DOIS - LEMBRANÇAS

𝙲𝙰𝙿𝙸́𝚃𝚄𝙻𝙾 𝙳𝙾𝙸𝚂

𝕃𝔼𝕄𝔹ℝ𝔸ℕℂ̧𝔸𝕊

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Março, de 2070 — Manhattan, Nova Iorque, dias atuais. 

A noite havia passado de forma serena e estranhamente calma, por mais que Bellatrix evitasse dizer, sentia falta do passado.

Bella chegou a sua casa com um único pensamento pairando em sua mente: se deveria ou não ir ao departamento. Parecia um erro pisar naquele lugar depois de tantos anos, mas ao mesmo tempo era algo que ela precisava fazer.

Agradeceu mentalmente por ser sexta-feira assim não precisaria ter que ir trabalhar no dia seguinte, sentou no sofá ligando a televisão eram raros os momentos em que apenas se permitia relaxar deixando os afazeres de lado, porém se arrependeu amargamente no mesmo instante ao escutar o pronunciamento da jornalista.

"Últimas informações! De acordo com fontes é correto afirmar que Oliver Jenkins encontra-se foragido após o apagão que ocorreu em Rikers Island, na noite de 07 de Março. O manicômio notou apenas o desaparecimento do assassino em série, conhecido como o assassino da rosa, ainda não há informações mais concretas.''

"O assassino ficou conhecido nacionalmente após encontrarem os corpos onde possuía uma rosa vermelha costurada na garganta de cada uma de suas vítimas."

"Oliver estava preso há exatos doze anos após ser acusado de ter violentado e assassinado seis mulheres, entre elas algumas adolescentes a sangue frio no ano de 2058. Foi preso em flagrante ao matar o comandante Roger Mitchell (responsável pelo caso na época), investigador condecorado do departamento de homicídios e ao tentar levar a filha do superior, Bellatrix Mitchell. Ainda não se sabe como foi possível à fuga, a polícia está concentrada em desvendar e achar o quanto antes o assassino.''

Ar , Bellatrix inspirava profundo em busca de preencher seus pulmões, mas isso era sugado de seu interior, a respiração começou a se tornar tão desregulada que poderia jurar que teria um ataque respiratório, os olhos estavam vidrados na televisão e o coração pulsava forte contra a caixa torácica as mãos tremiam e os dedos formigavam apertando-os, a verdade massacrava sua mente, o barulho do telefone tocando despertou Bellatrix que não sabia onde havia deixado, começou a jogar as almofadas para o chão em busca de encontrá-lo, mas o raciocínio falho entrou em colapso com o corpo. O som estridente continuava martelando em sua cabeça ecoando ao fundo da mente conforme as informações da fuga de Jenkins repercutiam pela sala.

A fita rodava e as imagens retornavam como rajadas cortantes, ricocheteando suas memórias como lanças afiadas que perfuravam o peito.

A única coisa que ela queria era sair daquele ambiente.

Precisava sair do apartamento, as paredes pareciam estar se fechando diante de si, como se todo o local estivesse a sugando para aquele abismo sem fim arrancando todo seu fôlego. Mais uma vez escutou o toque do telefone, pegou o casaco e saiu porta à fora, precisava espairecer. Parou diante do elevador, a demora parecia um aviso tenebroso, os flashes piscavam e ao adentrar o cubículo metálico estremeceu com a alavancada para descer. O desespero agarrou seu âmago e as lágrimas aglomeraram no canto dos olhos, comprimiu os lábios contendo o choro que parecia querer rasgar sua garganta.

Andava pelas ruas sentindo o vento gélido tocar a pele em um aconchegante abraço, sentia como se todos soubessem o que havia acontecido há doze anos ao passar por entre as pessoas, enquanto notava os olhares. Como se toda a história voltasse à tona ''um dia ele irá voltar para terminar o que começou'' foi isso que Edgar Toleto tinha lhe dito, como isso poderia ser possível? Lágrimas grossas começaram a cair por seus olhos, estava sem rumo, perdida em sua própria mente e no inferno que a atormentava todos os dias. Levou a mão aos bolsos ao sentir o celular vibrar e viu no visor a foto de Amanda, atendendo-o.

— Bella pelo amor de Deus, finalmente você me atendeu! Onde você está? Está tudo bem? Scott me ligou preocupado dizendo para ligar a televisão, por favor, me fala onde você está que eu vou até ai! — Sua voz saia apressada e mostrava o quão aflita a melhor amiga se encontrava.

— Eu... Eu não estou em casa Mandy, o que aconteceu? Para que toda essa preocupação? — conteve a voz embargada, não queria a melhor amiga se preocupando com ela. Odiava se sentir vulnerável diante das pessoas, acreditou na ilusão de Rikers Island ser longe o suficiente de onde ela estava. Oliver não a encontraria, ele não tinha informação alguma sobre ela.

— Você não viu os jornais? Ou então a televisão? — Mandy perguntou e podia sentir o tom de voz mais ameno.

— Não, você pode me dizer o que aconteceu? — teve um breve silêncio por alguns segundos antes de ouvir um suspiro do outro lado, Amanda estava ponderando se deveria falar.

— Acho melhor você ir para casa e ver o noticiário, é sobre ele Bella, Jenkins fugiu. Vá até a delegacia, aquele senhorzinho com quem você conversou, John, procure ele e, por favor, tome cuidado!

— Eu vou fazer isso, Mandy, eu vou. — Respondeu decidida, mas aquilo soara como algo mais para si do que para a amiga.

Ao retornar para a casa a primeira coisa que fez foi ligar para a mãe, sentia a necessidade absurda de escutar a voz materna, mas não se sentiu surpresa ao perceber que a mulher pouco se importou com o que Bella havia dito. Para a mãe aquilo foi apenas a mídia sensacionalista e Oliver logo estaria preso, desligando em seguida por estar em uma casa de relaxamento e não poder falar com a própria filha.

Bellatrix não entendia porquê ficava indo atrás da mãe ao ter certeza de que Eleonor não se preocupava com a filha, estava viajando por todos os lugares do mundo e não saberia dizer se agora a matriarca estava na Itália ou na França.

Costumava pensar que cada um sofria a sua própria dor de uma forma e essa era a de Eleonor por mais complicada que fosse no fundo a mãe ainda não tinha superado a morte do marido e trazer tudo à tona seria como pedir para que demônios do passado tomassem conta de si, levando-a para o lugar mais sombrio de sua mente.

Bella deitou no sofá fechando os olhos e respirou fundo, ainda sentindo as lágrimas agora secas em seu rosto. Nada aconteceria, as coisas continuariam boas e tudo se resolveria, pelo menos foi nisso que ela queria acreditar, mas as lembranças continuavam voltando e atormentando sua cabeça.

As vozes pareciam gritar por seus pensamentos, as imagens daquela noite estavam tão vividas dentro de sua mente, o sangue escorrendo parecia tocar seus dedos e o gosto metálico invadia sua boca. O mesmo medo daquela noite tomava seu peito, o sentindo doer e sangrar. Estava de novo perdida e afundando, caindo naquele poço profundo e acorrentada, sendo puxada para a escuridão que lhe engolia lentamente.

Ele nunca a deixaria em paz.

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Agosto, de 2058 — Manhattan, Nova Iorque.

Medo, isso definia o que as pessoas sentiam ao saírem nas ruas e saberem que existia alguém matando adolescentes por volta de seus dezesseis anos aos vinte e dois, não existindo nenhuma pista de quem poderia ser.

Roger continuava preso em seu trabalho e em momento algum tirava os olhos de sua filha, ela era o seu bem mais precioso e não se perdoaria caso algo acontecesse a sua preciosa rosa. Olhou mais uma vez para a menina que lia atentamente algum livro que Sales havia a entregado e sorriu ao vê-la bocejar, mas conhecendo sua teimosia sabia que Bellatrix jamais assumiria estar cansada. Antes que pudesse falar algo ela se levantou esticando os braços e o encarando, deu aquele sorriso de como estivesse pensando em algo.

— Café, é isso que precisamos! — afirmou animada, o que fez o mais velho rir — eu já volto, não vá dormir nesses papéis, hein?! — disse enquanto caminhava para fora da sala.

Um suspiro pesado escapou dos lábios de Roger, passando as mãos pelos cabelos loiros. Estava cansado fisicamente e exausto psicologicamente, mas nada o faria parar, não sem pegar o culpado antes. Estava tão próximo da verdade e sabia que aquilo poderia arruinar a sua família.

Olhou mais uma vez para a porta e abriu um pequeno sorriso, pelo menos ainda tinha a filha ao seu lado.

Bella andava sem pressa para o refeitório não havia mais ninguém por ali além dos dois pelo menos foi isso que imaginou, ao chegar no refeitório olhou no relógio que marcavam exatamente 23:40 da noite indo pegar os cafés, escutava a música ao fundo típica de elevador o que fez a menina rir e assim que tudo estava pronto pegou mais alguns biscoitos.

Conforme voltava para a sala do pai, passou pela sala dele e viu as silhueta, quis entrar na sala e gritar com as duas pessoas do outro lado, não acreditava que enquanto o pai estava se matando de trabalhar Volker e Savannah estavam aproveitando o fator de não haver ninguém por perto. Nojo, foi isso que sentiu, porém seu coração doeu contra o peito. Ela balançou a cabeça em negação retornando ao seu rumo inicial.

Antes mesmo de entrar na sala ouviu vozes, reconheceu a do pai logo de início, mas a outra voz masculina jurava que nunca a tinha escutado.

Sentiu um pavor tomar seu corpo ao escutar a risada fria da outra pessoa, percebeu que tinha algo de errado, se lembrou do que seu pai havia lhe dito uma vez ''se um dia você precisar se defender e eu não estiver por perto saiba que no compartimento ao lado da minha sala há um taco de beisebol e não hesite em usá-lo''. A menina correu até lá o pegando em mãos, mas ao retornar para a sala ouviu o grito de dor ecoando da garganta do pai e antes que pudesse perceber já havia adentrado o recinto.

A cena que encontrou não foi algo que esperava, a sala estava destruída, os papéis espalhados pelo chão e viu o pai caído no chão com as mãos na barriga, o sangue escorria cada vez mais pelo piso branco, inundando-o e chegando aos pés da garota que sentiu as pernas fraquejarem e os joelhos desabarem ao chão. Ecoando em um estrondo pela sala.

Os olhos da menina se ergueram para a figura masculina parada no centro da sala, os globos negros a fitavam de uma forma tão firme e avassaladora como se ela fosse à presa e ele o predador, ergueu o taco em mãos, mas sabia que aquilo não seria o suficiente, ao perceber os músculos presentes que se apertavam contra a farda que usava. No primeiro ataque ele poderia quebrar o objeto apenas ao segurá-lo. Reparou no sorriso traiçoeiro que tomou os lábios do homem em sua direção.

O cheiro de ferrugem impregnou o seu nariz, as vestimentas foram tomadas em tons de vermelho, enquanto o sangue quente tocava sua pele escorrendo pelos joelhos e lhe causando náuseas. Ela arrastava o próprio corpo em direção a porta, assustada com as mãos segurando firme o objeto, os olhos focaram na figura paterna que a encarava em desespero.

O grito do pai ecoou por toda a sala, e um berro agudo tomou o ambiente, fazendo a garota sentir o corpo implorar para fugir.

— CORRA BELLATRIX, CORRA! — os joelhos da garota já haviam se dobrado erguendo-se com velocidade e ela não estava mais na sala e sim correndo pelos amplos corredores da delegacia fugindo do seu pior pesadelo.

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