Noite feliz ♡ Capítulo 3

Uma semana se passou desde minha ida ao cemitério. De modo geral, estou me sentindo melhor após o surto em relação ao Alex, contudo o vi pouco esta semana e percebi um leve distanciamento entre nós. No entanto, isso não me preocupa. sei muito bem que a data em que os pais dele faleceram está chegando, e ele sempre se recolhe para viver o luto. Tenho certeza de que em alguns dias tudo estará bem, enchendo meu saco como sempre.

Estamos em pleno feriado, com os estabelecimentos fechados e meu pai não vai abrir a padaria, então estou de folga. Ao me diz para visitar o Alex e ver como ele está, nessa época, ele costuma se fechar tanto que chega a dar medo. Como amiga, estou sempre ao seu lado, mas sei que certas dores precisam ser sentidas sozinhas.

Do outro lado da rua, vejo minha vizinha da casa em frente. Ela tem uma neta de dezoito anos que provavelmente não gosta de mim, embora eu não saiba o motivo. Gostaria até de puxar assunto e conversar, mas não sei como. As poucas coisas que sei sobre ela são através de minha mãe, que conhece todos na rua. Ela se chama Alice Moore, é solitária e reservada. Estudamos no mesmo colégio por todos os anos, mas nossa aulas nunca batiam.

Dei uma pequena volta em frente à praça, que fica a alguns metros da minha casa. O ambiente calmo e vazio era composto apenas por uma pessoa andando de skate. Distanciei-me do caminho ao perceber a pessoa vindo em minha direção em alta velocidade. Apertei os olhos, tentando identificar quem era.

-Que inferno... -murmurei, sentindo-me indignada.

Gustavo Baker andava de skate e passou por mim tão rápido que não me reconheceu, o que foi um alívio. Meu santo não bate com o dele, nunca. Devo admitir que, olhando apenas para sua aparência, ele é um rapaz muito bonito. Seus cabelos sempre bagunçados o tornam ainda mais atraente junto aos seus olhos quase pretos e um sorriso cativante.

Balanço a cabeça para afastar esses pensamentos.

Porém, sua beleza não muda a repulsa que sinto por ele desde a escola. Gustavo sempre foi o oposto de mim, e lembro-me claramente como ele flertava com as meninas na época. Apesar de não dar crédito a fofocas, há rumores de que ele tem um filho que não assumiu e que sempre teve um lance com sua amiga Emma. Essa mudança repentina não me convence de que ele realmente mudou por dentro.

Na frente da porta dos Ross, bato levemente e escuto risadas altas de Alex e uma voz feminina. Pensei que ele estivesse mal, mas pelo visto estava enganada. Aproximo-me da porta novamente e bato duas vezes com mais força, preocupações a toa são horríveis.

Após alguns minutos, o senhor Ross abre a porta, logo arrumando seus suspensorios.

— Oi querida, como está? — Sr. James fala com a voz rouca, abrindo a porta lentamente.

— Oi vô, estou bem. O Alex está? — Ele abre a porta por completo, dando-me espaço para entrar. — O senhor está bem?

— Estou sim, mas sinto meus ossos fracos, coisa de velho. E ele está na sala. Quanto tempo você não aparece! Entre, irei pegar alguns biscoitos! — diz ele, gentilmente.

— Irei adorar, obrigada! — respondo com timidez, adentrando a casa.

Ao me aproximar da sala de televisão, continuo ouvindo as risadas finas enquanto o Sr. James segue rumo a cozinha deixando-me à vontade. Continuei andando em direção às risadas e meu olhar parou no sofá, onde vejo Alex e uma menina desconhecida por mim assistindo televisão com bastante intimidade. Sinto minha garganta seca ao deglutir, enquanto me apoio na parede, sem que os dois possam me ver.

Ainda observando os dois, começo a entender seu distanciamento repentino. A menina vai em direção ao Alex e o beija rapidamente. Minha única reação é dar alguns passos para trás e sair sem que eles me percebam, sai pela porta da frente da casa e a fechei  lentamente. Afinal, se fosse para eu saber de algo, o Alex teria me contado.

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Na voz do Alex:

Na sala, vejo uma série com a Delaylah, uma menina legal que conheço não a muito tempo. Observo meu avó com seu olhar curioso procurando algo pela casa, logo o vejo indo até a porta de casa, em passos lentos.

— Vô, vai sair? — Me aproximo da porta e ele me olha confuso. — Acabou de tomar seus remédios, não pode ir sozinho.

— Não, filho, eu vim oferecer biscoitos para a Anne, mas não estou a encontrando para prova-los! — falou ele, olhando-me fixamente. — Você viu se ela foi ao banheiro?

Meu avô foi diagnosticado com hipertensão há pouco tempo, e os remédios podem dar sono por algum motivo que desconheço. Então, após tomá-los, ele costuma deitar um pouco, mas sua teimosia às vezes fala mais alto e precisamos ficar de olho nele.

—O que? —O encarei pasmo. —A Joanne estava aqui? 

Meu avô me encarou com cara de poucos amigos.

— Você teria visto se não estivesse beijando uma garota desconhecida, você nunca ouve meus conselhos garoto! — disse meu avô, logo voltando para cozinha.

É óbvio que Joanne não vai me desculpar facilmente. Sei que se ela estiver brava, não cederá facilmente. 

Há apenas duas regras entre nós: nunca esconder nada, nem mesmo um assassinato e só podemos nos afastar na dor do luto.

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Na voz da Joanne:

Temos duas regras: nunca esconder nada, nem mesmo um assassinato e só podemos nos afastar na dor do luto caso precise. Mas ele deve ter seus motivos para isso. Afinal, nós dois sabemos que a maioria das meninas não gosta da nossa amizade, é uma situação chata. Não posso ser egoísta. Ele precisa ser feliz com alguém, e eu também preciso caminhar para novos horizontes.

Acabo andando pelas ruas vazias e paro novamente na praça. Meu celular vibra, fazendo-me sentar em um balanço para ler a mensagem.

Podemos conversar?

Alex percebeu minha presença e se deu conta do que pensei.

Depois de dias, lembrou de mim ou foi só porque apareci na sua casa de supetão? Faz assim, quando estiver sozinho, me procure.

Com essa mensagem enviada, coloco o celular de lado e olho ao redor da praça, absorvendo a serenidade do lugar.

Anne, precisamos conversar. Eu sei que errei, sei que me afastei, mas você entende que os dias atuais estão difíceis.

Leio a mensagem de Alex repetidas vezes, tentando absorver suas palavras.

Sou sua amiga há anos, mais de dez anos. Tudo que passei na vida, você é o primeiro a saber, até antes da minha mãe. Sempre soube das suas coisas, até porque quando algo deu errado, sempre estive aqui pra ajudar, mas o problema não é eu saber ou não, afinal temos nossa individualidade. Mas não precisava ter sumido, me deixando preocupada. 

Coloco o celular de lado novamente e respiro fundo.

Eu sei de tudo isso, e estou errado. Podemos conversar? Sem frieza, Elsa...

Ainda bem que você não tira minhas razões, Alex. Até mais tarde, se puder ir até o balanço. Quando eu chegar em casa, eu aviso. 

Envio a mensagem e observo o celular por alguns momentos, imaginando o que ele terá a dizer e de como pedirá desculpar cem vezes por minuto. 

Aguardo sua mensagem, Elsa!

De alguns tempos pra cá, minha cabeça anda a mil. Não sei o que fazer da vida. Ir para uma faculdade longe é meu plano, porém decidi tirar um tempo para me dedicar a coisas que pudesse me ajudar para uma bolsa de estudos mesmo sendo pequena, todos os dias sinto que tem vinte abas abertas na minha cabeça.

Parei o balanço e guardei meus fones no bolso da jaqueta. Minha cabeça doía e estava no ápice do meu humor sombrio. 

—Quase noite e você aqui sozinha, não tem medo?

Uma voz suave ao pé do ouvido me assusta, fazendo-me virar de vez. 

—Acho que tem medo sim. —Gustavo sorriu, sentou no balanço ao meu lado e soltou o skate no chão.

Bufei, alto.

— Poxa, garoto, você perdeu o resto da noção? Que susto! E o que você faz aqui tão longe do seu bairro nobre? — Olho ao redor do ambiente e Gustavo me encara confuso. — Cadê sua turma?

Com um tom de ironia, ele soltou uma risada demonstrando pouco se importar e tirou do bolso uma caixa de papel parecida com a de cigarros.

— Longe de mim com isso, tenho asma adormecida desde criança e não quero acorda-la. — Tapei meu nariz e minha boca, e ele me olhou confuso. — O meio ambiente chora, credo.

Gustavo me olhou confuso e balançou a cabeça em negação.

— Isso é chiclete, neurótica, e esqueci que aqui é sua área, dona da região. Estava andando de skate sozinho, e você? Quer? — Ele apontou a caixinha marrom em minha direção.

Chiclete sabor chocolate amargo, não tem como ser ruim. Peguei a caixinha e derrubei um chiclete na palma da minha mão, devolvendo-a.

— Obrigada. Estava pensando até me atrapalhar, mauricinho de café. — Uma risada escapou por entre meus lábios e ele me encarou fixamente. — Não acha que a gente tá se cruzando demais? 

Gustavo coçou a cabeça e encarou o céu, talvez ele estivesse tentando ignorar minha grosseria.

— Do café? Que ofensa, agora passou dos limites... Passamos anos nos cruzando no colegio, não lembra? E estou aqui pois tenho maneiras próprias de esfriar a cabeça e no meu bairro nobre não tem um espaço assim. — Ele falou, apontando para o skate verde com detalhes pretos.

— Ofensa? — Perguntei, erguendo as mãos. — Desde quando o ofendi?

— Não gosto de café, meu pai produz café. Eu sei, mas não gosto. — Ele deu de ombros e eu também.

— Que pessoa estranha, é rico por causa do café e não gosta do café.

Ele consentiu.

—Isso mesmo! —Ele sorriu.

Eu o encarei mais uma vez, logo sendo encarada de volta.

— Do colégio eu só lembro de você olhando para meus amigos e rindo junto com sua turma por anos. Difícil esquecer, por mais que não desse a mínima pra você. —Falei, sem receio.

Fiz uma bola com o chiclete que estourou, grudando em meu nariz.

— Desculpa adianta ainda? — Sua mão gelada tocou meu ombro nu, senti meu corpo gelar.

Retirei sua mão, ao balançar o ombro.

— Desculpa é só uma palavra... Se quiser mudar mesmo, mude de verdade! A quem você e sua turma magoaram, suas desculpas não mudam nada, ainda mais agora! — Levantei e saí andando, deixando o menino do skate sentado sozinho.

— Estou sendo gentil, Clark. — Ele falou alto.

— Estou sendo sincera, Baker. — Rebati sem olhar para trás, seguindo meu caminho.

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Após mandar uma mensagem para o meu amigo e tomar um banho quente, sai de casa e o vi sentado no balanço no meu terraço.

— Aqui estou. — Cruzo os braços para me aquecer do frio enquanto Alex me olha de lado.

— Senta aqui, por favor? — Ele fala em tom baixo, estendendo a mão para mim.

— Claro... — Falei baixo, logo sentando ao lado dele. 

Seus olhos cor de esmeralda e sua pele morena formam uma combinação perfeita. Ele me encarou fixamente antes de procurar palavras.

—Olha, ela se chama Delaylah e estamos só dando uns beijinhos. Semana passada, fui naquele bar do posto de gasolina e bebi bastante, sabe que quando estou triste, eu bebo um pouco... A conheci e ficamos. Fora nesse dia, a encontrei na rua e ela perguntou se podíamos nos ver novamente. Falei que sim e a convidei para ver um filme... —Alex encarou o jardim à nossa frente e respirou fundo. — E de toda forma quando eu sai de casa e fui ver se você ainda estava na rua, meu avó falou alguma coisa para a menina e agora ela acha que eu namoro, me deu um fora.

Nos olhámos seriamente e sorrimos juntos por conta daquela situação, ele apertou minha mão que estava entrelaçada com a dele. 

—Vi quando se beijaram na sala e não quis atrapalhar, só por isso fui embora. Eu não posso e não vou te impedir de ser feliz, seja com quem for, entende? — Alex consentiu. — Sinto muito por seu avô ter acabado com o seu lance, eu apenas sai e fui andar na praça e até encontrei o Gustavo...

Alex encarou o jardim da minha mãe e bufou.

— Eu já te falei para ignorá-lo. — Sussurrou, apertando o maxilar.

Bufei, fazendo-o me encarar.

— Alex, apenas encontrei ele. Não posso impedir dele andar nas ruas...— Olhei para ele e forcei um sorriso. — Se preocupe em reconquistar a Delaylah.

— Esquece isso, poxa! — Alex falou seriamente, passando a mão entre os cabelos. — Só tenha cuidado, ele brinca com as meninas.

— Ele não é bicho, não sou boba. — Beijei sua testa e levantei do balanço.   

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Abri os olhos com dificuldade após o despertador tocar. Entre minha higiene matinal, acabei escutando uma discussão dos meus pais sobre o Natal. Bati a mão na pia do banheiro, fazendo meus cremes caírem. Digamos que essa data não seja tão feliz para nós há algum tempo, e minha família está toda espalhada pelo país, nunca tivemos muita gente por perto. 

Desci lentamente as escadas para comer algo e logo escutei gritos.

— Será que eu não posso encher a casa Katy? — Meu pai falou alto de algum cômodo distante, fazendo-me assustar.

Eles estavam brigando a distancia, mas logo meu pai se aproximou.

— Você pode sim, Albert, me avisando um dia antes do jantar, é muito melhor. — Minha mãe elevou a voz mais uma vez, fazendo-me bufar.

Meu pai se jogou no sofá e minha mãe falava cada vez mais alto. Minha casa parecia uma competição de vozes altas e essa discursão parecia que estava longe de acabar. Com minha xícara na mão, preparei meu café e o esfriei com sopros leves, observando o território de guerra encostada na ilha da cozinha.

— Mãe, todo ano a família do Alex vem, fica calma... — Ela me fuzilou de longe com seu olhar matador. — O que?

Com o aspirador de pó na mão, ela o encostou na parede e começou a me explicar sua revolta.

— Joanne, não o defenda. Seu pai convidou o Nicholas Baker, dono do império do café. Não estamos preparados para receber alguém que vive no luxo no bairro mais nobre da cidade, eu agora preciso montar um cardápio mais elaborado!— Minha mãe disse, me deixando boquiaberta.

Não podia ser verdade. Dei um gole em meu café ainda muito quente, queimando o céu da boca. Meu pai continuava assistindo ao jogo de basquete, sem se importar com minha indignação. A minha vida estava querendo ficar agitada?

— PAI! — Falei alto, fazendo-o olhar para mim. — Você não fez isso... O filho dele é insuportável de verdade, eu odeio aquele menino... Tudo bem você ser amigo do pai dele, só queria ter me preparado psicologicamente para o Natal mais estranho da minha vida. — Apoiei os cotovelos na ilha da cozinha e baixei a cabeça, tentando processar a informação.

Minha mãe se calou diante do meu surto.

— Isso mesmo, ele é meu amigo há anos e nunca tivemos a oportunidade de passarmos essa data juntos, pois ele sempre viaja nessa época. Então agora foi o momento que deu certo, sejam simpáticas. — Meu pai sorriu. — Joanne, você faltou à reunião e disse que amaria tudo.

— Não, isso não vou amar. Eu vou odiar... — Gesticulei, e minha mãe arqueou as sobrancelhas. — Limites, pai, limites.

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—Pelo amor dos céus, era só o que me faltava mesmo. Gustavo Baker passando o Natal na minha casa. —Tento me acalmar andando em círculos enquanto o Alex observa meus movimentos.

Expliquei tudo o que meu pai planejou, e Alex parecia tranquilo, jogado na minha cama enquanto encarava o lustre de borboletas.

—Anne, amanhã já é o jantar, não tem o que fazer mas estarei com você! Nós não gostamos dele e ficar brava não vai fazer o convite ser desfeito... A escola já acabou, águas passadas. Parece que ele te afeta. Ou afeta? —Me joguei na cama em um pulo, o assustando.

Bufei e neguei, mas é claro que ele afeta meu humor, minha paciência...

—Tudo bem, é só uma noite. Ele não me afeta, só não me sinto confortável. —Alex gargalhou, passando a mão na minha cabeça.

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Acordo cedo, e é véspera de Natal, o dia do jantar. Mesmo sem muita vontade, passo o dia ajudando minha mãe na cozinha e na casa, que está toda decorada com enfeites brilhantes e exagerados, porque ela realmente se empolga com o Natal, especialmente quando temos visitas. Subo até meu quarto e o relógio já marca cinco e quarenta da tarde, quase na hora de me arrumar. Estou sentindo que hoje vou me estressar, mas espero estar errada, afinal, é Natal. 

Arrumo minha roupa em cima da cama para mais tarde. Encaro meu vestido vermelho liso, um palmo e meio acima dos joelhos, com alças finas. Coloco ao lado a minha sandália preta com salto fino. Observando a roupa na cama, lembro-me de como nunca me senti atraente o suficiente para usar aquilo. 

Ao fundo, escuto vozes que parecem ser dos meus pais conversando. Graças aos céus, parece que está tudo bem. Me aproximo da janela do quarto, o céu estava limpo e estrelado

—Andrew, feliz Natal. Sem você aqui, fica tão vazio e difícil. Nosso pai fez um lindo bolo com nossos nomes em cima. —Falei sozinha e me assusto com uma voz do além.

Meu quarto tinha duas janelas, uma para a rua e uma em frente ao quarto do Alex, na casa ao lado.

—Ele está te ouvindo. —Alex aparece na janela, me manda seu melhor sorriso e se apoia me encarando. – Mas ele ia querer o bolo, como sempre.

Às vezes esqueço que Alex perdeu seu melhor amigo também. Eles eram ainda mais inseparáveis. Zeravam jogos juntos todos os meses e faziam competição de quem passava mais tempo andando de bicicleta.

—Tomara, coloque uma camisa, Ross. —Falei apontando para seu abdômen definido. – Isso é indecente, é natal.

—Por quê indecente? Você não pode apreciar meu tanquinho? —Alex retruca, provocativo.  —Anne, fique feliz hoje. E não se preocupe com o Baker, como você falou... Ele não é bicho.

Ele passou na minha cara algo que eu mesma falei.

—Tudo bem, a escola já passou. —Sussurrei.

—Preciso entrar, o dever me chama. No caso, minha vó. —Alex acena e fecha a janela com esforço.

Alex é a pessoa que literalmente me faz esquecer os problemas. Com a faculdade se aproximando, meu coração aperta, Ficar longe dele nunca foi uma opção.

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Quase onze da noite, levanto da cama com uma carga enorme de preguiça nas costas e sigo até o banheiro para começar a arrumar meu cabelo. Encaro o espelho e divido meu cabelo ao meio. Com o babyliss, deixo as pontas onduladas e soltas, de forma simples. Minha maquiagem também é discreta, apenas um batom vermelho sangue que combina com o vestido. Devidamente arrumada, desço as escadas tão rápido quanto meus saltos alto permitem. Minha mãe já havia me enviado uma mensagem, indicando que eu estava atrasada. Ainda de cima, avistei todos na sala, sentados e conversando animadamente sobre algo que rendia boas risadas.

—Feliz Natal pessoal, desculpem pelo atraso. —Me aproximo da sala, tentando não tropeçar.

Todos os olhares se voltam para mim e eu envio meu sorriso mais sincero, enquanto os avós do Alex se levantam para me cumprimentar.

—Feliz natal moça bonita. —Sr. James falou pegando minha mão e o abracei.

—Minha netinha como está linda, ficou alta com o salto. —A Sra. Ann me abraçou e beijou minha bochecha suavemente.

O Alex veio em minha direção e me deu um abraço, tirando-me do chão. 

—Feliz natal e você está uma deusa, uau. —Falou ele entre risadas, fingindo uma surpresa muito grande.

Gustavo veio em minha direção sendo empurrado pelo pai, vestindo uma roupa social azul marinho e com o cabelo bem arrumado, parecendo não ser o mesmo garoto do skate. Com quase um metro e oitenta, ele se aproximou sem jeito, parecia tímido.

—Feliz Natal, Clark. Obrigado por me receber. —Baker me encarou fixamente com seus olhos castanhos e mandou-me um sorriso branco. Em passos rápidos até mim, ele me abraçou, e em poucos segundos pude sentir sua respiração em meu pescoço. Minhas mãos permaneceram estáticas, sem retribuir o abraço.

Eu sentia seu cheiro forte, e seus cabelos pareciam modelados com gel.

—Agradeça somente ao meu pai Baker... —Sorri, sem graça alguma, batendo lentamente em suas costas.

Gustavo me soltou e logo revirou os olhos, demonstrando que não gostou do que ouviu.

—Menina, você cresceu, feliz Natal. —O Sr. Nicholas me abraçou animado por estar conosco. 

Ele é um senhor não tão senhor assim, muito elegante e simpático.

—Feliz natal senhor Baker, seja bem-vindo. —Falei com simpatia.

Gustavo me olhou de longe e arqueou as sobrancelhas, quando fui simpática com seu pai.

Meus pais me abraçaram e já me sentia dormente de tantos abraços seguidos, o tempo foi passando depressa e o jantar estava indo bem, entre conversas aleatórias saio boas risadas.

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O clima pesado entre eu e o Gustavo não aconteceu, o que me deixou surpresa, percebi seus olhares, porém não dei bola e a conversa fluía entre todos por muitas horas.

—Joanne, o que vai fazer futuramente? —O Sr. Baker me perguntou, fazendo-me sair de transe. —Digo, profissionalmente.

Gustavo me olhou esperando minha resposta enquanto bebia seu suco, o encarei e recebi uma arqueada de sobrancelhas.

—Vou tentar Harvard e entrarei com o processo para tentar uma bolsa de estudos, minhas notas devem ajudar. —Sorri, parecendo simpática e fiz Gustavo arquear o cenho. —Talvez aconteça...

Conversamos sobre universidades e as oportunidades que nós jovens temos hoje em dia. O pai do Gustavo se formou em administração de empresas na Carolina do Norte. Alex falou sobre fazer música, o que animou meu pai em ter alguém famoso na família, já que eu não gosto de aparecer. Com o passar do jantar, todos falávamos um pouco sobre sonhos e o quão alguns deles são complicados.

-Meu filho vai fazer administração também, daqui a uns anos ele vai cuidar de tudo. –O Sr. Baker soltou uma risada rouca, fazendo os avós de Alex concordar.

-É, talvez... –Gustavo sussurrou sem graça.

Por mais que eu achasse que o clima estranho fosse surgir, isso não aconteceu. Após o jantar, sentamos todos na sala para comermos bolo e sonhos feitos por mim. Foi bom ouvir histórias sobre quando meu pai e o Nicholas se conheceram em uma festa nos anos oitenta. Meu pai, curioso como sempre, falou sobre a mãe do Gustavo, e eu não sabia que ela tinha falecido.

—Esse rapaz herdou a beleza da mãe, Nick. Nunca vi coisa assim, sorte sua que não parece com seu pai... –Meu pai brincou e deu dois tapinhas nas costas de Gustavo, que sorriu envergonhado.

—Ainda bem, não ficarei careca. —Gustavo fez todos sorrirem ao apontar para o pai, incluindo eu.

Seria uma hipocrisia da minha parte dizer que não o via na escola, ele é bonito. Seus traços finos e seus olhos redondos combinam bem. É estranho vê-lo com os cabelos alinhados, mas fica bom assim. 

Observava disfarçadamente e fui cutucada.

—Ei, por que está encarando o Baker, hein? Ele vai secar...–Alex cochichou em meu ouvido, fazendo-me sair do transe. -A baba está escorrendo. —Ele apontou para minha boca e sorriu.

—O quê? Fumou algo estragado? Encarando quem?  Você está louco! —Puxei sua orelha, o fazendo resmungar. 

Encarar o mauricinho do café? Recuso-me a tal acusação.

Levantei do sofá e segui até a cozinha, onde minha mãe insistiu para que eu guardasse o bolo na geladeira, após muita conversa. O pai do Gustavo falava sobre sua fábrica, parecendo ter um futuro planejado para o filho. Deve ser muito chato não poder escolher seus próprios passos, visto que o filho não pareceu nenhum pouco animado com isso.

Encostada na ilha da cozinha, retirei um boneco de neve do topo do bolo e comi seus braços feitos de chocolate. Antes que eu percebesse, ao bater o salto no chão, eu perdi o equilíbrio e por pouco cai junto com o bolo.

Senti uma mão segurando meu braço e agarrei a pia da cozinha para me estabilizar novamente.

—Você e saltos não têm uma relação muito boa, suponho. —Me soltei da mão do Gustavo, que colocou seu prato na pia e pegou o resto do boneco de neve na minha mão.

—Obrigada, e você supôs certo. Isso é uma invenção desnecessária... - Retirei os saltos, com o humor abalado, e ouvi Gustavo rindo.

Ele pegou meu salto do chão, quebrado e deu de ombros ao observa-los

—Acho que não serve mais, baby. —Ele soltou o salto no chão, e eu soltei uma risada, logo me contendo. —Sua risada indica que não é uma obra de Christian Louboutin.

Encostado na pia, Gustavo devorava meu pequeno boneco de neve feito de chocolate branco e observava enquanto eu jogava os saltos na lavanderia.

—Como é mauricinho do café? L.... o que? —Indaguei, sem entender seu sotaque.

Gustavo lambeu o chocolate do polegar e levantou a perna, mostrando o solado do seu sapato social vermelho. Encostada na geladeira, eu o observava sem entender o que ele queria dizer. Dei de ombros, o fazendo baixar a perna.

—Vou explicar  gratuitamente, hoje. Christian Louboutin é um designer francês de calçados extremamente famoso. E a marca dele cara e é reconhecida pelo solado vermelho... —Gustavo explicou, sem me fazer admirar.  —Então se seu salto quebrado fosse dessa marca, você não ia rir, ia chorar.

Que papo de riquinho.

—Legal, mas não conheço essas marcas de luxo e nem tenho muito dinheiro como você para ter um solado vermelho ao menos que eu pinte. Então, aquele meu salto foi de uma liquidação. — Apontei para o salto quebrado. —E como você pode ver, não tem marca.  —Gustavo sorriu, concordando, e logo sai da cozinha ao ouvir minha mãe me chamar.

Gustavo chegou na sala poucos segundos depois de mim, fazendo minha mãe e o Alex me mandarem um olhar curioso.

—Queridos, infelizmente precisarei retirar-me junto ao meu filho, pois a vó materna dele o espera para compartilharmos uma pequena ceia em consideração à minha falecida esposa. —Sr. Baker explicou, visivelmente envergonhado por ter que partir cedo.

Cumprimentamo-nos mais uma vez e senti o olhar julgador do Alex em minha direção.

—Nick, agradecemos a presença de vocês aqui nessa noite tão especial, que nossa união através do café venha a crescer muito mais — Meu pai e ele trocam aperto de mãos, e seguimos até a porta.

Gustavo abraçou minha mãe que elogiou seu terno azul e ele veio em minha direção.

—Joanne, devo dizer que você está deslumbrante esta noite, sem farinha de trigo no cabelo fica um pouco mais bonita... Até mais, porém não estou te seguindo. —Sussurrou Gustavo ao passar pela porta, sorri involuntariamente e ele sorriu de volta.

Um pouco surpresa pelo elogio, sorri timidamente e agradeci, sentindo-me um pouco desconcertada. 

—Obrigada e até mais Baker, suspeito que esteja sim. —Fecho a porta e sinto seu cheio forte ainda fixo no caminho que ele percorreu.

S2

A noite passa, o jantar acaba e os avós do Alex vão para casa. Eu e meu amigo encerramos a noite no balanço de madeira e observávamos o vento frio balançando as árvores, espalhando folhas pelo jardim. 

—A noite foi realmente boa, e o que fez meia hora na cozinha com o Baker? —Alex sussurra encarando  o jardim.

— Meia hora? Eu estava arrumando as coisas e ele comendo bolo, só isso! —Coloquei as pernas apoiadas em seu colo e me sinto aliviada.

O dia corrido e a noite longa mostram o quanto sou sedentária. Alex não se deixa levar pelas minhas mudanças de assunto e pergunta novamente sobre minha ida à cozinha.

— A senhora está folgada. — Apontou para minhas pernas em seu colo. — E deixando alguém caidinho por você – Ele falou e continuou a sorrir.

Neguei, logo o encarando.

—O Gustavo? Interessado em mim? Para com isso, está louco de novo. Não temos nada a ver um com o outro, eu jamais me interessaria por alguém daquele jeito.

Alex me encarou com estranhesa.

—Anne, eu sei, estou só brincando. -—Alex me fitou com seus olhos verdes. -—E outra coisa, as pessoas mudam quando querem. Lembre-se que meu jeito também não combina com o dele, porém sente uma energia diferente nele. E olha, uma hora ou outra você precisará abrir o coração...

Cruzei os braços e neguei.

—Ross, sobre abrir o coração, eu passo. —Respirei fundo. —Gustavo Baker, jamais. —Sorri forçadamente.

Alex consentiu sem insistência.

—Olha, essa caixinha é pra você, abra. —Surpresa, peguei a caixinha.

Abri a caixinha dourada e vi duas pulseiras: uma com bolinhas brancas, sendo apenas uma bolinha preta, e outra totalmente preta com apenas uma bolinha branca. Meu sorriso entregou o quanto amei.

—Nossa, é para usarmos juntos? Eu amei. —Ele colocou a pulseira branca no meu braço e a outra no dele.

Ele explica que pulseiras significam que não importa a distância que venhamos a enfrentar. Estaremos sempre um dentro do outro, e sim, foi o melhor presente.

—Tão lindo e eu te amo tanto, irmão. —O abraço, e ele retribui o mais forte que consegue.

—Também te amo tanto, mas estou sem ar. —Com dificuldade, ele tentou falar.

Entre risadas, comidas e conversas tivemos uma noite aleatória. Porém, feliz. 

S2

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