QUATORZE - ÚLTIMA NOITE.

𝙲𝙰𝙿𝙸𝚃𝚄𝙻𝙾 𝚀𝚄𝙰𝚃𝙾𝚁𝚉𝙴

𝕌𝕃𝕋𝕀𝕄𝔸 ℕ𝕆𝕀𝕋𝔼

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Abril, de 2070 — Manhattan, Nova Iorque, dias atuais.

A luz ensolarada do dia dava lugar para a noite fria. O véu da escuridão cobriu as ruas, engolindo seus contornos em meio ao breu. Os postes piscavam fracos tornando o ambiente mais sombrio. O único barulho audível eram os movimentos dos carros que passavam uma vez ou outra.

A rua estava deserta se não fosse á luz acesa da cafeteria, o restante dos comércios já haviam fechado com a chegada do pôr do sol, mas Davina teria que esperar até a proprietária regressar para ela poder fechar o estabelecimento, para só assim retornar para a casa.

Ela só não imaginava que aquela seria a sua última noite, viva.

Do outro lado da rua o carro preto estava atento a qualquer movimento vindo do pequeno estabelecimento, os olhos dele estavam cravados na mulher que parecia entediada no balcão batendo os dedos freneticamente contra a madeira. O som do barulho tilintava mesmo de longe ecoando pelo lugar vazio.

Abriu a porta saindo e trancando o veículo em seguida. Caminhou a passos lentos em direção ao café Gorgeous, o sino anunciou a sua entrada, Davina ergueu o olhar abrindo um sorriso hospitaleiro para o novo freguês que a correspondeu. Sentando-se de frente a ela na banqueta, apoiou os braços sobre o balcão fixando os olhos nela.

— O que o senhor deseja? — perguntou suavemente.

— Um café preto, por favor. — Davina o olhou por alguns segundos hipnotizada na beleza do homem, abrindo um pequeno sorriso e se virou em direção a máquina para preparar o café.

— Não é comum recebermos clientes á essa hora. — Mencionou enquanto pegava a xícara em mãos, voltando-a para onde ele estava. — Açúcar ou adoçante?

— Estava saindo do trabalho, um dia exaustivo, precisava de um bom café e uma amiga me indicou esse lugar. — Comentou, recebendo um sorriso largo da mulher. — Açúcar, por gentileza. — Ela mantinha o olhar firme aos dele.

— Aqui está! — Davina entregou a xícara recebendo um obrigado, mas a atenção dela continuava presa no rosto do rapaz, o analisando minuciosamente.

— E o que faz uma moça jovem como você ainda estar com a loja aberta a essa hora da noite? — um suspiro pesado saiu dos lábios de Davina que apoiou as mãos no balcão.

— Minha chefe! — falou com raiva. — Disse para esperá-la voltar e só então poderia fechar, mas a desalmada não deu as caras ainda e nem sequer retornou minhas ligações! — exclamou frustrada.

— É perigoso ficar sozinha de noite, ainda mais uma mulher tão bonita como você. — Os olhos dela brilharam com o elogio.

— Que nada! — disse com as bochechas avermelhadas. — Aqui é um lugar bem tranquilo, não tem nem assalto! — rebateu despreocupada, reparando no pequeno sorriso se formar nos cantos dos lábios dele. — Vou acompanhar você no café! — afastou-se para preparar outro para ela, depositou a xícara sobre o balcão. Escutou o celular começar a tocar vindo da parte de trás da cozinha. — Só um segundo.

Davina se retirou passando pela porta que dava acesso a cozinha do café para atender o aparelho, era uma ligação de sua chefe a avisando que não conseguiria voltar e que Davina deveria trancar todo o lugar e retornar para a casa.

Revirou os olhos indignados com a demora da mulher para dar aquela simples informação, poderia estar em casa á horas, mas um sorriso tomou seus lábios ao se lembrar do cliente.

Retornou o observando tomar o restante do café, ela pegou a xícara em mãos e tomou o seu em um longo gole, deu um pequeno sorriso ao sentir o calor do mesmo descer por sua garganta. Por um momento sua visão pareceu embaçar e a cabeça latejar, apoiando-se sobre o balcão.

— Está tudo bem? — a voz dele despertou sua atenção.

— Sim, apenas um pequeno mal-estar. — Murmurou, tentando parecer firme, porém sentia a visão cada vez mais turva.

— Você está passando mal! — a voz preocupada do homem a fez balançar a cabeça em negação, notando ele passar por detrás do balcão a dando apoio para não cair. Ambos caminharam em direção a um dos sofás, seu corpo foi colocado carinhosamente sobre o almofadado.

— Acho que algo me fez mal. — comentou com a voz baixa, amolecida.

— Aqui beba um pouco, talvez melhore! — ele falou estendendo o café para Davina que o tomou outro gole. Os olhos dela se tornaram mais pesados tendo a última visão do sorriso largo do homem e extremamente tenebroso a sua frente, sendo engolida pela completa escuridão de sua mente.

Um sorriso satisfeito tomou os lábios dele enquanto o rapaz erguia o corpo caminhando em direção à saída do estabelecimento, descendo as portas de alumínio e trancando-as. Olhou uma última vez para a mulher dormindo, pegou a mochila que carregava e retirou somente o necessário. Teria uma longa noite, para seu bel-prazer.

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Bellatrix entrou no escritório sentindo o olhar atento das pessoas em sua direção, escutava os burburinhos a respeito do que havia acontecido. Adentrou sua sala, focando a mente exclusivamente no trabalho.

Batidas firmaram-se do outro lado, revelando um Caleb sorridente com dois copos de café, estendendo um para ela.

— Achei que fosse precisar de algo forte! — ele comentou — É o seu favorito. — Aquilo a fez sorrir pela primeira vez naquele dia.

— O que temos para hoje? — Bellatrix perguntou segurando a agenda e analisando os assuntos pendentes.

— Precisamos visitar a casa de Emily Rudson. Há fontes que indicam que ela sofre maus-tratos dos próprios pais, mas nenhuma prova concreta. — O rapaz respondeu lendo a folha da pasta, estendendo-a para Bellatrix.

— Eles estão esperando nossa visita neste momento? — inquiriu, analisando as informações dadas, observou Caleb balançar a cabeça em negação.

— Informaram que a promotoria entraria em contato, mas não especificaram um dia, o que tem em mente? — Caleb a olhou curioso.

— Iremos agora! — ela decretou levantando-se e pegando sua bolsa. — Assim eles não terão tempo de formular qualquer desculpa para não nos atender.

Ele sorriu abrindo a porta para se retirarem, seguindo-a pelo elevador, as fofocas pareciam ainda mais fortes do que alguns minutos e isso fazia a cabeça dela latejar. Odiava receber toda essa atenção.

— Não escute o que eles dizem! — o loiro sussurrou de forma que somente ela pudesse escutar. — Nenhum deles conhecem você verdadeiramente. — Bella ergueu os olhos para os azuis cristalinos de Caleb que mantinha uma fisionomia serena. Abrindo um sorriso para o rapaz que correspondeu.

Pararam em frente a casa, analisando o lugar, as folhas secas cresciam por entre as paredes, as rachaduras estavam evidentes nelas que eram tomadas por mofo, com as janelas quebradas e entulhos espalhados pelo quintal.

Andaram parando em frente a porta que parecia ruir aos pedaços de tão tomada por cupins que estava, o som da campainha ressoou sendo audível vozes e gritos vindos de dentro. A porta foi aberta em um solavanco revelando um homem alto, com cabelos castanhos, fortes olheiras e o dobro do tamanho de Bellatrix. Notável a força evidenciada de seus braços e a expressão dura refletida em seu olhar.

— Quem são vocês? — a voz carrancuda exalava o estresse.

— Somos da promotoria, viemos conversar a respeito de Emily Rudson! — disse obstinada, sentindo o olhar do homem analisar seu corpo, entortando o maxilar.

— O que essa garota fez dessa vez? — a voz feminina aguda ecoou pelo cômodo, revelando uma mulher com vestimentas de onça, os cabelos desgrenhados, lábios rachados e o cigarro entre os dedos. As unhas enormes estavam pintadas em tom vermelho com a maquiagem borrada pelo rosto, revelando a noite mal dormida.

O forte cheiro de álcool exalava do recinto e de suas vestimentas.

— Não estamos aceitando visitas! — a voz estridente da mulher falou firme passando pelo homem e fechando a porta no rosto de Caleb e Bellatrix, contudo o pé da loira não permitiu, colocando a mão firme na madeira apodrecida, causando um alto estalo vindo da porta.

— Foram avisados que a promotoria entraria em contato, agora, caso se recusem a nos receber... Será posto em documentos e entregues ao juiz, isso será considerado como obstrução da justiça, deixando evidente que não querem nos receber em sua casa! — Bella ergueu o olhar, arrebitando o nariz fitando os dois a sua frente. — Agora onde está Emily? — completou.

Notou Caleb comprimir os lábios ao seu lado, intercalando o olhar dela para os outros, a satisfação notável na expressão dele.

— Entrem. — A porta foi aberta revelando o restante da casa, tão precária quanto a entrada.

Na cozinha foi possível ver a falta de mantimentos, a maioria dos armários sem portas e as que possuíam estavam penduradas. A poeira fazia as narinas da promotora arderem, pacotes de diversas comidas estavam jogados por cada cômodo provavelmente vencidas, a sujeira impregnada no chão, notando as baratas transitarem por seus pés.

Ao pararem em frente ao quarto, Bellatrix sentiu a apreensão vinda do casal, principalmente ao abrir a porta e encontrar a garotinha de cabelos castanhos e cacheados parada no canto do quarto observando a janela, quieta. Reparou nas marcas avermelhadas nos braços e pernas dela, além de alguns arranhões espalhados pelo corpo miúdo.

— Nós conversaremos com ela agora. — A voz de Caleb reverberou pelo quarto, chamando a atenção de Emily que se virou abrindo um pequeno sorriso.

Os dois entraram, escutando a porta ser fechada. Bellatrix caminhou até a menina sentindo seu peito se comprimir a cada passo dado, abaixou-se tocando os cabelos dela que a olhou estupefata.

— Eu sabia que vocês iriam vir! — a voz estava embargada com os olhos brilhando em meio às lágrimas, Bella sentiu seu corpo ser pressionado pelo de Emily que a abraçou forte. — Vocês irão me levar embora daqui, não é?

— Primeiro você precisa nos contar o que aconteceu. — Bella murmurou acariciando a bochecha dela, limpando as lágrimas, a menina balançou a cabeça e puxou ela para se sentarem na cama com o olhar atento de Caleb.

Sabia que precisava estar com os responsáveis da garota para colher depoimentos, contudo se esses fossem os reais causadores a menina se sentiria encurralada e pressionada. O fato de ter sido eles que os permitiram entrar sem exigir qualquer intervenção talvez pudesse suavizar isso.

— Eu preciso gravar, está bem? — perguntou cautelosa, notando o olhar de Emily sair dos seus olhos para a mão onde segurava o gravador, concordando.

Bellatrix ligou o dispositivo, atenta na menina que parecia inquieta, suas mãos mexiam freneticamente uma contra a outra. As pernas balançavam para frente e para trás e a respiração se tornou acelerada.

— Pode confiar em nós! — o som sereno da voz de Caleb pareceu acalmá-la, erguendo os olhos para ele e sorrindo, mas no fundo Emily estava amedrontada.

— Eles não são meus pais. — Confidenciou. — Meus pais morreram em um acidente de carro e minha guarda passou para a tia Vivian, mas ela não gosta de mim e nem o tio Greg, eu atrapalho a vida deles. — Sussurrou baixo. — Eles não costumavam me bater, até que a tia Vivi começou a beber muito e agora ela está sempre estressada e desconta em mim e o tio Greg não faz nada, acho que ele também tem medo dela. — Completou. — Ela me tranca no porão quando está enjoada de me ver, por isso eu liguei para os moços. Eles falaram que me ajudariam e me levariam para um lugar onde me querem, eles me mandaram vocês! — falou exasperada, desviando o olhar das mãos para Bellatrix.

— Foram seus tios que fizeram isso com você? — Caleb perguntou apontando para os machucados.

— Sim... — Emily seguiu as mãos dele analisando os hematomas. — Às vezes é pior, agora as marcas sumiram, eles falaram que não posso mostrar para ninguém... — Disse em sussurro.

— Quantos anos você tem? — o rapaz indagou.

— Eu tenho nove. — Bellatrix trocou um olhar significativo com Caleb.

— Vou fazer a ligação para o Stuart do conselho tutelar! — ele murmurou recebendo um concordar dela e saindo pela porta.

— Você foi ótima querida, agora as coisas irão melhorar! — Bella segurou as mãozinhas pequenas em um afago.

— Você promete? — os olhos de Emily brilharam.

O barulho alto de algo quebrando despertou Bellatrix que se levantou em um solavanco, colocou a menina atrás de seu corpo e andou até a porta, abrindo-a e não avistando Caleb.

— Fique atrás de mim e se eu pedir para correr quero que vá o mais longe possível e se esconda! — sussurrou sentindo o medo transparecer nos olhos pretos da menina.

Andavam pela casa, não notando ninguém. Bellatrix sentia o nervosismo cada vez maior ao não encontrar Caleb, seus olhos concentraram no sangue pingado contra o piso de madeira que antes estava limpo. Seu peito acelerou sentindo a respiração pesar.

Um grito saiu dos lábios de Emily tomando a sua atenção quando viu Vivian com uma faca nas mãos avançando em direção às duas, Bellatrix correu puxando a menina pelo braço em direção a saída, sendo impedida por Greg que a olhava avassalador. Passou os olhos pelo cômodo encontrando uma janela quebrada aos fundos.

— Corra até lá e saia da casa! — Bella falou baixo apenas para que a garota escutasse. — Procure ajuda, agora vá!

Emily correu em direção a janela, precisava impedir que os dois chegassem nela. Jogou o corpo contra o do homem que tentou segurar os braços da menina, Bellatrix firmou os dela no pescoço dele, apertando-o, suas costas bateram forte na parede gemendo de dor, mas aliviada ao ver Emily sumir pelo quintal.

O corpo feminino caiu no chão, levantando-se o mais rápido que conseguiu, Gregory se afastou para tentar ir atrás da criança enquanto Vivian se aproximava.

— Onde está Caleb? — ela gritou, observando o sorriso crescer no rosto da mulher. — O que você fez com ele?

— Uma pena ter que sumir com um rostinho bonito daqueles! — Bellatrix sentiu o ódio crescer e avançou em direção a Vivian acertando um tapa forte no rosto dela.

A morena deu um passo para trás desorientada por segundos, erguendo o olhar feroz para Bella e levantou a faca em mãos prestes a atacá-la, o que não veio a acontecer quando o corpo masculino se pôs a frente da promotora segurando o objeto com a mão.

— Caleb... — Bellatrix murmurou em um sussurro, fixando o olhar no sangue que escorria pelas mãos dele.

A mente dela gritou, procurando Greg e encontrando o homem caído no chão e o sangue escorrendo da cabeça ao ver o vidro estilhaçado ao redor dele.

O corpo de Vivian foi jogado rente a parede, o olhar assustado da mulher em direção ao loiro que jogou a faca para longe deles. Soando estridente o barulho do metal e logo depois da viatura.

— Você está bem? — Caleb perguntou receoso analisando o corte nos lábios dela e tocando o rosto de Bella em busca de algum outro ferimento.

— Sim, mas você... — Disse aflita segurando as mãos dele e olhando para o corte.

— Eu vou ficar bem. — O rapaz afirmou, porém a respiração de Caleb estava pesada o que a deixou preocupada.

A porta abriu em um solavanco revelando Volker e Scott com Emily ao lado dos dois e o rosto repleto de lágrimas.

— Tia! — a voz assustada da garota exclamou enquanto ela intercalava o olhar de Bellatrix para Caleb.

— Está tudo bem querida! — Bella murmurou lançando um sorriso fraco para a menina, com um gosto metálico entre os lábios.

A ambulância chegou, atendendo á ambos e principalmente Greg que havia apagado com o impacto, mas sobreviveria, sendo levado para o hospital. Caleb precisaria ir pelo corte profundo na mão esquerda e no braço.

— Eu vou com você! — Bellatrix falou apressada, entrando na ambulância com ele.

— Está tudo bem Bella, sério! — o assistente repetiu tentando acalmá-la.

— Não está! Você se machucou, eu vou com você! — ela sentenciou recebendo o olhar indeciso do homem.

Emily havia sido levada por Savannah que entraria em contato com o conselho tutelar e parentes próximos para assumirem a guarda da menina, caso não houvesse ninguém ela seria encaminhada para um orfanato. Vivian foi presa e Greg teria o mesmo destino assim que fosse liberado pelo hospital.

As portas do veículo se fecharam, seguindo em direção ao hospital. Bellatrix segurava a mão livre de Caleb, preocupada e nervosa. Não era apenas a mão dele que sangrava, tinha um corte em sua testa e podia ver a blusa social manchada na extensão do braço direito revelando parte de uma marca em sua pele.

— O que aconteceu? — Bellatrix perguntou notando-o virar o rosto para ela.

— Eu fui ligar para o Stuart quando aquela mulher me acertou em cheio no braço, depois algo forte bateu contra a minha cabeça, eu nem vi o que me pegou, tudo se tornou um borrão e quando acordei vi ela indo para cima de você e resultou nisso. — Falou erguendo a mão machucada levemente.

— Você é doido! Podia ter sido pior! — a voz assustada dela fez um pequeno sorriso se formar nos lábios dele.

— Doido seria se eu não fizesse nada! — exclamou. — Nada que uns bons pontos não resolvam, eu estou bem, sério Bella. — Disse apertando a mão dela com a sua que estava bem.

Pararam em frente ao hospital sendo acompanhados pelo enfermeiro que os guiou em direção ao médico, ela sentiu certa dor na costela.

— Você está mesmo bem? — Caleb perguntou ao se sentar na cadeira branca, segurando o pano firme posicionado na mão para estancar o sangramento.

— Estou sim. — Respondeu tentando manter a voz firme, mas a careta em sua fisionomia a entregava.

— Dá para ver no seu rosto que algo está doendo! — ele exclamou a analisando. — Você tem que falar com o médico.

— Primeiro você, depois eu! — proferiu decidida, recebendo um revirar de olhos do loiro.

Após os ferimentos de Caleb serem devidamente cuidados, ele insistiu para que fizessem exames com ela para terem certeza de que não havia nada de errado, depois dos resultados o rapaz pode respirar aliviado, contudo o médico receitou medicamentos para dor. Ao saírem pela porta, os dois estavam destruídos, as roupas marcadas pelo sangue ressecado, os cabelos bagunçados e os hematomas agora roxeados evidentes.

O olhar de Bellatrix se encontrou com o de Volker escorado na viatura, este que não parecia nada satisfeito por sinal.

Ele caminhou em direção a eles. Scott já havia pego o depoimento deles sobre o incidente ocorrido, contudo o tenente não iria embora até falar com ela.

— Isso que você chama de repouso? — sua voz grossa fez um arrepio subir pela coluna dela.

— Eu estava trabalhando.

— Bellatrix... — A repreensão estampada no olhar de Volker a fez suspirar pesadamente.

— Nós estamos bem, foi apenas um contratempo. — Ele não disse nada apenas a encarou, a fisionomia estava dura.

— Eu deixo ela em casa. — Caleb comentou recebendo o olhar fulminante do policial.

— Você? E como? — o tenente fitou o jovem sarcasticamente com os olhos fixos na mão machucada dele.

— Volker! — Bella ralhou o vendo bufar e dar as costas para os dois após escutar o pager tocar, sumindo de suas vistas. — Não ligue para ele, é carrancudo por natureza! — Caleb sorriu sem graça ao seu lado dela. — Mas acho que sou eu quem vai te deixar em casa.

Ela tocou os ombros do colega sorrindo, Caleb balançou a cabeça em concordância e adentraram o carro.

Ao pararem em frente a casa do mais novo, Bellatrix desceu do carro para ajudá-lo, mesmo recebendo protestos do assistente que afirmou que ela não podia se esforçar. Estavam diante do portão, o loiro mantinha o olhar vago desviando dos dela.

— Eu te ajudo a entrar. — Antes que ele pudesse protestar Bellatrix tinha pego a chave da mão do colega abrindo a porta. Era a primeira vez que ia até a casa dele mesmo convivendo a mais de dois anos.

Só saíram juntos quando era algo relacionado ao trabalho ou confraternização de fim de ano. Se sentiu incomodada por nunca ter demonstrado interesse em conhecer melhor o rapaz.

Ao adentrar a sala de estar o aroma de flores a atingiu em cheio, reparou nos vasos agrupados perto das janelas.

— Você mora sozinho?

— Sim, mas minha mãe fez uma visita recente e trouxe todas as flores possíveis que encontrou pelo caminho. — Murmurou sem jeito, colocando a maleta do trabalho no sofá.

Bellatrix se aproximou das plantas sorrindo, abaixou o rosto inspirando fundo. Mas a atenção dela foi para as rosas brancas.

— Sua mãe quem te deu? — perguntou sentindo o nervosismo atingi-la.

— Na verdade não, deixaram no seu escritório. — Caleb confidenciou, a fisionomia incerta se deveria continuar — foi um policial, eu estava organizando as papeladas do dia que você ficou internada.  Ele disse que eram as suas favoritas, mas como eu vi os noticiários dos assassinatos e bem... As notícias correm pelo escritório, achei que você não fosse gostar de recebê-las.

— Que policial? — O chão abaixo dos pés dela pareciam querer ceder, se afastou das flores e apoiou as mãos no sofá tentando se manter firme.

— Eu não me recordo do nome dele, na verdade acho que ele não me disse, mas vi o distintivo e ele estava de boné e usava uma máscara preta, disse que era porque estava voltando de uma cena de crime. Mas percebi que tinha os olhos claros entre verdes ou azuis.

O ar ao redor de Bella parecia diminuir, a tontura atingiu seu corpo e os dedos apertam forte o estofado.

— V-você tem água? — O rapaz a olhou preocupado e se aproximou.

— Está com dor? — ele analisou Bellatrix, a procura de qualquer coisa que mostrasse que ela não estava bem fisicamente.

— Só estou com cede, tem sido dias longos.

— Eu vou buscar, se sente um pouco, talvez ajude a melhorar. Pode se sentir em casa, eu já volto. — Caleb caminhou em direção a um corredor deixando Bellatrix sozinha.

Ela deu a volta no sofá e se sentou, abraçou o próprio corpo. Quem seria o policial que foi até o escritório dela? Talvez fosse um dos rapazes, mas eles não mandariam flores ainda mais rosas brancas com toda a situação. Era o que preferia acreditar, mas dentro de sua cabeça a luz vermelha piscava, gritando para que ela tomasse o máximo de cuidado possível.

Os olhos dela passaram pelo local, não havia nada demais,  tirando o fato de tudo estar perfeitamente organizado. Ela focou a atenção na estante, que era tomada por livros e que estavam em ordem alfabética o que chamou a atenção de Bellatrix. Ao ver diversos assuntos, não sabia que o colega tinha interesse em coisas relacionadas a tecnologia.

Caleb sempre se mostrou leigo quando o assunto era mexer em qualquer sistema. Sorriu com o pensamento de que talvez ele estivesse tentando melhorar.

— Aqui está! — Bella ergueu os olhos para o copo de vidro e segurou o objeto tomando o líquido em um gole, sentindo o gelado descer pela garganta a aliviando.

— Obrigada. — Ele sorriu sentando ao lado dela e esticando os braços sobre a perna, a mão enfaixada não parecia incomodar.

— Você está bem mesmo? — Bella sorriu afirmando que sim — se quiser pode ficar aqui, eu tenho algumas roupas da minha irmã mais velha, devem servir em você.

— Eu agradeço pelo carinho, mas preciso voltar para casa, Volker é bem sistemático em relação aos lugares que vou.

— Aqui é seguro, contratei o sistema de segurança a alguns meses e é um dos melhores. — Bella segurou a mão do rapaz terna. — Estou preocupado com você. — Caleb confidenciou.

— Não precisa ficar, tenho bons seguranças por perto. — Falou sorrindo e o viu suspirar concordando — mas, gostei de vir até aqui, deveríamos sair mais vezes além do trabalho. — Caleb sorriu.

— Eu também acho, você não tem noção do quanto tem me ajudado nesses últimos anos. — Bella se sentiu feliz, não acreditava que poderia estar sendo útil quando tudo parecia mostrar que ela era a grande culpada de diversas situações. Abraçou o colega pelos ombros e depositou um beijo nos cabelos bagunçados dele.

— Obrigada por ter deixado a minha noite mais leve.

— Sempre que precisar pode contar comigo. — Caleb segurou a mão dela, deixando um carinho no dorso e a levou aos lábios beijando carinhoso.

Os olhos dele fixaram aos de Bella, estavam tão intensos ao fitá-la que a mulher teve a sensação das bochechas corarem com a proximidade, desviou a atenção para a camisa social do rapaz que possuía um rasgo e a atenção foi para a marca na pele, os dedos formigaram para tocar e ver, mas como se Caleb soubesse das intenções dela recostou o braço no sofá de forma que ela não conseguia mais identificar o que era. Talvez fosse uma tatuagem. 

Ficaram conversando por algum tempo, até Bella receber uma mensagem de Volker questionando quando ela iria para casa, se despediu do rapaz e foi até o carro, a única coisa que queria era relaxar embaixo do chuveiro.

Bella resolveu ir até o seu apartamento ao perceber que Caleb morava perto da região, pegaria mais roupas e ao menos tomaria um banho rápido,  sentia saudade de poder ficar em sua própria casa, apenas ela e o completo silêncio que muitas vezes era acolhedor.

Estava acostumada a ficar imersa em seus pensamentos e a quietude fazia parte de si mesmo quando parecia destroçá-la lentamente.

Passou pela portaria subindo pelo elevador e entrou no apartamento notou as cartas jogadas por debaixo da porta, leu rapidamente de quem eram, até seus globos azuis focarem em uma.

A caligrafia completamente desconhecida despertou sua atenção, ainda mais ao notar o adesivo de uma rosa colando o papel, rasgou o envelope lendo o conteúdo e sua respiração falhou ao ler em letras garrafais o nome do remetente.

Oliver Jenkins.

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