UM - REENCONTROS
𝙲𝙰𝙿𝙸́𝚃𝚄𝙻𝙾 𝚄𝙼
ℝ𝔼𝔼ℕℂ𝕆ℕ𝕋ℝ𝕆𝕊
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Março, de 2070 — Manhattan, Nova Iorque dias atuais.
Bellatrix Mitchell mantinha o copo de cappuccino em mãos enquanto observava as pessoas – reparava em cada detalhe à sua volta – ainda mais quando se tratavam de pessoas. Podia contemplar as mínimas particularidades que cada um possuía, os trajes e até mesmo os sorrisos que recebia, poderia parecer verdadeiro, mas aos olhos dela transbordavam falsidade – um espetáculo de omissões.
Os cabelos loiros reluzentes caiam como cascatas por suas costas balançando conforme Bella andava, escutava atenciosamente a amiga Amanda Cortês falar sobre o seu mais novo romance. Analisava os olhos escuros da amiga brilharem a cada novo diálogo percebendo o encantamento dela. As duas mulheres caminhavam tranquilas pelas ruas de Manhattan com um único destino a Thurgood Marshall.
— Não sei como você consegue fazer isso, uma hora um desses loucos irá atrás de você e não gosto nem de pensar o que pode acontecer. — Amanda tinha o olhar preocupado, mas Bellatrix sabia que aquilo era algo passageiro, afinal tinha escolhido seguir a profissão e ela não se arrependia do caminho que havia tomado.
Aos seus trinta anos formou-se em Direito indo para a área criminal e se tornou promotora, dizem que os meios justificam os fins e talvez o motivo que a tenha feito tomar essa decisão não tenha sido um dos mais bonitos, mas possuía um propósito e somente isso já bastava para ela.
Bellatrix balançou os ombros, não queria debater todo aquele assunto de novo com a amiga.
— Que seja, vamos sair para beber hoje, não esqueça! Logo após o tribunal. — Amanda lançou um sorriso que na percepção da loira poderia ser considerado uma forma para tentar convencê-la de ir, uma pena que não funcionaria com ela.
— Desculpa Mandy, mas eu não vou. A cada ano têm essa reunião entre o pessoal e eu acho algo tão desnecessário, não é como se todos se amassem para tanto. — Uma careta se formou no rosto da morena.
Odiava o fato de ter que comparecer a uma simples confraternização onde encontraria diversos promotores e advogados, jornalistas inoportunos e a chance de esbarrar com alguém conhecido do departamento de homicídios embrulhava o seu estômago.
— Tente ir, ok? Devon estará lá! Qual o problema em aparecer? Eu sei que terá algumas pessoas do departamento de homicídios e que prefere evitar, mas você sabe que não pode fugir para sempre e já se passaram doze anos, Bella! Está na hora de você começar a deixar o passado para trás e viver o presente. — Bellatrix suspirou cansada, ela havia prometido a si mesma que nunca mais encontraria aqueles rostos se fosse possível, entretanto parecia que as coisas sempre voltavam ao mesmo lugar.
— Tudo bem, pensarei a respeito. — Um sorriso iluminou os lábios de Amanda.
— Agora eu tenho que ir, mais tarde nos encontramos, ok? — com um breve abraço as duas mulheres se despediram antes de cada uma tomar o seu próprio caminho.
Bella lia atentamente tudo sobre o caso de Edgar Toleto, o homem beirava a casa dos seus quarenta e cinco anos e estava sendo acusado de ter matado e estuprado a sobrinha de dezesseis. Não existiam testemunhas, a garota estava sozinha em casa naquele dia permitindo que seu agressor adentrasse a casa sem sinais de arrombamento ou digitais. Vizinhos relataram ter visto um homem com a aparência de Edgar adentrar a casa dos Stones, contudo as câmeras estavam desconectadas no momento do crime, não existiam provas suficientes. Nenhum fluído ou resíduo sexual havia sido encontrado na garota ou DNA que pudesse indiciar o homem – a única coisa que restava era ele confessar, mas Bella não sabia como iria fazer isso.
As fotos da garota não saiam dos pensamentos de Bellatrix, o corpo estirado sobre o chão, os braços e pulsos gotejando sangue pelo uso excessivo de força para soltá-los enquanto foram presos com os próprios cadarços, as marcas avermelhadas espalhadas por toda a pele e o pano que cobria os lábios para que Elise não pudesse gritar por ajuda. Como alguém poderia ser tão brutal, ainda mais estando sob o mesmo teto da família? — um suspiro escapou por seus lábios, apoiando a cabeça nas mãos, escutou batidas fortes na porta.
— Pode entrar! — bradou.
— Estou atrapalhando? — a voz rouca de Devon se fez presente o que foi suficiente para iluminar um pouco aquele dia turbulento. — Vim fazer uma visita antes para te dar energias positivas.
— Você sendo maravilhoso como sempre, não? — Um sorriso doce se fez presente no homem tornando-o ainda mais atraente — mas sabe, não é muito certo o advogado da pessoa que estou prestes a mandar para a cadeia aparecer aqui.
— Bons amigos antes dos negócios, certo? Agora vamos tomar um café e colocar a conversa em dia, parece que não te vejo há dias! — Ele falou animado sentando-se ao lado de Bella com um sorriso de tirar o fôlego.
Os braços dela envolveram o pescoço dele em um abraço caloroso, inalando o perfume cítrico do amigo, as mãos de Devon lhe apertaram a puxando para mais perto. Fechou os olhos por alguns segundos apreciando aquele momento, os dedos do rapaz afagaram seus cabelos, afastando-se minimamente, a observando com um sorriso no canto dos lábios.
Devon tocou gentilmente o rosto dela, contornando sua bochecha com o polegar, por um instante Bellatrix se sentiu estranha, suas bochechas esquentaram e teve receio do amigo perceber o tom rosado que o rosto tomaria, já que era difícil de esconder. O estômago parecia revirar ao olhá-lo parado na sua frente, ela não o via mais apenas como o melhor amigo que costumava ser, tinha algo a mais. Um sentimento que reprimia dentro de si, com medo de que pudesse mudar a amizade cultivada há anos.
— Como você tem estado? — Devon perguntou retirando a mão do rosto de Bella, mas a depositando sobre a dela mantendo o carinho em seu dorso.
— Estou bem e você? Estava com saudades. — Confidenciou, recebendo um lindo sorriso.
— Estou bem, precisamos marcar mais vezes de nos encontrarmos, mas fora do trabalho! — exclamou, a fazendo rir em concordância.
— Pelos velhos tempos. — Bellatrix falou animada.
Ficaram conversando durante o breve tempo que teriam antes do julgamento.
Quando Devon a deixou sozinha sentiu como se um peso tivesse deixado seus ombros, sempre foi bom ter a presença do melhor amigo. Às vezes ela pensava se deveria ou não dar uma chance, mas a sua vida já estava tão complexa que não queria ser apenas um peso para uma pessoa tão boa como ele.
Poderia comparar Devon com um sonho cheio de fantasias, o famoso príncipe encantado. A perdição de qualquer mulher, os cabelos castanhos sempre impecáveis, seus olhos azuis tão profundos como o oceano que transmitiam uma paz surreal, os ombros largos e fortes e o porte físico desejoso a faziam se sentir sortuda por poder apreciá-lo. Ele era alto diferente de Bellatrix que para poder ficar pelo menos a altura de seus ombros tinha que usar saltos.
Ao olhar o relógio notou que já estava na hora de se retirar para a audiência, avistou Mandy que conversava animadamente com um homem loiro, alto e os braços pareciam ainda maiores cruzados. Deveria assumir que ele era bonito até de costas, desta vez a amiga havia acertado no partido. Resolveu caminhar em direção a eles, mas travou ao ver quem era o rapaz quando seu olhar recaiu no distintivo.
Aquilo não poderia ser possível.
Sentiu as mãos suarem e o corpo tremer, seus pulmões começaram a se fechar clamando por ar. Como se o chão abaixo de seus pés cedesse e a puxasse para o fundo daquele poço que buscava manter-se erguida. Afogando-a.
Mandy virou-se e avistou Bellatrix acenando animada para que ela fosse até lá. Bella tentou fingir não vê-la, o que foi em vão, principalmente quando o homem se virou e antes mesmo que ela pudesse desviar o olhar, com a expressão de pura surpresa ele a notou, as íris azuis exorbitantes a fitaram intensamente. Estava diante de Scott O'donell, um dos policiais que faziam parte do departamento de homicídios.
Engoliu ao analisar melhor a figura masculina que mantinha as orbes claras firmes nela, os cabelos loiros estavam repicados e curtos, podia notar a cicatriz próxima a bochecha esquerda dele em meio as sardas – o que não havia antes e o olhar atento que recebia. Sabia que não poderia apenas dar as costas naquele momento, seria arrogante demais. Bellatrix respirou fundo e caminhou tentando se manter calma até onde os dois estavam, sentindo a firmeza do olhar de Scott sobre si, mas precisava se manter forte.
— Olha ela toda linda, toda poderosa vai lá e arrasa! — Mandy sorriu doce a abraçando em incentivo — ah! E quero te apresentar o Scott, ele é quem comentei mais cedo e Scott, essa é Bellatrix, minha melhor amiga.
— Oi O'donell. — Sua voz saiu mais baixa do que esperava, obrigando Bella a pigarrear.
Scott deu um sorriso sem graça levando a mão para os cabelos, tornando a expressão de Amanda em completa confusão que aos poucos compreendeu a situação ao interligar o que estava acontecendo. A morena arregalou os olhos ao se dar conta do que havia feito, encarando Bellatrix piedosamente em um pedido silencioso de desculpas que refletia em suas esferas acinzentadas.
A promotora não imaginaria que de todas as pessoas do mundo Amanda estaria saindo justamente com alguém do departamento de homicídios, chegaria a ser cômico se não fosse trágico, só torcia para não dar de cara com outra pessoa. Buscou com os olhos outro integrante da equipe observando que não tinha mais ninguém além de Scott, suspirando aliviada, caso o visse seria o suficiente para que tudo voltasse à tona e era algo que ela não queria – ter que enfrentar os seus demônios do passado.
— Oi Bella, há quanto tempo. — Bellatrix sorriu em cumprimento meneando a cabeça e se virou para Amanda.
— Eu preciso ir agora, antes de ir embora nós nos falamos. — Falou ágil, querendo apenas sair daquela situação constrangedora.
A amiga concordou segurando a mão de Scott e ambos se retiraram em direção a salinha que ficariam para acompanhar todo o processo. O juiz adentrou e todos ficaram de prontidão. Bellatrix passou o olhar por cada um e viu Devon sentado ao outro lado com seu cliente, pareciam conversar enquanto o moreno mantinha a expressão séria.
Notou Mandy com a caderneta em mãos anotando tudo o que fosse possível para a sua reportagem de mais tarde, daria algumas palavras para ajudar à amiga em sua matéria e ao lado dela estava Scott que mantinha os olhos fixos em Bella como se tentasse penetrar seus pensamentos. Ele a deixaria louca se continuasse a observá-la daquele modo, a loira mordeu os lábios incomodada, precisava apenas focar em seu trabalho e nada mais, os outros problemas viriam depois.
Inspirou e expirou profundamente, concentrando-se exclusivamente em uma única pessoa, Edgar Toleto.
A audiência começou, testemunha após testemunha chegando a hora de Edgar se sentar, Bellatrix se levantou e foi em direção ao homem careca com fortes olheiras abaixo dos olhos, a testa franzida e a barba branca por fazer. O olhar do homem para ela não demonstrava nada além de um imenso vazio, não identificou dor alguma em suas pupilas, não existia tristeza, somente hipocrisia em seu rosto. Edgar não possuía compaixão, o olhar estava sem vida e o sorriso fraco carregava mentiras – como se buscasse pena e compaixão dos outros por estar ali.
— Bom, Senhor Toleto, pode nos dizer onde estava na noite do dia vinte e quatro de fevereiro? — perguntou de forma firme tendo a atenção do homem.
— Eu estava em casa, como todas as outras noites. — Ele respondeu indiferente.
— E o senhor não saiu nem um minuto sequer? Tem como comprovar isso?
— Não senhora. — Havia desconforto no tom de voz.
— Aqui consta que na noite em que Elise foi encontrada morta, vizinhos relataram a presença de um homem na casa por volta das sete horas da noite e de acordo com as características o quadro é muito parecido com o do senhor. — Bellatrix observou o homem esfregar as mãos umas nas outras e desviar o olhar murmurando:
— Eles devem ter se equivocado já que eu estava em casa.
— O senhor pode nos dizer como era a sua relação com a menina? — questionou mudando o percurso do depoimento.
— Foi uma relação boa, de tio e sobrinha como qualquer outra. — Os olhos dele fugiram dos dela por alguns segundos.
— De acordo com os arquivos consta que vinte minutos antes da morte de Elise ela falava ao telefone com o namorado Matthew e nele é possível ouvir a campainha tocar ao fundo, além da jovem murmurar algumas coisas bem explícitas. — Bellatrix se virou para o telão em frente ao júri apertando o controle em suas mãos, reverberando o áudio de Elise, a voz doce da garota ressou pelo tribunal.
''Minha mãe deve tê-lo mandado para que eu não ficasse sozinha.'' — A voz ecoou por entre as paredes, tomando as cadeiras e reparando que Edgar parecia mais pálido, enquanto os lábios se comprimiam e tremiam, as mãos se mexiam apertando os dedos.
— De acordo com o depoimento de Matthew, Elise afirmou que era o senhor quem estava na porta.
— Ele está mentindo! Matthew nunca foi um bom menino para Elise, ele pode estar dizendo isso para se livrar da culpa! — O homem tinha o olhar severo e o maxilar trincado como se o fato de mencionar o rapaz o cortasse em pedaços, transbordando toda a raiva que sentia através de sua voz.
— Não é isso que a Senhora Stones disse sobre o genro, e sim que após o namoro dos dois o senhor passou a importunar Elise para que não o encontrasse, relatando que nunca foi a favor da união.
— E como eu poderia ser? Aquele idiota estava sempre em casa estragando a cabeça de minha sobrinha, de minha Elise! — Naquele momento Bella chegou onde queria, sabia exatamente o que precisava fazer.
Edgar Toleto confessaria o seu crime.
— Por isso o senhor tomou a decisão de realizar o que fez, por sentir ciúmes da relação de ambos, afinal se Elise não fosse sua não seria de mais ninguém. — Disse convicta aproximando-se de onde estava sentado, com a voz firme e o olhar desafiador. — Nós sabemos que ela nunca abriria mão do namorado, mas você fez isso por ela. — Murmurou baixo, apenas para que Edgar escutasse.
O homem explodiu, Edgar bateu as duas mãos firmes rente a mesa fazendo Bella dar um passo para trás, enquanto gritava histérico.
— O que eu fiz foi pouco perto do que aquela vagabunda merecia! — A raiva transpareceu por sua face, os ombros ficaram tensos e o olhar mortal foi desferido na direção da promotora. — Nunca que um lixo como aquele garoto imprestável levaria Elise para um caminho pecaminoso.
Edgar saiu por detrás da cadeira onde estava sentado com os olhos firmes nela que mantinha a expressão apática, sabia que ele não chegaria a ponto de tocá-la ao ver os dois policiais o segurarem e algemar as mãos do homem contra as costas e o segurarem fortemente, enquanto ele se debatia tentando se soltar e avançar em direção a loira.
Os gritos e choros ecoaram pelo tribunal, fazendo a cabeça de Bellatrix latejar. As pessoas começaram a querer ir em direção a ele, para atacá-lo, o júri mantinha o olhar surpreso, enquanto Devon estava com as mãos no rosto.
— Silêncio! — a voz firme do juiz saiu em um grito alto e fez todos se calarem.
A sentença veio minutos depois, Edgar não seria perdoado, era inevitável que a prisão viria e ele pagaria o preço pelo crime que havia cometido. Um suspiro pesado saiu pelos lábios dela em frustração, nada traria aquela garota de volta.
Bellatrix estava pegando suas pastas para poder ir embora ao notar Edgar passar algemado ao seu lado.
— Você pode pensar que a sua vida melhorou, mas todos sabem que um dia ele irá voltar para terminar o que começou ou acha que seu sobrenome não ficou conhecido depois do incidente daquele ano? — sua voz saiu áspera, embrulhando o estômago da loira.
O sorriso frio que lançou para ela fez todo o corpo da mulher tremer, não era possível que ele estivesse se referindo aquilo – tinha se passado tantos anos e não era mais uma adolescente, Bella havia mudado então como ele poderia saber sobre isso? Odiava o fato de ter tido as informações pessoais de sua infância a tona naquele ano, o fatídico ano que arruinou toda a sua vida e adolescência e mesmo depois de todo esse tempo ainda se lembravam dela.
Sua garganta ficou seca, os pensamentos e memórias que tanto reprimia retornaram com força, tendo que contar até dez e fechar os olhos por alguns segundos. As paredes pareciam aprisioná-la, a visão escureceu momentaneamente e precisou inspirar fundo algumas vezes em busca de regular a respiração e acalmar o coração que parecia pular dentro do peito, quando sentiu uma mão tocar seus ombros afastando-se assustada.
— Está tudo bem, Bella? — a voz serena de Devon lhe transmitiu paz, aconchegando ela.
Devon a encarava preocupado, mas a única coisa que fez foi balançar a cabeça em concordância, Edgar não tinha noção do que estava falando, pelo menos era nisso que queria acreditar. Ao saírem Mandy estava a sua espera animada com aquele típico sorriso traiçoeiro que se alargou ao vê-la junto de Devon.
— Então vamos sair para beber! Para comemorar e para espairecer, não aceito não como resposta. — Apontou um dedo na direção da loira, intimando-a, Amanda conseguia ser bem insistente.
— Tudo bem, você ganhou dessa vez. — A amiga deu um gritinho animado, abraçando-a.
Scott apenas observava toda a cena enquanto as duas caminhavam à frente para irem aos carros, Devon tinha se oferecido para levar Bellatrix e Amanda cutucou o policial para que ele ficasse quieto, mas tinha que admitir o fato de a mulher que estava diante dele estar totalmente diferente da adolescente que havia conhecido há mais de doze anos.
Reparava de longe o amadurecimento de Bellatrix e possuía tantas perguntas, entretanto sabia que seria invasivo demais se apenas chegasse e perguntasse. Ela evitou conviver com ele e os outros do departamento desde o acontecimento e manteria o espaço dela naquele momento.
Não demorou muito para que cada um estivesse em seus respectivos carros e Scott perguntaria a Amanda, talvez ela pudesse tirar suas dúvidas.
— Você e Bellatrix se conheceram na faculdade? — Ele desviou seus olhos da rua fitando os olhos acinzentados de Amanda.
— Sim, eu cursava Jornalismo e ela Direito, acabou que nos esbarramos pelo campus e desde então a amizade foi só crescendo. É engraçado quando às vezes as pessoas aparecem na sua vida só para somar, vocês também já se conhecem certo? Bella comentou comigo. — A morena respondeu com um sorriso leve nos lábios.
— Contou? — Scott perguntou perplexo fitando as orbes escuras de Amanda, aquele assunto era algo que raramente Bellatrix costumava citar.
— Sim, ela me falou que o pai dela foi um dos superiores e por isso passava quase o dia inteiro por lá e acabou conhecendo todos vocês do departamento, mas que se mudou para a Califórnia logo depois de terminar o ensino médio para fazer a faculdade.
— Entendo, é realmente um assunto delicado. — Ele murmurou baixo, mas o suficiente para que ela escutasse. Lembrando-se de quando descobriu que Bellatrix havia simplesmente ido embora de Manhattan.
Sentiu Amanda segurar sua mão e levá-la a boca dando um beijo como se quisesse transmitir algum conforto através do pequeno gesto. Ele levou a mão até a coxa da namorada acariciando a região, os cabelos curtos dela esvoaçavam pela janela aberta e a luz do pôr do sol refletia em sua pele como as folhas de outono. Scott não gostava de lembrar daquela noite, mas se sentia grato por ela ter trazido calmaria para seu coração, sabia o quanto aquele acontecimento havia mudado a vida dele, como a de Bellatrix e de seu melhor amigo.
Foi uma trágia que ficaria marcada pra sempre em cada um deles.
Ao chegarem ao pub onde todos estariam, Bella se sentiu ansiosa, tantos rostos conhecidos que agora considerava completos estranhos, não sabia como deveria agir ou falar apenas colocou as mãos nos bolsos do casaco entrando atrás dos amigos. Cumprimentou cada um sentindo os olhares e conversas paralelas sobre ela, sair sem que ninguém percebesse e se esconder parecia ser uma ótima opção naquele momento.
Considerava ser uma covarde diante dos acontecimentos, mas preferia se afastar a ter que lidar com o seu passado.
Avistou John ao longe notando o mais velho que ao vê-la abriu um sorriso acolhedor, este que aqueceu seu peito. O considerava como um segundo pai, o viu acenar e chamá-la, não poderia ignorá-lo e caminhou em sua direção.
— Você a cada ano está mais a cara de seu pai. — John falou lançando um sorriso terno como a muitos anos ela não recebia.
— Obrigada John. — Um breve sorriso formou-se nos lábios dela.
Ele a abraçou e com aquele gesto aqueceu o coração de Bella, ela reparou o quanto John havia envelhecido durante todos esses anos, os cabelos crespos estavam grisalhos e curtos, havia pequenas linhas de expressão perto dos olhos castanhos e na testa, contudo também estava mais magro do que costumava ser e a pele começava a ser marcada por rugas pela idade adquirida, mas o tom marrom-escuro continuava vivido, mas em sua face exalava o cansaço. Talvez todos tivessem passado por anos difíceis como ela.
— Me prometa que não irá mais sumir, você não sabe a falta que faz por aqueles lados! O departamento não é mais o mesmo sem a sua presença e a de seu pai. — Disse balançando a cabeça em negação, ela sentiu a saudade refletida no tom de voz.
Bella sentiu os olhos lacrimejarem, John se afastou sorrindo do jeito paternal de sempre, sabia que ele estava certo, mas ainda nutria tantas feridas não cicatrizadas e duvidava que algum dia de fato elas iriam se curar. As mãos dele foram ao rosto dela acariciando e enxugando uma lágrima que escorria por sua bochecha.
Sentou-se ao lado dele observando Mandy, Devon e Scott se colocarem em cadeiras próximas a sua. A conversa fluía, risadas por todos os lados e pela primeira vez em anos Bellatrix se sentia bem, acolhida e em casa, contudo seus pensamentos ainda estavam em uma única pessoa. Observou Amanda se levantar dizendo que iria ao toalete e ao perceber Scott sentou ao seu lado.
— Ele não irá vir. — O loiro disse firme como se lesse os pensamentos dela.
— Quem? — se fez de desentendida, desviando dos olhos tão azuis quanto os seus.
— Você sabe de quem eu estou falando, Volker provavelmente ainda deve estar trabalhando e enfiado nos casos como sempre, um viciado em trabalho devo acrescentar. — Por um breve instante ela quis sorrir, o que não durou tempo o suficiente a fazendo retornar para sua fisionomia apática.
— Ah ele. — Tentou fingir indiferença, contudo ela não conseguia enganar Scott, que reparou no tom de voz dela vacilar contendo um breve sorriso. Conhecia muito bem aquele desinteresse falso como sabia que a simples menção do nome de Bellatrix poderia abalar Volker.
— Você deveria procurá-lo, ele sente sua falta. — Scott comentou despreocupado, fixando os olhos no copo em mãos.
Aquilo a pegou desprevenida, Bellatrix não esperava por tal afirmação, em sua cabeça para Volker ela nunca passaria apenas da filha do seu superior. Ele não a via como mulher e sim como uma irmã caçula, aquilo foi um dos fatores para ela se afastar.
— Não acho que deva, Volker passou grande parte da vida dele se preocupando comigo e tudo por causa do meu pai. Não posso prendê-lo para sempre, não quero ser um peso na vida de ninguém. — O olhar que Scott lhe lançou foi de surpresa, talvez não esperasse uma resposta dessas, mas era a verdade pelo menos o que ela acreditava ser.
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Junho, ano 2058 — Manhattan, Nova Iorque.
— Pai eu preciso mesmo de ficar aqui? Sabe, eu poderia voltar da escola e ir direto para casa em vez de vir para cá todos os dias. — A garota de cabelos claros reclamava impaciente apoiando o rosto nas mãos e observava o pai mexer no amontoado de papeladas sobre a mesa.
— Algum problema, querida? Aconteceu algo? — O mais velho a olhou de forma preocupada.
— O que? Claro que não pai, é só que não quero atrapalhar no seu trabalho.
— Você não atrapalha em nada minha rosa e sabe disso, todos aqui te adoram. — Ele lançou um sorriso acolhedor deixando evidente a covinha no canto de seu lábio direito.
Naquele instante algo prendeu a atenção da menina, ela ouviu a voz rouca que fazia seu coração bater ainda mais rápido sendo esse o real motivo para não querer mais estar ali, ele. Seus olhos a traíram pousando em Volker Reed.
O sorriso que se formou nos lábios ao vê-lo tinha se tornado algo instantâneo, a garota era atraída de forma imensurável pelo mais velho, contudo sua expressão logo murchou ao perceber que ele não estava sozinho, mas com ela, Savannah Reymond. A ruiva com lindos olhos esverdeados e corpo esbelto, o brilho de suas irises exalavam em contraste com a pele oliva e os cabelos longos que caiam em tranças twist. Savannah fazia qualquer homem se apaixonar e cair aos seus pés com um simples sorriso.
Bellatrix tinha conhecimento que os dois mantinham um caso e aquilo a fazia não querer ficar no mesmo recinto que ambos, principalmente pelo fato de que Savannah fazia questão de esfregar isso em sua face.
— Oi Trix. — A voz rouca e carinhosa preencheu seus ouvidos fazendo o coração dela palpitar mais forte dentro do peito.
Volker se aproximou sorridente e passou os braços pelos ombros da menina depositando um beijo caloroso em sua bochecha, a questão era que ele estava em treinamento para fazer parte da equipe de seu pai na homicídios e Bella o conhecia desde o momento que foi transferido para a delegacia, mas para Volker ela nunca passaria de uma irmã mais nova.
Aquilo acabava com qualquer pensamento da garota de que poderia ter algo com ele, além de que Bella ainda estava no ensino médio mesmo que faltasse apenas alguns meses para completar seus tão desejados dezoito anos enquanto Reed já tinha completado vinte e seis anos, de fato para ela aquilo sempre seria algo tão improvável que morria qualquer esperança que um dia acreditou existir, mas olhar não fazia mal e possuía pelo menos esse privilégio.
Ele se afastou indo para perto de Savannah que murmurou algo em seu ouvido fazendo-o olhar em direção de Bella balançando a cabeça em negação com um sorriso traiçoeiro, um suspiro escapou dos lábios dela o que chamou a atenção do pai.
— Está tudo bem mesmo querida? — Roger perguntou olhando para a filha e notando que havia algo de diferente com sua garotinha.
— Sim, papai. — Falou lançando um sorriso de forma a amenizar a preocupação dele.
Avistou Sales que acenou na direção da garota com um lindo sorriso em seus lábios, não pensou duas vezes em ir até o legista depositando um beijo na bochecha do pai e caminhou em direção até Sales animada. Sabia que ele tinha pego a pasta com os crimes novos, adorava analisar e ver quais as conclusões do mais velho sobre o que achava dos casos, além de ver Gaspar implicar com as teorias de conspiração dele.
Realmente amava fazer parte daquilo tudo e não pensaria duas vezes em entrar para o time, porém não foi dessa forma que permaneceu e Bellatrix se conformou que o sonho que uma vez nutriu por se tornar policial morreu junto com o pai.
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