Apenas sorria ♡ Capítulo 8

Se a vida é feita de momentos, por que não viver o agora? Essa é a forma como eu gostaria de pensar, se não precisasse planejar tudo para tentar fazer tudo dar certo. Desde a minha infância, tenho cadernos que registram quase toda a minha vida, com tudo o que já aconteceu e as metas que tenho a cumprir. 

Na escola, amava tirar boas notas não para ser a melhor da turma, pois nunca fui. As boas notas eram para mim uma prova de que estava sendo eficiente em algo, uma forma de provar a mim mesma que eu era boa em algo.  Meu jeito inseguro nunca me ajudou a me destacar na multidão. Sou como um cubo mágico: nem todos têm paciência para montar, e quem monta nunca esquece, mas são poucas as pessoas que tentam.

Sentada no balanço barulhento, espero de forma completamente irracional a coragem para abrir uma mensagem de alguém que provavelmente me mandou por engano da última vez. Retiro do bolso da minha jaqueta jeans o celular, mais conhecido como bomba-relógio.

Anne, pode vir aqui em casa?

Alex avisou que estava pronto para conversar e não perdi tempo, levantei as pressas.

Posso sim, em dois minutos e meio chego ai.

Pensando bem, foi melhor ninguém ter respondido à mensagem. Sem expectativas, sem decepções, como diz alguém sábio por aí. 

Caminho por uma rua calma e deserta, sem pessoas nem barulhos, logo avisto uma moeda no asfalto úmido e a pego. Está com o número virado para cima, então dou de ombros e a guardo no bolso junto com o celular e o fone. Minha avó dizia que achar moeda no chão é um bom sinal da vida, eu já acho que foi alguém muito azarado que perdeu seu dinheiro. Tenho teorias contraditórias em relação à maioria das pessoas.

Passo em frente à minha residência, apenas com a luz externa acesa, sinal de que meus pais já foram dormir. Sem pressa para voltar cedo para casa, ando alguns metros e paro em frente à casa do Alex, com um gramado bem verde e suas flores por toda parte, graças à Sra. Ann. Bato na porta em um ritmo lento e suave, para não acordar ninguém. O Sr. James, usando seu suspensório engraçado, abre a porta, e nos cumprimentamos com um abraço carinhoso.

— Pode subir, minha filha. O Alexander está no quarto. Fique à vontade. — O Sr. James me oferece um sorriso doce e aparentemente cansado.

A sensação de estar incomodando me deixa sem jeito.

— Obrigada, vô. Boa noite. — Respondo, caminhando em direção às escadas, tirando meu casaco e o amarrando na cintura.

Bato na porta do Alex em um ritmo acelerado até ele abrir, como sempre. Além de estar sempre colado à porta, ele agora acrescentou um adesivo de um gato deitado em sua cama dormindo. O Alex realmente não tem limite. 

Solto uma risada alta que ecoa pelo corredor.

— Pode entrar, Anne, só deixa a porta no lugar. — Ele diz ao abrir a porta rapidamente, cortando minha risada com um susto.

Exibindo seu abdômen definido, ele me faz encará-lo. 

— Que susto, infame. — Entro no quarto, que está mais bagunçado que o normal, e o encaro novamente. — O que é aquele gato colado na porta? E que tipo de furacão passou somente pelo seu quarto? Não vi nos noticiários a passagem de uma catástrofe recente.

Tiro boa parte das roupas que estavam em cima da cama e as jogo no chão, sentando-me confortavelmente. Apesar de estar limpo, seu quarto é incrivelmente bagunçado a ponto de não se ver a porta do banheiro.

— Engraçadinha, você não é a pessoa mais organizada do mundo. — Ele se deita ao meu lado e começa a explicar sobre o gato. — O gato é o Garfield. Ele é fofo, engraçado, tem olhos verdes, gosta de dormir e, convenhamos, é lindo assim como eu.— Sua cara de manhoso e o olhar fixo com seus olhos verdes me fazem franzir a testa.

Extremamente convencido, mas não mente.

— Apaixonante, confesso. Porém, o que mais se parece com o Garfield são as gorduras na sua barriga. — Aperto sua barriga, fazendo-o rir. — Então, sobre o que quer saber, Ross?

— Tem falado com a Alice? Ela faz falta por aqui, não acha? — murmura ele, me interrogando discretamente.

— Ela faz falta. Nos falamos pouco, pois a fazenda em que ela está não tem sinal para nada. — Explico, fazendo-o concordar.

— Me conta tudo sobre o curso que vai fazer e desculpa por não ter ido com você fazer a inscrição. — Alex me manda um sorriso sem graça.

Ele parece realmente triste por não ter ido comigo. Confesso que eu também fiquei, mas não ia tirá-lo de seus afazeres. É estranho não tê-lo em momentos importantes, mas a vida adulta é assim.

— Sem problemas, e lá é incrível. Tem muitas artes e, sinceramente, não sabia que havia tantas pessoas por aqui se expressando assim. Talentos ocultos, como já sabemos. Fiz minha inscrição e, primeiro, são aulas teóricas na sala de aula e depois práticas fotografando. E, por fim, quem se sair melhor terá suas fotos expostas na galeria, para venda ou não. — Explico enquanto ele escuta atentamente. — E outras novidades: meus pais disseram que querem que eu viva mais a minha vida, saia mais e tenha um tempo para mim. Então, estou na padaria somente pela manhã e às vezes à noite, quando necessário. — Declaro.

— Uau, quanta coisa boa junta! E não esperava menos dos seus pais, eles são incríveis quando não acham que vamos nos casar futuramente. — Ele solta uma risada tímida. — Estou muito feliz pela sua superação com o bloqueio, e este ano mesmo já vamos conquistar nossas sonhadas vagas na faculdade. — Levanta a mão para eu bater e assim o faço. Sei que ele está verdadeiramente feliz por minhas conquistas.

Alex me conta sobre sua faculdade dos sonhos e seu desejo de se tornar um produtor musical de prestígio. Segundo ele, o mundo está precisando de mais música de qualidade, e eu concordo.

— Vamos para faculdades diferentes, não é? — Pergunto seriamente, fazendo-o virar para o meu lado. — Vai ser a parte ruim de tudo isso, que chato isso! — Ele passa o polegar sobre minha bochecha e sinto seu olhar cabisbaixo.

— Vamos para a mesma cidade, mas temos sonhos diferentes. E isso vai nos tornar mais fortes para enfrentarmos as coisas. Nunca vou te abandonar, joaninha. Você será uma bela médica, fazendo todos os pacientes se apaixonarem por você, e eu serei um produtor musical ou músico de grande sucesso. Essa é nossa meta, lembra? — Ele me encara, aguardando uma resposta, e eu confirmo com um gesto de cabeça, roubando-lhe um leve sorriso. — Joanne, agora me fale sobre o Gustavo Galinha Baker na festa da Maryn Condor. — Suspiro sem animação.

Como começar a falar quando não sabia por onde começar?

— Ok, mesmo não possuindo conclusão alguma sobre a noite de Ano Novo, lá vai. Eu estava procurando você e a Alice, fui andando até o final da casa e ele estava sozinho nesse local onde fui parar e começou a puxar conversa, não sendo a primeira vez, como você já sabe. — Aperto os olhos lembrando-me da cena. — Ele realmente me livrou de uma briga de um grupo com idiotas que estavam indo na minha direção, e acabamos conversando.

— Ele está armando alguma... Não caia nessa. Sabe as meninas da escola com quem ele ficava? — Alex murmura com os dentes cerrados, disfarçadamente.

Esse jeito possesivo do Alex me incomoda às vezes, e fora o dinheiro das patricinhas o que eu sou tão diferente?

— Então, seria muito estranho alguém como ele se aproximar de alguém como eu?

Alex levantou da cama em um impulso e me encarou, uma interrogação em sua face procurando respostas para minha pergunta.

— Não é isso poxa, só foi estranho ele se aproximar assim. — Ele sussurrou, sem se explicar, e voltou a deitar-se ao meu lado.

Minutos em silêncio, encarávamos o teto enquanto alguém na rua passava cantarolando, ou muito feliz ou muito bêbado. Parte de mim não quer se aproximar do Baker, e parte de mim busca um mínimo vestígio que me leve à felicidade.

— Ele insiste em dizer que mudou, que não é mais a mesma pessoa dos anos de colégio como conhecíamos. Ele também falou que saiu do lado errado no meio do segundo ano, quando algumas das pessoas na turma de imbecis se meteram em algo que ele não aprovou. Então, ele supostamente abriu os olhos, tomou consciência de que eram todos imbecis e disse que não queria mais ser assim. Algo assim... — Expliquei, enquanto Alex me olhava com uma expressão neutra.

— Lembro-me de que ele era um completo idiota. Ele fez jus ao termo sou um idiota. Brincava com todas e falava mal de todas também, como se não bastasse. Não posso ser injusto a ponto de desmentir ele, pois também soube do afastamento da turma. Mas mudar assim? Não acho que uma pessoa mude da água para o vinho em tão pouco tempo. Porém, pode ser que ele esteja tentando mudar. Você é esperta, não dê mole até ter certeza da tal mudança. Não se machuque por uma pessoa que nunca te deu bola. Alguém uma vez disse que você só pode escolher a quem vai magoar e não por quem vai ser magoado, e sei que você é incapaz de magoar alguém. — Alex respirou fundo ao terminar.

Quando ele terminou suas palavras poéticas, senti uma fisgada no coração, mesmo sabendo que tudo o que ele disse era totalmente verdadeiro. Alex continuou sua explicação e eu o encarei novamente.

— Quero que você seja feliz, seja com quem for. Só quero que você esteja bem Joanne... Se alguém te magoar, vou ser preso por agressão ou assassinato. — Não consegui conter um sorriso diante de sua expressão calma.

— Sim, você tem razão. Nunca dei espaço para ninguém me magoar e não será dessa vez. Ele me pediu uma amizade saudável e eu dei uma chance a isso. Sei muito bem detectar a malícia dele e já deixei claro. Se ele disse que mal tem amigos e está mudando... Desejo que ele mude e seja feliz. Nada mais, não se preocupe. — Expliquei calmamente, sentando-me na cama.

—  Vou te apoiar em tudo, você sabe, cabeção. De longe, eu sei observar essa mudança dele. — Alex finalizou, me deixando aliviada.

Seu braço passou por meu pescoço, abraçando-me. Com sua cabeça encostada na minha, fazia-me pensar em seus conselhos.

— Você está falando como se eu tivesse algo com ele. Não tenho, somos nas palavras dele: amigos e apenas há uns dias. — Dei de ombros, levantando-me.

Alex negou, estapeando a testa.

— Anne, você está misturando as coisas ou pensando demais. Não falei que vocês iam casar e ter dois filhos, calma. — Seu sorriso de canto me fez sorrir também. 

《♡》

Trabalhando somente pela manhã na padaria, sou obrigada a acordar cedo para chegar a tempo. Com o dia começando, logo os clientes apressados para o trabalho chegarão antes das sete horas, lotando as mesas ao lado de fora. Com bandejas nos braços, caminho até o expositor e arrumo doces e biscoitos de leite enfeitados com algum desenho. Derrubo uma tampa de metal no meu pé e, pela primeira vez durante o dia, vejo estrelas de tanta dor. Por que sou tão estabanada? — Agachada, massageio meu pé, queima.

Após arrumar todo o expositor e ligar as luzes coloridas, limpo os vidros. Em nenhum momento as palavras do Alex saem da minha cabeça. Na cozinha, separo tudo para colocar em cima do balcão: ovos, leite, fermento, farinha de trigo, moldes para tortas, gordura vegetal, açúcar, formas e caldas mágicas. Apenas eu sei a receita. Antes de começar uma receita, minha dica importante é sempre separar todos os ingredientes e deixá-los à vista.

Nosso padeiro entra pela porta dos fundos. Ele trabalha aqui há alguns anos e tem uma chave. O rapaz simpático passa por mim e me cumprimenta com um sorriso tímido. Muito quieto e calado, tem uma índole impecável, e com isso ganhou a confiança do meu pai rapidamente. Começou a trabalhar aqui como ajudante e fez um dos melhores cursos de massas na Itália.

Em meus fones de ouvido, ouço alguma música latina no modo aleatório. Esse ritmo animado sempre levanta meu humor, e a música me ajuda a arrumar as mesas na calçada. Mesmo com meu pai prestes a chegar, gosto de ajudá-lo. Coloco as mesas e cadeiras para fora e arrumo um vaso de flores em cada mesa, junto com um cardápio.

— Assim está ótimo — digo para mim mesma, verificando o bom trabalho que fiz.

— Bom dia, filha — meu pai entra com passos rápidos, pendurado ao celular. — Mirtes, não posso viver viajando. Administro tudo por aqui, já comuniquei a marca — ele explica algo sem paciência.

O acompanho em passos rápidos, buscando alguma brecha para conversarmos.

— Bom dia, pa... — tento falar enquanto o ajudo a procurar sua camisa de botão que usamos aqui. — Ei, achei! — entrego a farda a ele, e ao desligar o celular, parece cansado.

— Me atrasei bastante hoje, fui deixar sua mãe em uma reunião. Não gosto de te deixar aqui sozinha — explica o senhor grisalho enquanto caminha até o andar de cima, onde fica seu escritório. — Como foi chegar mais cedo hoje? — pergunta curioso, me fazendo seguir por entre as escadas estreitas.

— Normal, como sempre... Com um pouco mais de sono. Com quem estava falando? — pergunto, arrumando a gola torta de sua camisa.

— Com a gerente de uma das nossas distribuidoras. Administrar um negócio é estresse todos os dias — sua face cansada revela a verdade por trás de suas palavras apressadas.

Sentado em sua cadeira atrás de uma mesa lotada de pastas e papéis, ele novamente se pendurava ao telefone enquanto trocava mensagens.

— Pai — sussurro, gesticulando minha descida. 

Aceno e desço as escadas quase correndo.

Meu pai abriu esse negócio após perder seu emprego em uma empresa privada há muitos anos atrás. Minhas primeiras lembranças já são correndo com o Alex por entre as mesas, que na época eram coloridas e redondas. Cada um de nós tinha uma mesa que era nosso carro. Eu sempre escolhia as rosas e as amarelas, enquanto o Alex escolhia as mais perto de mim, não importava a cor. Ele dizia que qualquer acidente precisava estar ao meu lado para me ajudar. Lembrando-me disso, não me contenho e um sorriso surge em meus lábios. Afinal, ele nunca mudou, não importa quanto tempo passe.

《♡》

O dia passou da forma mais pacata possível. Troquei algumas mensagens com a Alice, que chegaria em breve, e com o Alex, como sempre. O cheiro forte de massa assada me fez correr para tirar os biscoitos em forma de urso do forno, que, para minha sorte, estão a salvo de queimaduras de terceiro grau. Faz tempo que não esqueço nada assim, e as crianças jamais me perdoariam. Ao colocar os ursos na bandeja do expositor, escuto leves batidos na porta dos fundos.

Limpo as mãos rapidamente no meu avental. Ao olhar meu relógio, que marca oito e dez da manhã, já sei quem deve ser. Bato o avental para tirar o trigo e abro a porta com destreza. Minha expressão cai sem intenção.

-Tão cedo Barker, rico não pode dormir mais? -Digo ao abrir a porta com destreza, minha expressão cai sem intensão. -Ah oi, bom dia. –Meu olhar se volta para um senhor vestindo a farda marrom da fábrica de café.

O senhor me manda um sorriso calmo e com uma caixa na mão, aguarda alguma reação minha.

— Ah, oi, bom dia — digo, ao ver um senhor vestindo a farda marrom da fábrica de café.

— Srta. Joanne? Uma entrega de grãos — diz ele, conferindo a nota e me entregando-a. — Pode assinar onde está marcado?

Provavelmente o deixei perceber que não esperava ele, aliás, não esperava ninguém. Eu poderia enfiar minha cabeça no saco de trigo de tanta vergonha.

— Sim — peguei a nota de sua mão e o mandei. — Sou eu, obrigada. — Assinei e entreguei a segunda via da nota fiscal em suas mãos.

Ao colocar a caixa de grãos no chão, o senhor guarda a nota em seu bolso com cuidado.

— O senhor Baker está doente, precisei tomar seu lugar por um tempo, mas logo ele voltará. Tenha um ótimo dia, senhorita.

— Tenha um ótimo dia também — respondi, tentando não demonstrar muito interesse. — O senhor sabe me dizer o que ele tem? Assim, só pra saber mesmo.

O senhor me lançou um olhar enigmático antes de se afastar.

— Sinto muito, não sei os detalhes. Apenas que ele está se recuperando e deverá voltar em breve.

Com um aceno, ele se afastou, e eu senti uma mistura de alívio e curiosidade.

— Ele não me passou detalhes, infelizmente, mas pediu-me para entregar isto. Por pouco me esqueço.

 Peguei o pequeno envelope e ele se distanciou indo rumo o caminhão, sem se despedir.

Arrastei a caixa de café para o lugar correto e fui em direção ao escritório do meu pai para entregar a nota fiscal. Subi pensativa, minhas bochechas ainda estavam quentes lembrando do constrangimento. Logo abri o envelope marrom, com um papel também marrom bem dobrado e preso com um adesivo em forma de grão de café me fez notar o cuidado e o perfeccionismo de Baker.

"Querida Joanne perdoe-me o infortúnio de minha ausência para entregar-te cafés, espero que esteja bem e de cabelo solto. Em caso de querer agradecer esse bilhete apenas sorria."

Gustavo, clichê, sem noção e ainda doente. Espero que esteja bem, não contive um sorriso e guardei o bilhete no bolso da jaqueta.

— Filha? — Meu pai chamou minha atenção, jogando uma bolinha de papel em minha cabeça. — O mundo está chamando você.

— Ah, oi pai. — Entreguei a nota fiscal e o observei com uma expressão confusa. — O que foi, Albert?

— O que tinha no papel? — Ele apontou para meu bolso, fazendo-me dar de ombros. — Nenhum dos meus papéis me faz sorrir por minutos.

— Quem está sorrindo aqui? — Indaguei, contradizendo-o. — Põe os óculos, eu não sorri.

Saí da sala o mais rápido que consegui, o deixando falando sozinho.

S2

 Espero que vocês estejam gostando ♡ Comentem nas suas partes preferidas e deixem a estrelinha.

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