QUATRO - A CONVERSA

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𝔸 ℂ𝕆ℕ𝕍𝔼ℝ𝕊𝔸

Anos de amor foram esquecidos, no ódio de um minuto.

— Edgar Allan Poe.

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Março, de 2070 - Manhattan, Nova Iorque, dias atuais.

Mais um suspiro escapou por entre seus lábios, era a terceira ou quarta vez, as unhas batiam na mesa de modo nervoso e ansioso escutando o barulho ressoar, tilintando pelos ouvidos. Ele estava demorando, os dez minutos haviam passado e Volker não tinha dado nenhum sinal de que apareceria, sentia a preocupação crescer no peito, se perguntando se o homem havia desistido de encontrá-la.

Um braço tatuado se estendeu diante de seus olhos, segurando um saquinho branco depositado em sua frente e ao lado um café quente. Bella sabia quem era tendo a confirmação ao ver a cadeira se arrastar e Volker se sentar à sua frente.

Analisou detalhadamente seu rosto, notando que o homem havia mudado bastante e o tempo lhe fizera bem. O rosto estava mais másculo, os traços mais fortes, a barba por fazer era um charme a mais, seus olhos castanhos esverdeados continuavam intensos e brilhantes. Os cabelos escuros relativamente médios sendo possível ver alguns cachos, o olhar dela desceu parando em seus ombros largos notando os braços cruzados em frente ao peitoral e percebendo pelo tecido da camiseta preta os músculos presentes, marcantes, ela não se importaria de tocar neles, mordeu os lábios por puro instinto despertando com a voz rouca dele.

— Bom já faz um tempo e eu não sei se você ainda gosta, então... — A voz de Volker sumiu antes mesmo de completar a frase.

Os olhos estavam firmes nela e isso fazia o calor inundar o corpo de Bellatrix.

Ela abriu a sacola observando o que tinha dentro, foi inevitável conter o sorrateiro sorriso em seus lábios ao tirar a torta de chocolate de dentro e sem pensar duas vezes ao começar a saboreá-la, não conseguindo conter alguns gemidos de satisfação que saíram de sua boca.

— Isso está tão bom quanto anos atrás, uau! — falou animada desfrutando do doce.

Reparou no pequeno sorriso que se formou no rosto do homem, Bella deixou o doce de lado se voltando para ele.

— Acho que temos muito o que conversar. Bem, você pode perguntar tudo o que quiser e eu prometo ser o mais sincera possível com você. — Ela tentou soar firme, mas as mãos tremiam em ansiedade precisando cruzá-las

Volker também mexia as mãos freneticamente, passando elas pelo cabelo, sabia que ele estava nervoso. O conhecia bem o suficiente para saber que pequenas coisas nunca mudavam com o tempo e aquela era uma delas.

— Por que você nunca me ligou? Nunca me procurou? — inquiriu a analisando — doze anos! Bellatrix, eu sei que o que aconteceu não foi fácil, mas todos nós passamos pela mesma situação! Você não podia simplesmente ter fugido e ainda agido como se nós não fossemos nada, como se eu não fosse importante para você. — A expressão magoada refletia a raiva nos olhos dele, entretanto, Volker não tinha o direito de culpá-la ou agir dessa maneira, não era como se as coisas pudessem ter sido diferentes e ele sabia disso.

— Você não tem o direito de exigir nada de mim! — sua voz elevou o tom.

— É claro que eu tenho! Seu pai confiava em mim para cuidar de você! — retrucou ele direcionando um olhar duro na direção da mulher.

A raiva crescia gradativamente dentro dela, nada havia mudado para ele, Bellatrix sempre seria a garotinha indefesa que não sabia cuidar de si própria, porém, Volker estava enganado ela tinha crescido sozinha por todos esses anos e não precisava de ninguém para protegê-la, muito menos se esse alguém fosse ele.

— Você não tem obrigação alguma comigo, ainda mais que Roger não está aqui para exigir qualquer coisa, o seu trabalho de cuidar daquela menina indefesa acabou, mesmo porque ela não precisa mais de você! Eu sei cuidar muito bem de mim! — rebateu exaltada, sentindo a respiração pesar.

A expressão de Volker tornou-se surpresa, não esperava ouvir tais palavras proferidas por ela. As coisas tinham mudado, Bellatrix se recusava a ser aquela adolescente idiota e apaixonada de anos atrás.

— Você não sabe o que está falando! Eu nunca te vi como uma obrigação, eu sempre me preocupei com você! — murmurou cruzando as mãos, frustrado.

— É mesmo? Não foi isso que você deixou bem claro para Savannah alguns anos atrás! — a voz dela saiu de forma áspera, cortante.

— Do que você está falando? — ele perguntou confuso.

— Você não se lembra? Deixe que eu refresco a sua memória! — respondeu debochada.

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Agosto, de 2059 — Manhattan, Nova Iorque.

Bellatrix mentiria se falasse que as coisas estavam melhores, sentia como se tudo estivesse caindo em ruínas ao seu redor não tinha mais aquela felicidade que irradiava seu peito, apenas o enorme vazio que crescia descontroladamente no íntimo da garota com o passar dos dias acorrentando-a e encurralando suas inseguranças que cresciam de forma exorbitante.

Havia passado um ano desde a morte do pai e a condenação daquele que o matou, sentia que não aguentaria mais e estava no seu limite. Apertou a mochila contra os ombros, mais uma vez tinha acabado de sair da faculdade e caminhava ao encontro da única pessoa que ainda a fazia se sentir viva, aquele que deixava seus dias um pouco mais felizes e que afastava a escuridão que preenchia o coração dela.

Andou para a sala dele, porém parou no momento que ouviu as vozes reconhecendo seu nome ser pronunciado pela pessoa que tomava seus pensamentos, parou se encostando mais perto da porta para escutar.

— Você tem mesmo que ficar dando uma de babá agora, Volker? — a voz esganiçada de Savannah reclamava.

— Eu não estou dando uma de babá Sav e você sabe disso. — Respondeu contrariado.

— Qual é Volker, você vive pela Bellatrix sabia?! Isso chega a ser ridículo, não é porque Roger morreu que você tem que se sentir na obrigação de fazer isso, ela já é adulta o suficiente para se virar sozinha! — o silêncio se fez presente por certo tempo.

— Você quer que eu faça o que? — ele gritou exaltado — eu não posso simplesmente abandoná-la! Você sabe que tudo poderia ter sido evitado se estivéssemos fazendo o nosso trabalho naquele dia! — a voz dele saiu vacilante, carregada de culpa.

Bellatrix sentiu as pernas fraquejarem ao se dar conta que para Volker aquela atenção e carinho pela mais nova era apenas o reflexo da culpa que ele sentia, afastou-se retornando pelo enorme corredor uma risada fraca saiu de seus lábios. Acreditava ser realmente uma idiota por pensar que ele se importava, no fim Volker acabou sendo apenas mais um que a decepcionou. Deu as costas ao passar pela porta da delegacia e prometeu a si mesma que não voltaria a tocar os pés naquele lugar, ou voltaria a procurá-lo.

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Março, de 2070 — Manhattan, Nova Iorque, dias atuais.

Esperava que Volker dissesse alguma coisa, qualquer coisa, mas ele nada fez apenas desviou o olhar do seu, constrangido constatando para ela que estava certa durante todo esse tempo e observando a reação dele pode finalmente confirmar isso.

Levantou-se lançando um último olhar entristecido para o homem, sentia seu peito doer e apertar, esperava outro comportamento da parte dele. Pegou sua bolsa e se dirigiu para a porta de saída, tinha sido um erro esperá-lo e se encontrar com ele.

Esperava escutar que tudo ficaria bem, que as coisas melhorariam e que ele se arrependia e mostrasse para ela que havia entendido errado e que Volker jamais sairia do seu lado. Riu da sua estupidez, eram apenas mais imaginações, mais ilusões, sentiu uma gota cair em seu rosto enquanto à chuva começava a aumentar e o barulho ensurdecedor dos trovões tomavam as ruas, iluminando o céu nublado em luzes fortes.

— "Quando as coisas estão ruins tudo tende a se tornar pior." — Pensou, caminhando pela rua vazia.

Ela não correu, ou chamou o táxi mais próximo, as lágrimas caiam dolorosamente pelo seu rosto toda aquela dor estava saindo, voltando com mais força em seu coração. Parecia que sua alma estava sendo lavada a cada pingo de chuva que caía sobre seu corpo, precisava daquilo.

Após remoer mágoas e decepções durante aqueles anos, guardando todo sofrimento e dor dentro de si, não tinha mais forças para se manter em pé e no fim ela não queria continuar firme, desejava apenas o silêncio de seus pensamentos e a calmaria de seu coração.

— Onde você pensa que está indo? — escutou o grito estridente ecoar em meio as trovoadas por toda a rua, virando-se para olhar quem gritava, encontrou Volker parado apenas há alguns metros, a observando.

Bellatrix passou a manga do casaco em seu rosto tentando tirar alguns resquícios das lágrimas o que foi totalmente em vão pela chuva forte que cobria cada parte de seu corpo, ele caminhou em sua direção em passos firmes com o olhar determinado e a fisionomia obstinada. Chegando próximo o suficiente, tão perto que podia sentir a respiração descompassada dele bater em seu rosto, as mãos de Volker foram de encontro ao rosto dela segurando-o firme.

— Eu nunca, nunca, te vi dessa maneira Bella, independente do que as pessoas possam falar você sempre foi importante para mim! — A voz do policial saiu acelerada e suplicante.

— Eu sempre fui a intrusa, a filha do supervisor e todos sabem disso... — Falou baixo, desviando o olhar, sentia-se insegura e sem rumo pela primeira vez em anos.

— Não para mim! Olhe para mim, por favor. — A voz doce dele preencheu seus ouvidos e seu coração.

Os dedos tocaram o queixo dela de modo a erguê-los para que o olhasse, seus olhos estavam mais escuros, mais intensos, como se através deles fosse possível transparecer tudo o que sentia.

As respirações poderiam facilmente se misturar, o barulho forte da chuva aumentava deixando seus corpos cada vez mais molhados. Bellatrix comprimiu os lábios nervosa.

Os olhos dela focaram nos lábios de Volker, pareciam tão convidativos, mas não sabia dizer se era o certo, voltou a encará-lo como se cada parte dentro de si queimasse. Seu estômago se contorcia, suas mãos tremiam e o coração batia tão descompassadamente que tinha medo de que ele pudesse ouvi-lo.

No momento em que seus olhos se encontraram foi como se o tempo diminuísse, o rosto dele se aproximou ainda mais do dela e finalmente seus lábios se tocaram. Não havia mais nada em volta, como se o mundo tivesse parado de rodar para que os dois pudessem apreciar ao máximo aquele instante. Bellatrix esforçou-se para raciocinar, tentou em vão descolar seus lábios, mas a vontade guardada por tantos anos finalmente estava sendo realizada. Ela não conseguiria resistir aquele encontro de desejos, completamente inevitável, não tinha como escapar.

A verdade é que Bellatrix não queria escapar, de forma nenhuma, queria se deixar levar por toda a adrenalina daquele momento, entregando-se. Suas mãos foram de encontro ao pescoço dele o puxando para mais perto, enquanto uma das mãos de Volker deslizaram até sua nuca e a outra parou em sua cintura depositando certa força para que seus corpos ficassem ainda mais próximos. A barba áspera dele tocava sua pele que incendiava com os toques.

Aquele instante, e somente aquele, era o que mais importava para ela.

Mesmo que tudo viesse a desmoronar em segundos, conforme os dias passassem.  

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