Coordenadas até você ♡ Capítulo 54
Quando Joanne passou pela porta, meu coração pesou, e eu queria não deixá-la ir. Mesmo estando aliviado por algumas coisas, nada estava bem o suficiente para me deixar tranquilo. A menina apressada saiu logo após a polícia nos dar muitas informações sobre o caso do Gustavo e, ainda assim, nos deixar sem ação. Sentado no sofá ao lado de Alice, Emma e Josh, observávamos o pai do Will e outro policial traçando rotas, mas, de fato, nenhum dos lugares trazia respostas.
Eu não conseguia ser otimista como geralmente sou, mas tentei não transparecer. Não sabia o que pensar para ajudá-los. Meus pensamentos me levavam de volta à última vez que o vi na sacada do hospital, e se eu soubesse o que aconteceria, teria o esperado para irmos embora. Minha cabeça latejou, e apoiei as mãos na nuca, tentando recuperar o fôlego.
— Vocês têm certeza de que não há outros lugares ou outras cidades? Nossa cidade não é tão grande a ponto de uma pessoa se esconder assim... — Alice sussurrou, andando em círculos. — Vocês verificaram todos os carros que saíram da cidade?
Olhei para a garota de cabelos cacheados, que tinha um casaco preto amarrado na cintura, e dei de ombros.
— Sim, senhorita Moore. Carro por carro, placa por placa, motorista por motorista. Por isso acreditamos que ele ainda está na cidade. Não precisa se preocupar. — O pai de Will rabiscava o mapa estendido na mesa de vidro.
— Não preciso me preocupar? Senhor, estou surtando! E sem querer ser grossa... claro que ele está na cidade, ou então o Augustos Peter Pan levou para a Terra do Nunca voando! Merda, droga, filho da mãe! — resmungou ela, soltando várias palavras em outro idioma que não entendi, o que, como sempre, me fez sorrir.
— Calma, nossa cidade não é Nova York. E pode falar no nosso idioma? — Levantei-me, ajeitando as calças. — Vai afundar a casa da avó do Will.
Sob o olhar de Emma, não me importei em abraçar Alice, afinal, ela nunca deixaria de ser minha amiga. Ela estava tão abalada quanto Joanne. Em poucos minutos, Alice nos contou o quanto Gustavo parecia bem das últimas vezes que o viu. Coisas acontecem em nossas vidas que nos tiram dos eixos, e, de fato, Gustavo entrou na vida de todos aos poucos e conquistou nossa amizade como se o conhecêssemos há anos.
Dizer que não estou aflito seria mentir, mas preciso acreditar que tudo vai se resolver. Afinal, Augustos mexeu com o filho do dono de uma das empresas mais ricas do país. Isso com certeza fará Nicholas mover montanhas, mares e policiais, afinal, é isso que os pais fazem pelos filhos. Ou, pelo menos, deveriam fazer.
— Gente, preciso ir. Tenho que levar remédios para o meu avô — sussurrei, notando os policiais me olhando. — Vou levar essas meninas e deixo cada uma em casa. — Peguei meu casaco, e Alice veio em minha direção.
Eu realmente precisava sair, mas também precisava de uma desculpa. Minha cabeça estava prestes a explodir.
— Vai lá descabelado. Sabem que, quando estou aflita, preciso andar, é o meu remédio — Alice explicou, e eu puxei um de seus cachos antes de soltá-lo. — Preciso andar...
Seus cachos pareciam molas finas, incríveis. Eles me lembravam o cabelo da minha mãe, que também era cacheado.
— Tem certeza? Está anoitecendo, estamos longe de casa e em uma situação complicada — falei, preocupado por ela querer andar por aí sozinha.
O que deu nessas meninas hoje? Todo mundo resolveu sair andando sozinho, como se estivéssemos em um filme de terror em que, quando falta energia, todos vão para o porão?
— Não se preocupe com todo mundo. Quer surtar? Eu vou andando, você vai levar a Raybell e os remédios do senhor James. — Alice deu um soco no meu ombro, empurrando-me para a saída.
— Alex, qualquer coisa, você liga, tá? — Will se aproximou e estendeu a mão. — Tem gente de olho na padaria, na escola onde a mãe da Joanne trabalha, na fábrica, na sua oficina, na casa da Emma, no hospital, no ateliê da avó da Alice e nos outros lugares. Ninguém está desamparado, pode ir tranquilo.
Will era uma pessoa legal, mas era estranho vê-lo sério, sem o sorriso habitual. Isso me fazia acreditar que ninguém realmente estava bem.
— Obrigado, isso nos deixa um pouco mais tranquilos. — Apertei sua mão, e o loiro foi abraçar Emma.
Will beijou seu rosto, e ela sorriu. Eles eram amigos de longa data, e ele a chamava de "abelha rainha", seu apelido na escola. Em segundos, me lembrei dela em seu uniforme amarelo e com pompons pretos. Com certeza ela chamava a atenção por vários motivos, e um deles era sua beleza, era talvez a menina mais bonita da escola.
Ao entrarmos no carro, quase não falamos nada, exceto sobre qual estação de rádio escolher. Claro que minha opinião venceu, mas ela não aceitou e desligou o rádio bem no refrão. Pouco depois, Emma recebeu várias ligações do pai, provavelmente querendo saber onde ela estava, e acabou desligando o celular.
Paramos brevemente na farmácia, onde comprei os remédios para controlar a pressão do meu avô. Caso contrário, ele se recusa a comprá-los, achando que está bem. Meu avô é dez anos mais velho que minha avó e nunca admitiria que precisa dos cuidados dela ou que está ficando velho. Apesar de sempre ter se cuidado bem, a idade chega para todos.
— Posso ligar o rádio agora? — Olhei para a loira ao meu lado, e ela o ligou. — Obrigado, vossa alteza. — Sorri. — Por que está tão calada?
— Olha só para tudo isso... a vida da pessoa já é um furacão, e as coisas simplesmente pioram. Gustavo não fez nada de errado para passar por isso.
De fato, nenhum de nós fez.
— Sempre pode piorar. A Anne, a Alice, os garotos, o Andrew e nós... ninguém fez nada para merecer isso. Mas, assim como existem pessoas boas, existem as ruins — expliquei, com sinceridade.
Emma não mantém seu gênio ruim por muito tempo ao meu lado, e isso acontece só porque eu não dou a mínima para ele.
-Você e a Alice são só amigos ou o que? Namoraram quanto tempo? Até onde foram? -Emma questionou, me fazendo arquear as sobrancelhas. -Se contar do seu, eu conto do meu.
— Saímos por alguns meses, mas não chegamos a namorar nem passamos dos beijos. Hoje somos amigos, e, por obra do destino, ambos gostamos de outras pessoas. Somos maduros o suficiente para separar nossa amizade de algo que tivemos.
Como eu previa, foi a vez dela de bufar. De braços cruzados, não demonstrava simpatia alguma. Foi exatamente isso que aconteceu entre mim e Alice; agradeço aos céus por ela ser madura e jamais deixar um clima estranho entre nós.
— Namorei o Daniel Peterson, filho de um conhecido do meu pai, por quase um ano. Foi com ele minha primeira vez. Hoje não nos falamos, porque eu terminei com ele — disse ela, sorrindo, sem dar importância ao sofrimento do Daniel.
Sua lista de namoros se resumia a uma pessoa, o que me surpreendeu, considerando que noventa por cento da escola parecia adorar ela. Tentei disfarçar minha cara de surpreso e consegui.
— Entendi. Pobre Daniel, abandonado pela abelha rainha — comentei, irônico, arrancando um sorriso dela. — Por que o deixou?
Enquanto cantarolava uma música, aproveitei um pouco do meu estilo preferido, sem a loira mudar a estação.
— Não gostava dele... e ele era péssimo de cama. Quando a gente transava, era tão entediante que eu poderia dormir no ato. —Ela confessou, sem receio.
Prendi o riso, por seu jeito honesto de falar.
—Nossa, ele não conseguiu domar a fera na cama. —Sussurrei e fui encarado. —Acha que eu deveria dar algumas dicas a ele?
Emma negou e cruzou os braços, com sua cara fechada.
—Uau, se gabar por transar comigo não é do seu feitio, o que houve? Que decepção, Alexander.
—Não estou me gabando, estou reconhecendo que eu te satisfiz. Estou feliz por que em uma noite, eu fiz mais do que seu ex-namorado em um ano. —Confessei. —Vai negar? Estamos apenas nós dois aqui, não negue.
A loira sorriu, ela realmente havia achado graça.
—Não nego, você tem razão. —Ela me encarou. —Satisfeito?
—Não, queria mais.
Ela me encarou, incrédula.
—Quer mais, o que?
—Quero que fale mais, o quão sou maravilhoso.
Rimos juntos após minha resposta e ela negou, é claro que ela não ia inflar meu ego e não era isso que eu queria, meu desejo era apenas que ela falasse.
—Não vou inflar seu ego, e essa música é péssima — resmungou. — Depois te passo uma lista de músicas boas.
Meu carro, minhas músicas, querida.
— Você jamais mudará meu gosto musical. Suas músicas, no seu Audi azul. — provoquei. Emma fez uma careta e virou a cabeça para a janela. — Muda logo, enquanto ainda não chegou no refrão, ou me deixa cantar — sussurrei, vendo-a observar a rua, como se o lugar fosse desconhecido.
— Não vou mudar. Você canta melhor que o cantor, só cante. — disse ela, gesticulando para que eu continuasse.
A encarei, sorrindo largo.
—Está admitindo que gosta da minha voz, Emma?
— Não, só odiei a do cantor mesmo — explicou ela, enquanto eu gargalhava e aumentava o som— Que tortura! Cante você, por favor! — disse, fingindo agonia ao colocar as mãos nos ouvidos. — Sério, ele está com dor?
Mudei de estação mas continuei cantando, e Emma continuava observando meu bairro como se fosse outro mundo — e, para ela, provavelmente era. A música, para mim, é uma terapia: cura a tristeza e amplifica a felicidade.
— E como você me conquistou ainda é um mistério. Não consigo te tirar da cabeça. Não importa o que esteja escrito na sua história, desde que você esteja aqui comigo... — cantarolei a música, nada adequada ao momento, e Emma imediatamente me olhou. — Não me importo com quem você é, de onde veio, ou o que fez... — conclui, embalado pela canção.
Emma com certeza prestou atenção na letra, pois me encarava com os olhos arregalados, mas fingi naturalidade.
— Como é? — Ela abaixou o volume de repente, me fazendo rir na sua cara.
Contive o riso ao estacionar em frente à minha casa, sem que ela percebesse onde estávamos.
— Não foi você que mandou eu cantar? — Apontei para o rádio. — É Backstreet Boys, nunca ouviu? É uma preciosidade antiga, deveria conhecer.
Saí do carro apressado com a sacola, deixando Emma pasma. O sorriso satisfeito no meu rosto era inevitável.
— Para onde está indo? Você não ia me levar em casa? Não vou ficar aqui sozinha, qual é o seu problema, Ross? — Emma desceu do carro, irritada, e me seguiu. — Você não tem noção de nada, né? — Ela resmungava, enquanto eu batia na porta.
Ao meu lado, Emma ajeitava o cabelo e insistia em perguntar onde estávamos.
— Chegou, querido... — Minha avó abriu a porta, já mexendo nos meus cabelos. Olhei para a loira sem jeito e lhe lancei um sorrisinho. — Oi, querida, como você se chama? — Minha vó abraçou Emma, que ficou sem reação, e eu ri do seu espanto.
— Oi, senhora... Ross — Emma estendeu a mão, e minha avó logo apertou e tocou em seu cabelo. — Me chamo Emma.
Interrompi a conversa, estendendo o braço para mostrar à minha avó os remédios.
— Vó, vim trazer os remédios do velho James. Preciso deixar essa moça em casa e não quis demorar, por causa da hora. — Minha avó fechou a porta, nos empurrando para dentro.
Não planejei isso. Minha avó é extremamente impulsiva e adora contar histórias.
— Alex, não estou tão velho assim para precisar dessas coisas. É por isso que sua vó não me deixa em paz — meu avô desceu as escadas resmungando e parou ao ver Emma, claramente surpreso.
— Vô, sua teimosia me faz ter vontade de trazer mais remédios. Agora já vou indo, em breve volto para jogarmos xadrez. — Puxei Emma pela mão e a ouvi rindo, provavelmente da minha cara.
A tosse forçada da minha avó me fez parar, e ela veio em nossa direção.
-Alexander iremos jantar, apresente sua amiga. -Minha vó sorriu, me fazendo bufar. -Hoje temos uma carne ao molho com cenouras. -Ela seguiu para cozinha e encarei Emma.
— Desculpa, isso não estava nos meus planos — sussurrei em seu ouvido. — Esses são meus avós; eles me criaram desde que meus pais morreram, não precisa ficar se não quiser, sei que isso é passar dos limites.
Sorri e apontei para a porta.
-Podemos ficar.
— Certo, vamos saindo... — Pausei meus passos, e Emma me encarou. — O que você disse? — Perguntei, incrédulo, pedindo que ela repetisse.
— Podemos ficar, você é surdo? — Ela deu de ombros sem delicadeza, e eu revirei os olhos. — A comida está cheirando bem. — Ela sorriu, um pouco sem graça, e eu apenas concordei.
Não sabia que Emma tinha um apetite tão bom assim.
S2
Sentados à nossa pequena mesa, meu avô falava sem parar sobre cavalos de raça pura, sua paixão, e lembrava-se dos tempos em que teve um. Minha avó puxava conversa com Emma sobre o futuro e sua vida pessoal. Em poucos minutos, todos estavam falando ao mesmo tempo. Meus avós comentavam sobre nossa vida e faziam perguntas sobre a vida de Emma, sem cerimônia, e o mais curioso era que a loira respondia tudo com naturalidade.
-Filho, por um momento pensei que estava com a Alice. -Meu avô sorriu fazendo Emma sorri também. -Mas essa menina parece aquela da foto...
Meu avô tinha a boca enorme, enorme.
— Que foto, vô... você acha que vou casar com todas as minhas amigas? — Sussurrei, cerrando os dentes em sua direção. — Não estou com ninguém, ninguém me quer. Apenas usam meu corpo, e me deixam.— Sorri, mordendo a cenoura.
— Vocês são amigos? — Minha avó, curiosa, se dirigiu a Emma. Eu apenas continuei a comer. — Coma mais, parece ter um apetite muito bom.
-Sua comida é muito boa mesmo, fazia tempo que não comia algo caseiro. Somos amigos sim, seu neto é uma pessoa incrível, até demais para ser verdade, acho que ele gosta de conquistar as meninas por ai. -Engasguei com a declaração de Emma e a mesma fez pouco caso.
A loira parecia bem à vontade, repetindo a comida e ouvindo minha avó explicar como a carne fica com o molho grosso e suculento. Ri internamente ao imaginar que Emma nunca havia feito nada na cozinha, mas apenas deixei-as conversar. Meu avô fez Emma rir ao discutir com minha avó sobre quem tinha a pressão sanguínea mais alta. Com toda certeza, era ele, mas o senhor jamais admitiria.
Após o jantar, Emma me surpreendeu mais uma vez ao ajudar minha avó a retirar os pratos da mesa, eu definitivamente não esperava ver isso, apenas bati na porta para entregar um frasco de remédio e tudo isso aconteceu. Sentado na ponta da mesa, observei as duas conversarem sobre algo que parecia ser roupas ou tamanhos.
— Homens também podem ajudar, levanta! — Emma se apoiou na ilha da cozinha e arregalou os olhos.
-Desde quando você lava pratos, não faça esse sacrifício por mim. -Sorri e levantei, subindo minhas calças rapidamente.
— Já vi tudo e sem nada, não precisa de pressa em levantar as calças — Emma falou com ironia, me deixando com vergonha. — E outra, eu não lavo pratos mesmo. Mas sua avó é muito doce e amoleceu meu coração.
Por vastos minutos, me preocupei tanto com as conversas da minha avó que quase esqueci de toda a situação que estávamos vivendo.
Arrumamos toda a minúscula cozinha e fiquei com a parte que incluía levar o lixo e arrumar os copos. Emma organizou a lava louças e aguardou o que estava seco, logo minha avó me fez mostrar toda a nossa casa a ela, incluindo sua coleção infinita de linhas de crochê, muitas cores iguais que, na visão da senhora, tinham tons diferentes. Por fim, Emma insistiu em ver meu quarto, já que eu havia visto o dela, e após relutar pela provável bagunça, subimos.
— Seu quarto é legal, Ross! Esses troféus são do quê? — Emma andou por todo o ambiente, que estava arrumado na medida do possível.
— Todos relacionados a algumas batalhas de música, e acho que dois são do campeonato de xadrez do grêmio da escola. — Ela observava os detalhes e todas as minhas fotos. — Esses são meus pais Jacob e Hannah, aqueles são meus avós James e Ahn. Ali está o irmão da Anne, todas aquelas são eu e a Anne, e aquela foi de quando eu e meus amigos fomos a um luau. — Apontei para as fotos, mostrando cada uma, e a loira olhou todas.
É, perdi muitas pessoas. Com certeza, seu olhar caído entregou que foi isso que pensou.
— Sua mãe era uma ruiva branca como um papel e seu pai negro, então você nasceu moreno, e seu cabelo é um castanho brilhante, parece que tem algumas mexas douradas... — Emma encarou meus cabelos e se tornou pensativa.
— É um castanho nada comum. — Rebati, e ela tocou em meus cachos.
— É diferente, uma ótima mistura. Seus pais eram lindos, você nasceu lindo. — Emma voltou para os troféus com toda a sua curiosidade, mas antes de julgá-la, lembrei que fiz o mesmo. — Violão, guitarra e um baixo. — Ela apontou para meus instrumentos pendurados na parede e sorriu. — E canta, muitos talentos. — Ela sentou em minha cama e eu sentei ao seu lado. — Será um músico?
Curiosa, ela apenas observava.
-Produtor musical, essa é minha vontade. -A respondi, ficando em silencio após ouvi meus avôs discutirem. -Mas canto também.
— Seus avôs são divertidos — disse ela. — O que é aquilo preto com dourado? — Ela levantou e pegou a urna mediana.
Me aproximei de Emma, que observava com cautela o recipiente, e a deixei à vontade.
— Isso é meu pai... — sorri, e Emma arregalou os olhos. — Está segurando as cinzas do meu pai. Isso se chama urna. — A loira me entregou a urna rapidamente, e eu cai na risada. Ela realmente ficou com medo.
Sim, deveria ter colocado no cinerário da minha família, mas não consegui.
— Alex, avisa... — pálida, ela sentou na cama, e a acompanhei com a urna na mão. — Que susto... — Ela completou, segurando o riso.
— Pai, essa é a Emma... Emma, esse é meu pai. — Sorri, e Emma acenou para a urna, sem jeito. — Avisei.
Balancei a urna, fingindo um aceno do meu pai, e levantei para colocá-la de volta em seu lugar. Mesmo sem senso de humor nenhum, suas caretas me faziam rir com frequência.
— Macabro, sem ofensa — ela disse, sorrindo. Voltei para seu lado. — Fiquei tonta, o mundo rodou por instantes. — Sua cabeça apoiou no meu ombro, e dei leves batidinhas em sua bochecha.
Ter as cinzas de alguém é algo que, para muitas pessoas, não é normal; porém, sinto-me mais perto dele.
— Desculpa por isso, acabei te jogando no meu mundo sem sua permissão — me desculpei, com sinceridade. — Sei que é muito diferente do seu.
Cabisbaixo, sorri.
— Quer trocar? — Emma sussurrou, me fazendo olhar para ela. — Eu que te empurrei no meu, hoje eu quis descer do carro e quis jantar. Mas as cinzas você devia ter avisado! — Ela apertou seu rabo de cavalo e suspirou. — Janto todos os dias com meu pai e minha madrasta na mesa; tenho pai, mãe e dois irmãos por parte de mãe. Mas não tenho família, diferente do Gustavo, que mesmo brigando com o pai, a gente sente o quão se amam.
Emma começou a falar, e eu não a atrapalhei. Ela citou fatos da sua família e de como seu pai ainda é revoltado com a traição, mesmo casando com uma mulher nova e igualmente bonita. Acabei conhecendo parte da sua história, sua mãe é uma dermatologista muito renomada em Los Angeles e, atualmente, é casada e tem dois filhos ainda crianças, o que me leva a pensar... Se ela tinha condições, saúde e dinheiro, por que deixou a filha para trás?
— Minha madrasta não é uma pessoa ruim, não é má. Mas sentimos quando uma pessoa gosta da outra e ela não gosta do meu pai... e ele sabe disso. Ela nunca me fez mal e até puxa meu saco, mas não preciso de sentimentos falsos. Aquela lá gosta da vida de luxo, por isso não se importa com as traições. — Ela deu de ombros e suspirou. — Alex, às vezes você pensa que não tem mais nada... Porém, ainda tem tudo. — Emma apontou para a foto dos meus avós no jardim. — Eu tenho tudo, mas nada sólido e verdadeiro.
Abracei seus ombros e suspirei.
— A graça da vida é que sempre podemos recomeçar ou começar. Às vezes é melhor adicionar ao invés de trocar... E talvez precise aceitar a decisão da sua mãe para ter paz, perdoar, não por ela, mas por você. Então, gostou da minha pequena família? — falei, fazendo-a consentir.
— Gostei, ele tem tanta sorte... — Emma balançou a cabeça e soltou uma risada. — Você tem sorte, falei ao invés de pensar.
A beijei sem pensar, sem mais nem menos. Sua risada nervosa foi interrompida quando nossos lábios se encontraram de novo, e dessa vez não houve hesitação. Suas mãos se moveram para o meu pescoço, puxando-me para mais perto, como se não pudesse suportar a distância entre nós. A intensidade do beijo fez tudo ao redor desaparecer, e logo estávamos de pé, e a loira buscava retirar minha camisa, logo conseguindo.
Cada movimento nosso parecia acelerar ainda mais o ritmo, e caímos na minha cama fazendo um barulho estranho, porém rimos. Emma subiu em mim e com seus olhos fixos nos meus, logo seus lábios encontramos os meus novamente, sem pausa.
— Dessa vez não haverá a desculpa da bebida, você tomou suco — sussurrei ao sentir seus lábios em meu pescoço. — Tem certeza?
Definitivamente não queria fazer nada levado apenas pelo calor do momento, mas acho que já era tarde demais.
— Por mais que já tenha me martirizado e comprado mais cremes calmantes para minha face, nunca houve desculpa nenhuma, certo... eu admito, você é muito bom nisso... — a encarei, maliciosamente — Inventar desculpas para o óbvio é inútil, preciso transar com você novamente, e pode ser a ultima vez... — Sua tocou minha calça e sorri.
É nunca haverá desculpa nenhuma, apenas o sentir. Nenhum de nós sabia o que de fato acontecia quando estávamos juntos, ambos mudavam e nos tornavam a resultado de uma receita antes nunca vista. -Batidas na porta fizeram nossos corpos se afastarem e pulei da cama.
Emma me olhou assustada e ofegante. Ao gritar que abriria a porta em breve, busquei respirar fundo e tentar voltar ao meu eu. Em poucos minutos, a tensão havia se dissipado.
— Oi, senhor James... — Abri um pedaço da porta, e meu avô me presenteou com seu sorriso doce. — Em que posso ajudar?
-Porque está suando? Abra as janelas. -O senhor balançou a caixinha de xadrez e por pura inocência me fez sorrir ao passar a mão em minha testa. -Como finalmente estamos em duplas, vamos jogar?
Olhei para Emma debaixo das cobertas e, em seguida, para meu avô. Não era uma escolha difícil de fazer.
— Por acaso, tomou seu remédio? — Perguntei, e ele consentiu com a cabeça. — Descemos em dois minutos, arrume a mesa. — Ele me olhou orgulhoso e saiu ajustando o suspensório. — Certifique-se de não roubar nada, ou eu vou descobrir. — Gritei, e ele gesticulou em resposta.
Fechei a porta, lamentando por não poder voltar àquele momento, mas, ao mesmo tempo, sentindo uma felicidade estranha que preferia não entender, mas sabia bem o que significava. Emma se levantou da minha cama e começou a ajeitar os cabelos com rapidez, parecia estar se arrumando às pressas e eu parei para observá-la.
— Sua blusa está do lado contrário. E onde você pensa que vai? — Perguntei, me aproximando. Toquei seus cabelos finos, e ela bocejou.
— Não posso continuar me envolvendo assim com a sua família. Vai que eles gostam demais de mim... — Ela falou com ironia, sorrindo, enquanto pegava sua bolsa enfeitada com pelos e a jogava no ombro.
Abracei seu corpo sem aviso prévio e prendi seus braços, encostando meu queixo em sua cabeça. Aos poucos, percebi suas mãos relutando em me abraçar, como se ainda fosse a menina com medo de uma aproximação mais direta. Soltei seus braços e os coloquei ao redor da minha cintura, só então senti suas mãos tocarem minhas costas.
Era um processo lento, como quem pisa em ovos, tentando equilibrar a cautela e a pressa com que nossos mundos se chocaram. Nos tornamos isso, uma mistura de ingredientes diferentes, resultando em algo desconhecido e, ao mesmo tempo, bom.
Ouvi sua barriga roncar, e ela soltou uma risada tímida.
— Se eu procurar alguns bolinhos de chuva da minha vó, você pode ficar para o xadrez? Prometo que não vou deixar ninguém aqui gostar de você. — Sussurrei. —Após isso você ignora seu pai chato, a gente continua o que estávamos fazendo, e prometo saciar todas as suas vontades mais obscenas. E eu te empresto uma roupa minha velha e sem perceber você dorme abraçada comigo a noite toda, o que me diz?
Emma fingiu pensar, e soltou um sorriso discreto.
— Vai me deixar ganhar? — Ela perguntou, me acompanhando e jogando sua bolsa na cama. — É injusto jogar com alguém que tem dois troféus e ainda se gaba disso. — Ela resmungou, fechando a porta do quarto.
-Deixar você ganhar? Não minha filha, não trabalhamos assim por aqui. Ou aprende a jogar, ou irá perder em todos os jogos.
— Mesquinho. — Disse ela.
— Não ligo. — Rebati, dando de ombros. — Agora vamos jogar, temos uma longa noite pela frente. — A puxei para a sala, e fomos imediatamente encarados pelos meus avós.
S2
Na voz da Joanne:
NNunca me senti corajosa. Até meses atrás, talvez eu nem soubesse o que era ser corajosa de fato, confesso. Saí da casa da avó do Will, focada em procurar o Gustavo em todos os lugares dessa cidade, mesmo que fosse preciso virar tudo de cabeça para baixo. Eu também nunca senti tanta raiva em toda a minha existência e, com certeza, queria bater a cabeça do Augustos tantas vezes na parede que teria derrubado a parede inteira.
Com uma lista no meu celular, onde estavam anotados vários lugares — bares, uma oficina, a casa do ruivo, um posto de gasolina e a casa de um homem chamado Ben, um dos apoiadores das corridas ilegais de Augustos —, estava sozinha dentro de um táxi, rumo a essa casa. Mesmo sem saber o que encontrar ou quem encontraria, sabia que acharia alguém que me diria algo. A casa não era longe, mas o endereço não me levava à rua ou à localização exata; parecia um tiro no escuro. No papel, havia apenas alguns pontos de referência e ruas próximas. O nome riscado no papel me fez saber que a polícia já havia ido até lá e não encontrou nada.
Durante todos esses meses, me fiz e refiz várias vezes. Já errei, julguei e o deixei. Nunca fui a melhor pessoa para estar ao lado do Gustavo, e, antes, imaginei que fosse o contrário. Justamente por isso, não pude julgar a relação da Emma com o Alex, mesmo com medo de ela machucá-lo.
Mas, diante de todos os meus erros e defeitos, havia um amor profundo e real pelo melhor jogador de basquete que aquela escola já viu. Nunca imaginei como seria duro não tê-lo por perto até deixá-lo. Jurei a mim mesma que jamais deixaria isso acontecer novamente e, para isso, passaria por cima de todo o meu orgulho, egoísmo e medo — como estou fazendo agora. Quando o táxi entrou na terceira rua, avistei uma casa com aparência de abandonada, com vários carros estacionados na porta e na entrada da garagem. Isso me fez pensar: bingo, era o local. A casa do provavelmente mal encarado Ben.
Desci do táxi e paguei um valor quase absurdo, mas não teria tempo para me importar.
Estava na porta da casa, o ambiente estava obscuro, mas ainda bem habitável. Ou seja, aos olhos da polícia, provavelmente era uma casa normal. E meu medo era que realmente fosse. Bati na porta várias vezes, e ninguém atendeu. Com certeza, se as pessoas devessem algo à polícia ou às autoridades, não me tratariam amigavelmente.
— Quem é? — Uma voz masculina gritou atrás da porta, me assustando, e eu dei um pulo.
O homem barbudo parecia estar na casa dos trinta anos, com os cabelos longos e sem cortar há séculos. Ele abriu a porta. Meu coração estava saindo pela boca, e eu o encarei, sem saber se deveria me sentir mais nervosa ou determinada.
— Preciso falar com o Ben. — Falei, tentando passar firmeza na voz, e ele deu de ombros.
— Sou amiga do patrão de vocês, Augustos.
O homem abriu a porta completamente e eu entrei na casa, que parecia normal. Talvez fosse por isso que a polícia não havia encontrado nada de suspeito. Segurei minha mochila com força enquanto me sentava no sofá. Ele se jogou na poltrona à frente.
— Sou o Ben, mas o Milles nunca falou sobre uma garotinha dos olhos azuis. Sabe onde está se metendo, lindinha? — O olhar dele me dava nojo, parecia que ele estava observando cada parte do meu corpo sem qualquer disfarce.
Claro que sei onde estou me metendo, mas você não faz ideia do quanto eu preciso encontrar meu jogador de basquete.
— Vou ser clara e direta. Conheço o Augustos há anos e sei que nesse exato momento ele está cuidando de uma pessoa no galpão. Ele me mandou ir até lá para ajudar, mas não me passou o endereço. — Expliquei sem respirar, e ele gargalhou na minha cara.
Ben se levantou do sofá e, para meu desespero, pegou o celular. Ele só podia estar ligando para a praga ruiva. Em poucos minutos, ligou várias vezes, mas ninguém atendeu. Óbvio que o ruivo estava fora do mapa.
— Ninguém atende, merda. — O homem discou mais uma vez. — Senta aí, lindinha, como posso confiar em você?
Você não pode confiar em mim, seu merda...
— Qual o seu problema? Se ele está com uma pessoa no galpão, os celulares estão desligados. Por isso não tenho o endereço. — Gesticulei, e ele me olhou irritado.
— O Augustos fala sobre o galpão para qualquer um agora?
Qual o seu problema, Joanne, seja mais paciente...
Ele tentou ligar mais duzentas vezes, e, por obra do céu, minha teoria caiu como uma luva.
— Vou te passar as coordenadas. Se pisar fora da linha, ele arranca a minha cabeça e eu arranco a sua, lindinha. O galpão fica dentro da reserva Trioren, você deve saber onde é... — Ele me encarou, e seus olhos vermelhos me transmitiram um pânico silencioso.
S2
Sai da casa com um misto de medo e alívio. Não sabia o que fazer a partir de agora, mas já tinha um provável paradeiro. Provavelmente, os garotos não haviam encontrado o galpão por ser, basicamente, um local sem localização exata. A reserva Trioren ficava no começo da cidade, nossa cidade era muito rica em natureza, com pequenas reservas, lagos e rios. Nossa principal e deserta reserva era justamente essa onde avia quilômetros de árvores e, fora caçadores, ninguém costumava entrar lá. Ou seja, era o local perfeito para Augustos se esconder.
Parada no inicio da reserva em frente a uma placa com o nome da nossa cidade, o táxi me deixou e era provável que se perguntou o que eu iria fazer aqui sozinha, mas era assim que eu estava. Sozinha, apenas com a lanterna do meu celular em mãos.
Eu tinha medos bobos, como sapos, cobras e bichos pequenos, mas ao entrar na reserva esses pequenos medos se foram, era um lugar escuro, silencioso e úmido, a noite as árvores ganhavam a cor preta e o solo se tornava escorregadio. Segui em linha reta com a placa como o tal Ben anotou no papel e após muitos e muitos metros eu acharia muitas rochas empilhadas, era o primeiro ponto de referencia.
Ao andar por muitas léguas, meu corpo sentia o frio e o cansaço, mas a adrenalina não me deixava parar. O que me tranquilizava era que a bateria do meu celular estava boa o suficiente para descarregar lentamente. Parei e me apoiei em algumas rochas, eram as rochas que eu precisava encontrar.
Após as rochas empilhadas, vire à esquerda e pare somente quando encontrar um pequeno lago. Lá, você verá um feixe de luz à distância, esse será o galpão.
Com o pequeno papel em mãos, as sentia tremer. Não sabia o que encontrar, como o encontrar e quem poderá nós encontrar. -Respirei fundo e busquei me acalmar.
S2
O suspense está grande e o romance no ar ao mesmo tempo, como pode meu pâe hahahahaha
Deixem sua estrelinha e aqui vou deixar a musica que Alex cantou para Emma, é linda.
https://youtu.be/JRGHsbgADX4
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top