Olá ♡ Capítulo 1

Não é Joana, é Joanne Clark, tenho dezessete anos e vivo em uma pequena cidade no vasto coração da América do norte. Minha história é um longo entrelaçamento de momentos tristes que prefiro esquecer e memórias marcantes que, assim como as dores, moldaram quem eu sou. Minha mãe, Katy, uma professora dedicada, e meu pai, Albert, um padeiro cuja bondade aquece a todos ao seu redor. Meu irmão mais velho, Andrew, era mais que um irmão... ele era meu confidente e minha extensão, a versão masculina de mim mesma. Ele estava no terceiro ano do ensino médio quando sua vida foi tragicamente e abruptamente interrompida por um acidente fatal em uma estrada chuvosa. Sua ausência deixou um vazio profundo que ecoa em cada canto da minha existência.

Em minha ainda curta vida, a perda de meu irmão foi a experiência mais dolorosa que já enfrentei. É um fato difícil de aceitar e conviver, especialmente quando a dor de sua ausência parece não ter fim, e mais ainda por não haver um culpado para essa tragédia.
Lembro-me como se fosse ontem: meu pai o enviou para buscar mantimentos para nossa padaria, uma tarefa simples, mas em um local afastado da cidade. Horas depois, recebemos uma ligação da polícia que nos informou sobre um trágico acidente. Meu coração afundou ao ouvir que meu irmão era a vítima. O carro dele foi atingido de forma brutal por outro veículo que invadiu a contramão, um impacto devastador


Os detalhes que recebemos foram cruéis e desoladores: marcas de pneus na contramão, garrafas de bebida espalhadas pela estrada, e as últimas palavras que meu irmão conseguiu transmitir além de clamar por nossa mãe foram...

"O som estava muito alto, os faróis me cegaram".

Deitada na cama, esperando o som do despertador, a insônia me pegou de surpresa no meio da madrugada. O sono se escondeu, e meu humor se esvaiu junto com meus pensamentos, que não paravam de se voltar para o acidente que levou meu irmão., era sempre meu pesadelo.

Levanto-me da cama, com movimentos automáticos e cansados, e começo a dobrar as cobertas. Cada gesto parece um lembrete da normalidade que é impossível alcançar. A dor e a saudade continuam a me assombrar, fazendo com que cada tarefa do dia se torne um esforço doloroso, um lembrete constante da ausência que nunca será preenchida, após a depressão ter me acompanhado por anos e eu ainda duvidar que ela se foi, preciso conviver com a ansiedade.

Estamos no último mês do ano, e foi neste mesmo ano que terminei o ensino médio. Embora tenha encerrado essa etapa e estive me dedicando a meses em trabalhos voluntários para que possa conseguir entrar para alguma faculdade o mais longe daqui possível. Agradeço profundamente a meu pai, que, aproveitando nossa herança familiar na área da culinária, investiu em mim ao me inscrever em um curso de panificação e confeitaria. Desde a época do primário, quando a professora nos ensinava a fazer bolinhos simples, minha paixão pela cozinha sempre foi uma constante na minha vida. 

Na verdade, meus bolos são bem conhecidos na cidade.. É como se cada bolinho, cada torta, fosse uma forma de me conectar com a parte de mim que ainda carrega a lembrança do meu irmão, transformando minha dor em algo doce e significativo.

《♡》

Pelo vidro da janela, vejo um dia claro com poucas nuvens, e a temperatura marca dezoito graus, conforme o termômetro do meu celular. Os dias têm seguido uma rotina monótona: às seis da manhã, preciso estar de pé para preparar as delícias que enchem barrigas e adoçam o dia. Sinto meus olhos pesados e dou um bocejo profundo, desejando mais alguns minutos de sono.

— Anne, você vai comer aqui ou prefere algo para levar ao trabalho? — A voz alta da minha mãe ecoou pelas escadas, interrompendo meus pensamentos.

Coloquei a cabeça na porta e, mesmo sem vê-la, respondi:

— Lá, mãe. E, por sinal, bom dia. — Bocejei novamente, sentindo como se jamais me acostumasse a acordar cedo.

— BOM DIA, AMOR! — A voz vibrante da minha mãe ressoou da cozinha, ecoando por toda a casa e preenchendo o ambiente com um calor familiar, apesar do esforço diário que começa antes do sol nascer.

Minha mãe é do tipo superprotetora desde a morte do meu irmão. Apesar disso, a amo profundamente e entendo o motivo de seu comportamento. Nossa vida se tornou pacata, após o turbilhão de emoções que vivemos. Arrumo-me para mais um dia de trabalho, sentindo-me bem ao vestir minha jaqueta jeans enfeitada, embora, para ser sincera, esteja um pouco velha.

No espelho do banheiro, encaro meu reflexo, procurando qualquer imperfeição. Esse é o momento em que frequentemente me atraso ou saio com um café na mão. Meus cabelos compridos e mais secos do que eu gostaria, não colaboram muito, então apenas os prendo em um simples rabo de cavalo e aplico um protetor labial sabor "nada". 

Observo os detalhes do meu rosto redondo, meus olhos extremamente azuis que herdei do meu pai, e aprecio cada um deles. Minha aparência não me diferencia muito de qualquer outra garota de dezessete anos da minha cidade, acredite. Um fato importante a mencionar sobre meus sonhos, que prefiro não idealizar relações romântica. Nada de príncipe, beijo encantado ou felizes para sempre. Apenas eu sou responsável por minha vida feliz e não preciso de distrações agora.

Sou caseira, e minha cidade não facilita quando o assunto é "saídas para diversão". Nunca fui a nerd da escola ou algo do tipo, mas sempre amei ler. Afinal, sendo filha da professora, minha mãe sempre fez questão de ensinar a importância de dar o exemplo e ser uma boa aluna. Cresci sem problemas acadêmicos e, consequentemente, sem muita diversão fora das paredes da escola.

Meu melhor amigo diz que que sou uma branca de neve séria e que raramente mostra os dentes ao sorrir. Ele está certo, sou séria ao extremo. -Bato a porta de casa pronta para correr, também estou quase sempre atrasada.

São exatas seis e trinta da manhã e estou pronta pra passar metade do dia colocando amor em pães. Ando em passos rápidos e escuto passos em minha direção.

Um fato digno de menção é meu melhor amigo, Alexander Ross, ou apenas Alex. Ele é meu vizinho há quinze anos — sim, há muito tempo — e é a minha pessoa. Sua história de vida daria um filme: perdeu os pais há alguns anos em um acidente e, desde então, mora com os avós maternos, a Sra. Ann e o Sr. James. Alex evita falar sobre o ocorrido e tenta seguir em frente com a mesma coragem que sempre demonstrou.

Ouvindo seus passos cada vez mais próximos, percebo sua respiração ofegante.

— Anne, espere aí, estou indo trabalhar! — Alex grita, correndo em minha direção.

Fomos juntos à escola desde o jardim de infância até o ensino médio, e agora seguimos lado a lado no trabalho. É uma rotina que conhecemos bem, mas sempre há algo de novo em nossos dias.

— Ok, mas corre porque estou atrasada! — Respondo, bocejando novamente enquanto olho para ele. — Eu realmente preferia estar dormindo, mas trabalhar com família é um pouco mais chato.

— Sempre está atrasada, e deixa de reclamar! Mas está linda hoje, afinal quando não está?— Alex diz, tentando recuperar o fôlego enquanto para ao meu lado, com a mochila pendurada em seus ombros.

Com seus cabelos cacheados recém-lavados, ele me manda um sorriso largo e cheio de bom humor, como se o dia estivesse apenas começando e nada pudesse estragar a leveza do momento.

— Eu adoro quando o menino mais bonito da cidade corre atrás de mim. Pena que, mesmo com essa pele negra maravilhosa e os olhos verdes mais sexys do mundo, você está só atrasado. — Comentei, enquanto ameaçava dar-lhe um leve soco no ombro.

Alex riu, desviando a mão que eu estendi na sua direção.

— Ah, Anne, sempre tão charmosa e sarcástica. Vamos logo, antes que a padaria feche as portas para você! — Ele diz, ajeitando a mochila e começando a caminhar ao meu lado.

《♡》

Na voz de Alex:

Todos os dias sigo para o trabalho com minha melhor amiga, Joanne. Com seus passos apressados, ela sempre está atrasada. Crescemos juntos e, para mim, ela é como uma irmã. Caminhamos lado a lado até a padaria dos pais dela. Enquanto isso, eu trabalho com meu avô na oficina de automóveis, ajudando com a parte pesada. Meus planos para o futuro ainda não são muito claros, mas amo música e gostaria de fazer dela a minha vida.

— O que vai fazer mais tarde? — Pergunta Joanne, quase sem ar por conta do vento gelado, sua asma piora no frio. — Fale a verdade, safado! — Ela aponta para mim e eu consinto com um sorriso.

— Nada... Eu acho. Até queria estudar algumas músicas, mas estou com preguiça, então vou procrastinar. — Respondo, sorrindo, mesmo sabendo que sempre me arrependo de não estudar. — E você?

Joanne seguiu pensativa, com uma mochila roxa nas costas, chutando algumas folhas ao chão. Ela soltou um longo suspiro e falou com a voz baixa, encarando o chão úmido.

— Alex, você que sabe, minha vida se resume em ir da padaria para casa, e da casa para a padaria. E não sei o que fazer da vida caso não consiga uma carta de aceitação em alguma faculdade e se não fosse pedir muito, uma bolsa de estudos. — Ela confessou, com um tom de preocupação que revelou a profundidade de suas inseguranças.

Eu a observo, sentindo um peso no peito ao ver a angústia dela. A tristeza em seus olhos e o cansaço em sua postura me fazem desejar poder oferecer uma resposta que alivie suas preocupações.

— Seja positiva, já te pedi para parar com essa tristeza, nossa. A vida está aí para ser vivida, e você vai conseguir, eu tenho certeza. Enquanto isso, que tal vermos um filme hoje? — Sem pensar muito, ela me presenteia com um sorriso tímido e um polegar levantado. — Tá, vamos. Às oito? — Sussurro.

— Isso, você sabe como agir em momentos de crise. Eu te espero às oito, até mais tarde Ross. — Ela responde, despedindo-se com um aceno animado.

Joanne entra na padaria com passos lentos e um bocejo, como se o peso do mundo estivesse em seus ombros. Eu a observo até ela desaparecer dentro da loja, sentindo um misto de alívio e preocupação. Agora que ela está em segurança, sigo meu caminho com a sensação de que, a noite de filmes possa ser um pequeno escape para ela.

《♡》

Na voz de Joanne:

Alex me esperou na porta da padaria, como sempre, com um sorriso que é um alívio bem-vindo. Ele me convidou para assistir a um filme na sua casa, uma sugestão que eu aceitei sem hesitar. Rir de filmes totalmente sem graça parece o remédio perfeito para o meu estado de espírito. Apesar de o convite parecer algo mais, nossa amizade sempre foi como irmãos. Somos apenas amigos de longa data, sem segundas intenções. Alex é, sem dúvida, um amigo incrível — alto, moreno, namorador, com olhos verdes que chamam a atenção e todas as meninas do quem se relaciona mesmo apenas para alguns beijos, me detestam gratuitamente.

O dia de trabalho na padaria, apesar de sempre começar a todo vapor, passa rápido quando você está rodeado de cheiros aconchegantes e músicas suaves. Agora, com o ambiente já em clima de Natal, meu pai colocou uma música de fundo que acalma meu coração ansioso. O aroma das fornadas de biscoitos enche o ar,  conforto que eu tanto preciso.

O trabalho pode ser cansativo, mas os pequenos momentos de alegria, como a expectativa de uma noite de filmes com um amigo de longa data, fazem tudo parecer um pouco mais suportável. É nesses momentos que eu encontro um refúgio, uma pausa temporária das preocupações que constantemente rondam minha mente.

— O atraso vai ser descontado do salário, moça. — Meu pai disse, sorrindo, ao me ver entrando na cozinha. — Talvez no fim do mês, não receba nada.

Ele sempre faz essa piada, mas nunca desconta realmente nada do meu salário.

— Meu senhor, não faça isso, tenho seis filhos pra criar. — Soltei uma risada baixa, o que fez ele me encarar com um olhar divertido.

— Nem brinca, vai lá fazer o que você faz de melhor, além de ser uma filha incrível. — Sussurrou, dando-me um leve tapa na testa. — A encomenda da senhora Evans é para hoje.

Consenti com um sorriso, aceitando mais um desafio.

O dia foi se desenrolando como sempre: uma maratona de pães, bolos e tortas, incluindo o bolo especial para a senhora Evans. Apesar de ser uma profissão que exige perfeição e pode ser cansativo, sinto um orgulho imenso em fazer o que amo.

Enquanto o dia passava, o aroma dos pães e bolos frescos preenchia a padaria, misturando-se ao burburinho constante da cozinha. No entanto, o som repentino de batidas na porta de ferro dos fundos da cozinha me fez assustar. Apaguei o fogo com pressa e enxuguei minhas mãos no avental antes de correr para abrir a porta, sempre ansiosa para ver quais ingredientes novos poderiam ter chegado.

O barulho dos fornos, junto as pessoas e a musica me impedem de ouvir quando perguntei quem seria. 

— JÁ VAI! — Gritei, ajustando o cabelo com pressa.

Ao abrir a porta, meus olhos se depararam com Gustavo Baker. Uma onda de lembranças passou pela minha mente em poucos segundos. Estudamos na mesma escola durante todo o ensino médio, e era impossível não reconhecer aquele rosto que misturava uma beleza de chamar a atenção com um ar de desdém.

Gustavo sempre foi o típico "pegador" e "riquinho" da escola. Era o tipo de cara que se achava o rei do lugar, cercado por uma turma que zombava de quem não fazia parte do seu círculo privilegiado. Suas atitudes muitas vezes eram acompanhadas de risos e desdém, e por várias vezes, vi-o menosprezar os outros com uma confiança irritante.

Após o fim do ensino médio, ouvi rumores de que ele havia sido forçado a trabalhar na fábrica de café da família para "aprender a ser alguém na vida". Agora, depois de algumas semanas de mudança de funcionário, ele estava aqui para entregar café — e, por ironia do destino, era a primeira vez que eu estava atendendo-o.

Bufo involuntariamente, sentindo ele me encarar. A última coisa que eu queria era lidar com alguém como ele neste momento. Ele parecia tão deslocado neste cenário de emprego, onde a vida estava longe das festinhas e competições que costumava frequentar.

— Bom dia. Pode deixar os sacos de café no canto, por favor? — Apontei para o local com um gesto firme, tentando manter a compostura e ignorar seus olhares.

Gustavo, era alto e tinha uma presença que misturava charme e arrogância, não tinha nada de feio nele. Isso, por si só, parecia me irritar ainda mais. 

— Bom dia! Que milagre você estar aqui para abrir a porta. Normalmente, nunca está quando eu venho. — Ele disse, sua voz carregada de uma surpresa cínica enquanto arrastava os sacos com uma facilidade que parecia natural para ele.

Eu me mantive em silêncio, observando-o colocar os sacos no lugar indicado. A maneira como ele se movia com uma confiança quase irritante me fazia recordar dele na sala de aula sorrindo a toa. Ele não parecia ter mudado tanto assim, nem mesmo o fato de estar agora envolvido em algo tão mundano quanto entregar café.

A cada palavra, sua presença era um lembrete de um passado que eu preferia não revisitar, e o sorriso bonito em seus lábios não ajudava em nada. O que me incomodava mais era que, apesar de tudo, eu não podia negar que ele era inegavelmente atraente, muito atraente.

Desde quando tenho que aparecer para atende-lo?

-Estou sempre aqui, só ocupada demais para te cumprimentar. -Falei com a cara fechada o fazendo arregalar os olhos e sorrir. -Obrigada.

Após colocar os sacos no chão, Gustavo retirou uma nota do bolso e me observou, esperando algum tipo de reação da minha parte.

— Nossa... você era mais simpática, não? Não se pode tratar um fornecedor assim. Eu que agradeço. — Ele disse, passando a mão pelos cabelos com um gesto que misturava desdém e com sarcasmo. 

Se manca cara, ninguém te suporta.

— Gustavo, não é? — Olhei para o nome na nota, apesar de já saber a resposta, e cruzei os braços com uma mistura de curiosidade e ceticismo. — Como você sabe da minha simpatia, coisa que, se você reparar, nunca tive? E agora, sem seus amigos por perto, decide falar comigo?

Ele me lançou um olhar que misturava um certo desdém com uma curiosidade própria, como se estivesse avaliando se eu merecia uma resposta.

— Justo, cada um com seu passado. Mas ficar remoendo não vai fazê-lo mudar. O ensino médio passou há muitos meses, baby. — Ele piscou rapidamente, um gesto que parecia quase um deboche, e começou a se afastar. — Obrigado por me falar sobre sua nula simpatia, eu percebo.

Enquanto ele se afastava rumo ao caminhão, eu senti uma mistura de raiva e tedio. Seu tom, sempre tão sarcástico, parecia ter a capacidade de me irritar profundamente. Eu fiquei boquiaberta com sua resposta, e o encarei caminhando até seu caminhão. 

— IRRITANTE! — Gritei, batendo a porta com força. 

Novas batidas vieram imediatamente, e meu rosto se contorceu em desgosto. 

— O que foi agora? — Fui até a porta e a abri com toda a velocidade, encontrando o olhar de Gustavo novamente.

— Irritante é você, Clark. — Ele sorriu com aquele sorriso que eu já conhecia muito bem, um misto de sarcasmo e diversão.

Bati a porta novamente com tanta força que o som ecoou pelo corredor. Deixei escapar um suspiro profundo, me afastando da entrada e me encostando na parede.

Ele era exatamente como eu lembrava: provocador e insuportável, sempre querendo causar um impacto. Era como se ele tivesse um talento especial para fazer com que qualquer situação fosse sobre si, que ele ficasse longe de mim e de meus dias já complicados o suficiente.

《♡》

— Pai, acabei, posso ir? — Perguntei, tocando-lhe no ombro enquanto ele organizava o caixa, meu corpo exausto ansiava por descanso.

— Pode sim, só avise a sua mãe que preciso que ela me espere acordada para fazer a programação do Natal. — Ele me deu um sorriso cansado enquanto ajustava os dólares nas mãos. — E tire a farinha do cabelo.

— Eu preciso estar presente nessa programação? — Perguntei, passando a mão no cabelo.

Ele me encarou com seus olhos azuis cansados e, após um momento de hesitação, me deu um sorriso quase imperceptível.

— Tem compromisso, Joanne? — Sua voz rouca saiu com um tom de indiferença.

Consenti e sorri já me afastando em direção à saída.

— Sim, pai, até amanhã! — Gritei entre passos rápidos em direção à saída, sem esperar uma resposta. — Concordo com tudo que vocês planejarem, amarei. — Corri, fazendo-o sorrir com meu entusiasmo.

O caminho até minha casa é cercado por ruas longas e arborizadas que transmitem uma sensação de calma. Ao passar pela oficina do avô de Alex, que é um querido e me conhece desde que nasci, não pude deixar de me lembrar de como sempre fomos uma grande família. Conhecia os pais do Alex também, e a conexão entre nossas famílias sempre foi profunda.

— Alex, está pronto? — Perguntei, fazendo a minha voz ecoar pela entrada da oficina.

Estralei o pescoço e esperei, ouvindo passos lentos se aproximando.

— Joanne, querida, espere aí fora. Aqui dentro o cheiro está forte para você. — A voz do Sr. James ecoou dos fundos da oficina, e eu permaneci na porta, aguardando pacientemente.

— Espero aqui, vô, tudo bem. — Falei enquanto tentava ligar meu celular, que agora desligava sozinho a cada tentativa frustrada.

Sentei-me no degrau da entrada, lutando com o celular. Em poucos minutos, ouvi os passos rápidos de Alex correndo em minha direção. Sem sucesso, desisti de ligar o celular e o guardei no bolso.

— Senti que você ia passar por aqui, acredita? Meu coração sentiu que estava por perto! — Alex disse, ainda ofegante enquanto tentava recuperar o fôlego.

— Oh, foi um sinal do céu, viu como somos uma só pessoa? — Respondi, empurrando-o levemente enquanto ele me puxava pela mochila nas costas.

A alegria constante de Alex sempre me deu força em momentos difíceis. Ele quase nunca se deixa abater, e sua energia positiva é como um remédio para mim.

— Seu senso de humor está cada dia melhor. Vamos andando, estou com fome e morto de cansado. — Ele sussurrou, sorrindo enquanto começava a caminhar ao meu lado.

Andando juntos por as ruas, todos os dias eram assim. 

— Tenho novidades amigo: vou entrar na academia e ficar sarada. — Falei com determinação, fazendo Alex parar e me encarar com uma expressão de surpresa.

— O quê? — Ele perguntou, olhando-me dos pés à cabeça com uma expressão de dúvida. — Por quê? Você está linda assim. E não se esqueça, você é sedentária querida!

— Uau, que incentivo, hein. — Respondi, balbuciando enquanto ele soltava um sorriso divertido.

Seguimos andando em silêncio, e o cansaço que sentia após trabalhar já foi suficiente para me fazer duvidar se essa era realmente uma boa ideia.

《♡》

— Joanne, vai dormir na casa do Alex? — Minha mãe perguntou da lavanderia, a voz ecoando através das paredes da casa.

Mães realmente têm um sexto sentido para saber onde estamos, não importa o quão silenciosos tentemos ser. Desci as escadas com passos lentos e pesados, meu corpo exausto de um dia longo na cozinha.

— Não. porém te aviso por mensagem, estou tão cansada que se eu não dormir no meio do filme, é lucro.— Respondi, passando pela lavanderia onde ela estava dobrando roupas. — Só vou me trocar e já vou.

Ela olhou para mim, um sorriso maternal nos lábios. A expressão dela, apesar de cansada, sempre parecia transbordar uma mistura de amor e preocupação.

— Não demore muito, querida. E também não se esqueça de avisar se for ficar até tarde...— Ela me lembrou, como sempre fazia.

Assenti, sentindo um calor reconfortante no peito. Depois de um banho demorado, que parecia mais uma forma de tentar remover o cansaço do corpo, me senti mais relaxada. No entanto, o sono ainda me chamava com uma força quase irresistível. Olhei para o espelho, o reflexo de uma garota que, apesar do cansaço, ainda tentava manter a compostura. O desejo de me jogar na cama e passar horas em sono profundo era quase esmagador, mas ainda tinha a promessa de um filme e companhia ao lado de Alex.

Vesti uma roupa confortável e, antes de sair, dei uma última olhada na cozinha onde o cheiro do macarrão e do bolo de carne ainda pairava no ar. Um sorriso cansado se formou em meus lábios. Era a mesma comida de sempre, mas em um dia como esse, parecia quase reconfortante.

— Vou sair, mãe. Até mais tarde. — Gritei para ela, enquanto me dirigia para a porta.

Ao me ver saindo, ela se correu com as mãos cheia de sabão tentando tirar os cabelos dos olhos.

— Sabe que precisa se proteger caso aconteça algo, não é? Onde estão os preservativos que te dei? — Minha mãe perguntou, a voz dela cheia de preocupação, enquanto eu estava na porta, me preparando para sair.

Eu respirei fundo, tentando manter a paciência. Era sempre a mesma história...

— Mãe, sério isso? — Olhei para ela, e bufei.  — Pela milésima vez, somos só amigos há mil anos.

O fato de ela insistir em imaginar um romance entre mim e Alex sempre parecia algo tão longe da realidade para mim. Eu sabia que era uma questão de amor maternal, mas não conseguia entender por que não conseguia aceitar a simplicidade da nossa amizade, creio que ela sonha que a gente se case um dia.

Ouvi a risadinha dela vindo do fundo da cozinha, e neguei.

— Estou saindo, Katy.  — M e despedi, começando a abrir a porta.

— Tenha cuidado, querida, e lembre-se, se precisar de qualquer coisa, estou aqui. — Ela gritou, um tom de afeto na voz.

Saí pela porta, a brisa da noite me atingindo com um leve alívio e logo encarei a casa do meu amigo, ao lado da minha.

《♡》

Encarando a porta do quarto do Alex, um adesivo colado sempre prende minha atenção quando venho aqui. Em letras garrafais, o adesivo diz: "Estou sempre dormindo", isso me faz rir.
Bato na porta em ritmo acelerado até ele abrir.

— Entre, não precisa bater... Ou derrubar a porta — Alex abriu a porta lentamente, um bocejo escapando de seus lábios enquanto me dava passagem.

— Que animação. Bato porque é seu quarto. Isso é uma dica, sempre bata no meu — falei, apontando para ele com um sorriso.

Alex sorriu de volta, ainda com um brilho de sono nos olhos.

— Você e suas dicas de etiqueta, Anne. Sempre bato na porta do seu quarto, e você entra aqui desde que tinha um berço no lugar da cama. — Alex sorriu largo enquanto me puxava para dentro do quarto.

Joguei-me em sua cama e olhei para o teto, onde estrelas coladas brilhavam no escuro. A visão dessas pequenas luzes me transportou de volta à nossa infância, aos dias despreocupados e às noites passadas em longas conversas e risadas.

— Imagina a cena, entro aqui sem bater e vejo você de cueca... ou sem? — Perguntei, cobrindo o rosto com as mãos para evitar imaginar a situação.

Alex riu alto, a risada ecoando no quarto. 

— Ia ser tão sortuda, ninguém ver meu tanquinho e outras coisas há meses, mas, iria rir bastante da sua cara de constrangimento, bobagem. — Ele piscou para mim, tentando manter o tom leve e brincalhão.

Conversamos sobre muitos assuntos enquanto a noite avançava, e acabamos esquecendo o filme. Alex, sempre paciente, tentou me ensinar a tocar violão pela décima vez. Eu falhei miseravelmente, mas ele continuava me incentivando. Segundo ele, eu precisava amolecer os dedos e relaxar. Alex tinha o dom para muitos instrumentos—violão, baixo, piano e gaita. Às vezes, ele me deixava com uma pontinha de inveja pela facilidade com que dominava tantos talentos.

Depois de um tempo, decidimos ir para a cozinha ver o jantar. Como sempre, conhecia o caminho de cor, e logo começamos a preparar a mesa. A cozinha estava cheia de cheiros deliciosos que me lembravam da infância, e eu me senti em casa. O avô do Alex, com seu jeito brincalhão, compartilhava mais uma de suas histórias do tempo no exército, sempre com um brilho nostálgico nos olhos.

Sra. Ann, a avó de Alex, era uma senhora de um carinho inigualável. Ela me tratava como uma parte da família, muitas vezes comentando com um sorriso que esperava que Alex e eu acabássemos nos casando. Eu achava engraçado e me perguntava se as pessoas mais velhas realmente perdiam a noção com o tempo.

《♡》

Em minha varanda, há um balanço de madeira velho e empoeirado, que não uso desde que o Andrew se foi. Era um presente de Natal do nosso tio, quando éramos crianças, e passávamos horas brincando nele. Lembro-me do medo inicial da minha mãe, que sempre estava receosa de que nos machucássemos, mas, ao ver a alegria nos nossos olhos, ela acabou cedendo. O balanço ficou ali, como um vestígio de tempos mais simples e felizes, esperando o retorno das nossas risadas. 

Sentei-me no balanço, que rangia suavemente a cada movimento, e encarei a rua calma e escura à minha frente. O silêncio da noite era interrompido apenas pelo sussurrar do vento nas folhas e pelo ocasional canto de um grilo.

Fechei os olhos e deixei a brisa suave me envolver, tentando reconectar-me com o passado. As lembranças da infância, as risadas com Andrew, e a sensação de segurança ao lado da minha família preenchiam minha mente. Relembrar aqueles dias simples e felizes me fazia sentir uma dor doce, uma saudade de algo que nunca poderia voltar.

O balanço continuava a balançar lentamente, e eu continuei ali, perdida entre o presente e o passado, enquanto a noite envolvia a cidade em seu manto silencioso.

— Drew, vamos sentar aqui. Está tocando na rádio a sua música preferida. Rápido, é a mais pedida da semana! — Chamei, enquanto o som da música começava a preencher o ar ao nosso redor. Ele correu em minha direção, largando o cortador de grama e com um sorriso entusiasmado no rosto.

— Ain't No Reason do Brett Dennen? — Gritou ele quase sem ar, seu entusiasmo evidente.

Ele pulou para cima do balanço, sentando ao meu lado. O balanço rangeu sob o peso combinado, e logo ele estava todo apoiado em mim, fazendo-me balançar para frente e para trás. A sensação de seu corpo pesado em cima do meu me fez gargalhar, perdendo o ar enquanto tentava recuperar o fôlego.

— Se você cair em cima de mim, vou morrer! Sou nova, acabei de começar o ensino médio! — Gritei entre risos, empurrando-o para o lado e fazendo um esforço para me livrar de seu peso. — Vamos, senta direito ou vamos quebrar esse balanço!

— Posso ficar com seus olhos azuis caso isso aconteça? — Andrew me olhou com um carinho sincero, quase como se tentasse garantir que eu tivesse algo para lembrar dele.

— Não, eu iria morrer na hora! — respondi, arregalando os olhos e balançando a cabeça em negação. 

— Cala a boca, eu irei morrer primeiro que você porque sou mais velho e não suportaria viver sem minha irmãzinha! — Ele falou com uma expressão triste, me fazendo beliscar seu braço em um gesto de carinho.

《♡》

Como ele previu, foi primeiro que eu. Todos esses momentos ainda são tão claros em minha mente que às vezes penso que são reais, mas não são. São apenas lembranças de momentos cotidianos, que normalmente não damos o devido valor até que se tornem memórias irreparáveis.

Passava de meia-noite e o frio começava a se instalar. Entrei em casa, tranquei todas as portas e subi para o meu quarto. Esse lugar é meu ninho, onde encontro um pouco de paz em meio à tormenta. Às vezes, me pego olhando para a foto com o Andrew, aquela em que fazemos poses engraçadas, e lembro-me das palavras dele: "Anne, você vai ser uma ótima fotógrafa."

Meu hobby secreto sempre foi tirar fotos aleatórias, capturando momentos que eram só meus, mas que também compartilhava com alguns poucos privilegiados, como o Andrew, o Alex e meus pais. Na nossa cidade pequena e isolada, talentos raramente vêm à tona e, assim, a fotografia permaneceu uma paixão oculta, quase como um sussurro abafado pelo silêncio da vida cotidiana.

Meu corpo se afunda no colchão, enquanto meus pensamentos vagam por entre as imagens que tentei esquecer. Fecho os olhos, mas as lembranças de Andrew são insistentes, como uma fita que se repete incessantemente. 

Meu celular vibrou embaixo do travesseiro após eu fechar os olhos e atendo a ligação já sonolenta.

-— Alô... Quem é? — perguntei, com a voz rouca e os olhos ainda fechados.

— Apagou meu número? É o Alex, seu melhor amigo. — A risada dele do outro lado da linha me fez abrir os olhos.

— Desculpe, atendi sem abrir os olhos. — Bocejei, e ouvi o sorriso na voz dele. — Estava cochilando.

— Oh, perdão por te acordar, só estava sem sono e precisava te falar uma coisa — disse ele, em tom baixo.

— Tudo bem, pode falar. Só me deixa ligar o abajur. — Ouvi Alex cantarolar enquanto eu ligava o abajur, e a luz intensa fez meus olhos arderem. — Alex?

O silêncio pairou, e eu encarei a tela do celular, vendo a ligação ainda ativa.

— Sabe... Desculpe pelas brincadeiras da vovó. Ela não sabe o que diz às vezes... — ele falou, tímido.

Sua avó planeja nosso casamento há anos.

— Para com isso, eu entendo. Tá tudo bem, mesmo.. — falei, ouvindo a risada abafada de Alex.

— Vá dormir agora, era isso! — sussurrou Alex, do outro lado da linha.

— Espera, não desliga ainda — pedi, impedindo-o de desligar a ligação.

— O que foi? — perguntou Alex, um pouco curioso.

— Você lembra do Gustavo da fábrica de café? Aquele idiota do café? — perguntei.

— Sei, lembro dele. Por quê? — Alex pareceu interessado. —Ele morreu?

Arregalei os olhos e levantei a cabeça do travesseiro. 

-— Não, credo, Alex. Ele entrega mercadoria na padaria e ainda acredita que puxou papo comigo? — comentei, rindo da situação.

— O quê? — Alex pareceu irritado. — Ele é o maior dos babacas. Ignora isso, fique longe dele, por favor.

Sorri, e voltei a deitar. 

—Eu sei, não sou trouxa. —Suspirei e respirei fundo —Durma bem cara, até amanhã.

— Boa noite, Anne. —Ele falou, já sério. —Fique longe do Gustavo.

—Ficarei. —Sorri.

Despedimo-nos e terminamos a ligação, acho que tem uma pessoa que gosta menos do Gustavo do que eu... Pensando bem, acho que sou a pessoa que menos gosta dele. 

S2

Sejam bem vindos ao mundo da Anne, votem e comentem ♡

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