Começo do fim ♡ Capítulo 69

Queridos leitores, 

Como já dá pra perceber pelo título, esse capítulo é o começo do fim. A mídia aqui também é bem explicativa, mas queria fazer umas observações rapidinho.

Lembrando que este é um livro de ficção, então algumas coisas podem fugir da realidade, principalmente nos capítulos que envolvem o julgamento. Por isso, não comparem tudo ao pé da letra com um julgamento real, muito menos brasileiro, porque a história não se passa no Brasil, certo? Beijos!

S2

Jamais, em nenhuma hipótese, seria possível descrever como meu coração amanheceu hoje. Minha casa estava silenciosa, o grupo de mensagens dos meus amigos no celular estava parado, e até os bebês pareciam sentir a tensão no ar depois de meses de alegria. Se eu tivesse dormido duas horas, já seria muito. Nosso café da manhã foi quieto e, diferente dos outros dias, apenas comemos e nos levantamos rapidamente.

Poucas semanas haviam se passado desde o Dia de Ação de Graças, e muitos meses desde o crime. Hoje, finalmente, Augustos seria julgado. Alguns acreditavam que demoraria ainda mais, afinal, a justiça costuma ser lenta, mas até que foi rápido.

O caso dos pais do Alex por exemplo, levou anos nos tribunais. Mas no fundo, estávamos aliviados por tudo ter avançado tão rápido, mesmo após as inúmeras idas dos meus pais ao tribunal. Foram muitos depoimentos, a coleta de testemunhas e toda a preparação para este dia, o advogado nos explicou como seria o julgamento e alertou sobre a tensão que enfrentaríamos por horas. Afinal, um julgamento tem hora para começar, mas nunca para terminar.

Era uma manhã ensolarada de quinta-feira, estávamos no início de dezembro novamente, e parecia que o ano havia durado três décadas, considerando tudo o que aconteceu. Parte de mim se sentia aliviada pelo desfecho, mas outra parte estava tensa por nunca ter pisado em um local como aquele. Nossos amigos que também foram vítimas iriam com seus pais, Gustavo estaria acompanhado do pai, e Mary se ofereceu para cuidar dos gêmeos. 

Vesti minha roupa mais formal, prendi o cabelo e, ao me olhar no espelho, vi alguém mais forte. Sim, eu estava preparada para enfrentar tudo aquilo, confiante de que a justiça finalmente seria feita, dois anos e meio após a morte do meu irmão. 

Minha mãe entrou no quarto e sorriu, posicionando-se ao meu lado, diante do espelho.

— Tudo bem? — Sua voz ecoou no quarto, e senti sua mão tocar meu cabelo. 

Estava vestida de forma impecável, mas seus olhos vermelhos denunciavam as lágrimas que derramava desde ontem. ela não fazia questão de escondê-las.

— Não sei te responder, mãe — murmurei, enquanto ajeitava sua franja e a abraçava.

Minha mãe exalava um perfume floral, e sua pele estava gelada.

— Não precisa estar bem hoje... — Ela segurou meu rosto com delicadeza. — Vamos, deixamos os gêmeos com Mary e lá tem tantos funcionários, que estamos bem tranquilos!

Caminhamos juntas até a saída, e, de alguma forma, isso me fez sentir um pouco mais segura.

Nossos pais permitiram que morássemos juntos, mas com uma lista enorme de condições e termos que precisávamos cumprir fielmente, desde focar nos estudos até evitar filhos. Conversamos em família, discutimos as responsabilidades e decidimos que conseguiríamos lidar com tudo, priorizando sempre nossos estudos. Meu pai nos advertiu: se começássemos a a brigar ou terminar como aconteceu meses atrás, a experiência seria encerrada na mesma hora, deixaríamos o apartamento e voltaríamos para os dormitórios.

Nicholas e meu pai nos ajudariam com as despesas básicas, mas sem luxo ou dinheiro em excesso.  Concordamos com tudo que foi estabelecido, e após tantas conversas e tudo o que passamos, estávamos certos de que daríamos conta juntos. 

Observando a rua movimentada, meu estômago revirava de nervoso.

Nossa cidade não era grande o suficiente para termos que percorrer longas distâncias, então, em poucos minutos, estacionamos o carro em frente ao tribunal mediano. Era um local sem cores, com muitas pessoas entrando e saindo apressadas, todas vestidas de forma formal. Descemos do carro e, por alguns instantes, meus pais se abraçaram ao lado do veículo. 

De longe, avistei Alice e seu pai na porta do tribunal, Alex com Emma e seus avós, Will com seu pai sentado nos degraus, e Josh com sua mãe em pé. Estávamos juntos novamente, não porque queríamos, mas porque todos nós, direta ou indiretamente, fomos vítimas das ameaças de Augustos. Mesmo aqueles que não foram diretamente afetados, como Alice e Alex, estavam próximos o suficiente para serem impactados.

Subimos a longa escadaria e nos aproximamos dos outros, mas o clima estava longe da animação de costume.

— Odeio essas roupas quentes e formais! — Alice me abraçou, arrancando um pequeno sorriso meu. — Pareço dez anos mais velha?

Alice, sempre adepta de roupas largas e coloridas, estava diferente no vestido simples e no terninho que o pai insistiu que ela usasse. Mesmo assim, jamais deixaria transparecer o quanto estava abalada. 

— Está linda e não parece velha. — Respondi, ajeitando seus cabelos. — Os advogados já chegaram?

Ela assentiu, confirmando com um gesto.

Os mais velhos explicaram que os vários advogados de Nicholas Baker e o nosso já haviam chegado e estavam dentro do tribunal. O senhor Baker chegou minutos depois, impecavelmente engravatado, acompanhado de seu filho, que vestia roupas sociais, mas sem gravata. Apertei minhas mãos suadas enquanto meus olhos se enchiam de lágrimas ao vê-lo.

Gustavo apareceu logo depois, com o cabelo alinhado e, como sempre, elegante. Junto ao pai, cumprimentou a todos, exibindo a mesma expressão apática que pairava sobre nós. Seu rosto estava sério, o de seu pai, ainda mais. Assim que alguns homens engravatados chegaram, o pai de Gustavo se juntou aos outros adultos. Gustavo, em silêncio, segurou minha mão e me levou para um canto mais reservado.

Sem dizer uma palavra, ele me abraçou. Meus braços envolveram sua cintura enquanto sua mão apoiava minha cabeça contra seu peito, o lema de Gustavo era que um abraço podia fazer mais do que qualquer palavra. Por longos minutos, tudo o que fiz foi ouvir seu coração batendo e sentir seu peito se expandindo com a respiração. Seu cheiro era marcante, e sua mão acariciava meus cabelos com delicadeza.

— Tudo bem, não vou perguntar se você está bem. Só quero que saiba que estou aqui, e não vou deixar essa crise chegar... — Sua mão deu leves batidinhas em minhas costas, e eu segurei o choro. — Estou aprendendo receitas, quando formos para a faculdade, eu vou comandar a cozinha.

Ele lia minha expressão e meus gestos como ninguém e claro dizia coisas que, por segundos me faziam sorrir.

— Como sabe quando a minha crise vai chegar? — sussurrei, ainda sem encará-lo. 

Gustavo sorriu e passou a mão repetidamente em minhas costas, me incentivando a respirar fundo e soltar o ar devagar.

— Você fica olhando para o nada, aperta as mãos... mais precisamente os dedos, até deixá-los vermelhos. Seus lábios ficam secos, você morde o interior da bochecha, não para o pé de mexer, e sua respiração fica desregulada — explicou, me fazendo assentir.

Ele havia aprendido muito bem a reconhecer, de longe, o meu maior problema.

— Tem razão, estou me controlando, mas não é fácil. É como juntar raiva, tristeza, fúria, o medo... tudo ao mesmo tempo. — Respirei fundo, mas ele segurou meus braços com firmeza. — Eu poderia matar aquele homem, Gustavo. Com minhas próprias mãos.

Seus olhos castanhos e redondos encontraram os meus, não havia sorriso algum. Eu sabia que ele também estava triste, e nem tinha forças para confortá-lo.

— Você é tão brava, mas não alimente sentimentos que vão te consumir por dentro. Estamos aqui para colocar um fim nisso. Precisa ser forte, encará-lo com seus olhos azuis, dar as costas e sair. — Gustavo falou com firmeza, e eu assenti novamente. — E claro, eu sei todos os seus jeitos. Afinal, a principio vamos morar juntos por cinco anos.

Respirei fundo, sabendo que precisava ser forte, ou acabaria voando no pescoço daquele homem já preso — e indo parar na cadeia também.

— Só por quatro anos? E residência? — resmunguei, enquanto voltávamos para a multidão. — Vai fazer um contrato?

Meu pai chamou nossos nomes, e caminhamos juntos até as pessoas que nos esperavam para entrar no local.

— Você nem sabe se vai me aguentar por meses, mas tem razão, quase esqueci a residência! — Gustavo disse, me fazendo rir. — Olha quem é chiclete agora. O jogo virou? — Ele riu da minha cara.  — Quarenta anos então? — ele sussurrou e eu assenti.

 Aguentaria, sim, Baker. Acho que não consigo ficar longe de você. E, se conseguir, não é isso que eu quero.

Com sua mão entrelaçada à minha, entramos no local silencioso junto com nossas famílias. Não conversamos muito, nem nos aproximamos de amigos. Cada um estava lidando com sua própria parcela de medo e nervosismo, dor e raiva.

Os advogados pararam conosco em alguns bancos de madeira no corredor, aparentando calma.

— Entraremos agora.... Vocês ficarão ao lado de seus familiares onde eu indicar, e em completo silêncio. Por mais que a emoção nos faça querer gritar ou brigar, isso não será permitido e caso aconteça, o julgamento pode ser adiado e não queremos isso. — O advogado do meu pai sussurrou, e todos assentimos.

O doutor Arnold era um senhor distinto e eficiente. Ele fazia parte de nossa família há anos e conhecia o caso do meu irmão como a palma da própria mão. Explicou que hoje seria o julgamento final. Tudo já havia sido discutido, os crimes foram investigados e revisados por datas. O que fariam hoje seria apenas reapresentar o caso, mostrar novamente as provas, ouvir as testemunhas e, por fim, o júri entregaria o veredito.

— Certo, Arnold, seguiremos suas instruções junto aos outros advogados — disse Nicholas, com calma.

— Este julgamento já foi adiado muitas vezes, precisamos que tudo dê certo hoje. Não podemos esperar meses ou anos por uma resolução, ainda mais com um dos crimes completando três  anos sem solução. — O homem sério nos encarou, e depois completou — Faremos o nosso melhor. — Ele sorriu, e todos assentimos.

Dois policiais devidamente uniformizados, abriram as duas partes da pesada porta de madeira. Os advogados sinalizaram para que seguíssemos. Meu corpo inteiro se arrepiou de forma sinistra, um frio percorreu minha espinha e subiu até minha cabeça. 

Meu coração acelerou, e fechei os olhos com força. Era tudo ou nada, agora ou nunca mais.

S2

Era um espaço mediano, em tons amadeirados, moveis grandes e brilhando de tão limpo. Estávamos em uma sala do tribunal onde aconteceria o julgamento, todos sentamos em cadeiras ao fundo do ambiente, éramos literalmente uma plateia. As cadeiras eram divididas em dois grupos e um corredor cortava ao meio para da passagem ao centro do ambiente, com isso, toda a família das vitimas sentaram-se de um lado e as poucas pessoas por Augustos estavam sentados ao outro lado. Sentei ao lado dos meus pais, Gustavo ao lado do seu pai, e assim por diante, cada um de nós ao lado de seus parentes igualmente nervosos.

O ambiente estava lotado por pessoas e silêncio, estávamos virados para frente sem conversas ou gestos. –Segurando a mão da minha mãe, a sentia apertar meus dedos lentamente.

Se entendi bem a explicação que o advogado nos deu, à nossa frente havia dois pequenos gabinetes laterais. No lado esquerdo ficariam os advogados da parte autora e o promotor, que apoiaria a acusação. No lado direito, ficariam o réu e sua defesa. Atrás do gabinete do réu, algumas cadeiras estavam reservadas para o júri. À frente dos gabinetes, encostado na parede com uma visão completa da sala, havia um grande gabinete que se estendia de canto a canto. Três bandeiras estavam posicionadas ali: uma do nosso país, outra do nosso estado e a última da nossa paróquia. Esse era o local onde o juiz se sentaria, na cadeira mais alta. Ao lado direito do juiz ficaria o escrivão, e, à esquerda, em uma cabine separada, seria o local destinado às testemunhas.

Minhas emoções estavam à flor da pele. Estava nervosa e não me surpreenderia se já tivesse esquecido metade das coisas que os advogados explicaram. No entanto, na minha mente, era assim que tudo havia sido descrito. Nos fundos da sala, havia uma pequena porta onde dois policiais faziam a escolta. Provavelmente, era dali que Augustus sairia.

Eu não sabia se estava preparada para ver a pessoa que matou meu irmão e atirou em mim a sangue frio. Instintivamente, mexi no ombro, mas não senti dor alguma.

Depois de alguns minutos, os advogados começaram a chegar, o advogado do meu pai e o dos Baker sentaram-se em seus lugares. O escrivão acomodou-se em sua cadeira, rodeado por pilhas de papéis. Então, um homem entrou na sala, cumprimentando os colegas. Ele era o promotor, usava uma túnica preta com uma faixa vermelha na cintura e colocou alguns documentos sobre a mesa ao centro do ambiente. Foi só naquele momento que percebi o gabinete no centro da sala, era um local privilegiado, com um microfone instalado. O homem de vestimentas formais, provavelmente o responsável por dirigir os debates, se sentaria ali.

Mais policiais entraram, posicionando-se nos quatro cantos da sala. Isso trouxe de volta memórias indesejadas da noite no galpão, onde vários deles estavam armados e protegidos por coletes a prova de balas. Logo a pequena porta se abriu, e Augustus entrou, com as mãos algemadas à frente, guiado por dois policiais sérios. Seu cabelo ruivo estava mais longo e preso, e sua pele, avermelhada. Ele entrou com a cabeça baixa.

O som da respiração pesada de Gustavo me fez estender a mão para trás, ele a segurou de imediato. 

Quando o ruivo sentou ao lado do seu advogado, para nossa surpresa uma mulher era a juíza do caso e logo sentou em sua cadeira. Ela parecia nova, alta e estava ocupando ali o maior cargo o que me deixou muito feliz, a mesma caminhou até sua cadeira de couro mais alta que as outras e ficou em pé. 

Um homem engravatado surgiu repentinamente e dirigiu-se à juíza com firmeza.

— De pé para a excelentíssima juíza Sofia Danners. — Ele anunciou em alto e bom som, e todos nos levantamos.

Meu pai inclinou-se em minha direção e sussurrou:

— Esse homem é o oficial de justiça.

O grande relógio na parede marcava as horas, e na minha mente, o som dos ponteiros parecia ecoar de forma insistente.

— A juíza Sofia Danners dará início à última fase do processo. — Ela sentou-se na cadeira, fitando-me por alguns segundos. — Sentem-se. — Ordenou, e todos obedeceram imediatamente.

Alguns minutos de silêncio se passaram, o advogado da minha família e o representante dos Baker conversavam em murmúrios quase inaudíveis. Olhei para trás e vi Emma com a cabeça apoiada no ombro de Alex, enquanto Alice estava com os braços cruzados, encarando o vazio. Apesar do ritmo apressado das ações, a tensão no ar fazia o tempo parecer estagnado. Havíamos passado mais de meia hora aguardando lá fora e agora estávamos aqui, presos a essa espera interminável, enquanto todos pareciam lidar com a situação sem pressa.

O promotor se apresentou primeiro, seguido pelo escrivão, que também cumprimentou a todos. A juíza então ordenou que os advogados da parte autoral se apresentassem.

— Vossa excelência e a todos, que eu possa agradar ao tribunal. Sou o advogado Arnold Solano, representando a família Clark. — Nosso advogado falou com firmeza, recebeu um aceno de aprovação da juíza e voltou a seu lugar, ajeitando o terno.

— Vossa excelência e a todos, que eu possa agradar ao tribunal. Sou o advogado Liam Arthur, representando a família Baker. — Repetiu o segundo advogado, também voltando ao seu lugar após o protocolo.

Observando atentamente, percebi que tudo ali seguia um padrão rígido: desde sentar apenas quando a juíza o fazia, até as formalidades repetitivas nas falas. Aquilo parecia um mundo distante e difícil de entender, repleto de regras e protocolos que me faziam sentir pequena. O advogado de Augustus também se apresentou, mas o réu permaneceu de cabeça baixa, imóvel.

O promotor começou a apresentar o caso brevemente ao júri, sabendo que os advogados detalhariam cada passo posteriormente.

— Hoje, vamos contar uma história que temos analisado por meses e meses. — Ele gesticulava com confiança, falando diretamente à juíza e ao júri. — Trata-se de uma sequência de crimes cometidos e articulados por uma única pessoa.

O discurso do promotor marcou o início oficial do julgamento, e logo ele passou a palavra aos advogados.

Minha mente tentava processar cada detalhe aos poucos, embora eu ouvisse atentamente, muitos termos técnicos e referências legais me escapavam. 

— Algum dos advogados da parte autoral, apresente o caso ao júri. — Ordenou a juíza pelo microfone.

Nosso advogado, o senhor Arnold, levantou-se e dirigiu-se ao centro da sala. Quando ele começou a falar sobre Andrew, senti como se uma flecha atravessasse meu coração.

— Andrew era um jovem no auge da vida, dedicado à família e aos estudos. Ele viveu todos os seus anos nesta cidade pacata, até o dia em que foi brutalmente ferido e teve seu corpo abandonado em uma rodovia, em plena noite chuvosa. — A voz do advogado era firme, mas carregada de emoção.

Arnold prosseguiu detalhando as datas, o ano, e os eventos que culminaram na tragédia.

— Naquela noite, Andrew estava a caminho de casa, após buscar mantimentos para seu pai. Foi quando tudo aconteceu...

Ele narrou cada detalhe do que aconteceu naquela noite, com precisão. O júri ouvia em silêncio, e a juíza observava Arnold atentamente, com a mão apoiada no queixo. Enquanto ele falava, meus pensamentos fervilhavam. Orava para que o júri acreditasse em nossas palavras, porque Andrew clamava por justiça e nossa família precisava de paz.

As palavras do advogado trouxeram à tona memórias dolorosas: noites ao lado de Andrew, vendo-o se enfraquecer; o momento em que joguei uma rosa branca sobre seu caixão.

— Naquela noite, Andrew Clark teve eu carro atingindo pelo carro do réu onde vinha na contra mão e o socorro negado. Augustos estava plenamente ciente da necessidade de ajuda e sabia que chamar socorro era o mínimo a ser feito. Ainda assim, escolheu se omitir. Andrew passou horas sangrando, com múltiplas fraturas, agonizando, enquanto o socorro que poderia salvá-lo jamais veio.

Cada palavra parecia uma punhalada, mas eu sabia que era necessária. Era a verdade que finalmente precisava ser ouvida.

O advogado de Augustus levantou-se imediatamente, erguendo a mão.

— Protesto, argumentativo. — Ele se dirigiu à juíza com firmeza.

— Pedido negado. Parte autora, continue. — Respondeu a juíza, sem hesitar.

Eu estava com os olhos arregalados, completamente perdida, e virei para encarar meu pai, que suspirou enquanto apertava a mão de minha mãe, visivelmente nervosa. Confesso que não entendi o que a defesa de Augustus tentava argumentar, mas a juíza não aceitou. Com a mão sobre o peito, respirei fundo, tentando me acalmar, enquanto nosso advogado retomava sua fala.

Gustavo, que estava ao meu lado, se aproximou de meu pescoço e cochichou, baixinho, mas com um tom firme.

— Tenha calma, respire fundo. — Sua voz suave me trouxe um conforto imediato, e eu não pude deixar de sorrir, ainda olhando para frente.

Após uma pausa dramática para que todos no júri absorvessem as palavras, nosso advogado continuou.

— Sou advogado da família desde então, e esse caso me corrói desde o momento em que foi fechado. Querido júri, não conseguimos provas suficientes, e não pude dar paz para aquele menino que foi machucado, abandonado em uma estrada, e passou mais de trinta dias em coma em um leito de UTI. — Ele folheou papéis enquanto falava, lendo em voz alta o prontuário médico de como meu irmão chegou à emergência. — Andrew foi vítima de um ato de egoísmo, de maldade. Ele morreu, e o culpado seguiu sua vida como se nada tivesse acontecido.

As lágrimas começaram a cair dos olhos de minha mãe, e, por mais que ela tentasse limpá-las, não havia como parar. Cada movimento parecia apenas aumentar o fluxo. Alice estava com os olhos inchados, uma mão sobre o coração, incapaz de esconder sua dor.

Nosso advogado voltou ao seu lugar após falar por vários minutos, detalhando tudo com precisão. Ele usou um quadro onde mostrava o mapa da cidade, a rodovia onde tudo aconteceu, e o estado em que o carro de Andrew ficou após a batida.

O promotor então se levantou, assumindo o lugar do advogado, e se direcionou à juíza.

— Os crimes descritos neste processo têm uma origem comum, uma única pessoa por trás de tudo isso. Ele negou socorro, escondeu provas e, quando sequestrou uma pessoa e manteve duas em cárcere privado, fez tudo isso com um único objetivo: se livrar da culpa.

O promotor sabia o que estava fazendo e colocava em pratos limpos os crimes de Augustos sem receio, afinal nada daquilo poderia ser contestado. O mesmo perguntou se o júri havia entendido plenamente a primeira parte do acontecido e ambos consentiram. –Apertei meu rabo de cavalo já mais calma e descruzei minhas pernas já dormentes.

O advogado dos Baker levantou-se, empunhando uma pilha de papéis. Ele se aproximou da lousa branca, onde estavam fixados um mapa e fotos do carro de Gustavo.

— Como todos sabem, Augustus cometeu crimes anos atrás e manteve quatro pessoas sob ameaça durante esses anos. Pessoas que sabiam do acidente, mas não puderam fazer nada. — O advogado falou de maneira mais rápida e com crescente confiança. — Gustavo e seus amigos se afastaram imediatamente do réu após o crime. Quando souberam, tentaram forçar o réu a confessar, mas ele os ameaçou, assim como suas famílias. Os garotos, ainda adolescentes, viveram com esse segredo para proteger suas famílias.

Ele fez uma pausa, suspirando profundamente. Apesar do profissionalismo, parecia afetado pelo caso. Mas logo retomou, aproximando-se do júri.

— Nunca sabemos o rumo que nossas vidas podem tomar, e foi isso o que aconteceu com Gustavo Baker, que conheceu a irmã da vítima. E, com o tempo, ambos se envolveram em um relacionamento amoroso.

Novamente, o advogado de Augustus levantou a mão, interrompendo. Eu me senti irritada com o gesto, perguntando-me se ele estava ali para atrapalhar o julgamento.

— Protesto, informação irrelevante para o caso. — Ele falou em voz alta, e a juíza suspirou, aparentemente já cansada.

Ela leu os papéis por alguns instantes, como se estivesse revendo tudo o que estava sendo dito. Parecia calma, mas decidida.

— Pedido negado. Parte autora, prossiga. — Ela deu sua permissão, e Augustus se levantou, visivelmente irritado.

O ruivo encarou a juíza, sorrindo de forma desafiadora.

— O que esse relacionamento tem a ver com o caso? Isso aqui é um reality show? Ninguém quer saber do relacionamento entre esses dois imbecis intrometidos... — Ele deu de ombros, algemado, e a juíza o olhou com firmeza.

Meu corpo parecia pegar fogo ao vê-lo levantar a voz daquela forma. Meu pai tentou se levantar impulsivamente, mas minha mãe o segurou, nervosa. Augustus estava completamente fora de si, deixando isso claro.

— Parte referida, contenha o réu ou adiaremos a sessão por indisciplina. — A juíza falou em tom baixo, e o advogado de Augustus rapidamente o puxou para voltar a sentar.

Com isso, a juíza permitiu que o nosso advogado retomasse.

— Voltando, Excelentíssima, e prezado júri. — Ele se aproximou mais uma vez do júri e continuou. — Gustavo começou a se relacionar com a irmã da vítima exatamente um ano atrás. E, como é de se imaginar, ele ficou profundamente incomodado por ter que carregar o peso de um segredo que afetava uma família inocente, que sofria todos os dias. Gustavo Baker, depois de inúmeras tentativas de conversa com o réu, começou a ser ainda mais ameaçado, principalmente quando Augustus soube do relacionamento deles.

Liam fez uma pausa, obedecendo a uma ordem da juíza, que perguntou ao júri se estavam absorvendo a situação. Não tínhamos ideia do que eles pensavam, já que suas expressões eram inalteradas.

— Então, em uma noite, após inúmeras ameaças, Augustus sequestrou Gustavo em um plano meticulosamente arquitetado.

O advogado mostrou o mapa de onde tudo aconteceu e começou a apresentar as provas. Imagens das câmeras de segurança, mostrando o momento em que o GPS de Gustavo foi desligado, fotos do carro em um desmanche, imagens do galpão e fotos de como Gustavo saiu do local. Tudo aquilo me doía na alma. Mesmo não querendo, eu conseguia lembrar de cada detalhe claramente, como se fosse ontem. Foi um inferno.

Minha mãe, com os olhos cheios de lágrimas, me abraçou com força, e me encarou, com um olhar de dor.

— Gustavo levou uma coronhada, foi levado a um galpão no meio da mata. Passou três dias no frio, com fome, apanhando. Ficou dias sob ameaças de morte, realmente prestes a morrer. — O advogado de Augustus tentou interromper, mas o nosso advogado continuou sem hesitar. — Antes que proteste senhor, temos provas... Não são suposições.

O advogado dos Baker calou a boca do advogado do réu com simplicidade e elegância. Ao olhar para o relógio, prestava atenção dos ponteiros rodavam a todo vapor, as horas passavam e passavam. Porém segundo os advogados existem julgamentos que duram até cinco horas, não me importava quantas horas durassem, dando justiça ao meu irmão valia a pena esperar.

O advogado apresentou todas as provas das ameaças, muitas fotos e claro, algum papel que que mostrava que Augustos foi preso em flagrante.

— Sua namorada, que está presente aqui, colocando a vida de seu namorado acima da sua, conseguiu localizar Gustavo e foi até ele. — O advogado apontou para mim, e todos na sala me encararam. — Ela foi mantida em cárcere privado, vítima de agressões físicas e psicológicas, além de, claro, ser alvo de diversas ameaças. — A voz dele foi se alterando pouco a pouco, o tom mais grave a cada palavra. — E não parou por aí, senhores júris. O réu foi encontrado em flagrante, armado, descontrolado, ameaçando, e disparou uma bala de sua pistola em direção ao senhor Gustavo, que saiu ileso... graças à sua namorada, que tomou o tiro em seu lugar.

Liam então exibiu fotos do local, manchado de sangue, e mostrou o meu prontuário médico, juntamente com os registros das lesões que eu havia sofrido. Ele concluiu seus argumentos, agradeceu e voltou ao seu lugar, visivelmente aliviado. 

S2

Claramente chegou vez do advogado do réu de manifestar porém se via que o mesmo não sabia como começar.

— Meu cliente está sendo acusado de diversos crimes, incluindo a alegação de que negou socorro à vítima, o que é um completo equívoco. — O advogado percorreu o ambiente com confiança, apontando para as datas e horários exibidos em seu celular. — No aparelho do meu cliente, há uma mensagem que ele enviou à mãe, avisando que estava saindo da festa e que seus amigos o deixariam em casa. — Ele exibiu os prints da mensagem para todos verem. — Meu cliente sequer passou pela avenida no dia do acidente.

O advogado encarou Augustos com um olhar firme, enquanto eu bufava de frustração.

Era óbvio que tudo é mentira, pois o pai do mesmo havia entregado prova e confessado. –Meu pai bufava de raiva.

— Câmeras de segurança mostram o réu chegando em casa, andando perfeitamente, sem qualquer indício de embriaguez, e de carona com os amigos, como ele mesmo afirmou. — O advogado fez uma pausa e sorriu, enquanto Augustos encarava com um sorriso provocador. — Como podem ver, não há registros médicos do dia do acidente. Como poderia ele ficar com o rosto sangrando por dois dias, se sequer esteve no local? E essas ameaças por mensagem são facilmente manipuláveis, podem ser editadas com qualquer ferramenta. — Ele abriu os braços, satisfeito com sua defesa.

O advogado apresentou registros de Augustos, semanas depois, em um hospital, onde ele alegou ter sido vítima de uma briga de rua — mas a história não passava de uma mentira descarada.

Após a apresentação de todos os argumentos e provas, tivemos um curto intervalo. Durante esse tempo, os advogados de nossa parte esclareceram que tinham uma "bomba" em mãos, algo que ninguém sabia, exceto nós. Alice estava visivelmente estressada, inquieta, e precisou de água para acalmar-se e evitar explodir. Gustavo estava mais calmo, ciente de que não havia como dar errado. Quanto a mim... estava tomada por uma mistura de emoções. Não consegui conversar nem comer, apenas continuei sentada, falando com meu irmão onde quer que ele estivesse. Era o começo do fim, para todos nós. 

— Estamos fazendo de tudo, após o intervalo chegará a hora das testemunhas, nossa cartada final e o veredito. — O advogado dos Baker sussurrou.

— Por que aquele idiota protesta tanto? — Alice perguntou irritada, se aproximando, mas seu pai a chamou atenção para acalmar-se.

O advogado sorriu pela primeira vez, um sorriso que passou despercebido, mas que fez meu estômago revirar.

— Assim como estamos fazendo de tudo para mantê-lo preso, a defesa dele está fazendo de tudo para libertá-lo. — Liam deu de ombros e meu pai, visivelmente chocado, entrou em negação. —O trabalho deles é tentar fazer com o que Augustos seja inocentado, mas não se preocupe, eu e o Arnold não temos a fama de sermos dois dos melhores a toa, ele não se safará. 

É impossível ele ser inocentado? Não é? 

S2

O que estão achando disso? Esperamos muito por isso hein? 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top