Últimos pensamentos? S2 Capítulo 49

Costuma-se dizer que o sexo masculino é menos propenso a sentir medo ou qualquer sensação à flor da pele, mas, como sempre discordo da maioria — tanto no meu caso quanto no geral — acho que todos são propensos ao medo na mesma intensidade, embora alguns demonstrem e outros não. 

Em uma noite de sábado, me vi em uma situação que temia há muito tempo. Estava em uma rua escura, encurralado por uma moto que eu não conseguia identificar. Meu carro freou bruscamente, e o piloto parou em frente a ele, sem o menor sinal de preocupação, apesar da minha velocidade. Em poucos minutos, como qualquer ser humano, pensei em mil motivos para aquilo, mas o mais provável era um assalto, algo não muito comum em minha cidade. 

Encarei o piloto, que usava um capacete preto fosco, e desliguei o carro.

Apoiei as mãos suadas no volante e senti o frio na barriga me invadir, no momento da vida em que me encontro, um assalto seria a melhor hipótese. Meu corpo tremia, e um pressentimento ruim tomou conta de mim, em segundos que mais pareciam horas. O piloto desceu da moto e, ainda com o capacete, se aproximou do meu carro, me fazendo trancar as portas de imediato.

Ele então retirou o capacete, revelando seus cabelos alaranjados e uma cicatriz imponente na face. Era Augustos, ele me encarou por um momento e fez um gesto para que eu destravasse as portas. Sem saída, assim o fiz e ele entrou no carro, trazendo consigo um forte odor de cigarro caro que logo tomou o ambiente.

— Gentileza sua abrir a porta, meu amigo, mas precisamos ser rápidos. — Augustos apoiou o capacete no painel do carro e puxou uma arma, deixando-a no colo.

Ele não parecia preocupado em me deixar ver a arma, mas dentro de mim, nenhuma célula estava em calma. Meus pensamentos corriam para Mary, meu pai e Joanne. Em filmes, estamos acostumados a ver que, quando ficamos encurralados dessa forma, pensamos apenas nas pessoas que amamos. E, por mais estranho que fosse, era exatamente isso que acontecia; eu não conseguia pensar em mim mesmo, tomado por medo.

— Existe celular, para que essa cena na rua? O que precisa conversar? — o confrontei. — E essa arma, é para assustar? Não seja irresponsável. — Retruquei, tentando parecer calmo.

Augustos apertou um botão no painel, ligando o ar-condicionado. Não parecia ter pressa alguma.

— Previ que, no andar das coisas, você juntaria seu pequeno exército e não me atenderia quando eu chamasse. Precisamos conversar, Gustavo, nem que seja pela última vez, estou ficando sem paciência. — Ele passou a mão pela face, agoniado, e colocou meu celular no console entre nós.

Senti minha cabeça latejar a cada piscar de olhos. Por muito tempo esperei para confrontá-lo, mas não estava preparado para que fosse hoje.

— Que pequeno exército? — perguntei, cruzando os braços.

— Acha que sou idiota? Will, Josh, a burra da Emma, e sei que sua namoradinha sabe de tudo. Acha mesmo que sou idiota? — Com o rosto tomado pela raiva, ele bateu no painel do carro, os dentes cerrados.

Não, isso não pode acontecer. Ele não pode sequer desconfiar que ela sabe de algo. É a vida dela que está em risco. Senti o suor escorrer pela minha face, o medo tomando conta de mim.

— Pode evitar de quebrar meu carro? — Encarei suas mãos, e ele as abaixou. — Joanne não sabe de nada. Acha que sou burro? Mas Emma e os garotos sabem, e você sempre esteve ciente disso. — Encarei seus olhos castanhos e vi o ódio queimando em suas pupilas.

Se ele estava jogando verde para colher maduro, não iria cair nessa. E se ele tivesse certeza de algo, iria enfrentar primeiro a mim. Sempre pensei que estava sozinho nessa luta por justiça, em busca de redenção por uma pessoa inocente que morreu por pura irresponsabilidade, mas agora sei que tenho pessoas ao meu lado. Ou, pelo menos, é o que espero.

— Que seja, se tudo correr como eu espero, ninguém sairá machucado. Mas vamos começar desbloqueando seu celular. — O ruivo apontou para o aparelho, mas balancei a cabeça em negativa, lentamente.

Não sou seu capacho.

— Por quê? Diga seus planos, acha que me manipula? — Esbravejei, batendo as mãos no volante. Minha respiração estava descompassada, e nenhum pensamento conseguia me acalmar.

Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos longos, e pegou seu celular surrado, discando rapidamente antes de colocá-lo no viva-voz.

— Meu caro e fiel, como estão as coisas? — Augustos falou com simpatia, e o homem do outro lado demonstrou devoção.

— Tudo nos conformes, patrão. Pude ouvir pouca coisa, apenas conversa entre mulheres. Seu nome não foi citado, elas não aparecem aflitas, estão se divertindo.

Ao entender a conversa, meu coração disparou, e uma onda de desespero tomou conta de mim. O pior cenário se desenhava diante de mim: ele estava mandando alguém seguir Joanne. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas eu estava paralisado.

— Onde está ela e com quem? — Augustos interrogou o homem, seus olhos semicerrados fixos no meu celular.

— Está no boliche da segunda avenida, então comendo doces e agindo apenas como adolescentes. Ouvi que planejam patinar no mesmo lugar depois, apenas ela e uma menina de cabelos cacheados, ninguém mais.

Exatamente como temia, Augustos estava vigiando Joanne e Alice. Senti uma lágrima escorrer pelo canto do meu olho, e ele sorriu ao perceber meu desespero. Peguei meu celular, desbloqueei, e o entreguei em sua mão.

— Apenas observe de longe, sem levantar suspeitas, compre um doce e permaneça invisível. Não se aproxime, não as deixem te ver. — Augustos ordenou após pegar o celular, o que trouxe um breve alívio ao meu coração.

— Certo, chefe, você é quem manda. — O subordinado consentiu, e a ligação foi encerrada.

Augustos pegou meu celular desbloqueado e observou o papel de parede, soltando um sorriso de canto. Ele continuou encarando a tela e, mesmo com minhas perguntas, permaneceu em silêncio, talvez sabendo que esse era meu maior medo.

— Tantas garotas naquela escola de merda, por que justo a irmã do falecido? Ainda não entendo esse espirito de herói, mas é uma guerra onde você não ganha. Está ficando perigoso demais, não acha? Sei que estão juntos. — Ele sussurrou, deixando implícito que viu mais do que eu queria.

Seus olhos, inquietos, examinavam o ambiente. O espaço do carro parecia pequeno demais para conter sua tensão; ao pegar a arma, vi suas mãos tremerem.

— Sei que você não entende o amor, afinal, quem conseguiria te amar? Mas isso não é algo que escolhemos sentir. O amor chega, invade, toma conta e muda tudo ao redor. E sim, estamos juntos, isso deveria ser prova suficiente para você. — Balbuciei, enquanto ele desligava o GPS do meu celular e o colocava em modo avião.

Eu não sabia qual era sua intenção, o que ele planejava fazer comigo, mas precisava que ele acreditasse que ninguém mais sabia do nosso relacionamento.

— Você não parece o mesmo Gustavo de antes, é uma pena, você já foi mais divertido. Encontrou o amor, fico feliz por você, desde que isso não atrapalhe minha vida. Mas que prova é essa, senhor Baker? — Ele murmurou, mudando de tom subitamente, e apontou a arma na minha direção, fazendo-me engolir seco.

— Se ela ou qualquer um ao redor dela soubesse de algo, estariam todos em silencio? Qual ser humano iria ficar parado sabendo quem matou um ente querido?  — Falei, seriamente. —Não foi idiota, aqui é entre eu e você, apenas.

Por favor, que ele acredite. Que seja burro o suficiente para confiar em mim.

— Tem razão, vou confiar em você. Mas não quero arriscar, então dirija até sua casa. Quando chegar lá, deixe o carro na porta, suba... — Ele abaixou a arma para o colo e continuou. — Vai fazer uma mala pequena, deixar uma carta dizendo que precisa de um tempo ou sei lá e vai voltar para cá, onde estarei esperando aqui, e é bom que volte. — Explicou ele, com uma calma calculada, deixando-me sem entender onde queria chegar.

— Não vou fazer isso, acha que pode me sequestrar e sair impune mais uma vez? — Sussurrei, tentando manter a voz firme, mas já alterado.

A essa altura, eu me sentia perdido, sem saber no que pensar ou como agir. Mas uma coisa era certa: não podia confiar no ruivo ao meu lado.

— Você vai fazer isso, até porque quer sua amiguinha e sua garotinha a salvo. E não será sequestro, você vai no seu próprio carro, a carta vai ser de próprio punho, e as câmeras vão te mostrar saindo com uma mala em mãos. — Ele afirmou, um sorriso frio nos lábios, ciente de que eu estava encurralado.

O plano dele era bom, bem calculado, com tudo para dar certo. Meu corpo tremia, o sangue fervendo em minhas veias, e nada do que eu pensava fazia sentido. Sabia que não havia como avisar ninguém, nem sequer poderia — ao menos que quisesse colocar Joanne e Alice em risco.

— Vai me matar? — Perguntei, segurando as lágrimas que teimavam em cair. — Depois disso... pode deixar todos em paz? — Olhei em seus olhos, que por um instante pareceram marejados.

Mesmo sabendo que não podia confiar em sua palavra, era tudo o que eu poderia pedir, ainda que não soubesse se ele cumpriria.

— Vou levar seu celular comigo, e você tem vinte minutos para ir e voltar. Escreva uma carta, derrame o coração nela e invente uma desculpa qualquer. Claro que, qualquer coisa fora do comum, e a vida da sua amada estará em risco. Então, capriche no sentimentalismo e deixe todos tranquilos... até que resolvamos nossa situação. — Ele falou, a voz fria, enquanto saía do meu carro. 

Vestido com aquelas roupas escuras e largas, ele fechou a porta e se abaixou até a janela, olhando diretamente para mim.

— Espero você aqui. Caso esteja pensando em alguma gracinha, saiba que essa rua não tem câmeras e que eu não tenho nada o que perder, já você... — Ele se afastou em direção à sua moto, e eu, com o coração batendo acelerado, dei partida no carro.

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Nada do que eu pensasse agora acalmava meus nervos. Meu plano era confrontá-lo, mas no meu próprio tempo porém ele se precipitou, me deixando sem saída. As lágrimas escorriam freneticamente, e o desespero tomou conta de mim assim que cheguei à porta da minha casa. O que eu deveria fazer agora era desaparecer, deixando todos para trás e essa era, sem dúvida, a parte mais dolorosa. 

Entrei em casa com passos rápidos e, segundo o segurança, Mary tinha saído para o mercado. Isso me deu a chance perfeita para sair sem deixá-la preocupada, conhecendo-a, ela não me deixaria em paz. Subi as escadas apressado, o coração batendo freneticamente e o pulmão lutando por fôlego. Nossa vida pode mudar drasticamente em questão de segundos. Tudo o que planejei até agora tinha uma chance de dar certo — ou de dar errado. Se fosse só minha vida em jogo, não hesitaria em desafiar Augustos, mas não era apenas eu. 

Peguei um papel em mãos e comecei a procurar as palavras certas para minha família e para Joanne, que certamente não entenderia nada, então deitaria duas cartas.

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Parei ao lado da moto potente de Augustos, uma onda de inquietação me invadindo. Do que ele seria capaz a partir daqui? A única coisa que eu precisava era que ele confessasse tudo o que havia feito, mas eu sabia que não podia subestimar sua habilidade de manipulação. O ruivo se aproximou do meu carro e bateu no vidro.

— Siga minha moto, vamos guardar seu carro — disse ele, um sorriso cínico nos lábios. — Vamos, siga-me.

Ele se afastou e subiu na moto junto ao seu capanga. Por baixo do moletom grosso, meu corpo já suava e o vento que entrava pela janela bagunçava meu cabelo enquanto eu tentava acalmar meu coração com respirações profundas, como Mary sempre recomendava quando eu estava nervoso. Segui Augustos até uma estrada deserta, e logo percebi que estávamos indo em direção ao galpão dele, um lugar bem escondido, situado no meio de uma pequena reserva com árvores ao redor eram robustas e sombrias.

Desci do carro após ele ordenar, jogando minha mochila no chão, enquanto ele descia da moto.

— Seu carro ficará sob os cuidados do Jeff. Você vem comigo, Baker — disse o ruivo. — O amor não é a fonte da vida, para viver precisamos apenas de oxigênio. Devia ter pensado nisso antes de querer bancar o herói da cidade. — Ele pegou minha mochila com calma, um sorriso frio no rosto.

Outro carro se aproximou silenciosamente, e três homens desceram, armados com pistolas de pequeno calibre, claramente para me intimidar.

— Pra que isso? — questionei, jogando a chave do carro na direção dele. — Não estamos em um jogo. Deixe de palhaçada. Pra onde estamos indo? — perguntei, a aflição evidente em minha voz.

Augustos jogou a minha chave em direção ao seu capanga e o mesmo se mostrou contente pelo plano do seu chefe, obviamente ele não poderia deixar rastros das suas atitudes. –O ruivo se aproximou com algemas e uma lita cinza, cerrei meus olhos e por puro nervosismo soltei uma risada. Era noite, o céu não tinha nuvens e o vento estava extinto, estávamos em uma estrada quase deserta e empoeirada, o medo me assolou.

— Estou garantindo que você não vai gritar ou tentar nada. Não se preocupe, amigo. Isso é para o seu bem... e para o meu — disse Augustos com frieza.

Minhas mãos estavam amarradas à frente do meu corpo, e um pedaço de fita adesiva cobria minha boca, abafando qualquer tentativa de protesto. Ele se aproximou lentamente, e com um olhar gélido, apontou a arma para mim, engatilhando-a. O som seco do engatilhamento ecoou, intensificando meu desespero.

O calor da arma de Augustos diante de mim me trouxe uma clareza estranha, quase amarga, mas imensamente vívida. Fechei os olhos, tentando fugir daquele cenário sombrio, e fui levado a uma sequência de lembranças tão reais que quase pude sentir o toque de cada uma delas.

Revivi os momentos mais preciosos ao lado dos meus amigos: as risadas descontroladas após cada vitória e os dias em que éramos invencíveis. O sorriso caloroso da minha mãe, orgulhosa ao me mostrar seu jardim florido, seu mundo de cores e vida, parecia agora desfilar em câmera lenta na minha memória. Lembrei de Mary, sempre cuidando de mim, desde as primeiras apresentações desajeitadas, quando eu me fantasiava de leão.

Meu pai... Ele apareceu como uma figura sólida e constante, alguém que eu sabia que sempre estaria lá, mas só agora percebia o quanto ele significava para mim. Sua risada rouca, sua mão firme no meu ombro quando lamentou minha ida para a casa de campo, e o jeito apressado com que afrouxava a gravata após um longo dia de trabalho. Foi só aqui, com a morte à espreita, que a profundidade desse amor me atingiu com toda a força.

Ao nascer, sabemos que a morte é nossa única certeza. Mas entre esses extremos, temos a sorte de encontrar pessoas que fazem com que a vida valha cada instante. Em minha vida, fui agraciado com amizades que pareciam de outras eras, e conheci aquela pessoa especial — ela, que transformou meu mundo e deu sentido a tudo e a pessoa que amava, a pessoa que fazia tudo valer a pena: Joanne.

A lembrança de Andrew invadiu minha mente com força, trazendo consigo uma onda de gratidão e de dor, tudo começou muito antes de eu sequer imaginar o impacto que sua família teria na minha vida. Era uma noite comum, uma festa onde a linha entre diversão e caos havia se rompido. Embriagado, acabei em uma briga feia, enfrentando alguns caras que tiraram da roupa facas afiadas e que não pareciam dispostos a me deixar sair inteiro. No meio daquela confusão, Andrew surgiu, sem me conhecer, sem saber quem eu era ou se eu tinha culpa. Ele entrou na briga e me ajudou a escapar, ambos saímos ilesos.

Para muitos, a ajuda dele poderia ter sido suficiente com um simples "obrigado." Mas para mim, aquele momento selou algo maior, ele me salvou de um destino certo, e desde então, uma dívida silenciosa nasceu em mim. Quando ouvi que Augustos estava envolvido em sua morte, o ódio me consumiu, e mal pude suportar aquilo preso dentro de mim por anos.

Quando me aproximei de sua família, a acolhida deles apenas fortaleceu minha gratidão por tudo. Amando sua irmã e sendo recebido de braços abertos, senti que minha obrigação de dar paz a Andrew era mais urgente do que nunca, e nada me impediria de honrar sua memória. Mesmo que tivesse que enfrentar Augustos sozinho, era um preço que estava disposto a pagar.

Senti uma pressão forte na cabeça, um impacto que apagou tudo ao meu redor. Meus músculos falharam, e meu corpo caiu como se já não houvesse mais luta dentro de mim.

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Na voz de Joanne:

A noite havia sido cheia de risadas e lembranças que traziam uma leveza esquecida, como se as preocupações tivessem ficado do lado de fora da pista de patinação. Meus músculos ainda reclamavam das quedas e dos movimentos desajeitados, mas a dor era um lembrete doce de momentos vividos com Alice, que seguia ao meu lado, sorridente, saboreando nossos picolés enquanto a conversa fluía naturalmente. Cada sabor dos picolés parecia mais exótico que o outro, mas no final o vencedor indiscutível foi o de chocolate com calda de menta.

O silêncio do celular me incomodava um pouco; eu ainda não havia recebido resposta do meu namorado super falante. Alice tentou me tranquilizar, dizendo que era normal ele demorar a responder por conta dos remédios para dormir, e, em parte, isso ajudava a diminuir minha ansiedade.

Enquanto caminhávamos, Alice de repente levantou uma questão que a estava incomodando.

— Você acha que o Alex está com outra pessoa mesmo? — Ela perguntou, com as mãos enterradas nos bolsos do moletom, parecendo distraída com a possibilidade. — Eu só... não esperava que ele seguisse em frente tão rápido.

O comentário me fez lembrar do dia em que Alice me contou sobre uma foto no celular de Alex, onde ele olhava para alguém que não era ela. Por mais que a curiosidade fosse grande, eu sabia que respeitar o espaço dele era o certo, e que ele contaria quando estivesse pronto.

— Olha, amiga... — respondi, dando de ombros. — O Alex é quieto, mas não passa despercebido. Acho que, se ele encontrou alguém que faça bem a ele, temos que torcer por isso. — Soltei, tentando manter um tom leve.

Alice suspirou e seu olhar se perdeu no horizonte, sua respiração transformada em pequenas nuvens de fumaça no ar frio da noite.

— Eu sei... e fico feliz com isso, só estou curiosa. — ela disse, um peso silencioso em sua voz. — Só quero que ele seja feliz, se apaixone de verdade. 

Eu a escutei em silêncio, sentindo ao peso do que ela carregava. A decisão de Alice, por mais difícil que fosse, tinha sido honesta. Ela escolheu ser verdadeira consigo mesma, e isso era algo que eu admirava profundamente.

— Alice, você foi corajosa e fiel ao que sente. Isso não é fraqueza, é força. Você tentou e foi honesta quando percebeu que não podia seguir em frente... e isso é motivo de orgulho. — Segurei seu braço com um sorriso encorajador. — E quem sabe, um dia você ainda se apaixone de novo... talvez por um brasileiro lindo, bronzeado e super sarado.

Escolhi minhas palavras com cuidado para manter o ânimo de Alice elevado. 

— Ah, para de inflar meu ego! — ela disse, dando um leve empurrão no meu braço, me fazendo quase perder o equilíbrio.

— Quer mesmo que eu pare?— perguntei, rindo.

— Não, pode inflar, eu gosto! — Ela sorriu, com uma simplicidade que era só dela.

Eu ri junto, satisfeita em vê-la sorrir.

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Meu relógio biológico tem dois problemas que consistem em dificuldade para dormir e dificuldade para acordar, principalmente antes das oito. Minha primeira reação ao ouvir o despertador é bufar; ele tocou do outro lado do quarto onde deixei meu celular carregando em segurança, caso contrário ele amanheceria no chão, e ele é muito lindo para cair. Abri os olhos encarando o teto, e uma fresta da cortina aberta deixava um raio de sol alcançar a parede.

A caminho do banheiro, peguei meu celular e o deixei ligando enquanto escovava meus dentes. Mexi o pescoço, me encarando no espelho, e analisei minhas olheiras, que eram resultado de acordar cedo quase todos os dias da semana. Mesmo hoje sendo um pacato dia de domingo, acordei cedo a pedido de Gustavo, que me chamou para conhecer toda a estrutura da fábrica, o que já estava curiosa há meses. Sempre ouço meus pais conversando sobre como Nicholas ergueu todo aquele império sozinho e com pouco dinheiro, o que me faz pensar o quanto ele trabalhou para hoje ser uma das mais prestigiadas produtoras e distribuidoras de café do país.

Com o celular ligado em mãos, sentei-me à beira da cama e vasculhava minha caixa de mensagens em busca da resposta de Gustavo. Havia mensagens do Alex contando sobre um filme que assistiu, Alice me dando boa-noite após chegar em casa, minha prima mandou nossas fotos juntas do dia da festa — duas em uma — e as mensagens de Gustavo apenas foram entregues, o que me deixava apreensiva. Levantei, seguindo rumo à cozinha.

— Joanne acordando cedo sem qualquer obrigação. — Meu pai se inclinou para a janela, e o encarei. — É, hoje vai chover.

Revirei os olhos ao me aproximar, e minha mãe soltou uma de suas risadas, me assustando. O bom humor deles me deixava feliz, mas era complicado expressar isso estando preocupada.

— Bom dia, querida. — A loira, com sua roupa de ginástica, me deu um prato com waffles, e segui rumo à mesa com eles.

— Vocês estão animados, o que houve? — Derramei mel sem dó em cima dos waffles e enchi um copo de leite.

— Nada em especial, mas sua cara fechada me diz que algo aconteceu — disse minha mãe, me olhando por cima dos seus óculos quadrados.

Não tomávamos café da manhã juntos sempre; meu pai sempre saía muito cedo, e eu logo em seguida. Esse momento é reconfortante para colocarmos as conversas em dia, mesmo que rapidamente.

— Estou preocupada. Eu e o Gustavo ficamos de visitar a fábrica hoje às oito, e desde ontem ele não responde minhas mensagens — parti um pedaço de queijo e bufei ao desabafar. — Não é questão de ser possessiva, mas isso não é comum em nossa relação — falei, por fim.

Meus pais ficaram um tempo em silêncio, provavelmente processando algo para me falar, eles sempre têm algum conselho ou uma palavra que me acalma de imediato.

— Acontece, filha, imprevistos acontecem. Se ele não aparecer ao longo do dia, ligue para a casa dele. Não coloque coisas na cabeça por conta da sua ansiedade, às vezes o celular parou ou o clima com o Nicholas apertou. — Como previ, meu pai tinha suas teorias, que me deixaram mais calma.

— Não se preocupe, os celulares dos homens às vezes possuem magia. — Com seu tom irônico, minha mãe sorriu, fazendo meu pai revirar os olhos. — Desligam sozinhos, mandam mensagens sozinhas e apagam coisas sozinhas. — Ao provocar meu pai, ela se sentia satisfeita.

Poxa, mãe, isso não ajudou.

— Blake e Lizzie, não perdem por esperar. — Sorri, raspando a calda de mel — Meu celular está tocando. — Saí da cadeira em disparada, os deixando na mesa sem entender nada.

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Após sair da mesa voando e subir as escadas em uma velocidade absurda, vi que era o Alex me ligando. Segundo ele, saiu para correr e, ao passar por uma confeitaria, vários doces "gritaram" por seu nome; sendo assim, ele quis trazê-los para mim e para Alice. Mas a menina cacheada avisou que iria chegar um pouco mais tarde, pois estava se despedindo de Michael, que iria embora para a Alemanha.

Hoje, me pego pensando no que a volta de Michael trouxe e percebo que isso me fez reafirmar meus sentimentos por Gustavo e reconhecer que, de fato, existe uma grande e importante diferença entre paixão e amor. Outra coisa que foi importante com sua volta foi perceber como as coisas mal resolvidas podem gerar sentimentos horríveis em nós, como foi o caso do seu sumiço. Anos atrás, por conta de palavras não ditas e pessoas mal-intencionadas, guardei uma mágoa em meu peito, que, por sorte, consegui curar.

— Se sentiu culpada quando começou a gostar do Baker? — Alex quebrou o silêncio, encarando o teto junto a mim. O encarei, e ele voltou a explicar: — Sabe, por ele ter sido aquele Gustavo do passado.

Raramente consigo responder as perguntas criativas do Alex, mas essa me surpreendeu.

— Senti medo de alguma parte dele ainda ser o Gustavo da escola, que, mesmo sem ser um vilão, era uma pessoa que não me agradava — expliquei com calma. — Mas quando os sentimentos chegam, é difícil ter culpa alguma que impeça. É inútil se sentir culpado por gostar de alguém, não há como prever. — Finalizei, fazendo-o bufar.

Isso seria um indício de gostar de alguém, Alex?

— Acha que coisas que acontecem rápido demais têm mais chances de serem apenas uma névoa que logo sumirá? — Ele perguntou, aumentando o nível de suas perguntas.

— Coisas acontecem quando têm que acontecer, e mesmo que sejam lentas, podem sumir. — Sendo péssima em conselhos, ao menos tentei. — Não importa se os sentimentos acontecem rápido ou devagar; só permanecerão se forem sentidos com o coração. — Olhei para ele, e seu olhar encontrou o meu.

Finalmente, estava orgulhosa das minhas palavras.

— Uau, filosofou. Mas mudando de assunto, você não tinha um compromisso hoje? — Alex se sentou, fazendo com que eu também me sentasse. 

— Então, eu tinha. Estava tudo marcado para irmos visitar a fábrica, e desde ontem ele não aparece nem responde minhas mensagens — expliquei, voltando a abrir minha caixa de mensagens e sentindo o olhar dele sobre mim.

Alex me fez contar tudo que fiz ontem, para onde fomos e quais mensagens trocamos, como se isso fosse de alguma forma revelar o paradeiro de Gustavo. Assim o fiz e, em minha cabeça, em nenhum momento Gustavo deixou claro que iria para outro lugar além de visitar Emma, o que me deixa com a pulga atrás da orelha e irritada só de imaginar.

— Ele não está com a Emma até agora, isso não faz sentido — Alex comentou, com a mão no queixo. — Ele sabe que você não aprovaria isso, e as visitas noturnas têm apenas duas horas de duração então, obrigatoriamente, ele teria que sair após isso — disse ele, com calma.

Como assim Alex sabe disso tudo, se, após a morte, seu maior pavor são hospitais?

— Duas horas de visita? — Encarei seus olhos redondos, e ele coçou a cabeça. — como sabe a regra do hospital?

Ele levantou da cama e saltei a sua frente de imediato.

— Anne, essa é a regra dos hospitais, só dei um palpite. Precisamos falar com alguém, estou preocupado — ele disse, pegando o celular e ligando para algum dos amigos de Gustavo.

Minha mente começava a entrar em curto, pensamentos aleatórios e preocupantes me invadiam, e ao ver a reação preocupada de Alex, comecei a temer o pior. Tomei o celular da mão dele e desliguei a chamada.

— Alex. — Segurei seus ombros. — Você não frequenta hospitais, a menos que seja arrastado por mim, então me fala o que está pensando antes que eu te jogue pela janela, acha que o Augustos fez alguma coisa? — o balancei, fazendo-o arquear as sobrancelhas grossas.

Sentei na cama tentando segurar as lágrimas, e ele sentou ao meu lado. Eu não queria cogitar minhas reais preocupações, mas eram claras, tanto para mim quanto para ele.

— Primeiro precisamos ter calma. Ninguém mais sabe de toda a história e sobre Augustos, e espalhar isso agora seria uma granada — ele disse, segurando minha mão para me acalmar. — Vamos esperar mais um pouco e pensar em quem contatar. Precisamos respirar, e sobre o hospital, conversamos depois. Um problema de cada vez — disse ele, sereno.

Precisava mesmo me acalmar, e assim passei o resto da manhã, mesmo sem sinal algum de Gustavo. Alex tentou inventar uma brincadeira que consistia em adivinhar de qual música fazia parte a mímica que ele estava gesticulando. Isso até me rendeu muitas risadas, especialmente quando ele fez a mímica de uma música do John Mayer e apenas apontou para si, o que me levou quase meia hora para adivinhar. No fim, ele estava apontando para si porque, segundo ele, também é bonito como o cantor. Na minha opinião, John Mayer é um dos mais lindos da América do Norte, perdendo apenas para o meu namorado.

— John Mayer não é tão bonito assim; sabe que existem caras mais bonitos — Alex relutava em aceitar minha opinião.

— Ele só perde para o Baker. O que fiz na vida passada para merecer que uma pessoa daquelas me ame? — Mostrei a ele meu papel de parede no celular, onde tinha uma foto de Gustavo, colocada por ele mesmo.

Tinha que admitir, ele era quase uma obra de arte.

— Que amor, hein. Ele é bonito assim para compensar a cara quadrada de esponja — Alex sorriu, enquanto eu arregalava os olhos.

— Pelo menos o capacete da bicicleta sempre coube na minha cabeça, já na sua enorme... — Dei de ombros, fazendo-o colocar as mãos na própria cabeça. — Ela é tão...

Antes que Alex completasse a frase, o som da campainha ecoou pela escada, e ficamos estáticos.

— Ele só se atrasou. — Pulei da cama, e Alex me acompanhou.

Corremos pelos degraus largos, e minha mãe nos acompanhou com um pano no ombro. Após nossa ansiedade até a porta, ela se mostrou curiosa. A escada fica próxima à minha porta, mas, nesse momento, ficou aproximadamente como os Estados Unidos e a China. — Abri a porta em um impulso e minha mãe, ao meu lado, continuou sem entender.

— O que fazem aqui? — Alex balbuciou, e senti minhas pernas tremerem. — O que houve — O menino, preocupado, buscava respostas, e permaneci com os olhos arregalados.

— Podemos entrar? — A voz grave ecoou em meus ouvidos, e apenas consenti, abrindo o resto da porta.

S2 

Capítulo tenso não acham? 

Deixem suas opiniões e não esqueçam de apertar na estrelinha ☆

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