, limão. — A apelidei por seu jeito azedo de ser e sorri. — Apenas essas paredes e os móveis estão aqui, apenas nós. Quero que por hoje, não se sinta sozinha e quero ter mais motivos para me perguntar "porque essa chata, enjoada e tão linda. Porque a Emma..." — Com nossas testas coladas e as respirações juntas, ela não falou nada mas sorriu.

Entre beijos e carícias, permanecemos abraçados. O vento gelado entrava sem pena pela enorme janela, e eu não fazia ideia de onde os ponteiros do relógio estavam. Logo mudamos de lugar na cama, ficando de frente para a janela, onde era possível ver a lua cheia.

— Tudo bem, Ross, você é tão chato que queria poder perder tempo te colocando para fora a pontapés. — Disse ela.

De costas para mim, ela segurava minhas mãos que abraçavam sua cintura.

— Imagino o quanto queira isso, Raybell, mas fica caladinha e vamos observar a lua. — Virados para a janela, olhávamos a lua cheia e brilhante.

Após muitos minutos, o sono me invadiu e, com a cabeça entre seus cabelos, acabei cochilando. O que não durou muito ao ouvir sua voz me chamando de longe.

— Ei... Dormiu? — Ela sussurrou. — Como consegue dormir tão rápido? — Ela bufou, me fazendo prender o riso.

— Cochilei, foi rápido porque me sinto confortável. — Com a voz falha, falei. 

Arrependi-me da minha sinceridade após receber seu silêncio.

— O que foi? Precisa dormir um pouco... — Cutuquei sua barriga, e ela puxou minha mão com voracidade.

Ela também era contra cócegas.

— Qual sua fruta preferida? — Perguntou ela, sem me deixar fechar os olhos.

-Limão... –Falei, voltando a fechar os olhos a ouvi sorrir.

Óbvio que sabia o porquê de sua pergunta.

-Eu também Ross... –Ela sussurrou me fazendo abrir os olhos de imediato.

Ainda de costas para mim, ela bufou e retirou meus braços pesados de cima do seu abdômen, fazendo-me abraçar seus ombros.

— Também está com sono? — Sorri, beijando sua cabeça.

Ela soltou uma fina e abafada risada, não estava falando do sono... Mas era orgulhosa demais para admitir qualquer coisa. 

—Pode passar a noite aqui hoje? —Ela perguntou. —Não irei te atacar igual aquela noite.

—Em nenhum momento eu cogitei ir embora. —Sussurrei. —Não sairei daqui, iremos acordar juntos e me ajudará a sair sem seu pai me ver, certo? 

Emma sorriu, baixinho e apertou meus braços.

—Eu te ajudo a fugir. 

—Ótimo, antes de me ajudar a fugir, pode me atacar se quiser. —Brinquei e ela me beliscou. —Ai, calma, só brinquei. 

—Irei te atacar quando eu quiser, não se preocupe. No meio da noite ou de manhã, quando eu quiser. —Ela falou entre risadas. —Agora durma!

A cobri até o pescoço e ela suspirou, parecendo finalmente estar pronta para relaxar.

—Certo, limão. 

Acho que nenhum de nós sabia o que, de fato, teríamos nos tornado por sermos tão diferentes: com personalidades diferentes, mundos diferentes, gostos diferentes. De igual, bom, por ora, tínhamos apenas o tal sono...

S2

Muito apoio por aqui não é? Afinal são tempos difíceis e torturantes.

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