Completa de mim ♡ Capítulo 76

Tempo, ele sempre me assustou mais do que a morte. Meu medo, desde criança, sempre foi não ser páreo para o tempo que corria relógio afora. Nossa vida passa tão depressa que, quando olhamos para trás, já se passaram um ou dois anos. Lembro de quando consegui me balançar sozinha no parque, pois minhas pernas de criança estavam maiores. Lembro de quando decorei meu armário, empolgada para o ensino médio, e de quando dei meu primeiro beijo no cinema, assim conhecendo o amor.

Cresci da forma que achei certa, ou melhor, sempre fui eu mesma e não me importava em ser vista como "a metade latina que só usava roupas escuras". Sendo quem sou, encontrei muitas coisas e pessoas incríveis, e hoje não sinto mais medo do tempo, pois sei que estou no caminho certo, ou pelo menos tentando. Lá atrás, conheci pessoas a quem devo quase todos os meus sorrisos. Lembro-me, como se fosse hoje, da droga que foi a despedida no aeroporto. Despedidas me quebram ao meio como um chips.

Quando passei pelo portão de embarque, derramei todas as lágrimas que meu corpo podia produzir, a ponto de a aeromoça me perguntar se estava tudo bem. Mas, perto dos meus amigos, me mantive forte e durona. Vamos lá, eles sabem que não sou tão durona assim, afinal, são meus melhores amigos.

Se eu falo deles para as pessoas? Todos que me conhecem em Nova Iorque sabem quem são: Joanne, a bonita que não se acha e faz doces ótimos; Gustavo, o emocionado tão gato que parece andar em câmera lenta, Alex, o pai de família que come como um ogro e permanece com o abdômen trincado; e Emma, a ex-vilã loira que tem a risada engraçada e uma filha que é sua cópia.

A partir daquele dia, passaram-se cinco anos. Quando pousei em Nova Iorque, precisei cessar as lágrimas e pensar em todas as coisas boas que surgiriam se eu permanecesse sempre em frente. E não é que foi assim? Naquele dia, desarrumei minha mala e enchi metade do guarda-roupa. Afinal, a outra metade era da Rosé, que, por sinal, me carregou para sua fazenda muitas e muitas vezes. E o pior de tudo: foi legal.

Em ordem cronológica, minhas aulas começaram e, em poucos dias, eu já havia acumulado pilhas de papéis e saudades. Todos os dias sentia falta da minha casa, da minha família conservadora e dos meus amigos. Mas, por outro lado, pude conhecer melhor Rosé, que, tirando sua coleção interminável de pelúcias, se mostrou uma ótima pessoa para dividir um quarto.

Algumas semanas após minha chegada, recebi uma ligação inesperada:

"Pegue o próximo avião o mais rápido que puder, a bolsa da Emma rompeu no nosso sofá."

Sem pensar duas vezes, arrumei minha mochila, peguei o presente que já havia separado e fui conhecer minha afilhada. Hoje, já não sei se os pais dela ainda estão felizes com a escolha de madrinha — especialmente porque sou conhecida por dar os brinquedos mais sinistros e barulhentos das lojas. Mas, modéstia à parte, sei que sou a melhor. Já fazem cinco anos que acompanho Hannah crescer, linda como uma boneca, e tão falante que, em chamadas de vídeo, me prende por meia hora contando suas aventuras na escola. Entre seus pedidos, coisas como:

"Tia, sabe aquele brinquedo de areia? Minha mãe escondeu em cima do armário. Você pode pedir para ela me dar?"

Os anos passaram voando na correria de Nova Iorque, o verdadeiro lugar que nunca dorme. E eu, como temia, me tornei uma adulta com uma agenda lotada para não esquecer de nada. Columbia foi uma experiência épica, superando todas as minhas expectativas de ensino e suporte. Eles enxergam o aluno como um todo, o que foi essencial para minha adaptação à nova cidade e à vida longe de casa.

A faculdade me tirou o pouco juízo que eu tinha, mas também rendeu as festas mais loucas da minha vida, fiz muitos amigos durante esse tempo. Louis por exemplo, era conhecido por invariavelmente chegar bêbado às segundas-feiras. Anastácia chorava após cada prova, mas só precisava de um bom café para se acalmar. Jefrey por outro lado, era quem organizava as festas mais inesquecíveis na sua mansão. Lia começou sendo minha maior rival acadêmica, disputando as melhores notas comigo, mas acabou protagonizando momentos inesperados — nos beijamos uma vez, quer dizer, algumas vezes. Já Rosé era a mais tranquila e sensata do grupo, sempre pronta para separar brigas e trazer paz, ela também se mostrou a melhor colega de quarto que eu poderia ter.

A arquitetura se tornou ainda mais minha paixão, mesmo com as noites de sono perdidas e os surtos ocasionais que me levaram a desabafar com Joanne por ligação. Mas, no final, o curso me proporcionou crescimento pessoal e profissional. Após a formatura, me senti aliviada e realizada.

E sobre a vida? Bom, aproveitei cada dia como se fosse o último. Além de estudar, explorei todos os cantos festivos de Nova Iorque e conheci pessoas incríveis. Mantive minha terapia com a mesma terapeuta de Louisiana, e já me sinto praticamente parte da família dela. A mãe da Anne estava certa ao dizer que isso mudaria minha vida. Hoje, a terapia é um pilar essencial, e não pretendo parar tão cedo.

Sobre o Andrew, faz tempo. A terapia me ajudou a separar o luto do amor, ele se tornou uma das partes mais coloridas do meu passado e de fato nunca esquecerei dele, nem deveria. Mas consegui colocar todas as coisas e fotografias nossas em uma caixa e guardar junto as suas coisas no porão dos Clark, e isso levou meses para conseguir ser feito. Tudo aconteceu por fases, fui tratando de todo aquele sentimento armazenado em meu coração.

Não é segredo para ninguém do quanto o amei e que ele foi meu raio de sol, mas pude concluir nossa historia gravando ele em mim. Tatuei em meu punho esquerdo um trevo de quatro folhas com uma aureola e asas de anjo, a partir daquele dia percebi que não poderia apaga-lo de mim, mas poderia guarda-lo em um lugar bonito do meu coração e voltar a andar. Ah, também fiz uma tatuagem com Joanne na costela, dois dedos mindinhos cruzados.

Foi engraçado esse dia, mesmo quase chorando de dor Joanne afirmava está tudo bem, logo após isso fomos beber sem saber se podia ou não. A tarde que mais rendeu risadas verão passado, nossos verões são épicos.

Nesses cinco anos, meus amigos e eu vivemos muitas coisas incríveis e provamos que a distância não é nada comparada à nossa amizade. Pode soar brega, eu sei, mas essa foi a nossa realidade. Nos encontramos em todos os verões, aniversários e datas especiais como o Natal. Comparecemos a todas as nossas formaturas e tiramos ainda mais fotos para registrar cada momento. "Aventura" foi a palavra que definiu nosso grupo. Vivemos de tudo um pouco, nos conhecemos ainda mais e ficamos ainda mais próximos. Se achavam que estávamos no limite da conexão, estavam enganados.

Vi Alex e Emma criarem Hannah de uma forma linda. Ela cresceu doce, risonha e se tornou a coisa mais fofa e surreal do mundo, colorindo nossas vidas de formas que eu jamais imaginei. Ao longo dos anos, vi o casal mais capa de revista crescer e se tornar ainda mais meloso — mas de um jeito lindo de se admirar. Joanne e Gustavo se consolidaram como o casal propaganda e nerd do grupo, um exemplo de parceria. Também presenciei Nicholas Baker faltar ao trabalho por um mês para garantir sua presença em todas as nossas formaturas, foi épico.

E quanto a mim? Ainda sou eu, com toda a minha loucura, embora agora fale um pouco mais baixo, confesso. Tornei-me o amor da minha própria vida. Alcancei um nível de amor-próprio que jamais pensei ser possível, sem depender de amar outra pessoa para me sentir completa. Reencontrei-me, aprendi a aceitar e amar cada parte de quem sou — inclusive meus defeitos. 

Sorri, brinquei, dancei como louca, bebi, cortei meu cabelo e me arrependi, deixando-o crescer de novo. E, mais recentemente, fui à Alemanha para o casamento de Michael, ele organizou uma celebração grandiosa, e tive a honra de ser uma das madrinhas.

Algo que completou minha felicidade foi a decisão da minha mãe de se mudar para cá após receber uma oportunidade de emprego. Voltamos a fazer tudo que sempre amamos: sair juntas, passear, assistir filmes e até dormir no mesmo quarto como antigamente. A saudade que eu sentia dela finalmente deu lugar à convivência. Mesmo morando em bairros diferentes, ela esteve ao meu lado em todas as viagens que fizemos a Luisiana. Além disso, fiquei feliz ao vê-la encontrar a felicidade ao lado de Victor, um homem que conheceu em sua empresa. Ele é voluntário como palhaço no setor de oncologia infantil, e trouxe para a vida dela a alegria que parecia faltar.

Quanto a mim, tenho tido ótimos encontros e momentos que me levam a risadas, aventuras e até algumas noites memoráveis, confesso. Conheci pessoas incríveis, com energias surreais, e sinto-me emocionalmente liberta. Estou sem pressa, mas me atrevo a dizer que estou pronta para me apaixonar novamente. Ou, quem sabe, amar. Só que dessa vez, o amor terá que vir até mim — porque eu não vou procurá-lo.

Faz um ano que me formei e de imediato corri atrás de um dos estágios mais concorridos em uma empresa renomada que era a melhor em arquitetura sustentável. Foi difícil, quase me desesperei com todas as provas que fiz e foram noites a fio estudando para passar e passei. De cara me apaixonei ainda mais por eco arquitetura e decidi começar uma pós graduação em construção e gestão de edificações sustentáveis.

Nunca gostei de estudar na escola, devia ser porque era por obrigação. Após começar a estudar o que de fato amo, passei quatro anos no curso e meses na pós graduação, quem foi a Alice do ensino médio mesmo?

A arquitetura sustentável é algo fascinante, eu juro. É exatamente o que o nosso planeta precisa hoje, mais do que nunca. Esses projetos buscam minimizar os impactos ambientais, considerando as variações climáticas e ambientais, além de oferecer soluções economicamente viáveis para os proprietários. Por exemplo, atualmente estou trabalhando em um projeto incrível: uma fazenda onde o dono da empresa optou por energia solar e sistemas de ventilação natural.

Atualmente, trabalho em uma grande empresa localizada em um prédio cheio de andares bem no meio de Nova Iorque. Foi um desafio me adaptar à cidade grande — um lugar que nunca dorme, onde todos parecem estar vidrados em seus celulares. Aqui, para qualquer coisa, é preciso pegar o metrô, e, se você não quiser sair muito cedo, o táxi é a melhor opção.

Quando finalmente saí do dormitório da faculdade e consegui esse estágio remunerado, mudei-me para um apartamento modesto, mas confortável. Comecei minha vida do zero e, até hoje, sigo pagando as parcelas dos móveis que comprei, quando minha mãe voltou para cá, ela me convidou para morar com ela, mas por mais que eu a ame, precisei recusar. Era hora de começar minha própria jornada, de caminhar com minhas próprias pernas. Agora vivo em meu lar, com uma liberdade surreal e um bom emprego, enquanto me organizo para, um dia, montar minha própria empresa — algo que ainda levará um tempo.

Dentro do elevador lotado sinto o cheiro de dezenas de perfumes misturados e o calor abafado dos terninhos que todos usam naquele espaço apertado. Essa é a parte chata de trabalhar em uma grande corporação: roupas formais, sempre sem cor.  Trocar tudo isso por jeans rasgados e minhas camisas xadrez seria um sonho. 

O elevador finalmente abriu, e eu saí em passos rápidos, aliviada.

O andar dos estagiários é bem amplo, um espaço onde podemos criar e trabalhar com conforto. O objetivo é sempre entregar bons resultados para os chefes, torcendo para que, ao final do contrato, sejamos efetivados. Normalmente, trabalhamos em duplas nos projetos, com um arquiteto chefe supervisionando e orientando nosso trabalho. É desafiador, mas, ao mesmo tempo, emocionante estar tão perto de transformar minhas ideias em realidade.

— Bom dia, cacheada. — Justin levantou a mão com um sorriso iluminado. — O sol reclamou porque você acordou brilhando mais que ele.

Sorri com o comentário, já acostumada com o jeito brincalhão dele.

Justin foi minha primeira amizade na empresa, aquele tipo de pessoa iluminada que faz você se sentir em casa em qualquer lugar. Ele sempre esteve por perto, seja para me ajudar com o trabalho ou para me arrastar para festas. É querido por todos e com razão — já está no segundo ano na empresa depois de ter sido contratado ao final do estágio, e é considerado um dos melhores por aqui. Nós dois dividimos a mesa há meses, desde que começamos a trabalhar juntos em um projeto. Nossa mesa, aliás, é famosa no andar: a mais enfeitada e cheia de canetas coloridas, que ninguém ousa pedir emprestado sem devolver.

— Posso te dar bom dia à noite, Justin? — perguntei, provocando. Ele arqueou as sobrancelhas, confuso, e deu de ombros. — Como vai nosso projeto? E por que eu sei que vamos ser os melhores? — continuei, agora sussurrando, enquanto me acomodava ao seu lado na mesa.

Coloquei meu tubo extensível na mesa, e Justin já estava concentrado na planta do projeto, trabalhando com todo o gás. Minha parte da mesa me fez sorrir: polaroids espalhadas que me fizeram sorrir e, ao mesmo tempo, sentir um aperto de saudade. Lá estavam memórias preciosas: fotos minhas tiradas por Joanne, outra com Hannah no meu aniversário, uma do nosso quinteto usando as becas de formatura, outra do aniversário dos gêmeos, da viagem para a Disney, eu com Rosé segurando seu porco Kim na fazenda, eu com meus pais, e até uma de Justin e eu em uma festa.

Ah, sobre o porco Kim — ele passou algumas semanas escondido no nosso dormitório. O reitor da faculdade não poderia nem sonhar com ele ali, mas, felizmente, Kim não virou bacon.

— Precisamos adiantar tudo, mesmo sendo férias de verão. Só teremos duas semanas de folga, lembra? — Justin comentou, me observando. — Tem certeza de que quer me levar? E se eu brilhar mais que a noiva? — completou, com um sorriso de canto, claramente provocando.

Justin virou para meu lado rodopiando em sua cadeira, o mandei meu melhor sorriso e recebi uma arqueada de sobrancelha.

— Você já viu a noiva, não é? Procuro um defeito e não acho. — Apontei para a foto, e ele deu de ombros. — Você já conheceu meus amigos e recebeu um convite. Luisiana é uma cidade pequena, porém sempre a deixamos legal. Quero que vá... — falei, agarrando seu braço.

Meus amigos conheceram Justin quando vieram comemorar meu aniversário, e foi a maior bebedeira dos últimos meses em meu apartamento. Assim, todos adoraram Justin e ele foi convidado para o evento do verão em Luisiana.

— Certo, me convenceu. Verei aquele gato novamente. Pena que ele é super comprometido. — Sorri, revirando os olhos. — Preciso me conter, a namorada dele mandou minha roupa e, sem palavras, para a perfeição. Seria um pecado paquerar o namorado dela, mas que moreno é aquele... — Justin mandou um beijo para uma foto minha com Alex.

Se ele soubesse que eu havia ficado com o Alex no passado, não me deixaria em paz. Mas preciso admitir que o Alex fica mais bonito a cada dia que passa.

Abri meu caderno e, entre sorrisos, concordei com Justin. Ele achou Alex a oitava maravilha do mundo e estava encantado com o trabalho de Emma, ela desenhou nossas roupas e deu um desconto familiar e passou meses nisso, preciso falar que meu vestido ficou sensacional. 

Peguei meu celular que vibrava e atendi.

— Está tudo certo? Ainda falta uma semana, mas já morri e ressuscitei dez vezes. Estou surtando, em pânico. Não posso fazer nada sem você lá, Alice!

Antes do oi, Joanne suspirou e pareceu ter se jogado no sofá. Nos falamos todos os dias, ou quando ela não estava de plantão. Ela também se preparava para as férias de verão.

— Respira... Eu irei, acha que perderei isso? Ainda continua nos plantões para poder passar duas semanas de férias?

Coloquei o fone de ouvido e comecei a finalizar meu projeto.

— Sim, fases de uma faculdade longa... A gente se forma em uma parte e começa em outra. Mas eu e o Baker planejamos quase tudo certinho, precisamos adaptar nossa vida a uma faculdade longa.

Joanne sempre me explicava as fases de uma faculdade de medicina, e eu sempre me perdia nos anos. Mas, de fato, eles planejavam tudo e se saíam muito bem, para orgulho dos pais.

— Calma, olha a ansiedade. Estão fazendo as coisas no tempo de vocês, e vai dar tudo certo. Eu amo você, pegarei o avião à noite com o Justin, e chegaremos em breve. 

A acalmei, e ela respirou fundo. Justin me mostrou seu rascunho, e levantei o polegar.

— Tudo bem, nos vemos lá. Preciso arrumar as coisas e tentar comer algo. Também te amo, Moore.

Me despedi de Joanne e voltei ao meu trabalho corrido e cronometrado até o final do dia. Precisaria acabar um projeto, mandar para o chefão e ir até o local onde seria feito o projeto. Eram muitas coisas para pensar e fazer, mas sempre buscando aprovação do cliente, precisava ser contratada por essa empresa.

— O dono dessa fazenda foi inteligente. Ele quer uma casa moderna e sustentável, olha isso. — Justin arrastou sua cadeira e virou o notebook para mim. — Os aerogeradores da energia eólica estão prontos, e nossos nomes estão no projeto.

Encarei o notebook e bati palmas, satisfeita. Tudo estava pronto para começar a reforma, e eu estava contente. Dei um gole no meu café e cruzei os braços.

— Estou morta, e ainda precisamos dirigir até a tal fazenda. Estagiários são tão explorados... Acho que serão três horas de viagem para outra cidade. — Levantei e cutuquei Justin, assustando-o.

— O que foi? Se me assustar assim, te jogarei dali. — Ele apontou para a nossa ampla janela de vidro. Revirei os olhos e voltei a sentar. — E, por sinal, você vai dirigir até a fazenda, querida. — Ele sorriu, me fazendo bufar.

Que seja... Só preciso que o dono goste dessa pilha de papéis.

— Meu tio confirmou, o pai daquele bonitão... — Justin me encarou, confuso. — Ele já falou com o Drake sobre contratar nossa empresa para as placas de energia solar da nova loja dos cafés dele, aqui em Nova Iorque. — Cruzei os braços, me recostando na cadeira, enquanto Justin me virou para o lado dele, apressado.

Sim, Nicholas não havia esquecido da promessa daquele Natal. Quando ele falou sobre isso e perguntou se eu queria o projeto, aceitei na hora e coloquei Justin nessa.

— O projeto é nosso, por fora da empresa? — Ele segurou meus ombros, ansioso. Confirmei com a cabeça. — Estamos ricos, ricos! Vamos para Vegas, baby... — Mandei que respirasse, e ele sorriu.

Ricos, ainda não, amigo. Calma lá.

— O projeto é nosso, mas os produtos serão da empresa. — Pisquei para ele. — O Drake ficou nas nuvens, muito dinheiro vai entrar para cá. E nós vamos receber como arquitetos que somos, com confiança.

Justin bateu palmas e gritou, tampando a boca em seguida.

Nicholas lembrou de mim. Ele me deu o projeto e pediu para que eu fizesse o melhor possível com muita criatividade e estilo Baker — ou seja, luxo. Mesmo sem certeza, corremos com o projeto da fazenda para nos dedicarmos exclusivamente a isso, por ordem do chefe. Então veio a confirmação: estaríamos como arquitetos responsáveis por uma obra do Nicholas Baker.

— Moore e Davis. — Nosso chefe, Drake, se aproximou, chamando por nossos sobrenomes. — Um minuto de vocês, agora.

— Sim, chefe. — Respondemos em uníssono.

— Sobre o projeto da fazenda do Kyle Jones, foi esclarecido a respeito da intermitência da energia eólica? Não vi no arquivo por e-mail. — Justin me cutucou, e eu sorri.

Drake é um chefe de estágio calmo, mas que exige perfeição. E, sim, ele é um gato.

— Sim, enviamos um arquivo à parte, grifando as desvantagens. Achamos mais organizado dessa forma. Deixamos claro que a intermitência poderia acontecer por causa da força dos ventos, mas é, sem dúvida, a melhor fonte de energia para o meio ambiente e para o bolso. — Expliquei, e ele assentiu.

Não pega no pé, cara. Deveria ter aberto todos os arquivos.

— Ótimo, fizeram bem. Em meia hora, peguem o dinheiro da gasolina no meu escritório e voem para lá. Mostrem tudo e peguem a assinatura que precisamos para iniciar junto aos engenheiros. — Ele se afastou, ainda falando. — Finalizando isso, deixarei vocês livres para o projeto do Nicholas Baker. Parabéns por isso, aliás. — Ele apontou para nós, sorrindo, e saiu.

Justin comemorou em silêncio, rodopiando em sua cadeira. Estávamos felizes e animados, e logo nos organizamos para a curta viagem até a fazenda.

— Ganhamos um parabéns. Poderíamos comemorar hoje... — Ele sussurrou, e eu puxei sua orelha. 

— Não, só quero vestir minhas roupas legais, pegar o avião e ver as pessoas que amo. Quero ver meus amigos, minha sobrinha, e comer até explodir. Vamos logo, levanta. — Peguei minha pasta e prendi os cabelos com uma caneta.

S2

Depois de algumas horas dentro do carro, ao som de Halsey e Beyoncé, chegamos ao nosso destino, estávamos em uma cidade mais afastada da loucura de Nova Iorque, silenciosa e tranquila. A fazenda também era uma vinícola que se estendia a perder de vista, como já sabíamos. Viemos aqui muitas vezes, mas nunca falamos com o dono pessoalmente, segundo seu assessor, ele estava sempre viajando. Acho que, no final do projeto, ele tirou um tempo para ver tudo.

Estacionei o carro onde um homem nos indicou e seguimos até a casa principal a pé. O sol rachava nossas cabeças, e o terninho não ajudava em nada. Mas estava tudo pronto para dar certo — ou eu surtaria.

— QUE CALOR! — Gritei, fazendo Justin se assustar.

— Você quer me matar de susto, querida? — Ele me empurrou. — Aqui será ótimo para energia solar, parece que tem três sóis. — Justin resmungou, e eu concordei. — O cheiro de fazenda não me agrada.

Ele fez uma careta e eu sorri. Ele não suporta mato.

— Com essa roupa aqui, formam quatro sóis. — Sussurrei, ao ver uma moça se aproximar quando nos viu chegar.

Era uma ótima casa, que seria completamente reformada em poucos meses, e nós a estudamos por meses. Subimos uma longa escadaria junto à moça em silêncio e, livres do sol, paramos na porta.

Sem ânimo, a mulher elegante nos olhou de cima a baixo e sorriu.

— São os estagiários? — Com soberba, ela falou, e respirei fundo. — O chefe de vocês não veio para supervisionar? Por que? — Ela sorriu, e Justin respirou mais fundo que eu.

Estiquei minha mão em sua direção, e ela apertou.

— Me chamo Alice Moore, sou arquiteta formada na Columbia, com pós-graduação em gestão sustentável. — Sorri, e ela sorriu de volta. — Sou estagiária, sim, e somos os responsáveis pelo projeto.

Pisei na soberba da ruiva e senti Justin rindo por dentro. Ele esticou a mão para ela e se apresentou.

— Justin Davis, arquiteto também pela Columbia. — Ele sorriu, e ela sorriu, tentando ser educada. — Prazer em conhecê-la, senhorita...?

Justin foi mais paciente do que eu. Não sei o que as pessoas têm contra estagiários, elas não conhecem um bom "dia" ou "olá".

— Sou Ariana, levarei vocês ao senhor Kyle. — Ela fez pouco caso e andou na frente, abrindo a porta.

Andamos rumo à casa já sem móveis e seguimos a ruiva até o andar de cima, mais precisamente até o final do corredor. Entramos no escritório, e para minha surpresa, o Kyle não era o senhor que imaginávamos por meses.

A ruiva se retirou e sentamos em frente sua mesa larga de madeira pura, ele era novo e vistoso. Suas roupas sociais e seus cabelos alinhados o fazia parecer um típico homem de negócios.

— Então, vocês são Alice e Justin? — Ele apontou para nós, e confirmamos. — Prazer em finalmente conhecer vocês. — Apertamos sua mão, e ele me encarou fixamente, quase me deixando sem jeito. — Sinto muito por não poder comparecer antes às reuniões.

— Senhor Jones, que bom que finalmente nos encontramos. — Justin falou, apoiando sua pasta na mesa. — Somos responsáveis por esse projeto desde o começo e agora o finalizamos. 

Kyle apoiou a mão no peito e suspirou, apertando os olhos, o que por alguns segundos parecia indicar que algo o incomodava.

— Não se preocupe, compreendemos que você deve estar bastante ocupado, espero que goste. — Falei, entregando-lhe um pen drive e ele conectou-o ao notebook.

Mostramos tudo ao rapaz, e foi assim que pudemos chamá-lo, diante de sua aparência jovial. Ele parecia ser jovem e tinha uma enorme cicatriz no peito, o que foi visível por seus dois botões abertos. Eu e Justin mostramos tudo e explicamos nos mínimos detalhes, as plantas, os desenhos, os pontos positivos e negativos. Kyle se mostrou feliz e animado, logo aprovou as ideias da planta 3D que fizemos e afirmou querer tudo exatamente dessa forma.

Justin seguiu para uma reunião com os engenheiros responsáveis e eu sai da casa com Kyle para mostrar-lhe os detalhes da obra, fazendo a comparação entre a casa atual e a casa nos próximos meses, com base na planta 3D que criamos.

— Então, a energia solar é uma forma natural e de baixo custo para o proprietário. A eólica também é uma fonte forte de energia, e ainda podemos implementar economia hídrica. A base do projeto é sustentável para o ambiente, ficou incrível. — Expliquei.

— Isso é o que eu quero, ou melhor, o que preciso. — Ele encarou o tablet e sorriu.

Modéstia à parte, eu e Justin fizemos um ótimo trabalho após muitas noites em claro. Tudo saiu como planejamos; agora era só esse rapaz gostar de tudo.

Sentados em um banco sob uma árvore, observávamos a casa de longe. Eu apontava para os detalhes, e Kyle prestava atenção em tudo, fazendo muitas perguntas.

— Nossa meta é fazer exatamente como está na planta. — Falei.

O senhor pode aprovar logo? Tenho um avião para pegar de madrugada. 

— Adorei o projeto todo e quero iniciar o mais rápido possível. A vinícola não pode parar, senhorita Moore, mas não atrapalhará nada. — Ele olhou para mim e sorriu. — Você é formada há quantos anos?

Mentalmente, há trinta e três. Ando cansada, moço.

— Um ano, sou estagiária da empresa há um ano também. — Respondi, ainda encarando a casa. — Sua casa é o primeiro projeto que assino.

Kyle me encarou, e sorriu

— Formada na Columbia, com pós-graduação em gestão sustentável. — Ele repetiu minhas palavras, e eu arqueei as sobrancelhas. — Desculpe-me pela Ariana, e não se rotule como estagiária. Gostei muito do seu trabalho, começou muito bem. — Kyle me entregou o tablet no qual estava olhando, e eu o encarei.

— Fico feliz pela sua aprovação e por ter ido de acordo com suas expectativas. O crédito não é só meu, trabalhamos muito nisso, eu e o Justin. — Falei, olhando de volta para sua cicatriz.

Conheço essa cicatriz no seu tórax, igual à do Michael, então ele fez alguma cirurgia cardíaca ?

— Claro, fizeram um ótimo trabalho. Posso mostrar algumas ideias que procurei para materiais sustentáveis? — Perguntou, e levantamos. — Ah, isso foi um transplante de coração que fiz há uns sete alguns anos, um rapaz se foi e eu voltei a vida... — Ele sorriu.

Kyle percebeu que eu estava observando e se adiantou em se explicar. Seguimos andando de volta para a casa, e eu tentei me justificar para não parecer curiosa ou invasiva.

— Não quis ser indelicada, meu primo também tem uma cicatriz assim. — Fui sincera, mesmo querendo me bater internamente. — Desculpa... — Cocei a cabeça, sem jeito, e ele apenas sorriu.

— Não se desculpe, meu coração falhou anos atrás, na flor da idade. Precisei de um transplante... coisas da vida. Estou vivo porque uma família generosa permitiu a doação de órgãos, não sei o nome do doador, apenas sei que era um rapaz jovem que lutou muitos dias na uti, acho que foi um acidente, ouvi boatos. — Ele explicou, e eu assenti, ainda sem graça.

— Fico feliz que o transplante tenha dado certo, e sinto muito por quem partiu. Deus sabe de todas as coisas!— Disse, sem jeito, e ele concordou.

— Perguntei sobre sua formação porque você não me é estranha. Achei que já estivesse há mais tempo nesse ramo, sinto que já te conheço, quando te vi tive uma sensação estranha!— Ele completou, de forma casual.

— Só trabalho há um ano mesmo, mas acredita que também tive essa sensação? — Sorri, tentando aliviar o clima, ele realmente não parecia ser um estranho.

Continuamos caminhando e Kyle conversando, ele era uma pessoa legal e gostava de cuidar do meio ambiente. Ao caminharmos rumo a casa, o mesmo me mostrou materiais que queria usar, a maioria sustentável.

—Como já fiz outras obras, pensei ter trabalhado com você em alguma delas. Mas tenho certeza de que me lembraria de você... —Disse ele, me fazendo encara-lo.

"Mas tenho certeza de que me lembraria de você mesmo se perdesse a memória, em algum livro diz que podemos facilmente recordar o amor pelo o olhar..."

Balancei a cabeça, expulsando a voz do Andrew dos meus pensamentos inoportunos e sorri sem graça.

—Pode ter me visto na empresa quando foi lá, e senhor Jones, antes que eu me esqueça preciso que assine alguns termos para começarem as obras em duas semanas... —Falei séria ao arrumar meus cabelos e ele consentiu. —Justin, trás a pasta amarela aqui. —Acenei para meu amigo, que vinha logo atrás.

—Claro, que assino... —Ele falou, já buscando sua caneta em seu paletó. —Senhorita Moore.

S2

Sentada em meu sofá com uma linda vista de uma cidade iluminada, bebia meu vinho branco e sorria para o nada. Após um dia corrido na cidade que nunca dorme e comido muitas coisas na rua com Justin, havia arrumado minha mala e me arrumado para o voo que pegaria em breve. Morar perto do aeroporto te dá algumas coisas boas na vida, não enfrento o transito.

Olhando para trás vejo tudo que passei para chegar aqui, tudo que perdi e ganhei e quantas lagrimas coloquei para fora com medo de não chegar a lugar nenhum com meu coração pesado. Olhando para minha vida hoje não posso dizer que encontrei a fonte magica da felicidade eterna, mas encontro um pouco dela todos os dias.

Não posso dizer também que tenho tudo ou uma vida perfeita, mas tenho o suficiente por hora. Amanhã viajarei para a cidade onde vivi muitas coisas boas com pessoas incríveis que não fazem ideia do quanto me ajudaram, meus amigos devem pensar que eu sempre ajudei a todos. Mas não fazem ideia do quão me ajudaram a começar quando em acolheram, me ajudaram em todos os abraços e todas as risadas que dei. Aquelas pessoas, aqueles momentos e o amor que sinto por Hannah não tem dinheiro que pague.

Cinco anos pode não ser tanto tempo assim, mas mudei em alguns quesitos e pretendo continuar mudando e revelando em mim mesma todas as minhas melhores faces. Quero desenhar lindos lugares, desbravar o mundo com meus amigos e ter minha própria família se assim for a vontade do destino. Quero nunca parar de olhar para frente e nunca desistir mesmo que as coisas fiquem difíceis, como quando patinei no gelo ano passado e torci o pé. Sim, meses depois eu voltei a patinar e não me machuquei mais, essa é a Alice. -Meu celular tocou e a foto do Alex junto a Emma apareceu na tela, era uma chamada de vídeo.

Atendi e Alex segurava o celular para Hannah, sorrir foi minha primeira reação.

Tia Alice, onde está?

Sorrindo para câmera, encarei a menina falante e loirinha com dois laços na cabeça.

Amor da tia, ainda estou esperando o avião? Onde você está minha vida loira?

Hannah apontou o celular para o rosto do pai e para Emma que deu tchau tentando falar.

Alice, ela ligava ou o mundo acabava. Passou meia hora falando com a Anne, estamos na casa dos Ross agora. 

Emma falou e sorriu fazendo Alex concordar, mas Hannah queria que eu a visse e virou o celular para si novamente.

Pode vir logo, tia? A vovó fez doces, e minha tia Anne está vindo. Sabia que meu pai está ruim da barriga?

Emma soltou uma risada e Alex negou para mim, mas Hannah não tinha papas na língua e fazia todos rirem, mandei beijos para Hannah que os mandou de vota rapidamente.

Irei chegar quando menos esperar, ok? Melhoras Ross e Emma estou levando os produtos para pele. Chego em breve, espero que alguém esteja me esperando no aeroporto ou...

Aproximei minha mão da câmera e Alex afirmou que iria.

Vai bater nas pessoas e roubar um carro? Eba, igual filme!

A imaginação da Hannah nos fazia sorrir, mas Alex explicou que roubar e bater era feio, e assim ela entendeu que eu ia apenas brigar.

Se comporte, eu amo você  senhorita Hannah. Titia chega logo com um brinquedo muito legal.

A loirinha sorriu em direção a cabeça, e acenou em despedida.

Te amo titia. 

Hannah se despediu e pulou do colo do Alex.

Era isso, hoje sou a tia legal e dos doces, sou arquiteta e estagiaria. Sou dona de casa e falo mais baixo. Mas sempre serei a menina que grita, esbraveja e anima as pessoas a minha volta. Sempre amarei roupas rasgadas e as mais escuras possíveis, sempre serei a louca da turma. Mesmo de terninho e salto, serei sempre a Alice que rouba sorrisos, coleciona memorias porém um pouco mais tatuada e bem mais feliz.

S2

O tempo passou para nossa latina também gente, o que dizer sobre a saudade que ela vai deixar?

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top