Passado e acasos prometidos.

O crepúsculo fazia-se presente no grande céu visto do alto da colina, o carro deixava a estrada para trás à medida que subia as tantas curvas rumo a casa de campo. A loira mantinha o olhar na janela, observando a paisagem passar ao seu lado de forma quase enjoativa.

No banco de trás, as outras três garotas desfrutavam de um bom sono desde que saíram de Moonlight, deixando Minjeong encarregada de fazer companhia a Jisoo no banco da frente. Jimin segurava suavemente o pequeno cachorrinho de pelúcia que deu a loira entre as mãos, enquanto dormia e seu corpo estava levemente apoiado em Rosé.

Minjeong tinha muitos pensamentos rondando por sua mente, mas admitia que passar o dia naquela pequena cidade acabou fazendo bem para si mesma, embora tivesse ainda menos respostas do que antes.

Estava tão distraída que apenas saiu de seu próprio mundo quando o carro parou no acostamento e a ruiva ao seu lado tirou o cinto de segurança, fazendo-a olhar um pouco confusa.

Ainda não estavam na casa de campo...

Jisoo apenas acenou com a cabeça a convidando para fazer o mesmo, ainda em silêncio, abriu a porta e saiu do carro em seguida. Minjeong levou alguns segundos para processar, mas logo a seguiu.

Estava frio e a loira precisou colocar as mãos dentro do bolso do moletom em busca de um pouco de calor enquanto ia em direção a ruiva. Notou-a com os braços apoiados em uma cerca de madeira, parecia observar tudo a sua frente.

— Jisoo... — Minjeong a chamou em um tom baixo, parando ao seu lado. — Eu não estou entendendo.

— Eu sempre faço isso. — A ruiva iniciou depois de alguns segundos em silêncio. — Esse é um dos pontos mais altos da colina e tudo parece pequeno aqui de cima.

Minjeong passou a olhar o mesmo que a outra e pode compreender o que ela falava, mesmo que a ponta de seus dedos estivessem geladas ainda dentro de seu bolso, sentir o ar tocar o seu rosto não era desconfortável.

— É realmente lindo. — Escapou por seus lábios.

— Esse lugar me traz a calma que eu normalmente não tenho morando na capital.

Minjeong assentiu com o comentário por parte de Jisoo. Ela compreendia muito bem como era viver na selva de pedra e lidar com a correria do dia a dia.

— Acho que todo mundo precisa de um lugar como esse em algum momento. — A loira disse. Apesar das circunstâncias da forma que foi parar ali, sentia-se bem por ter aquela oportunidade.

Jisoo suspirou pesadamente atraindo o olhar de canto da loira, aquele lugar foi testemunha de muitos momentos em sua vida nos últimos anos.

— Eu precisei desse lugar há um tempo atrás. — Jisoo iniciou. — Quando eu achei que tudo na minha vida estava perdido a partir do momento que eu me vi apaixonada por duas mulheres, na mesma intensidade.

Minjeong sentiu um incômodo em seu estômago, de alguma forma ela sentia qual seria o rumo daquela conversa, mas estava extremamente interessada sobre aquela história.

— Não consigo imaginar o quanto deve ter sido difícil. — Minjeong limitou-se a dizer. Não queria falar besteira sobre um assunto que não dominava.

— Não estava nos meus planos viver algo tão intenso quanto lidar com o fato de amar duas mulheres, eu passei meses sem querer aceitar isso ao mesmo tempo que me sentia uma intrusa por afetar o que elas tinham. — As memórias estavam claras como água na mente da ruiva, cada mínimo obstáculo que precisou enfrentar.

— Não deve ter sido fácil 'pra você passar pelo que passou... — Minjeong tinha a voz um pouco trêmula pelo frio, mas não se sentia incomodada com o clima.

— Não foi 'pra elas também. — Jisoo sorriu torto, sem graça. — Elas foram muito fortes para entender esse sentimento e muito maduras lidando com ele.

A loira olhou por cima do ombro para dentro do carro através do vidro, suspirando ao observar as três garotas ainda dormindo e despreocupadas.

— Eu não sei se lidaria bem com isso... — Minjeong voltou a sua atenção para a ruiva. — Na verdade, eu não lido bem com qualquer coisa que envolva sentimentos.

Jisoo a olhou de soslaio, compreendendo muito mais do que aquelas palavras pareciam dizer.

— Talvez você nunca tenha se dado a chance de lidar com eles. — A ruiva fez uma pausa e apontou para si. — Olhe para mim! Na época, eu fugi 'pra casa da minha mãe durante uma crise onde eu me sentia idiota por colocá-las naquela situação e simplesmente coloquei na cabeça que me afastar era a melhor decisão.

— E o que aconteceu? — Minjeong indagou curiosa.

— Elas apareceram na frente da casa da minha mãe uma semana depois, passando por cima de qualquer zona de conforto ou qualquer outra coisa que elas acreditavam.

Jisoo não conseguiu segurar o sorriso ao recordar-se do dia em questão que foi o ponto inicial para a relação saudável que elas possuíam atualmente.

— Eu acho bonito o que vocês têm, mesmo que ainda seja visto de forma ruim por outras pessoas. Enquanto vocês tiverem uma a outra vai valer a pena. — As palavras saíram pelos lábios da loira como melodia para os ouvidos de Jisoo.

Era sempre gratificante conhecer pessoas que não a julgassem ou que não fizessem piadas inapropriadas sobre um relacionamento a três. Desde o momento que colocou os olhos na loira ao seu lado, sentiu uma boa energia e agora podia constatar que estava certa.

A brisa fria ainda batia contra o rosto das duas, mas elas permitiram-se apenas aproveitar a sensação de liberdade que aquele lugar emanava. Minjeong faria uma nota mental sobre o adicionar na sua lista de lugares favoritos para passar o tempo, mesmo que não soubesse quando teria outra oportunidade de estar ali novamente.

— O acaso me fez conhecê-las, mas eu sei que fui a responsável por elas terem ficado. — Jisoo sorriu, um sorriso largo que conseguia transmitir o que a morena sentia em relação ao seu relacionamento e a tudo o que enfrentou para estarem ali. — Talvez alguns acasos sejam prometidos.

Talvez. Minjeong pensou.

— P-por que resolveu me contar essas coisas? — A loira indagou. Ela não tinha certeza, mas sentia que não fora apenas vontade de desabafar por parte da outra.

— Porque eu vejo muito de mim em você, ao menos de quem eu costumava ser.

Touché.

Minjeong estava certa.

— O que quer dizer com isso?

— Você sabe exatamente o que eu quero dizer com isso. — A loira sentiu-se encurralada.

Ela de fato sabia, mas não esperava que fosse tão transparente ao ponto de alguém que conheceu há algumas horas notar o que se passava ao seu redor.

Minjeong suspirou pesadamente e apertou o tecido do moletom dentro do bolso em um ato de puro nervosismo. Seus olhos não tinha um ponto fixo e procuravam uma distração em qualquer lugar que não fosse aquela conversa.

— Eu não vou te forçar a falar nada, Minjeong. — Jisoo prontificou a dizer em um tom de voz sereno, de forma confortável. — Mas eu sinto que você guarda muito dentro de si e eu aposto todas as minhas fichas que são sobre a garota dormindo agarrada com uma pelúcia dentro do carro.

Minjeong sentiu dificuldade em engolir a saliva e suspirou pesadamente, ao mesmo tempo que queria falar, tinha receio de onde aquilo poderia chegar. O olhar da ruiva parecia queimar a sua pele, mesmo que soubesse que ela não estava lhe forçando a dizer alguma coisa, Minjeonh sentia-se desconfortável porque no fundo sabia que, na verdade, estava segurando-se para não dizer.

Por medo.

— E-eu... — Soltou toda a respiração que sequer notou estar prendendo. — Não sei por onde começar.

O sorriso sincero brotou nos lábios da ruiva, satisfeita em ter conseguido fazer a mais baixa ceder a guarda e sentir-se disposta a falar sobre o assunto.

Jisoo sempre foi observadora e normalmente notava tudo o que acontecia ao seu redor com certa facilidade, não precisou de nada mais que uma tarde com aquelas duas para entender a batalha interna que a loira sofria, batalha essa que parecia passar despercebida por Jimin.

— Por onde quiser, estou aqui para ouvir. — Jisoo passou a encarar o horizonte, observando o pôr do sol a sua frente enquanto esperava pacientemente.

— Eu a conheci no ensino médio. — Depois de um longo minuto, Minjeong deixou as palavras saírem. Era a primeira vez que falava sobre tudo, nem mesmo Ningning sabia. — Tínhamos duas aulas juntas por semana, mas nunca sequer trocamos algumas palavras.

As memórias do último ano na escola invadiram a sua mente, claras como se tivesse vivido no dia anterior.

— A Jimin era extremamente popular mesmo sem fazer parte de nenhum grupinho, ela era quieta e de poucos amigos, mas aquilo parecia incrivelmente encher os olhares de inúmeros admiradores secretos. — Minjeong recordava-se de sempre ver garotos se declarando em pleno refeitório e das tantas formas diferentes que a morena rejeitava-os com um sorriso sem graça. — Comigo infelizmente não foi diferente...

Aquilo atraiu o olhar de Jisoo novamente para a loira.

— Eu não lembro em que momento começou, mas eu passei a ficar distraída enquanto a observava sentada na primeira carteira da sala e quando não tínhamos aulas juntas eu me pegava contando os dias para aquilo acontecer de novo. — Um sorriso doloroso e sem graça surgiu em seus lábios. — Estudamos juntas por longos dois anos e eu sequer tive a coragem de falar com ela.

— E ela? Nunca notou o que você sentia? — Jisoo indagou curiosa.

— Ela nunca me notou. — Dizer aquilo doía mais há um tempo. — Eu fui apaixonada durante o ensino médio por uma garota que sequer soube da minha existência, porque eu era invisível demais para todo mundo e ninguém se importava em fazer amizade com a novata que veio de outra cidade.

Minjeong cuspiu as palavras com ressentimento na voz. Se ela pudesse esquecer aqueles anos, ela faria sem pensar duas vezes.

— Você culpa a Jimin por... — A ruiva parecia ter cuidado com as palavras. — Não notar?

— Eu culpei por um bom tempo, mas agora eu não sei mais o que fazer ou o que parece certo ou errado. — Minjeong tirou as mãos do bolso e passou-as entre seus fios dourados.

— Como vocês chegaram aqui? Digo... Em que momento você deixou de ser alguém que ela não conhecia?

— No ano seguinte a minha formatura, eu entrei para a faculdade, conheci a Ningning no primeiro dia e pela primeira vez eu vi alguém se importar em ter a minha amizade e a partir daquele momento nos tornamos inseparáveis. Nos primeiros meses ela acabou conhecendo a Giselle e elas começaram a sair praticamente todos os dias, mas eu sempre fiquei ocupada demais entre os estudos e algumas festas do campus. — Minjeonh recordava-se que ter a amizade de Ningning a fez criar mais facilidade para conseguir novos amigos, logo, enturmar-se na faculdade não foi tão difícil quanto ela imaginou que seria.

— Um dia, a Ningning contou que estava namorando e que queria que eu conhecesse a Giselle, obviamente eu aceitei e topei jantar em um restaurante com elas. Eu só não imaginava que Giselle também levaria a sua melhor amiga e que ela seria justamente a Jimin.

A expressão de Jisoo mostrava o quanto estava chocada com a coincidência.

— E deu tudo errado... — Minjeong continuou. — Eu não soube agir estando frente a frente com ela e começamos a discordar sobre qualquer assunto naquela mesa, até discutirmos e acabar com o jantar e com as esperanças das nossas melhores amigas. — Fora a primeira das tantas brigas que tiveram. — Eu estou aqui, presa com ela naquela casa porque a Ningning e a Giselle cansaram das nossas brigas dentro desses dois anos.

— D-dois? — Jisoo até mostrou o número com os dedos. — Dois anos?

Minjeong apenas assentiu um pouco envergonhada.

— Eu estava acostumada com a ideia de odiar a Jimin e acreditava que eu tinha me poupado de muita dor de cabeça não me declarando durante a escola, mas essa viagem... — Era difícil admitir. — As coisas que aconteceram nesses poucos dias me deixaram confusa e eu me deparei com sentimentos que achei que estavam mortos. Eu me sinto a mesma idiota e sozinha Minjeong do ensino médio.

Aquela batalha interna tomava conta de seus pensamentos há dias e colocar isso para fora pela primeira vez foi como tirar um enorme peso de suas costas.

— Eu posso falar o que penso sobre tudo isso?

Minjeong apenas assentiu, alheia demais para negar qualquer pedido.

— Sinto que o acaso te deu uma nova chance de se dar a oportunidade de sentir, mas você ainda tem medo porque tudo é incerto. — Jisoo prosseguiu. — Você passou todo esse tempo escondendo o que sentia e mascarando tudo que chegou a acreditar na sua própria mentira, mas essa pode ser a última chance para você dar uma oportunidade de ser menos racional.

Minjeong odiava admitir, mas as palavras da morena rasgavam o seu ego.

— Eu não sei, Jisoo...

— Você não precisa decidir isso agora. — A ruiva colocou a mão em seu ombro, passando segurança. — Pensar sobre a possibilidade pode ser um bom primeiro passo.

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