Esse sou eu S2 Capitulo 51

Estava frio e quase totalmente escuro. Meu olfato aguçado captava o cheiro de madeira velha e cigarro caro. O que conseguia perceber era que não havia vento, apenas umidade. Silêncio. Apenas ouvia minha respiração trêmula e cansada. Ainda sem abrir os olhos, sentia minha cabeça pesada e não conseguia endurecer o pescoço, por mais que me esforçasse. Eu estava vivo, mas meu corpo estava totalmente dolorido, especialmente minha cabeça, que provavelmente fora atingida por algo pesado. 

Se não estivesse tão mole e confuso, diria que estava no famoso galpão do Augustos. A luz baixa me permitia ver apenas a bagunça e os engradados de cerveja espalhados por toda parte. Era um dos lugares mais sinistros que já vi. Por mais que tentasse, não tinha noção de hora ou tempo, com certeza. Dependendo do plano de Augustos, que ainda não incluía me matar, não deveria ter passado muitos dias.

Tentei me mover e senti que minhas mãos estavam amarradas, assim como meus tornozelos, presos por cordas fortes. Isso era o ápice da loucura. Umedeci os lábios e juntei forças para gritar, mas não consegui.

— Augustos, você não está assistindo a muitos filmes de suspense? — sussurrei, e ouvi sua risada. — Isso vai complicar ainda mais.

Ele parecia estar assistindo tudo como uma plateia, escondido em uma parte escura do ambiente. Remexi-me com dificuldade e, de repente, uma luz forte iluminou todo o espaço. Minha visão turva levou um tempo para se ajustar.

— Não quis atrapalhar seu sono de princesa, por isso o escuro. Agora que acordou, podemos conversar — disse Augustos, pulando de cima de alguns caixotes.

Com a visão melhor, percebi que meu moletom, que antes era cinza, estava manchado de vermelho, o que me assustou internamente. Pude ter certeza de que havia sido golpeada na cabeça ao encarar minha roupa ensanguentada.

— Acho que você perdeu a noção de vez. Não sou juiz, mas sinto que sua pena tende a crescer gradativamente — disse ele, e eu sorri ironicamente, mas me arrependi ao sentir as têmporas doerem.

O ruivo se aproximou de mim, dando voltas ao redor da minha cadeira, que estava ao lado de uma mesa velha de ferro. Era o ambiente mais fedido e desarrumado em que já estive, mas era a cara dele. Augustos chutou a mesa para longe, e o barulho do ferro batendo em algum lugar me assustou.

— Minha paciência acabou, Baker. Ainda quer ser o herói? Sua vida está em minhas mãos, e quero que tudo isso se resolva. Caso contrário, você vai se ver em sérios apuros, vamos conversar e você sairá com a mente diferente, pronto para ficar quieto para o resto da vida, e pode ser feliz com sua songa monga.

Ele estava realmente irritado, e jogou no chão um saco com alguns dos meus pertences: meu relógio, meus sapatos, meus óculos escuros e as roupas que eu, como desculpa, havia colocado na mala. 

Mexi o pescoço e senti a corrente ainda presa a ele.

— Não encontrou nada? Achou que eu teria tempo para colocar uma escuta? — encarei seus olhos cerrados enquanto ele se abaixava para remexer meus pertences. Ele pisou no meu relógio e nos meus óculos. — Cara, quinze mil dólares no lixo, esse relógio foi edição limitada. — murmurei, encarando o relógio, e sim, meu coração doeu.

Como previ, ele não achou nada.

— Quis me certificar de que você não tentou gracinhas. — Augustos se aproximou, puxando a corrente do meu pescoço para fora do moletom. — O que é isso?

Merda, pensa rápido. Lembre-se de que metade do cérebro dele já foi consumida por drogas.

— Ganhei da minha mãe e se puder, não a quebre. É a única coisa que tenho dela, que ela mesmo fez para mim. — Expliquei com calma, suspirando. — É só uma frase e uma pedra de turmalina negra ao lado. Você conhece essa corrente ou já esqueceu?— Menti, ele nunca a viu, pois era par com a corrente da Joanne.

Augustos soltou a corrente bruscamente, bufando, e eu pude respirar aliviada. Sua expressão mudava a cada minuto; ele não parecia estar em si mentalmente.

— Você não merece ter nada inteiro, mas respeito a falecida Senhora Madeleine, que não tem nada a ver com isso aqui — Ele gesticulou para o ambiente e deu de ombros. — Vamos ao que interessa, não dormi nada por sua causa.

Augustos acendeu um cigarro, como se aquilo fosse lhe dar um pouco mais de energia. Puxou a fumaça para os pulmões em apenas uma tragada e a soltou lentamente.

Não sabia se era a fumaça misturada com a fome ou apenas meu sistema nervoso no auge dos piores dias, mas minha cabeça rodou de forma absurda.

— Pode chamar seus capangas e apontar suas armas para mim, mas me deixe ficar em pé um pouco. Vou desmaiar... — Pisquei os olhos lentamente e senti-o puxar meus cabelos, tentando erguer minha cabeça.

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Acordei em um pulo ao sentir água gelada sendo jogada em minha cabeça. Como previa, apaguei novamente. Quando recuperei a consciência, percebi que estava sentado, mas meus pés e mãos estavam libertos. Com toda certeza, farei ele pagar por tudo isso e mais um pouco.

— Espero que esteja mais à vontade. Se tentar algo... — Encarei Augustos, que estava sozinho, mas agora com uma arma apoiada no colo.

Suspirei, remexendo meus punhos doloridos. Em seguida, passei a mão na minha testa inchada e extremamente dolorida.

-Já sei me mata. -Bufei, e completei. -Muda o disco, já sei que me sequestrou para me assustar.

— Não veja isso como sequestro. Essa coronhada na sua testa foi só para te fazer dormir, e sim, eu vou te matar caso a gente não se entenda. Como pode perceber, sua saída foi estratégica para não deixar rastros, então acho com facilitar. — A risada de Augustos fez com que eu apertasse os punhos, eu poderia matá-lo a socos naquele exato momento.

— Eu vou acabar com você! Acha que é maior do que os outros só porque conhece traficantes? Acha que pode atropelar uma pessoa inocente, negar socorro, deixá-la morrendo e viver sua vida em paz?

Vomitava tudo que estava pesado em meu coração, e senti uma lágrima escorrer pelos meus olhos inchados. 

— Que merda, Baker! O que você tem a ver com essa família? É passado, ele já era, e não foi intencional, mas está feito. — Augustos levantou-se da cadeira, tomado pela ira. — Por causa do seu heroísmo, estamos aqui. — Ele me puxou pelo moletom, e o bafo de cigarro dele me fez virar o rosto.

-Você matou o Andrew, machucou a irmã dele e toda aquela família quando foi um irresponsável medíocre. Você ameaçou a vida e a família do Will, do Josh, da Emma e a minha. Sabe como é viver sob ameaça e com medo? -Cuspi em seu rosto, o fazendo se afastar.

Ele estava no ápice da sua ira, cada vez mais descontrolado.

— Estou tentando entrar em um acordo, mas vejo que você não quer. — Augustos apontou a arma para mim e sorriu. — Não quis bater no carro dele, mas aconteceu, e eu não vou para a cadeia. Sinto muito. — Arqueei as sobrancelhas, e ele parecia não se importar.

— Acordo? — Suspirei. — Então a vida de uma pessoa pode se resumir a um acordo? — Bati palmas, pasmo.

Alguns capangas de Augustos chegaram, e pude me acalmar quando ele se afastou de mim para conversarem entre si. Finalmente, consegui respirar e parar de me esforçar para ser forte, sabendo que poderia desabar a qualquer momento. Augustos não estava para brincadeira ao mostrar que não se importava com o passado e com toda essa situação presente. Passei a mão no rosto com calma, sentindo minha cabeça latejar como uma bomba-relógio.

Como estão as pessoas agora? Meus amigos, minha família e Joanne... Respirei fundo, tentando segurar as lágrimas, mas era impossível pensar positivamente com uma arma na minha cabeça a cada meia hora. Encarei um capanga de Augustos, que me observava de longe a mando do patrão, e sorri ironicamente.

— Você pode me dizer há quantos dias estou aqui? — Sussurrei, fazendo-o se aproximar. — Se não for pedir muito, estou com fome.

O homem barbudo relutou em me responder, claramente com medo do seu patrão, mas ao olhar em volta, suspirou e sussurrou:

— Tudo aconteceu ontem à noite. Estamos quase à noite, e sua comida chega em breve. — Ele sussurrou e saiu de perto de mim.

Estava ali há pouco tempo, o que significava que, possivelmente, as pessoas não estariam preocupadas. Pelo menos, era o que eu mais desejava no momento. Estiquei o pescoço e senti Augustos se aproximando.

-Fique tranquilo, sua pequena namorada está em casa o dia inteiro. Apenas recebeu visita do tal amigo, cuidado Baker. -O encarei e pude ver o sorriso em seus lábios. -Na sua ausência o amigo pode consolar de muitas maneiras.

Tranquilizei-me ao saber que ela estava em casa, provavelmente com Alex, e com raiva por eu não ter aparecido. Mas me preocupava saber que sua casa estava sendo vigiada dia e noite. Sem muito assunto, Augustos parecia não saber o que fazer para me convencer, e era justo; não iria abrir mão da justiça. Um de seus capangas colocou na mesa um prato de comida e um suco de caixinha.

— Prove primeiro. — Falei, interrompendo a partida de bilhar do ruivo mal encarado. — Envenenamento é uma forma baixa... — Sorri, fazendo-o levantar.

Augustos pegou os talheres de forma brusca, e pelo menos o cheiro da comida estava bom.

— Pronto, minha intenção não é matar você agora. Já falei, come logo, precisamos conversar sem que você desmaie. — Ele resmungou, a boca cheia.

Comer naquele ambiente, com seu cheiro insuportável, era de longe pior do que o odor do sangue em minha roupa, mas precisava entender o que se passava na cabeça dele de uma vez por todas. Engoli toda a comida já fria e bebi metade do suco. Mexer a mandíbula fazia minhas têmporas remexerem, o que aumentava a dor. Pela janela quebrada, percebi a tarde se esvaindo e a noite chegando; não sabia o que Augustos era capaz de fazer a cada hora que passava.

— Que acordo? — Sussurrei, interrompendo seu jogo de bilhar. — Como consegue jogar assim em uma situação dessa? Não tem medo? — Indaguei.

Sua risada ecoou pelo galpão quase vazio, e ele gesticulou com os dedos para que os homens saíssem.

— Baker, não é só você que tem um papai influente. Não aconteceu nada antes e não vai acontecer nada agora. — O ruivo cuspiu ao vento, com ar de deboche.

Como sempre soube, seu pai acobertou todo o crime sem deixar rastros.

— O xerife Miles... Então esse caráter herdou dele? Ele nem parece um policial corrupto. — Sorri, sendo encarado por seus olhos semicerrados. — Aparências, que droga.

— Às vezes precisamos fazer de tudo por nossa família, não é? Mas o acordo, na verdade, é uma troca: a sua vida por sua boca fechada, mas você pode trocar sua vida pela da sua amada. Não me importo. — Levantei com fúria e o segurei pela jaqueta preta. — E creio que, depois do susto dela, você sabe que não brinco em serviço.

— Vou acabar com você. — Cerrei os dentes quase rosnando, fora de mim. — Eu verei você mofando atrás de uma cela, pior que esse lugar de merda. — Encarei seus olhos e senti uma faca em meu pescoço. — O que fez você se tornar isso?

— Nem sempre há uma história triste por trás de uma pessoa sombria, não espere que eu te conte algo comovente e dramático. As pessoas são como são e só permitem que os outros vejam o que querem. — Ele sorriu, sem se importar. — Você voltará a ficar preso até pensar bem, tem vinte e quatro horas para me dar uma resposta. — Capangas de Augustos correram em minha direção, afoitos. — Tentei conversar na sua casa, tentei te convencer, mas nada funcionou. — Ele arrumou a roupa e senti seu punho em meu rosto de modo certeiro e forte.

Augustos socou meu rosto, e senti o sangue escorrendo do meu nariz. Sendo covarde como ele é, pediu para seus homens me segurarem a fim de me bater. Com um soco no rosto e outro na costela, sentia meu corpo fraquejar, a dor física misturava-se com o medo de não conseguir sair daqui.

— Esse sou eu, Baker, Augustos Miles. Tenho poder nas mãos, pessoas, voz e nenhum ressentimento em fazer o que for preciso para tirar alguém do meu caminho. Não vai ser um filhinho de papai que irá me parar. Acha que vou para a cadeia por causa do filho do padeiro? — A gargalhada de Augustos me fazia estremecer de raiva.

Precisava de mais, precisava que ele falasse mais. De fato, parte do que ele disse era verdade: não tinha nenhuma história dramática por trás de quem ele era. Que o ruivo era ambicioso, eu sabia desde os tempos dos nossos jogos de basquete, ele jamais aceitava perder ou fazer parte de um time que não fosse o primeiro.

— Isso tudo que você tem não é nada. Você consegue poder ameaçando as pessoas como fez comigo por quase dois anos: tentando atropelar, sequestrando, torturando... — Sorri, sentindo meu lábio cortado. — Você é apenas uma pessoa genuinamente ruim, seu coração é podre e vazio de qualquer sentimento.

Sorri ao ser amarrado na cadeira de ferro.

— Cala essa boca, seu merda, não preciso de sentimentos de ninguém para viver. E se você pensa que irá me ver atrás das grades, está enganado. — Ao se aproximar da minha cadeira, senti seu cheiro de cigarro e um odor de suor.

— Não precisa porque sabe que, fora seus pais... Ninguém gosta de você. Então acha que não precisa, porque deve doer menos. — Balancei a cabeça e umedeci o corte em minha boca. — O seu pai só acobertou o acidente em que você matou o filho dos Clark porque não queria ser pai de um bandido. — Sorri mais uma vez, e ele chutou minhas pernas. — Que vergonha para ele... — Completei.

-Cala essa boca Baker, não sabe o que diz. –Minhas palavras o atingiam de modo certeiro. –Meu pai fez isso pelo filho, mas você não sabe o que é isso. Seu pai acha que o filho, é a fabrica. –Ele gargalhou, e minha risada saiu junto.

— Agora você falou uma verdade, mas, apesar dos pesares, meu pai criou a mim e à minha irmã fabrica, e hoje pode se orgulhar de ambos. — Minha declaração o fez rosnar e gritar para que me tirassem da sua frente.

Todas as partes do meu corpo doíam, todas. Fingir estar bem na frente do ruivo era, de longe, uma das coisas mais difíceis que já fiz, estava machucado e com medo.

Fui arrastado para uma espécie de quarto escuro e frio, ele estava usando tudo que podia para me fazer desistir. Meu nariz continuava a sangrar e, com toda certeza, estava perdendo uma boa quantidade de sangue. 

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Na voz de Joanne:

Ao sair da casa do Baker precisei chorar tudo que podia dentro do carro, parados na porta da avó do Will não tive condições de ir para casa nesse estado como prometi ao amigo de Gustavo. Justo por isso todos precisaram antecipar sua vinda, mas ao parar para chorar mesmo adiantada ainda me atrasei. Estávamos em um bairro simples, do outro lado da cidade. Era uma casa pequena e florida, mais parecia uma casinha de boneca o que me deixava um pouco mais tranquila. –Sentada ao lado de Alex, era consolada por ele que estava pálido e quieto.

-Chore, estou aqui com você. –Com a cabeça em seu ombro, tentava me acalmar. –Vai ficar tudo bem. –Sua mão pousou em minha cabeça dando leves batidinhas.

Será que só eu iria lutar? Será que apenas eu iria achar tudo isso sem sentido? Porque Mary não achou estranho? Por que o pai dele não se preocupou? Por que meu coração parece está querendo sair do peito?

— Também acha que ele se mandou? Só eu estou vendo algo errado? — O encarei, levantando do seu ombro. — Porque a família dele parece não ligar? Que merda é essa? — Alex enxugou minhas lágrimas e procurei me acalmar.

— Mesmo tudo isso dizendo o contrário, não acho que ele tenha simplesmente ido embora. — Alex confessou com simplicidade, ficando cabisbaixo. — Estou aflito, mas não sei em que pensar. Vamos entrar, estão nos esperando.

De modo carinhoso, sua mão gelada passou pela minha cabeça, arrumando meus cabelos, e pude sentir um pouco de segurança, mesmo meu mundo estando prestes a desmoronar.

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Coisas que eu nunca imaginaria, nem nos meus mais loucos sonhos, vi ao abrir a porta. Após controlar minhas lágrimas, entramos na casa simples, decorada com tons de rosa. A sala pequena estava quase toda lotada por Josh, Will, Alice, Emma e um homem. Ao contrário do que imaginei, todos estavam cabisbaixos e em silêncio.

Entrei junto com Alex, e recebemos todos os olhares. 

— Desculpem-me pela demora, estava... — Sorri, mas voltei ao silêncio. — Quem é você? — Encarei o homem que se levantou ao me ver.

Aproximei-me desconfiada, e ele sorriu de modo amigável.

-Tudo bem Clark esse é o policial Tim mais conhecido como meu pai e já sabe de tudo desde o inicio, já expliquei que passou na casa do Gustavo e por seus olhos vermelhos temos duas opções, fumou um baseado ou ele não estava?

Com seu jeito brincalhão, Will conseguiu me arrancar um sorriso; de fato, nenhum deles pareceu surpreso quando apenas bufei. Sentei no chão e joguei as cartas na mesa, pedi a Mary para trazer a dela, e a mesma não relutou. Ao ver um policial ao nosso lado, fiquei aliviada e nervosa ao mesmo tempo.

— Anne, sou o Timothy, mas pode me chamar de Tim. Sou pai do Will e, mesmo não participando da investigação do seu irmão, pude ver de longe. — O homem simpático apertou minha mão, e assenti, apertando de volta com firmeza. — Soube de tudo, estou chocado e aflito.

— Oi, Tim, sou a namorada do Gustavo e estou um caco. Desculpe o mau jeito e obrigada por estar aqui. — Encarei Alex em pé e apontei para o sofá, já sem paciência. — Alex, senta ao lado da Emma, preciso sentar no chão gelado para me acalmar. Não é nada pessoal, Raybell, acredite. — Expliquei, ao evitar sentar ao lado dela, e Alex sentou sem relutar.

— Tudo bem. — Emma sussurrou, e Alice deixou sua cadeira para sentar ao meu lado no chão.

— Oi, Moore. — Suspirei. — Se eu começar a chorar de novo, precisaremos de um barco. — Sussurrei, fazendo algumas pessoas sorrirem.

-Relaxa, a vó do Will tem uma canoa no quintal. –Seu braço fino abraçou meus ombros e Will consentiu confirmando o que Alice falou.

O policial pegou as cartas de cima da mesa e começou a ler em pé, seus passos inquietos o faziam contornar a pequena sala de estar. Encarei Alex e Emma lado a lado em um silêncio gritante, enquanto Josh se mantinha em sua própria companhia no sofá. Dizem que as pessoas mais engraçadas são as que ficam tristes com mais facilidade; de fato, sua expressão murcha, como a de uma planta, mostrava isso.

O pai de Will leu as cartas e suspirou intrigado.

— Então é isso, aqui o Gustavo diz que precisou de um tempo e que não precisamos nos preocupar. — Ele passou as cartas para Will, que se sentou ao lado de Josh para ler. — Sem sentido nenhum, crianças parece que não temos nada em mãos. — Transtornado, o loiro se sentou na cadeira.

Era como eu pensava: quem soubesse toda a história perceberia que não fazia sentido. Mas como julgar a Mary, que não sabe de tudo isso? Josh leu vagarosamente junto a Will e passou as cartas para Alice, que estava sentada ao meu lado, eu me recusei a ler novamente. Após isso, Alice passou para Alex, que se aproximou de Emma para que ambos lessem. 

— Anne, você viu as câmeras? Tem algo errado. — O policial resmungou, e eu entreguei meu celular com as filmagens. — Isso está me deixando louco; não consigo raciocinar.

Passei as filmagens do celular da Mary para o meu rapidamente, e com isso todos puderam ver o que eu vi. Após ler a carta, Emma ficou um pouco mais transtornada, sua fisionomia estava péssima. 

Vê-la sem maquiagem, salto e roupas caras era estranho, para dizer o mínimo.

— O que vamos fazer? — Alice indagou, alterada. Ela encarou o policial, que, com as mãos na cabeça, buscava palavras. — Isso é ridículo, não faz sentido.

— Estamos de mãos atadas. — Emma sussurrou, fazendo-me concordar. — Foi Augustos, tenho certeza, porém como provar?

Por mais que pensássemos, nada saia.

-Não suporto saber que meu filho e seus amigos foram ameaçados todos esses anos. –O policial estava transtornado. –Não imagino a cabeça de cada um de vocês e a do Gustavo. Não se preocupem, vamos vencer.

Estávamos unidos, mas ainda sim de mãos atadas.

— Eu acredito em todos vocês. — Continuou Tim. — Estou de olho no Miles há meses por conta de corridas ilegais, mas nunca poderia imaginar isso. Como sabem, ele é filho de alguém importante, o que faz sentido para acobertar tudo, mas não temos nenhuma prova. — Emma levantou a mão, e todos a encararam. — Sem provas...

Ela buscava palavras para explicar algo, mas nada saia. A loira estava com um curativo na testa e vestindo roupas normais, diferentes de suas costumeiras. Sentada ao lado de Alex, ela encarava o chão enquanto ele a observava.

— Tudo bem, é só falar. — Alex tocou seu ombro, e ela consentiu. — Tudo bem.

Minha cabeça estava uma confusão, ou eu acabara de perceber novamente a troca de carinho entre ele e alguém com quem teoricamente nunca trocou mais que duas palavras?

— Sem provas, não podemos fazer nada. — Ela completou o discurso do policial. — Ontem à noite, ele foi me visitar no hospital, pois me acidentei. Ele estava calmo, e nada parecia estar errado... posso afirmar isso, pois o conheço há anos. Conversamos, e ele saiu dizendo que ia para casa. Como falei, o conheço desde criança e posso dizer que sua expressão não era de alguém que iria fugir. — Com a voz baixa, ela explicou.

O pai de Will anotava tudo em seu bloco de notas, com as cartas ao seu lado e as filmagens já em seu celular ele parecia está com sangue nos olhos.

— Estou reabrindo por conta própria o caso Andrew Clark. Vamos achar o Gustavo e pegar o culpado. — Ele apoiou a caneta na mesa, e Will sorriu para seu pai. — Contem tudo da última vez que viram o Baker. Podem confiar em mim; sei que existem policiais do lado errado, mas não é o meu caso.

Por ordem do policial em quem podíamos confiar, começamos a falar. Will e Josh mostraram as mensagens que trocaram e resumidamente conversaram sobre a época no basquete, quando Gustavo prometeu ir até a casa deles levar fotos antigas. Alice não tinha nada a dizer, pois não o via há semanas.

— Estava tudo bem entre nós, Tim. Quando ele me contou tudo que Augustos fez, nós terminamos por escolha minha. Eu não suportei tanta informação, fiquei perdida e o culpei por esconder isso. — Suspirei, remoendo tudo aquilo. — Ele me contou das ameaças e, mesmo separados, nunca fiz nada que arriscasse sua vida, a dos garotos e a da Emma. Fui egoísta ao deixá-lo, mas nunca pensei em falar nada por medo de algo acontecer a eles e a mim. Nós voltamos um mês depois. — Desabafei, meus olhos fechados segurando lágrimas pesadas.

Sentia todos me encarando e apertei minhas mãos suadas.

— Continue, querida. Emma, como está mais perto da cozinha, pega um copo de água para ela, por favor. — O policial pediu, e a loira levantou.

Poucos minutos depois, Emma voltou e me entregou o copo de água com açúcar.

— Obrigada por isso. — Agradeci, e a loira sussurrou um "tudo bem" quase imperceptível. Tomei a água e voltei a explicar. — Augustos percebeu que eu era o ponto fraco de Gustavo e começou a me ameaçar. Tentou me atropelar junto ao Alex, e o Gustavo estava cada vez mais transtornado. Quando voltamos, evitávamos sair para que Augustos pensasse que estávamos separados; só assim eu não correria perigo.

Entreguei o papel com a placa do carro que conseguimos no dia do atropelamento e continuei.

— Já busquei isso, o carro está em nome dele. Gustavo sempre afirmava que ia resolver tudo, mas nunca me contou nada. Estava tudo bem, no dia do sumiço dele, ficamos juntos e ele me deixou em casa. Íamos nos encontrar hoje, mas quando ele sumiu, algo me disse que o Augustos estava envolvido nisso.

Após contar tudo, Tim permaneceu anotando. Ele estava sério e quieto, todos estávamos em silêncio até isso ser quebrado pelo Alex.

— Eu o vi ontem à noite... Conversamos e ele parecia bem, não estava nervoso ou tenso.

Estático, ele explicou, fazendo Alice o encarar.

— Onde você o viu e por que não falou nada mais cedo? — Perguntei, o deixando cabisbaixo.

— Ele foi me visitar e pedi para ele não falar nada, pois caí da escada e me machuquei. Minha família acha que tentei me matar. Não o julguem, por favor. — Emma defendeu Alex na nossa frente, e Alice arregalou os olhos quando a mesma pediu com gentileza.

O que Gustavo falou, ela acabou de confirmar. Juntando as peças rapidamente, na noite em que contei, Alex saiu da minha casa quase correndo. Como poderia imaginar? Nada fazia sentido, ele visitou Emma. 

— A pessoa aleatória... — Alice cochichou em meu ouvido, e eu apenas calei.  — Não posso crer. — Ela completou, sem expressão.

Não sabia organizar todos os pensamentos em minha cabeça, era muita coisa para um único ser pensante.

— Alex, conversaremos depois, mas de antemão fico aliviada que esteja bem, Emma, de verdade. — Fui sincera e encarei os olhos verdes do garoto sério, que parecia não se importar.

O assunto morreu ali, por hora; afinal, tínhamos algo muito maior para resolver juntos, e um clima pesado agora ao invés de ajudar, iria atrapalhar. O policial Tim reuniu todas as nossas informações e pediu nossa atenção.

— Todos vocês aqui são vítimas do Augustos, estejam cientes disso, incluindo o Gustavo. Primeiro, não quero ninguém se culpando; precisam se unir, pois isso é grave. Segundo, não estão sozinhos. Estou ao lado de vocês e confio em pessoas que irão proteger pessoalmente seus familiares. — Ele levantou. — Will e Josh, quero um mapa de todos os lugares que aquele ser frequenta.

-Tem o Gal... –Josh falou rapidamente e o encarei. –Te passaremos isso tio.

Will cutucou Josh, e Emma o encarou possivelmente entendendo o assunto.

-Quero tudo anotado com os detalhes, sei que o conhecem ao menos um pouco. –O pai de Will falou, com calma. –Irei pensar no quem fazer e nos reuniremos o mais rápido possível. Tentem agir normalmente e me passem qualquer coisa suspeita.

Não tínhamos tempo, não tínhamos tempo a perder. Não poderia esperar sentada ao imagina-lo sofrendo.

— Esperar? Tim, quanto mais tempo passa, mais... — Falei, arregalando os olhos e me calando.

— Precisamos de provas, Anne, e precisamos procurá-lo. — A mão do policial tocou meu ombro, e eu suspirei.

S2

Meu coração, em partes, estava tranquilo por saber que alguém cuidaria de nossas famílias, mas minha alma doía. Saber que alguém que amamos está sofrendo é um sentimento corrosivo, que nos enfraquece pouco a pouco. 

A caminho de casa, ao lado de Alex e Alice, buscava força para entender a relação dele com alguém de quem ele sempre quis distância, mas não conseguia pensar em mais nada a não ser no menino de cabelos bagunçados em apuros. Seu sorriso passava pela minha mente a cada vez que fechava os olhos, tentando segurar o choro; a cada minuto que passava, a vontade de ir em busca dele crescia, mesmo que isso significasse virar a cidade do avesso.

O caminho foi curto, pegamos atalhos, e Alex parou o carro na rua de trás. Esperamos Alice entrar em casa, afinal, era quase madrugada e, graças aos céus, não havia ninguém na rua.

— Vai ficar bem? — Com carinho, ela me abraçou, e eu retribuí. — Alex, fique com ela hoje.

Alice me convenceu, segundo ela, seria melhor ter alguém comigo.

— Estou bem, Moore. — Afirmei, e ela revirou os olhos de longe. — Vou ficar bem, temos pessoas ao nosso lado e vamos salvá-lo. — Alice entrou em sua casa e acenou rapidamente.

Entrar em casa às escondidas era mais complicado do que eu imaginava, explicar para minha mãe que desisti de dormir na casa de Alice também seria. A essa altura da minha vida, não existia nada fácil, nem respirar. 

Entrei em casa com Alex, que já se sentia à vontade e arrumou minha cama. No banheiro e me sentei no vaso fechado, precisava respirar sozinha, mesmo que fosse no banheiro. 

— Sinto sua falta. Estou com medo e queria estar com você, mesmo correndo perigo. — Passei meu dedo pelo seu cabelo bagunçado na foto e senti meus olhos arderem, avisando das lágrimas.

Existem sentimentos e medos em mim que jamais consegui e consigo expor. Se o coração realmente pudesse explodir com o excesso de emoções, o meu teria estourado várias vezes por causa da mesma pessoa.

O amor, o carinho, o sorriso, a proteção, o medo de perder, o toque... Tudo que envolve o Gustavo me marca, me consome e enraíza em minha alma todas as mais fortes emoções. E a única certeza que teria hoje, é que me recuso a viver sem isso.

Eu me recuso a viver em um mundo, onde o Gustavo Baker e suas piadas ruins não existam.

S2

O que fazer com toda essa angústia? A união deles é um bom sinal?

Deixem a estrelinha ☆

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