Duas em uma S2 Capítulo 41
Caminhando por um campo verde, junto ao vento frio, apreciava o final da tarde, e a noite dizia que iria chegar em breve. Para minha alegria, nunca gostei muito da noite, mas em minha nova vida, a noite me trouxe conforto. Usando um vestido azul escuro e uma echarpe clara nos ombros, percebia que os anos haviam passado rápido. Os anos em Luisiana, trabalhando na padaria, e os divertidos anos da faculdade me faziam falta todos os dias, mas havíamos começado de fato nossa vida um pouco longe de tudo. Nossa casa era simples, feita de pedras como um pequeno castelo, mas, se tratando dos Baker, não era tão simples assim, confesso.
No interior do Reino Unido, escolhemos fazer nossa vida juntos, longe de todos. Mesmo nossa família não aprovando totalmente a ideia como gostaríamos, arriscamos vê-los apenas duas vezes por ano. Quem precisava aprovar além de nós?
Morávamos em uma cidade pequena, gelada e acolhedora, e o inverno nevava bastante para minha felicidade; esse foi nosso ponto principal de escolha. Um rio cortava e dividia os lados da pequena cidade; havia criação de bichos, muitas plantações e, claro, muita música. Aos fundos da nossa casa, havia um enorme cultivo de flores das mais diversas cores, mas as rosas se destacavam de longe, o que deixava o ambiente perfeito para passarmos o resto de nossas vidas. Nosso lar tinha sido pensado e planejado por nós, após colocarmos nossos costumes, desejos e nosso amor em prática.
Deitado na grama em cima de um lençol florido, Gustavo encarava o céu azul com poucas nuvens. O idiota do colégio tinha se tornado um homem responsável, extremamente maduro, com dor nas costas e ainda mais bonito com sua barba alinhada. Sentei-me ao seu lado, afastando alguns brinquedos, e o senti me olhar.
— Sra. Baker, estou feliz por suas férias. Amanhecer com suas olheiras todos os dias me faz sentir bem. Que venha mais uma década e várias delas! — Gustavo abraçou minha cintura, colocou a cabeça em minha perna e continuou a me encarar.
— A culpa das minhas olheiras tem pequenos olhos azuis e um lindo sorriso. — Beijei sua testa, deixando a marca do meu batom vermelho. — Minhas férias acabam em algumas semanas; pessoas aqui dependem de mim.
Revirando os olhos, Gustavo coçou sua barba e bufou. Ele era egoísta quando se tratava de dividir minha atenção, mesmo sabendo da minha profissão.
— Aqui em casa precisamos mais de você, mas tudo bem. — Ele sorriu, fazendo-me sorrir também. — Hoje, farei o jantar e arrumo a cozinha.
Gustavo sorriu, esperando um elogio.
— Não faz mais que sua obrigação, Sr. Clark. — Eu lhe mandei um sorriso, e fui encarada por seus olhos cerrados. — Vamos fazer chá, meu novo vício é chá. Como pude preferir café?
Meu marido consentiu orgulhoso.
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De muito longe, ouvia meu celular tocar. Em um passe de mágica, abri os olhos, deixando um lindo sonho para trás. Rebati na cama, irritada, e peguei o celular, voltando a fechar os olhos ao ouvir a voz de Alice.
— Oi, Moore! Nunca te perdoarei por me tirar do meu sonho. — Sussurrei, fazendo-a rosnar.
Passados alguns dias da minha reconciliação com Gustavo, tudo estava correndo bem, tudo nos trilhos. Alex fez uma breve viagem a Boston para conversar com o advogado da família, e sua mensagem me avisou que chegou essa madrugada.
— Desculpa o sumiço... Precisei resolver algumas coisas. — Sem ânimo, Alice explicava o porquê de ter passado a semana sumida. — Amanhã é a festa, dois em um mesmo?
— Sim. Espero você, pelo amor de Deus só porque o Alex viajou você sumiu? Me senti abandonada!— Levantei ainda com o celular na mão, esticando os braços.
— Irei, claro! Desculpa, amor. Não sumi, te explicarei mais tarde. — Disse ela, e após se despedir, desligou.
Amanhã é um dos dias mais especiais do ano: a sexta-feira que minha mãe tanto espera, seu aniversário. Ela aproveitou o momento de êxtase em que meu pai se encontra e, com isso, não se importou em gastar dinheiro, decidindo fazer uma festa de aniversário e o chá de bebê juntos. No começo, achei estranho, pois são coisas bem diferentes, mas, segundo ela, seria algo econômico visando o enxoval de duas crianças.
Levantei com preguiça e deixei Gustavo dormindo no meio da cama, completamente espalhado. Ele também aproveitou o bom humor do meu pai para ver jogos aqui em casa e ficar para dormir como quem não queria nada. Sorri ao observar sua cara amassada em cima da minha almofada de estrela.
Após minha higiene matinal, desci rumo à cozinha, onde minha mãe, sentada à mesa, montava os arranjos com flores rosa e azuis para colocar em cima das mesas. Mesmo sendo seu aniversário, ela parecia não se importar com a nova idade, apenas com as decorações do chá de bebê. Sentia que os bebês vieram na hora certa, para completar nossos corações e, literalmente, colorir a casa, que antes se resumia em tons amadeirados. Olhei ao redor e vi muitas cores decorando a sala.
A comemoração será em nossa ampla área nos fundos da casa. Meu pai mantinha a grama verde e sua churrasqueira, quase sem uso, lá. Hoje, tudo ia ser decorado de forma colorida e alegre. Mesmo com o Nicholas oferecendo o clube de golfe do qual é sócio para fazermos a festa, minha mãe quis seguir sua tradição de realizar as comemorações em nossa casa.
— Quer ajuda? Sua barriga está grande para quatro meses. Deve ser porque são dois bebês, quase esqueci. — Aproximando-me, toquei em sua barriga, que saltava em seu vestido longo. — Fofinhos, tiraram meu posto de mais nova. — Acariciei sua barriga, fazendo-a sorrir.
Ela me mandou um sorriso largo, mostrando os dentes, e estava realmente exalando felicidade pelos poros.
— Não quer ajuda agora, suas tias chegaram hoje cedo de Wisconsin. A parte da família virá, e da parte do seu pai também. Muitas pessoas irão ajudar na arrumação; na festa você me ajuda. — Disse ela, colocando um laço branco ao redor do vaso de vidro.
Depois de muitos anos, parecia que minha família iria se reunir novamente, e fiquei animada, mas achei que não ficaria. Minha casa estava tomada por decorações de ursinhos rosa e azul. Muitas comidas, frutas, ponche e petiscos me deixavam com fome só de olhar.
Meu pai ficou responsável pelo bolo da minha mãe e o bolo dos gêmeos. Ele faz questão de fazer todos os bolos da casa desde seu casamento com minha mãe, talvez fosse com seus dotes culinários que ele conquistou minha avó, que por sua vez tem um gênio muito forte e é ranzinza. Ainda de pijama, entrei na cozinha e coloquei café em uma xícara preta, que ao receber calor ficava branca, revelando uma frase bíblica.
— Posso decorar os cupcakes? Eu faço o glacê como se fosse uma rosa. Deixa, mãe... — Supliquei, encarando os cupcakes em cima da ilha da cozinha. Ela me olhou de canto e consentiu.
— Só amanhã, perto da festa, ou o glacê derrete. Seu namorado está dormindo? — Questionou ela, olhando-me por cima dos óculos quadrados. — Está tudo bem de verdade? — Perguntou, curiosa.
Após a noite na casa do Gustavo, fomos dormir de manhã. Tentei desfazer a merda que fiz e colocar tudo no lugar. Percebi que não posso mais continuar deixando os problemas nos separarem, foi algo muito doloroso para ambos, principalmente para ele, que sente tudo à flor da pele. Naquela noite, ele me mostrou lados do seu ser que nunca imaginei conhecer em meses de namoro: seus medos, falhas e muitas fotografias, logo jurei para mim mesma que nunca mais o veria daquela forma; foi uma dor ensurdecedora.
— Estamos muito bem, as barreiras estamos sempre buscando uma forma de vencer. — Degustei o resto do meu café, fazendo-a prestar atenção em minhas palavras. — Somos muito diferentes de fato, mas vamos moldando as coisas até tudo se encaixar. Ele está tão feliz quanto o papai pela chegada dos bebês. — Era isso que eu poderia falar.
De fato, ele está muito feliz. No momento em que o contei, o garoto parecia que ia voar ao saltitar pela cozinha.
— Ele é um bom rapaz, gosto dele. Mas estejam de pé quando seu pai chegar, ou ele vai pensar bobagens. — Com uma flor azul na mão, ela gesticulou em minha direção ao me ver subindo as escadas. — Deixa pra lá, ele já sabe que vocês transam. — Ela sorriu, e eu a encarei.
— Mãe, você não existe. — Sorri, e ela me mandou uma piscada.
A cada dia que passa, tenho em mente que Gustavo ganhou o coração da minha mãe antes do meu; ela quase o idolatra.
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Deitado em minha cama já acordado, Gustavo, enrolado no meu edredom encarava meu lustre infantil de borboletas, pensativo ou no mundo da lua; ele sequer percebeu minha entrada. Deitei-me ao seu lado, retirando do caminho sua samba canção do Homer Simpson, e encarei o lustre.
— Em o que você está pensando? — disse, passando minha perna por cima das suas. — Minha cama é pequena para nós, prefiro a sua. — Sussurrei, jogando a samba canção em seu rosto. — Espero que esteja vestindo alguma coisa aí embaixo, isso é impropriado...
— Não estou. — Ele sorriu. — Está reclamando de uma coisa que você fez.. Jogar no meu rosto é fetiche? — Ele me encarou, arqueando as sobrancelhas. — Esqueci de vestir, apenas apaguei ontem. — Entre risadas, ele falou, me fazendo corar.
Gustavo abriu um sorriso sem mostrar os dentes, com sua face inchada devido à longa noite de sono. Virando-se para o meu lado, sua mão pousou no meu ombro nu.
— Descarado. — Falei, com as mãos no rosto, o sentia arder de vergonha.
A noite passada, após um vinho, havia me soltado mais.
Sua mão grande pousou sobre minha bochecha, acariciando-a delicadamente, seguida de um aperto forte. Franzi o cenho ao sentir minha bochecha arder.
— Estou feliz, bem feliz. Foi bom você aprender que, às vezes, só damos o real valor às coisas após perdê-las, após sentir a extrema dor da perda. — Seu hálito de menta me fazia perceber que ele já havia acordado há um tempo. — E essa semana, eu dormi todas as noites sem remédio, ganhei um cunhado e uma cunhada e voltei a fazer parte da família. — Disse ele, empolgado, remexendo-me na cama.
O mandei um sorriso após sua declaração, era bom o ver feliz, pois acabava me deixando feliz também.
— É, eu aprendi isso. — Consenti. — E amanhã você vem com seu pai e a Mary? Mandei o convite via mensagem, meu pai quis economizar papel. — Enrosquei minha perna na sua cintura, fazendo-o fingir que faltava ar pelo peso. — Deixa de graça, não pesa. — O senti puxar meu corpo mais para perto dele.
Minha mão acariciava seu abdômen quase definido, se não fosse por uma barriga saliente.
— Tenho que ir embora? Até deixei minha escova de dentes no seu banheiro. Ainda estou de férias do trabalho, fui readmitido mas sem salário este mês. — Sua declaração me fez soltar uma risada, e ele me encarou. — Essa risada é porque não me quer na sua casa? — Balbuciou, me fazendo beijá-lo.
Falar que o queria em minha casa para o resto da vida inflaria seu ego, mas o queria. Noite passada, despertei com sua mão por cima das minhas costas e meses atrás isso não me deixaria dormir, mas consegui dormir muito bem.
— Deixa de ser dramático, só me lembrei do meu sonho. — Sussurrei, deixando-o curioso. — Sua cara de tristeza me faz pensar se algum dia você soube o que é catar moedas ou não ter dinheiro. — Revirei os olhos, fazendo-o dar de ombros.
Gustavo, mais conhecido como o falante ou contador de histórias, compartilhou algumas vezes em que seu pai cortou sua mesada e ele precisou de um trabalho de meio período em um restaurante na cidade vizinha. Ele contou que foi admitido no restaurante, mas demitido uma semana depois, pois discutiu com um cliente sobre o molho errado de uma salada. — Ele, sendo ele, típico.
— Conta o sonho antes que esqueça. — Disse ele, com o rosto entre meus cabelos.
— Acho que tínhamos dez anos juntos e, após nos formarmos, fomos morar no interior da Inglaterra, em um pequeno buraco com ovelhas e cavalos por toda parte. — Contei todo o sonho, deixando-o animado.
Normalmente durmo tão pesado que não sonho.
— Gostei do sonho, quero de verdade. — Deixando-me boquiaberta, Gustavo fingiu um choro desesperado, com a cabeça entre meus cabelos. — Mas por que o Reino Unido? — Perguntou curioso.
— Sonho não tem sentido, Baker. Como eu vou saber? — Apertei seu nariz, irritando-o. — Vai acontecer; sua escova de dente já está no meu banheiro. — O abracei, dando pequenas batidas em suas costas como forma de consolo.
Gustavo, sendo curioso, me fez perguntas sobre detalhes do sonho, nos quais eu não me lembrava.
— Tinha brinquedos, então tínhamos filhos? — Ele perguntou, sério, me fazendo encará-lo.
Já não era a primeira vez que notava Gustavo estranhando ao pronunciar a palavra "filho." Mesmo nosso namoro sendo recente, isso era curioso.
— Percebo que você fica estranho ao falar sobre crianças. Não quer filhos? Sabe que pode contar sobre isso? Se não quiser, não precisa ter medo de falar. Nem todo mundo gosta de crianças!— Virei seu rosto em minha direção, fazendo-o revirar os olhos.
Gustavo tentou mudar de assunto falando sobre sua infância, mas tornei a pergunta-lo.
— Adoro crianças; quero uma família com você. — Disse ele, sentando-se na cama. — Mas tenho medo de ser pai, é isso. — Gustavo levantou as mãos em defesa, e eu me sentei ao seu lado.
— Medo? Não precisa ter medo eu tomo remédio, e você também nos protege sempre... — Expliquei. — Pensando bem, no banho não. — Olhei para ele assustada, e ganhei um sorriso. — Por que você está rindo? — Perguntei.
Consegui a dádiva de namorar a pessoa mais aleatória da cidade, que é um ser imprevisível em tudo. Sem que eu perceba, ele está rindo ou emburrado sem motivos.
— Amor, linda e lenta. — Gustavo empurrou minha testa, brincando. — Tenho medo de ser pai, de ser um pai como meu pai do passado. Tenho medo de não poder dar atenção ao meu filho e não estar presente. Mas quero ser pai, espalhar minha beleza por aí em forma de pequenos seres barulhentos. — Revirei os olhos, entediada com seu ego.
Seu medo era de fato compreensível diante da sua relação com o pai, esse é o problema de assuntos mal explicados, até hoje eu achei que ele não queria filhos comigo ou simplesmente não queria ser pai. –Apertei sua mão, apoiada em minha coxa e a beijei.
— Não precisamos pensar nisso agora, mas te ajudarei em tudo e tenho total certeza de que você será um pai excelente. Precisamos aprender com os erros e não temer repeti-los; devemos focar em dar o nosso melhor, não importa a situação. — Gustavo me escutava com atenção. — Meu pai parece perfeito, mas não é. Ele já errou muito e quase perdeu minha mãe. — Expliquei.
— Não sabia, eles parecem o casal perfeito. — Indagou, indignado.
Contei a ele os segredos da minha família e o motivo pelo qual comecei a trabalhar com meu pai. Mesmo parecendo uma família de comercial de comida, minha casa já havia sido tomada por problemas.
Quando ainda estava prestes a entrar no ensino médio minha mãe descobriu que meu pai trocou mensagens com uma antiga funcionária da padaria, com isso eles passaram meses separados e mesmo sem prova concreta da traição, após a demissão da mulher na qual minha mãe mesmo fez ao mostra-la as conversas, discretamente me tornei o bode expiatório do meu pai. Mas para a nossa paz, nunca mais aconteceu nada parecido e ainda ganhei paixão pela confeitaria.
— Deixa de imaginar a perfeição, Baker. Nunca vamos conseguir atingi-la. Precisamos viver nossa vida plenamente, buscando atingir nossos objetivos e, com isso, enfrentando várias barreiras. — Apertei seus dedos, massageando-os. — Estarei com você e te ajudarei em tudo que puder. — Estralei seu dedo indicador, e ele reclamou.
— Pequena bruxa, estou tão enfeitiçado. — Gustavo me puxou de volta para perto. — Me sinto zonzo, irei desmaiar agora, não aguento. — Ele fingiu um desmaio, fazendo-me soltar risadas altas.
Bruxa? O garoto mimado cheirava meus cabelos oleosos sem receio.
— Você me faz derreter. Levanta, e amanhã você vai conhecer minha família distante. Vamos nos levantar. Avise a Mary onde está. — Soltei-me dos seus braços, e ele jogou a almofada de estrela em minha cabeça.
Olhei para a almofada do outro lado do quarto e então voltei a encará-lo com uma expressão de poucos amigos.
— Sem querer. — Ele levantou as mãos em defesa, como se estivesse se desculpando por algo que fez de propósito. — Vou ligar para ela, prometo. — Sussurrou, cruzando os dedos em forma de promessa, após eu lhe lançar um olhar cerrado.
Gustavo com seu jeito imaturo e brincalhão não me deixava ficar brava por muito tempo, com suas piadas ruins faziam todos da casa sorrirem ao passar da tarde, incluindo minhas tias e suas filhas peruas que adoravam o ver fazer mágicas surpreendentes e bobas. Ao longo da manhã consegui fazer doces e decorar tudo que quis sem meu pai ter ciúme das comidas, afinal estava empolgada também. A parte de trás da minha casa estava com mesas enormes, muitos balões e de um lado uma decoração florida para minha mãe, e outras duas mesas enormes ainda vazias que seriam para os bebês.
As festas da minha mãe podiam não fazer muito sentido às vezes, mas no fim sempre eram as mais animadas não era à toa que minha família estava aqui. Minhas festas eram junto à do Andrew, fazíamos aniversario no mesmo mês para alegria do bolso do meu pai. –Olhando para as mesas de madeira ainda vazias recordo-me com carinho da infância.
Acho que em meu aniversário de sete anos, minha mãe montou uma linda mesa e metade dela era minha, da Rapunzel. E a outra metade era do meu irmão, ele já era mais velho então quis tudo do Boston Celtics. Mas para o desespero dele eu quis o seu bolo, pois era de chocolate, morango não estava chamando minha atenção. –Um sorriso saiu por entre meus lábios, e soltei um suspiro.
Gustavo, com seu short florido e sua regata branca, caminhava em minha direção, conversando com uma das minhas primas de segundo grau. Após conquistar toda a minha família presente, parecia se sentir solto e à vontade.
— Prima, você está enorme! — Disse a loira, exalando felicidade.
Estela era filha da irmã mais velha da minha mãe. Mesmo parecendo enjoada, ela se fazia simpática à distância. Embora não fôssemos muito próximas desde a infância, ela insistia em uma intimidade que não existia. E agora, com meu namorado. — A mandei um sorriso, e Gustavo me entregou uma flor de papel feita por ele.
— Estela, cresci mesmo. Já conheceu meu namorado? Gustavo. — Apontei para ele, que me olhou confuso, pois provavelmente já havia a conhecido. — Obrigada, havaiano. — O beijei, fazendo-a me olhar.
— Eu o conheci, muito legal. — Ela sorriu, mostrando os dentes, o fazendo ficar sem jeito. — Sortuda, Anne. — Ela empurrou meu braço em tom de brincadeira.
Definitivamente, após roubar minhas bonecas na infância, ela não se importaria em roubar meu namorado também. — Sorri, encarando-a.
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— Definitivamente, não queria ir embora. — Gustavo suspirou, com a expressão emburrada. — Sua casa é melhor que a minha.
Parados na porta da minha casa, nos despedíamos após um dia de muita ajuda para a festa dois em um. Sentia meus ombros pesarem enquanto Gustavo os apertava, me balançando. Depois daquele torturante mês separados, ele estava ainda mais grudado em mim, e, segundo minha mãe, ele estava apenas compensando o tempo perdido.
— A tarde está indo embora, e a Mary ordenou que você fosse voando. — Arqueei as sobrancelhas, encarando-o. — Obrigada por toda a ajuda que deu ao meu pai com as coisas pesadas. A idade chega para todos, e a hérnia de disco dele faz gritar de dor. — Sorri, ao explicar.
Enquanto enchíamos os balões, Mary ligou três vezes, chamando-o para levá-la a alguma loja fora da cidade, pois o motorista precisou levar a filha para a apresentação de ballet. Gustavo realmente a tratava como uma mãe, começando pela teimosia ao ser chamado.
— Eu vou. Ela quer comprar coisas que, por algum motivo, não existem aqui na cidade. Tenho uma pergunta... — Ao levantar-se do capô do carro, ele me deixou curiosa. — O mês que ficamos separados ainda conta? Ou ele saiu das contas do namoro?
A dúvida do menino teimoso me fez sorrir. Baixei a cabeça, balançando-a, e respirei ao olhá-lo. Entregando-me ao fato de que nunca havia namorado, ele sempre tinha alguma pergunta para me fazer, mas esquecia que eu também nunca tinha namorado. Abracei sua cintura, deixando claro o quão baixinha sou perto do Deus do basquete; às vezes, sua inocência me fazia achá-lo bobo.
— Nenhum mês será esquecido ou apagado. Tudo que passamos de ruim irá nos servir de lição para as futuras décadas. — Expliquei, deixando-o contente, e beijei rapidamente seus lábios rosados.
— Está certa. Agora preciso ir. Se me permite fazer uma pequena viagem, irei. — Gustavo beijou o dorso da minha mão, e eu o puxei para um abraço.
O ouvir falar em viagem me remetia à estrada, que, por sua vez, me lembrava do medo que sinto de viajar à noite. Como me preocupar sem transparecer?
— Não corra, faça o que tem para fazer e volte. — O soltei, e ele, com toda certeza, notou minha insegurança. — Me ligue assim que chegar. — Pedi, fazendo-o sorrir.
— Nada irá acontecer, eu irei voltar. Apostei com seu tio barrigudo cem pratas nos nomes. E vai ter comida de graça, são motivos suficientes para voltar. — Ele me mandou um sorriso encantador e entrou no carro.
Ainda na calçada, acenei ao ver o carro derrapar no asfalto, levantando poeira. Era inevitável não me preocupar com o menino bobo; mesmo ele possuindo uma extrema confiança em si mesmo, meu coração apertava. Assim que o carro saiu da minha vista, suspirei, apoiando a mão no peito.
— Acho bom voltar. — Falei sozinha.
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A noite chegou lentamente, e após meus familiares seguirem para seus quartos de hotel, me senti aliviada por ter conseguido colocar ordem na casa e na minha cabeça, que ecoava com vozes, principalmente as finas e barulhentas das minhas primas. Sentada no balanço de madeira que rangia a cada movimento, eu encarava a rua silenciosa na porta de casa.
Alex havia chegado de uma curta viagem, e após uma semana sem nos vermos, me convidou para comer frango apimentado, só para colocarmos o papo em dia. Sem mencionar a ideia de chamar Alice, eu decidi enviar uma mensagem a ela a convidando, mas fui surpreendida com um "não estou em casa, Anne", o que me deixou, no mínimo, intrigada. Conhecendo-a como conheço, está triste.
— Vamos ao frango apimentado, querida. — Alex pulou na minha frente, me assustando e me tirando dos meus devaneios. — Está dormindo de olhos abertos? — Perguntou, me fazendo sorrir.
Com sua típica felicidade, ele me abraçou e bagunçou meus cabelos com sua mão inquieta. Esse é o Alex que conheço. Sorri e dei um soco leve em seu ombro.
— Vamos, preciso relaxar a mente. Lembra-se da Estela? — Sua careta me fez perceber que ele lembrava muito bem. — Ela veio, e a voz está ainda mais fina. — Expliquei, fazendo uma cara enojada.
Um fato digno de menção era a paixão que Estela sentia por Alex todas as vezes que ela vinha aqui, nossa adolescência foi baseada nas tentativas dela de me provocar, achando que eu gostava do Alex. Ela sempre caía do cavalo, mas eu nunca deixei que soubesse disso, Estela tentava e falhava, ficando irritada.
— Estela... sempre achei que ela não fosse crescer mentalmente. Cresceu? — Ele perguntou, e eu neguei com a cabeça. — Sinto muito. — Ele soltou uma risada e me puxou pela mão.
Andando pelas ruas como costumávamos fazer sempre, Alex me contava sobre sua ida repentina a Boston, caminhávamos como fazíamos anos atrás, rindo e brincando sobre coisas bobas, como nunca pisar nas linhas da calçada.
De repente, parei e olhei para trás bruscamente, por um momento, ouvi passos além dos nossos, e achei que estávamos sendo seguidos. Alex, percebendo meu desconforto, puxou minha mão e passou seu braço pelo meu pescoço, me acalmando.
Nosso destino era um restaurante chamado Scotche's, especializado em culinária creole e cajun, típicas do meu estado. É uma mistura de sabores espanhóis, franceses, caribenhos e africanos. Honestamente, são os temperos mais deliciosos que já experimentei. Hoje, íamos pedir o prato principal: frango apimentado, acompanhado de coca-cola.
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Sentados em uma mesa pequena, o garçom anotou nosso pedido com os olhos arregalados, talvez se perguntando como duas pessoas poderiam comer tanto. Sorri para Alex, que remexia o corpo ao som da música caipira que tocava no restaurante.
— Sabe o que eu senti? — sussurrei, inclinando-me em sua direção. — Aquele cara de preto ao nosso lado está me encarando. — Falei, esperando que Alex fosse mais discreto, mas ele olhou para o homem sem disfarçar.
Baixei a cabeça e suspirei, irritada. Sussurrar não deu a entender que eu queria descrição?
— Não seja paranoica, você é bonita. Talvez ele esteja te paquerando, relaxa. — Alex respondeu, despreocupado e sorridente, especialmente quando viu os frangos chegando à mesa pelas mãos do garçom apressado.
Pedimos três porções grandes de frango e dois refrigerantes. Salivei ao ver o frango soltando fumaça e a caneca de refrigerante embaçada, gelado como deveria ser.
Era uma noite incrível: o melhor frango da cidade, refrigerante e meu amigo ao meu lado. A vida muda de rumo tão rápido que, às vezes, é preciso desacelerar para aproveitar os momentos simples que nos completam. Minha vida com Alex mudou bastante do ano passado para cá, e momentos como esses eram cada vez mais raros.
— Fez as pazes com o Baker? — perguntou Alex, me fazendo largar a coxa de frango que estava prestes a morder. — Coma a coxa e depois me conte — acrescentou, sorrindo, enquanto esperava minha resposta.
Molhei a coxa no molho picante e abocanhei com vontade, sentindo o sabor que eu tanto ansiava. Fazia tempo que não tinha esse desejo por algo, e aquele frango macio parecia o que eu precisava.
— Estamos bem, nos resolvemos. Parte disso graças a você e à Moore, vocês abriram meus olhos teimosos. Tenho fé que vamos dar um jeito em tudo... ás vezes, a raiva cega o ser humano, e não me orgulho disso. — Alex lambeu o polegar sujo de molho, me lançando seu sorriso alinhado.
— Fico feliz por isso, você estava um caco e conte comigo para resolver tudo. Ah, e o frango é por minha conta. — Levantei minha caneca, e brindamos. Alguns respingos de seu refrigerante caíram no meu rosto, e limpei entre risadas. Foi então que notei sua expressão mudar, caindo levemente.
Algo estava no ar, e o clima leve começava a se dissipar, mas ainda não sabia o porquê.
Devoramos um balde de frango em poucos minutos, e continuávamos comendo sem medo. Conversamos sobre a gravidez da minha mãe e sobre como as coisas acontecem sem previsão alguma, à vida pode mudar em segundos.
— Preciso te falar algo de antemão. Óbvio que saberá amanhã, provavelmente, mas nossa regra é falar tudo, então... — Alex disse, dando um gole grande em seu refrigerante, enquanto apoiava os cotovelos na mesa bagunçada.
Meu estômago embrulhou, e de imediato, arregalei os olhos para ele, sentindo a tensão no ar. Coloquei o frango de volta no prato, esperando o que estava por vir.
— Vamos, Ross, o que houve? Se eu começar a ficar nervosa, vou colocar todo esse frango pra fora. — Antes que eu pudesse continuar, ele me acertou com uma bolinha de papel, me fazendo calar.
— Eu e a Moore terminamos nosso lance... há algumas semanas. — Ele disse, calmamente.
Minhas sobrancelhas se arquearam e, em um puro reflexo, engasguei com a coca-cola que estava prestes a engolir. Tapei a boca com a mão, tentando processar a notícia, enquanto Alex limpava meu rosto com um sorriso de canto. Eu só conseguia encará-lo, ainda sem acreditar.
— O quê? Por quê? — Perguntei ansiosa. — Está brincando?
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Assim como a vida muda, nosso casal secundário está passando por mudanças ♡
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