Quarenta e nove

Eu estava no meio da floresta.

O sol já havia se posto e a noite estava escura e as nuvens mal apareciam no céu. Minha visão estava desfocada e esfumaçada dos lados.

Estava olhando de um lado para o outro, perdido no meio daquele labirinto de árvores e insetos nojentos, enquanto chamava por alguém.

— Taehyung! Hyuna! — Nada. — Jin hyung, onde você tá? Namjoon!

Estava sozinho. Completamente sozinho.

Comecei a caminhar, sentindo meu pé afundar na lama pegajosa e fétida. Era nojenta. Tinha algumas plantas rateiras no caminho que pareciam se enrolar nos meus dedos e cutucavam minhas canelas.

— Gente! — Eu gritei outra vez.

Ninguém.

Silêncio.

Meus pé se afundavam cada vez mais e a lama ficava cada vez mais escorregadia também.

Mal podia enxergar mais que um palmo a minha frente.

Então eu comecei a ouvir o barulho do farfalhar das árvores e de folhas sendo amassadas por  passos firmes. Vozes adultas ao longe, gritando coisas que não pude entender.

Meu coração afundou no peito quando ouvi um latido.

Eu conhecia aquilo. Conhecia!

Então eu estava correndo. Correndo como um louco, sentido os galhos das árvores baterem no meu rosto e arranharem meus braços descobertos.

Minha movimentação havia chamado a atenção deles e estavam me seguindo pela quantidade de plantas que eu abria caminho com os braços. A lama se levantava atrás de mim e sentia toda minha panturrilha sendo respingada daquela coisa nojenta.

As raízes que serpentilhavam feito armadilhas no chão me davam a sensação de poder cair a qualquer momento.

O som dos gritos se intensificou atrás de mim. Eu continuei correndo. Correndo. Correndo.

Meu peito subia e descia depressa demais, no entanto, eu sequer pensei em parar.

Eu queria chorar. Onda estava todo mundo? Eles já tinham sido pegos? Como eu tinha ido parar ali?

Eu queria meu irmão. Eu queria os meus amigos, mas tinha gente correndo atrás de mim. Quem eram? Por que eu estava correndo?

Olhei para trás e alguns caras cortando galhos e cordas com uma foice. Um deles segurava um pastor alemão na coleira. Eles estavam vestindo uma roupa de exploração bege e chapéus. Pareciam ter saído de um livro da Primeira Guerra.

Eu me virei para frente e continuei correndo.

Mas então o chão acabou. Eu deslizei de uma vez por um barranco. Minhas costas estavam cheias de barro e meus braços arranhavam nas pedras e irregularidades do caminho. 

Eu gritei, assutado. Mas gritei mais quando ouvi o latido alto do cachorro vindo de cima, de onde eu estava antes de cair.

Eu tombei para frente quando senti meus pés afundarem em algo que parecia lodo. Era quase tão pegajoso quanto a lama que estava em todo o meu corpo.

Era tudo escuro. Não tinham árvores por perto como antes. Como se tivesse mudado de cenário.

Quando olhei para trás, vi os olhos brilhantes do Pastor Alemão se movendo. Eles estavam descendo.

Voltei a correr.

Mas não avancei.

Aquilo sob meus pés era aguado e escamoso embaixo. As coisas estavam se movendo sob mim, se enrolando nos meus pés. A água bolorada chegava ao meio das minhas canelas.

Eram coisas grossas e grandes, mas que eu não podia ver ainda. Era como pisar em um ninho de minhocas. Sim, era essa a sensação. Todas elas estavam vivas e não tinha um centímetro sequer onde elas não estivessem rastejando aos montes debaixo das minhas solas e cutucando meus dedos. Meu pé estava afundando como em uma areia movediça.

Uma areia movediça de minhocas gosmentas.

Tinha algo vivo e assustador sob meus pés. Eu estava pisando em alguma coisa viva.

Viva.

Puxei um pé de cada vez para cima, sentindo as minhocas ainda subindo assustadas pela minha panturrilha. Eu senti largimas de pavor e despero molharem minhas bochechas.

Um splach soou atrás de mim e eu me virei. Minhas pernas estavam tremendo. Tudo estava escuro. O Pastor Alemão latiu e rosnou, bravo. Os homens se aproximaram e a única coisa que pude ver, no meio daquela escuridão...

Foram seus olhos.

Brancos, mas com as pupilas riscadas no meio e sorrisos diabólicos no rosto.

Eles se aproximavam lentamente e sorrateiros e eu não consegui me mover.

Um deles — eram três — segurava a mesma arma que quase tinha atingido Hyuna. Meu coração bateu violentamente e minha cabeça girou.

Eu solucei de medo.

Tentei gritar mais uma vez, mas o que saiu foi um choro alto. Eles abriram mais o sorriso estranho e um arrepio subiu pelas minhas costas.

O lodo começou a formar ondas na superfície aguada, como quando jogamos pedrinhas no lago. Senti mais coisas rasparem em meus pés e panturrilhas com mais pressa e agilidade. Eu gemi de nojo e pavor.

Era tudo tão... tão... repugnante.

Eu quis vomitar de nervoso.

Mas eu quis mais quando vi um ninho de cobras se erguer, todas tortas e contorcidas, olhando para mim. Quando olhei com mais atenção, percebi que vários animais gosmentos, os mesmo que julguei serem minhocas, se enrocavam para formar serpentes que cresciam e cresciam a cada segundo. Eles tinham dentes pontiagudos em torno da boca circular.

Ah, meu Deus. Meu Deus!

Não eram minhocas!

Quando olhei para baixo, vi vários deles passando sob mim o tempo todo, como se fossem atraídos por um imã, ligado as cobras que se levantavam do lodo. Eu gritei e tentei correr, mas alguém segurou meu braço e eu tentei me soltar. Gritei. Gritei. Gritei. Mas mãos seguraram meu tronco.

Eu estava assombrado.

Solucei outra vez quando o cachorro que batia acima da minha cintura se aproximou e começou a cheirar minhas pernas. Ele não estava com os pés afundando no ninho de criaturas como eu. Ele estava andando na superfície, quase como se fluruasse, assim como os homens.

Ele ameaçou me morder tentei recuar, mas ainda tinha um corpo robusto me segurando. O cão ameaçou de novo, eu berrei. Ele mordeu minha calça, dobrada um pouco abaixo do joelho, e sacudiu.

— Sai! — Eu implorei. — Sai! Sai! SAI!

Então um dos caras prendeu uma corrente na coleira dele e o puxou para trás, rindo e o elogiando como se fosse um bom menino.

Estava me recuperando do susto quando fui virado pelos ombros. As combras se aproximavam, todas com a cabeça erguida e os pescoços inchados. Meu coração estava batendo de um jeito perigoso.

Um dos homens segurou meus braços pelas costas, debaixo dos ombros, como se fosse me levantar. O outro, com a arma se afastou.

Eu me debati, mas o aperto se tornou mais forte. Tentei chutar para trás, mas não acertei nenhuma das vezes.

Então a arma se acendeu. E estava apontada para mim. A única coisa que brilhava mais que os olhos vazios daqueles homens e do cachorro.

O homem puxou o gatilho, que parecia-se com uma alavanca. E aquelas ondas queimaram em mim outra vez.

E eu me sentei depressa.

Aentindo uma dor larejante no peito e gritei alguma coisa desconexa. Então abri os olhos e mãos me puxaram para baixo outra vez.

— Tudo bem. Tá tudo bem, Gguk — era a voz do meu irmão.

Ele estava ali. Todo mundo estava ali.

Foi... foi tudo um sonho? Então por que eu ainda sentia minha pele suja de lama e uma pressão no pulmão?

Eu me acalmei aos poucos, mas ainda me sentia tonto. Era como se ainda estivesse sonhando, mas não estivesse ao mesmo tempo.

— Respira de vagar — era a voz de Jimin, baixa e cuidadosa. Ele saiu de trás de Taehyung e Hyuna, a minha direita, ficando próximo a cama.

Eu virei o rosto para ele, vendo seus olhos assustados, mas que se esforçavam para transmitir calma. A calma que ele não tinha agora. Mas ele queria a dar mesmo assim para mim.

Me concentrei em seus dedos tocando a minha testa, afastando a minha franja. Só então percebi que minha cabeça estava doendo também.

Seu toque era tão lento e relaxante que minha respiração foi alcançando o ritmo normal, ou o quão normal ela poderia ficar depois de se sonhar estar morrendo.

Ele pressionou o meio entre minhas sobrancelhas e me pediu para respirar de vagar outra vez.

Quando abri os olhos, sorri para si e ele sorriu de volta. Sua expressão ainda estava perdida, mas um pouco mais serena. Jimin afastou sua mão e eu quis protestar, mas fiquei quieto.

Seus toques eram tão bons e tão confortáveis. Eram... únicos.

Passei os olhos pelo quarto onde estava. Era um lugar claro. Estava sozinho com meus amigos e irmão aqui, mas tinham mais três camas vazias e arrumadas no cômodo.

Tinha um cheiro de lavanda, um cheiro de limpeza, mas não era forte.

Não era a sala de um hospital, mas também não era um quarto comum.

Quando abaixei o olhar para conferir meu corpo, me senti genuinamente feliz por ainda ter encontrado dois braços e duas pernas ali.

Ótimo. Ao menos eu estava inteiro.

Mas estava sem camisa e isso me deixou cheio de vergonha.

Meu peito estava enfaixdo, com gaze. Parecia um colete. Tinha algumas folhas ali que o cheiro me deixava um pouco enjoado.

Nos meus braços e pernas, uma gosma verde, que parecia muito com abacate amaçado, tampava alguns machucados e cortes.

Os outros também tinham aquela coisa verde espalhadas pelo corpo.

Namjoon tinha uma listra verde na bochecha. Taehyung também estava sem camisa e usava uma faixa parecida com a minha enrolada várias vezes na sua barriga, mas não tinha sangue aparecendo.

Hyuna tinha alguns arranhões cobertos nos braços. Jimin estava com um o antebraço enfizado e o pulso da outra mão cheio de gosma verde, estancado com mais gaze. Meu peito apertou e o olhei nos olhos, buscando qualquer resposta. Mas ele apenas deu de ombros e sorriu bonito.

Jin era o menos machucado, mas parecia bem cansado.

— O que... O que aconteceu? — Eu perguntei, mas minha voz saiu tão baixa que eu estranhei.

— Pensamos que perderiamos você, Jungkook — Namjoon respondeu, me olhando com cuidado.

— Perder...? — Eu ainda estava tão lento. Minha cabeça doeu.

— Quando você pulou na minha frente, você foi atingido por raios ymptas. São raios nocivos para nós. Eles fazem seu pulmão inchar e encher de água — ela disse e foi a primeira vez que ouvi sua voz soar tão calma quanto agora. — Por que fez aquilo? — Ela perguntou.

— Custa agradecer? — Taehyung disse e meu irmão fechou a cara.

Aqui, não! — Ele exclamou, mas foi baixo. Como os pais quando fazemos bagunça em público e eles gritam para dentro.

— Por que não era justo isso acontecer com você — eu respondi. De repente, tinham duas Hyunas na minha frente. Mas não me importei.

— Mas também não era com você — ela falou e parecia quase magoada.

— Não era com nenhum de nós. Mas eu arrastei vocês para o meu problema. Eu nunca me perdoaria se acontecesse qualquer coisa com vocês — então olhei para todos outra vez. — Eu já me sinto horrível o suficiente por vê-los cheios de machucados.

— O problema não era seu, Jungkook — Taehyung rebateu — Assim que você apareceu com Hyuna na escola depois de uma semana sem ir, o problema se tornou de todos nós. Não porque você o trouxe, mas por que todo mundo aqui ama você. Bom, pelo menos quatro de nós... — ele lançou um olhar para Jimin, que o encarou com um olhar severo.

Hyuna deu um tapa no ombro do Kim, que cruzou os braços, mas então choramingou quando seu cotovelo encostou no estômago e os abaixou novamente.

— Nós íamos te levar para um hospital normal, mas então Hyuna nos disse para irmos até a sra. Choi.

— Acredita que ela parou de fumar? — Taehyung comentou e Hyuna lhe deu uma cotovelada e ele voltou a choramingar. A ruiva, depois de perceber que tinha realmente doído, colocou as mãos em suas costas e sussurrou algo baixinho enquanto ele se curvava.

Todo mundo parou para observar sua reação, até ele estender o polegar, ainda dobrado ao meio, segurando sua costela.

— Eu tô bem — ele sussurrou como se tivesse corrido uma maratona.

Todo mundo soltou a respiração. Jin continuou, enquanto Hyuna ainda se desculpava baixinho com Taehyung.

— Nós já estávamos a caminho do hospital de gente normal...

Gente comum — Hyuna corrigiu.

— Isso, gente comum. Hyuna disse que não fazia sentido a gente ir para um hospital-de-gente-comum, então chamou pela sua tia.

Chamou? — Eu perguntei.

— Meio que ela sempre aparece quando eu realmente preciso dela. É só eu dizer: heya ununmur padshian hwainryn.

Por que não chamou ela quando precisávamos de ajuda? Sabe, para escapar daqueles caras, ou para encontrar Jin e Jimin hyung? — Perguntei.

— Por que ela só aparece mesmo quando é uma caso de vida ou morte. Se tiver qualquer chance mínima de dar certo, então ela simplemente ignora.

— É. No caso, quando eu vomitei as tripas depois de comer aquele bolo, acho que ela não achou que eu fosse morrer. Nem um cházinho pra enjoo ela me deu depois — Tae cortou. Eu quase ri. Quase, mas só porque o que saiu foi um chiado.

Hyuna ameaçou dar-lhe outra cotovelada, mas ele deu um pulo e se afastou. Taehyung acabou esbarrando em Jimin que o segurou. Mas o Kim não agradeceu. Apenas se soltou e contornou a cama até o outro lado, parando ao lado de Namjoon, que esteva em pé a minha esquerda. O Kim mais alto ficou o encarando até que ele parasse de caminhar de fato. Depois olhou para Hyuna e depois para mim.

Puft. Ele ainda não tinha se acostumando com a implicância dos dois.

Eu deixei aquilo de lado e tentei me sentar, dessa vez com calma e sem parecer um doido.

Jimin segurou minha costas e ajeitou o travesseiro na cabeceira da cama. O quarto girou umas duas vezes, mas logo passou e eu sorri para Jimin.

— Obrigado — eu agradeci.

Ele sorriu de volta. Sempre sorri. Seu sorriso fazia meu peito esquentar, mas de uma forma boa. Ele estava tão quieto.

— Então... meio que eu não tinha nenhuma... chance...? — Peguntei, aéreo, depois subi o olhar para Hyuna.

— Raios ymptas são fatais — ela disse.

Eu engoli em seco.

Ah, céus!

Eu... eu iria morrer? Tipo, morrer, morrer, morrer?

Cacete! — Eu deixei escapar e então cobri a minha boca. Meu irmão me olhou rápido, mas não disse nada.

— Até que enfim — Taehyung festejou e Hyuna estalou o dedo em sua direção, finalmente concordando com algo.

Eu queria rir, mas estava pensativo e perdido.

Meu Deus, eu poderia ter morrido.

E se isso tivesse acontecido com Hyuna? Não, não, não. Não. De jeito nenhum.

Quem teria chamado pela sua tia se ela tivesse desmaiado como eu desmaiei?

— Ei, tudo bem? — Jin chamou, pondo a mão em meu ombro.

Eu afirmei com a cabeça.

— Sim, eu só... — Levei a mão até a nuca. — O que sua tia fez quando apareceu?

— Ela teletransportou a gente para cá.

— Ela tem transporte? — Perguntei, surpreso.

— Acredita que a fumaça do baseado dela é mágica? Ela deu uma baforada e então todos paramos aqui — Taehyung explicou contente.

— Não foi uma baforada — Hyuna protestou.

— Ela soprou fumaça pela boca. Como isso se chama? — Ele desafiou.

Hyuna respodeu depressa, mas então se embolou:

— Bafff... Expelir-fumaça-pela-boca — ela disse como se fosse uma palavra só.

— Também conhecido como baforada — Taehyung retrucou, convencido.

— Ah, que seja!

— É mesmo baforada — Namjoon disse.

— Tá bom.

— É mesmo — Jin divagou.

— Ok.

— Ele tem mesmo raz-

— Ok! Tabom! Eu já entendi!

— É que...

— Pode continuar, por favor? — Ela perguntou a Jin, que concordou, segurando um risada.

— Bom, aqui tem um monte de bruxas e bruxos curandeiros. Tem remenda-ossos, cola-pele, costura-orgãos — ele citava, contando os dedos, olhando para cima, se esforçando para lembrar. — Mais algum?

— Mais muitos, na verdade — Hyuna pontuou. — Um deles nos ajudou com os ferimentos leves — ela apontou para as suas partes com gosma verde — e ajudou você com o edema pulmonar.

Edema... Edema é como os médicos chamam água no pulmão. Um jeito chique.

— Eles precisaram usar aquelas mangueirinhas pra drenar tudo. Mas você ainda demorou para acordar.

Eu me ajeitei melhor na cama e tombei a cabeça para trás. Ela estava tão pesada e dolorida.

— Você ficou rodeado de bruxos e bruxas por dois dias inteiros — Jimin disse, de repente. Eu o olhei, seus olhos estavam brilhando.

Então eu entendi porquê ele estava tão quieto. Ele estava chorando.

— E a gente achou que você não ia acordar — sua voz estava trêmula, e então ele fungou. Minhas sobrancelhas se juntaram.

Ver Jimin chorando era... diferente.

Diferente de quando meus amigos choravam, quando ele chorava, sentia como se meu coração também chorasse. Era como se meu coração pingasse sangue e eu me tornasse oco por dentro. Eu sentia cada lágrima escorrer por todo eu corpo oco e findar lá nos meus pés. Mas pingava tão depressa que eu enchia rápido, como um copo de refrigerante e então eu estava cheio daquela sensação terrível que era saber que ele não estava chorando de felicidade. E eu me afogava e sufovava dentro de mim mesmo.

Ele limpou uma lágrima com as mãos.

— E então eles disseram para gente que você tinha parado de respirar e que seu pulmão também estava cheio de sangue — seus lábios tremeram e eu estiquei minhas mãos para segurar as suas. — Mas então Hyuna doou sangue, ela era a única quem podia, por ser peculiar como você — eu a encarei e vi que seus olhos estavam vermelhos. Mas ela sorriu.

Ele respirou fundo e continou. Eu apertei suas mãos e esfreguei meus polegares nas costas delas. Seus dedos estavam gelados. Os meus também, mas senti que poderíamos nos esquentar dessa forma.

— E eles precisaram drenar de novo, até que a sra. Bunch, que atende em outro hospital como este, só que na Alemanha, foi chamada para usar o pózinho dela para problemas respiratórios. Mas você não estava com uma frequência muito boa para que inspirasse ele sozinho, como deve ser feito.

Ele apontou para o meu peito enfaixado.

— Então ela disse que colocaria ai dentro — sua voz se tornou quebradiça, e saiu num fio. — Mas, quando eu perguntei se daria certo, ela não me respondeu.

Minhas bochechas logo estavam molhadas também.

— Eu tô bem — eu disse, soando o mais confiante que consegui. — Eu tô bem  agora. Não se preocupa, por favor. Deu tudo certo.

Ele assentiu, com os olhos fechados e nariz vermelho.

Estava um chororô no quarto quando uma senhora de vestido preto e cabelos grisalhos desengonçados abriu a porta.

Jimin se afastou e eu senti minhas mãos frias outra vez. Eu precisava do contato dele. Estranhamente precisava.

— Sr. Jeon acordou — ela disse, mas foi como se ela repetisse para si mesma.

Bom, eu achei que fosse para si mesma.

— Eu disse que ele acordaria — uma voz saiu, idêntica a da senhora, mas ela não mexeu a boca.

Eu funguei e olhei ao redor, procurado de onde a voz tinha saído. Mas só tinha a gente aqui.

— Não disse, nada! Você disse pra todo mundo que era uma perca de tempo — disse outra voz. Era a mesma, mas com uma entonação diferente.

A senhora continuava me olhando, com os olhos espremidos e a mão sob o queixo.

Meu Deus, eu estava delirando?

Ou pior, sonhando outra vez?

— Hyung — eu chamei meu irmão. Ele estava com o nariz e as bochechas vermelhas.

— O que foi?

— A senhora está falando alguma coisa, não está?

— Sim.

— E por que ela não está mexendo a boca...?

— Garoto insolente — ela disse e eu me assutei. Arg! Seus lábios não tinha se movido de novo. Eu apertei meus olhos, mas ela continuou falando sem a boca se mover.

— Eu estou me mexendo! — Disse a voz de entonação diferente. Ela era um pouco mais simpática também.

— Ah, calem-se, madames! — A senhora bradou, irritada. Agora sim seus lábios haviam se mexido.

— A srta. Haley tem três bocas — Taehyung contou.

— Quatro, querido — ela disse, sorrindo enquanto se aproximava de mim. — Quatro.

— Mesmo? E onde está a outra?

As três bocas riram ao mesmo tempo, mas nenhuma delas respondeu a pergunta. Vi Taehyung empalidecer e engolir em seco.

Quando olhei para Namjoon ele fez uma careta.

Ah.

Tentei afastar qualquer imagem que me fizesse pensar em que outra parte do corpo ela poderia ter uma quarta boca.

A senhora afastou meu irmão e colocou a mão enrugada em minha testa, depois a desceu para a lateral do meu rosto.

— Você ainda está com um pouquinho de febre — ela se virou para abrir uma gaveta na mesinha de cabeceira.

Meu estômago revirou quando eu vi lábios rececados na sua nuca. Os cabelos brancos bem puxados para cima deixavam a boca livre de quaisquer fios.

A boca sorriu para mim. Arrgalei meus olhos e parei de respirar. Quando consegui desviar o olhar dela, dei de cara com a terceira boca, logo atrás da orelha.

— Sr. Jeon? — Eu me afastei depressa quando uma mão pegou no meu ombro. — O que foi?

Ah, era ela. A srta. Haley.

Soltei o ar pela boca.

Eu ainda iria enlouquecer se passasse mais um dia aqui.

— Sim? Ah, desculpe... Eu estou bem.

— Veja como ele é uma graça — disse a voz simpática.

— Você acha todo mundo uma graça, senhorita — disse a boca da orelha.

Então outra mão tocou meu ombro, mas desta vez, do outro lado. Eu virei o rosto para olhar.

Os dedinhos de Jimin massagearam ali, transmitindo calma. Ele sorriu reconfortante, mas afastou a mão assim que a Srta. Haley desinfetou um termômetro.

— Abra a boca — ela disse.

Após uns dois minutos ela o puxou para olhar.

— Trinta e sete ponto cinco — disse, forçando a visão. Depois cacoalhou e deixou o termômetro na mesinha outra vez. — Agora deite-se. Sem o travesseiro.

Eu me inclinei para frente e Jimin puxou o travesseiro. Eu me deitei. Com um sinal dela, todo mundo se afastou.

Ela olhou nos meus olhos e eu retribuí. Srta. Haley sorriu de lado e chamou Jimin, que se virou e se aproximou outra vez, abraçado com o travesseiro.

— Sr. Park. Pode ser meu assistente?

— S-sim. Claro que sim — então ele me fitou. — Mas só se ele quiser.

Ele esperou pela minha resposta. Eu esqueci completamente de falar qualquer coisa quando me perdi o observando.

Park Jimin...

— Quero — disse com afinco. — Quero  sim. Por favor.

Ele sorriu e eu também.

— Certo. sr. Park, segure aqui — ela disse, me dispertando do transe.

Jimin deu a volta na cama, parando ao lado da idosa. Ela lhe entrgou uma pequena bacia — que eu não sabia de onde tinha surgido — e mergulhou um paninho lá dentro — que eu também não sabia de onde tinha saído.

Srta. Haley torceu o paninho a começou a passar por onde havia aquela gosma verde. Eu resfoleguei baixinho quando meus machucados arderam.

Assim que ela terminava de passar o paninho úmido, as cicatrizes sumiam. Eu fiz um barulho de espanto. Meus machucados sumiam cerca de dois segundos depois que ela os enfregava.

— Uau! — Eu exclamei.

— Está admirado, sr. Jeon?

— Estou. Isso é incrível! — Disse e era verdade.

— Srta. Haley é meio que uma enfermeira aqui — Jimin contou. — Ela cuida dos ferimentos. Eles cicatrizam rapidinho, dependendo da gravidade.

— Que maneiro — eu disse e ele riu.

Depois que ela terminou, entregou o lenço todo cheio de gosma verde para Jimin. Ele fez uma careta e o pegou bem na pontinha. Jimin o deixou dentro de uma outra bacia vazia, sobre a cômoda.

Srta. Haley puxou as folhas presas no curativo do meu peito e entregou a Jimin, que colocou dentro da vasilha com o paninho.

Então ela dessmarrou o nó firme que tinha ali e começou a desenfaixar. Ela perguntou se eu podia me sentar e eu o fiz.

Meu rosto ficou quente. Eu iria ficar com o tronco desnudo na frente de Jimin.

Não queria que ele me visse assim. Não pela primeira vez, pelo menos.

E se ele me achasse feio? Eu não tinha uma refeição descente a dias e a primeira foi interrompida por aqueles pilantras.

Não. Não. Não.

Quando faltava a última volta para que ela desenfaixasse, eu segurei sua mão. A idosa parou e me olhou. Eu, por outro lado, fitei minhas pernas.

— Tudo bem, sr. Jeon?

Eu pensei por um instante. Só então percebi o quanto estava sendo bobo. Fechei os olhos e soltei sua mão e concordei com a cabeça. Porém, antes que ela terminasse de desenrolar o gaze, Jimin falou com urgência:

— Espera! — Eu abri os olhos e o olhei, assustado. Ele estava focado em meu rosto. — Jungkook, você quer que eu saia?

Não. Eu não queria.

Estava cheio de vergonha, mas... Aquele... Aquele era eu, de qualquer forma. Não deveria me esconder. Isso não mudaria quem eu sou.

Se Jimin quisesse gostar de mim, que gostasse do eu verdadeiro, certo?

Eu não iria mais me esconder.

Por isso, mesmo que minhas bochechas estivessem pegando fogo e meu estômago gelado como o Polo Norte, eu disse:

— Não. Pode ficar.

Ele concordou, porém, mesmo assim, não desceu o olhar.

A srta. Haley puxou o gaze e me pediu para deitar novamente.

Quando toquei as costas na cama, foi desconfortável. O curativo dava alguma firmesa a mais ali. Eu me senti todo mole sem ele.

Quando olhei, meu peito estava coberto daquela coisa verde também.

— Srta. Haley, como se chama isso? — Perguntei.

— Hysus. É feito com plantas mágicas  que só tem no meu quintal e na de bruxas curandeiras como eu.

— Então todos aqui podem fazer ela?

— Não — ela estalou um dedo e mais um paninho apareceu em suas mãos. Ah, então era dali que eles estavam saindo. —, apenas curandeiros que podem cicatrizar feridas. Um remenda-ossos, por exemplo, vai precisar abrir você para remendar um osso com a cola que somente eles podem fazer. Então, um costura-pele vem e costura sua pele aberta. Depois, é minha vez de cicatriza-cicatriz deixar você novinho em folha — ela fez um trocadilho e todas as bocas riram. Inclusive uma quarta, que eu não sabia de onde vinha. E nem queria saber.

Eu concordei.

Jimin pegou a bacia novamente e ela mergulhou o paninho novo nela.

Quando ela o passou pelo meu peito, não segurei um choramingo. Ardeu pra caramba.

— Shhh... calma. O senhor precisa disso para ficar bom logo.

Eu concordei, mordendo o lábio inferior. 

Quando a senhora terminou de limpar toda aquela papa esverdeada, meu rosto se contorceu de agonia quando vi um corte no meio do meu peito. Ele tinha sinais de cicatrização, mas ainda era um corte feio. 

Percebi que Jimin também me olhava preocupado. 

— Seu amigo vai ficar bem — disse a mais velha e o ouvi suspirar.

— Eu estou bem — confirmei. Jimin assentiu, mas não parecia convencido.

Depois, a idosa colocou algumas folhas sobre meu corte e deixou ali por alguns minutos. Em seguida, puxou um saquinho de pano do bolso do vestido comprido.

Ela abriu o saquinho que estava amarrado por um cordão e tirou de dentro um pózinho azul. Era como glitter. Por um segundo, pensei que ela estivesse brincando com a minha cara.

— Isso é purpurina? — Perguntei em um tom acusatório, mas me arrependi no mesmo intante. — Desculpe.

A senhora riu, como se já esperasse esse tipo de reação.

— Não, senhor. Isso é usado para cicatrizar mais rápido — ela se aproximou, tirando a mão de dentro do saquinho, com os dedos juntos, segurando o monte de pózinho. — Feche os olhos e respire fundo.

E assim eu fiz. Enchi o pulmão de ar e soltei devagar. Era terapêutico.

Poucos segundos mais tarde, senti todo o caminho do corte da minha pele gelar. Pouco a pouco, como se um carro de gelo estivesse passando por uma estrada. Meus braços arrepiaram, mas não era uma sensação ruim. Era relaxante.

Talvez eu até tenha cochilado, pois, quando abri os olhos, nem o pózinho, nem a senhora estavam mais lá. Estava com faixas novas em torno do meu tronco. Quando olhei para o lado, ainda meio lento, encontrei Jimin, lendo o que parecia um folheto de alguma loja.

Não demorou nada para que seus olhos encontrassem os meus. Nós ficamos nos observando. Me virei de lado, apoiando a lateral da cabeça nas mãos.

Estava escuro lá fora e a luz estava apagada também. A única janela no final do quarto estava aberta e deixava o ar fresco entrar. Jimin parecia um anjo pintado pelo escuro do quarto e iluminado pela luz da lua.

Será que ele tinha pensamentos melosos comigo também?

— Como se sente?

— Com fome — respondi, baixo. Não sabia porque estávamos sussurrando. Mas a voz dele era bonita assim, tão bonita quanto ele dizia normalmente.

Ele riu, baixinho.

— Você já comeu?

— Não — respondeu. — Na verdade eu comi alguns biscoitos quando passaram aqui.

Eu franzi o cenho.

— Por que não foi lanchar? Não tem refeitório aqui?

Ele assentiu e deixou o folheto de lado.

— Tem sim — confirmou. — Mas aí eu teria que sair daqui para comer lá.

Meu estômago gelou. Ele...

— Você está aqui desde quando?

— Hum... — ele fez uma careta engraçada. — Desde a última vez que você me viu.

— A hora do pózinho da srta. Haley... — murmurei. Me sentei depressa. — Por que ficou aqui todo esse tempo?

Ele ficou em silêncio.

— Jimin...

— Por que eu não queria te deixar sozinho.

Um sorriso surgiu nos meus lábios. E eu nem tentei esconder.

Coloquei as penas para o lado de fora da maca, elas ficaram penduradas para fora. Jimin se levantou e ficou de frente para mim.

Estendi minhas mãos rentes ao corpo, em um pedido mudo para que ele me desse as mãos dele. Eu queria tocá-lo. Queria sentir sua pele. Ainda não acreditava que ele estava mesmo ali. Que ele estava ali e bem. Inteiro.

Jimin estendeu suas mãos e eu as segurei, como se fossemos brincar de roda. Meus olhos, que até então fitavam os nós gordinhos de seus dedos, subiram para encarar seu rosto. Mais especificamente, seus olhos. Os olhos mais bonitos que eu já encontrara.

Meu coração estava batendo forte. Tão forte que chegava a doer. O lugar onde ele tocava minhas mãos estava elétrico. Minhas terminações nervosas pinicavam e enviavam choquinhos por todo o meu braço e se estendia por todo o meu corpo. As borboletas no meu estômago faziam cócegas. Agitei minhas pernas em nervosimo, mas fiquei com medo de acaber lhe chutando sem querer, então tentei me controlar.

Será que ele sentia o mesmo também?

Olhar seus olhos me trazia uma sensação tão... grandiosa. Era como estar olhando para alguém importante — como a rainha da Inglaterra — e indefeso. Jimin, que para mim, sempre pareceu ter sido feito de ferro, percebi que, na verdade, era feito de vidro. De um vidro frágil. Acho que todos nós éramos, na verdade.

Ninguém ali era perfeitamente forte. Tudo o que fizemos foi por impulso. Não me imaginaria me metendo no meio de uma floresta, muito menos me imaginaria me enfiando em uma briga dali para frente. Mas, saber que eu era capaz de fazer tudo isso, me deixava com uma sensação grandiosa no peito. Eu me sentia orgulhoso. Pela primeira vez, eu me sentia orgulhoso por mim mesmo.

Me sentia orgulhoso por todo mundo. E era ótima essa sensação de dever cumprido, ou quase, pelo menos.

E ter Jimin me olhando daquela mesma forma, com os olhos brilhando e um sorriso trêmulo nos lábios, me fez desabar. Porém, diferente das outras vezes, era de felicidade.

Sem pensar demais, soltamos nossas mãos e puxamos um ao outro para um abraço.

Eu afastei minhas pernas e permiti que ele ficasse entre elas, porque eu confiava nele. Acariciei seus cabelos e ele os meus. Tinha algo de urgente naqueles toques. Talvez porque nenhum de nós acreditava que o outro fosse mesmo real e estivesse mesmo ali.

Senti meu ombro úmido. As costas dele estavam tremendo. Ele estava chorando, mas estava rindo também. Era um choro feliz e de alívio. Nós estávamos salvos e ali, prontos um para o outro. Prestes a retornar a vida normal, ou o quão normal elas podiam ser dali para frente.

Eu também chorei. Foi incrível ver nossas caras molhadas. Me trazia um aperto ver seus olhos vermelhos, porque meu interior sempre se contraía quando o via chorando, mas, como era um choro de alegria, tentei não ficar tão preocupado.

— Nós somos idiotas — eu disse, limpando uma lágrima, ainda sorrindo.

— Eu quero ser um idiota assim para sempre com você.

Sua fala repentina fez meu sorriso diminuir aos poucos. Não porque eu estivesse triste, mas eu estava chocado. Foi como levar um soco no estômago, ou um tapa na cara. Eu estava despreparado, mas nem de longe isso era ruim. Porque eu sentia o mesmo que ele.

Meus lábios formaram um sorriso carinhoso. O sorriso de Jimin também diminuiu, ficando igual ao meu. Minhas bochechas esquentaram quando vi as suas ficarem coradas. Meu coração estava me deixando louco, só não mais que o garoto a minha frente.

Nossos rostos se aproximaram lentamente e intensamente. Foi como se eu tivesse passado em alta velocidade por uma lombada e meu estômago tivesse parado no mesmo lugar. Minhas mãos estavam quentes assim como meu rosto, porém, minha barriga estava parecendo o Polo Sul.

Quando ele chegou mais perto, meus braços se arrepiaram. Nossas testas se grudaram e ficamos ali, sentindo e ouvindo a respiração constante um do outro. Seus olhos e seus detalhes pareciam bem maiores agora, vistos de pertinho, como queria ver para sempre dali em diante.

Sua respiração aquecida batia contra meu rosto. Era definitivamente minha nova sensação favorita.

Ele estava perto. Ergui um pouco a cabeça, fazendo, além de nossas testas, nossos narizes se tocarem. Eu sorri alto e ele também. Minhas mãos apertavam com força colchão da lateral da maca, enquanto meu estômago dava voltas e mais voltas.

— Você é tão lindo de perto quanto de longe — ele segredou, baixinho.

Minhas bochechas esquentaram.

— Eu não sou lindo — falei. — Não me acharia lindo se você se olhasse mais no espelho.

Suas sombrancelhas franziram e eu senti isso na minha testa.

— Você é o garoto mais lindo do mundo — rebateu, ofendido. — Não deixe ninguém dizer o contrário.

Eu concordei, mas só porque não queria prolongar aquele debate.

Você é lindo — contei, me sentindo quase bêbado. Era essa a sensação de se estar apaixonado? — Você é o garoto mais lindo do mundo.

— Não posso ser o garoto mais lindo do mundo se você já for.

— Talvez nós possamos. Um do mundo do outro.

Ele riu. Sua risada era linda.

Sem pestenejar, eu me inclinei para frente, alcançando seus lábios.

Ele ficou em choque, mas não se afastou. Estava prestes a me afastar e pedir desculpas quando ele se aproximou e roubou um beijo meu também. Foram selinhos rápidos e assustados. Mas minha boca estava quente e dormente.

Uma sensação de calor invadiu meu peito e descia para todo o meu corpo. Senti como se nunca mais precisasse me proteger do frio se tivesse ele ao meu lado. Porque Park era quente. Não no sentindo sensual. Ele era doce como um chocolate quente e trazia o sentimento de estar em casa. Talvez porque ele fosse a minha casa.

Passei meus braços pelos seus ombros e ele rodeou minhas costas. Desta vez, nossos lábios se tocaram um pouco mais intimamente.

Começou com um selinho demorado. Porém, Jimin puxou meu lábio inferior com seus dentes no final. Eu não tinha experiência nisso e me sentia feliz por ele não estar me cobrando ou pressionando.

Minhas pernas ficaram moles e até fiquei tonto quando nos separamos e olhei para seu rosto. Ele estava ofegante, mesmo que não tenhamos aprofundando o beijo. Eu também estava. Acho que era por conta dos nossos corações acelerados.

Mesmo quando nossos rostos não estavam mais conectados, parecia impossível desviar o olhar dos seus olhos. Eles estavam brilhantes. Tinham pequenas estrelinhas lá dentro. Pequenas estrelinhas que compunham o meu universo.

No momento, eu pensei que, Jimin tinha todo o meu coração e que, ele poderia fazer o que quisesse com ele. Me senti um tolo, porque não queria me machucar. Confiava nele, mas, acho que isso faz parte de se apaixonar. Ninguém quer quebrar o coração do outro, simplemente acontece. Os términos nem sempre acontecem por falta de amor.

Não sabia se eu amava o Park, mas, no momento, eu gostava muito dele. E queria ele sempre por perto.

Pela janela, uma nuvem de borboletas passou por nós. Jimin deu um pulinho, mas eu já estava acostumado com elas quando estava com ele. Elas nos circundaram. Ele ficou ao meu lado.

— Por que elas sempre aparecem quando estamos juntos?

Eu dei de ombros.

— Você não sente elas no seu estômago?

— Sempre que penso em você — ele contou e eu quase sai voando junto com elas.

— Eu... eu também. Digo, talvez seja isso, não?

— Está dizendo que elas saem da gente?

— Sei lá. Talvez elas fiquem esperando em algum lugar...

Ele também deu de ombros. Talvez nós nunca saberíamos.

***

Estávamos todos no refeitório. Ou o que deveria ser um, pelo menos. Dois dias já tinham se passado desde os beijos com o Park.

Aquele seria nosso último dia ali. Estávamos discutindo o que aconteceria depois e o que contaríamos para a polícia.

— Nós não podemos simplemente chegar, todos juntos, e aparecer como se nada tivesse acontecido — meu irmão disse.

— E o que vamos dizer? — Taehyung perguntou, com a boca cheia de purê que deveria ser de batata.

— A verdade. Quem vai acreditar em nós? — Namjoon anunciou, com uma lasca de carne espetada no garfo.

— Não estou a fim de passar minha juventude em uma clínica psiquiátrica. Obrigado — Taehyung voltou a opinar. — Se dissemos que tinha gente com poderes e armas cósmica atrás do JK e do Park para pegar a alma deles pra dominar a merda do mundo, nos chamariam, no mínimo, de loucos.

— Então vamos dizer que manteram eu e Jin em cativeiro e que vocês foram ajudar.

— E então dariam um sermão na gente sobre não ter chamado a polícia de uma vez. Sem contar que Namjoon sumiu depois que Jungkook. E que, para todo mundo, Jin está morto — Jimin relembrou.

— Talvez fosse mais fácil se vocês simplesmente não voltassem — Hyuna se pronunciou pela primeira vez na conversa, atraindo a atenção de todos para ela.

— Como assim?

Ela suspirou e largou os talheres. A ruiva sequer tinha mexido na comida.

— Sabe, eu já estava me acostumando com a ideia de ter amigos. De fazer parte de um time, entende? — Contou. — Até Taehyung não parece tão ruim agora.

Claro...

Como eu pude ser tão egoísta? Tinha Hyuna...

Nunca pensei que, se voltássemos para vida de antes, provavelmente, nunca mais veria Hyuna.

Ela era aventureira, diferente de mim, que daria qualquer coisa para levar uma vida chata e comum de novo. Nós nos veríamos todos os dias durante um mês e contaríamos tudo um para o outro, então, nossos encontros diminuiriam para duas vezes por semana e então, uma vez a cada quinze dias.

Depois, nos veríamos por acaso, em alguma situação futura e descobriríamos que não tínhamos mais nada em comum e que nem nos conhecíamos mais. Então, somente nos cumprimentaríamos e talvez até forçássemos uma conversa. Não seria natural.

— A gente ainda vai poder se ver — Tae comentou, como se não estivesse sentido. Mas eu sabia que estava e, a essa altura, acho que Hyuna já o conhecia o bastante para saber disso também.

— Não como antes. Não como agora.

— Mas...

— Ela tem razão — o cortei, sentindo um gosto ruim na boca. De repente, todos se calaram.

Quando a encarei, seus olhos estavam marejados.

— Você não quer vir com a gente? — Tae voltou a falar. — Você pode ir a escola como uma adolescente normal.

— Pode morar com a gente, se quiser — meu irmão ofereceu e a olhei com expectativa. — Sabe que serei eternamente grato por você, não sabe?

— Eu sei — empinou o nariz. — Mas não quero isso. Não quero me sentir presa a algum lugar só porque estou na escola.

— Seria difícil matriculá-la também. Como aceitariam um aluno sem histórico escolar recente e que o parente mais próximo é uma tia que tem pouco mais de duzentos anos? — Namjoon relembrou.

— Exato — Hyuna anuiu. — Não quero abrir mão da minha vida, entende? Vocês vão ter um futuro, qualquer que seja. Eu vou estar aqui para sempre, se ninguém me matar ou eu morrer com os cigarros mágicos da minha tia.

— Talvez exista um meio termo — eu disse. — Talvez exista uma forma de termos um pé no mundo real e o outro aqui. Talvez consigamos sair em aventuras nos finais de semana e retornar na segunda pela manhã antes da escola como se nada tivesse acontecido.

Eu não estava especialmente animado para me meter em mais problemas, porém, se isso fizesse a gente nunca se separar, valia a pena um pouco de emoção.

— Talvez... Talvez isso dê certo! — Tae se animou.

***

No final das contas, acabou que todas as bruxas se reuniram para nos ajudar. Elas se juntaram e passaram três dias fazendo uma espécie de pó especial. O objetivo era soltarem isso por toda a cidade, encobrindo-a com uma névoa púrpura. Assim que ela baixasse, tudo o que envolvia nosso desaparecimento seria completamente apagado da memória de todos os humanos comuns. Nós teríamos três dias para que a poção realmente fizesse efeito e seria a quantidade de tempo que teríamos, também, para arrancar todos os cartases, com nossos rostos estampados, das ruas e sumir com a ocorrência na polícia.

Só tinha um porém em tudo isso. Tae, Namjoon e Seokjin iriam esquecer tudo o que aconteceu nos últimos meses também. Falsas memórias iriam substituir esse período. Como se eu ainda estivesse na escola, como se meu irmão nunca tivesse morrido, como se nós nunca houvessemos virado notícia principal nos jornais locais e até nacionais. Tudo voltaria literalmente ao normal. E eu nunca achei que a normalidade pudesse ser tão ruim.

Seria estranho pra caramba olhar para o meu irmão e ver que ele não fazia ideia do que tinha acontecido todo esse tempo, e seria ainda pior ver Tae agir como se eu sempre tivesse sido sua dupla nas aulas de química. Seria horrível ter que, para sempre, nunca mais poder falar sobre o que aconteceu. Justo com eles, que eram os mais próximos de mim.

Meu eu de antes, ficaria feliz em nunca mais precisar falar disso com alguém e agir como se nada disso tivesse realmente acontecido. Mas, meu eu de agora, jamais conseguiria manter uma conversa sem ressaltar, mesmo que de passagem, algo como: "igual aquela vez em que estavam atrás da gente" e então soprar uma risada calorosa com sabor de alívio por aquilo ser apenas lembranças ruins, mas que se tranformou, aos poucos, em lembranças que já não traziam mais os mesmos sentimentos repugnantes de antes.

Quando olhei para Tae, minutos antes de sair do hospital e ir para a vida normal de verdade, senti um aperto no peito. Acho que ele seria quem eu mais sentiria saudade de conversar sobre. Sentiria saudades de não poder olhar para ele com aquele olhar cúmplice de "estamos ferrados". Seria doloroso chegar na escola e agirmos como se nossa maior preocupação sempre tivesse sido o fato do professor de física não saber explicar a metéria.

Foi por isso que eu tive uma ideia antes de sair.

— Eles não podem ficar aqui? — Perguntei para a tia de Hyuna.

— O quê?

— Meu irmão, Namjoon e Tae. Eles não podem ficar aqui até que a poeira faça efeito? Então, eles voltarão para a vida real depois do prazo de três dias. Assim, eles continuariam lembrando de tudo.

Hyuna, que estava ao meu lado, me olhou.

— E você sabe se eles querem continuar lembrando de tudo o que aconteceu?

Eu pensei por um instante.

— Não. Mas eu tenho certeza de que eles gostariam...

— Eu não teria tanta certeza — a idosa me interrompeu. — Acho que isso você deveria perguntar à eles.

Eu concordei.

Minutos mais tarde, quando todos estavam prontos, antes das despedidas, eu contei sobre meu plano. Todos concordaram. Seríamos somente eu, Park e Hyuna cuidando de tudo nesses três dias. Os outros ficariam no hospital, até que tudo se ajeitasse perfeitamente.

Durante aqueles dias, eu entrei na delegacia de policia e apaguei a ocorrência dos arquivos.

Jimin e Hyuna se encarregaram de tirar os cartazes e fazer uma limpa nas emissoras. Não foi muito difícil. Todo mundo parecia meio manipulável com aquela neblina roxa pairando sobre nossas cabeças.

Depois dos três dias, uma chuva grossa caiu na cidade, lavando de vez a memória das pessoas. Foi um alívio tremendo poder voltar para casa, todos juntos, como não fizemos por quase um ano inteiro.

Descobri, a caminho da minha casa, que Hyuna havia roubado um celular e um chip de uma loja. Eu fiquei bravo com ela, porém, ela deu a desculpa de que, mesmo que ninguém soubesse — e provavelmente nunca saberiam —, nós tínhamos salvado a vida de todo o planeta e que um celular era o mínimo que ela merecia.

Também descobri que o motivo pelo qual ela queria um celular, era para poder manter contato.

A sensação de que aquilo tudo tinha acabado, me trouxe nostalgia. Principalmente quando avistei minha casa. A casinha que dividia com meu irmão. Ela ainda era exatamente a mesma, exceto pelo fato de estar um pouco suja e descuidada.

Senti vontade de correr até ela e me jogar na minha cama. Mas precisávamos de um chaveiro primeiro. As chaves da porta deveriam estar em algum lugar, e com certeza esse lugar não era o bolso de nenhum de nós.

Sentamos todos nos degraus em frente a porta de entrada.

— O que vamos fazer com a escola? — Perguntou Tae, com os cotovelos apoiados nos joelhos.

— Como assim?

— Nós ficamos praticamente um ano sem ir às aulas.

— Eu dei um jeito nisso — Park se pronunciou, atraindo nossa atenção.

— Como?

— Digamos que eu tenha alterado nossas notas e faltas no sistema. Agora, todos nós tiramos A+ em todas as matérias até agora, desde o início do ano — ele declarou, como se fosse um favor imenso.

— O quê? — Indaguei, incrédulo.

— Ahhhh, você mudou minha nota em história no primeiro trimestre também, não é? Eu tirei D-... — Tae me cortou e eu o olhei de forma bem julgadora.

Jimin se curvou para lhe olhar. Ele estava ao meu lado, e Taehyung estava na ponta, depois de Hyuna, que estava a minha direita.

— De nada — sorriu cúmplice.

— Isso! — O Kim comemorou, levantado os punhos, como se tivesse feito um gol. — Obrigado, Park. Agora eu gosto um pouquinho assim de você — ele demonstrou com o dedo indicador e polegar. Não passava uma formiga no espaço entre seus dedos, mas já era uma grande coisa vindo de Taehyung.

— Puxa, obrigado — Jimin debochou. Tae fez uma careta, mas sabia que ele e Jimin estavam deixando as brigas de lado para pelo menos se suportarem, sem desejar atacar um ao outro quando estão próximos.

— Ei, só eu que achei isso muito errado? — Perguntei. — Jimin, não acredito que mudou as nossas notas, é injusto!

— Ah, Jungkook! — Taehyung quem se pronunciou, eu me virei para ele. — Não acredito que mesmo depois disso tudo, você ainda se preocupa com isso. Se não fosse pela gente, nem escola teria mais. O mínimo que podem fazer pela gente é nos aprovarem com A+ em todas as matérias.

Busquei por apoio ao olhar suplicante para Namjoon, pois sabia que ele também não concordaria com isso, mas ele estava ocupado demais sendo meloso com meu irmão.

Eu bufei.

Logo, todo mundo entrou em outro assunto.

— Ei, Jeongguk — Jimin me chamou. — Desculpa se te chateei. Não sabia que iria ficar zangado por causa das notas.

— Deveria ter perguntado primeiro — fui sincero. — Mas de qualquer forma, acho que vocês estão mesmo certos...

— Se quiser, posso mudar as notas outra vez.

— Não, tudo bem — um sorriso malévolo nasceu nos meus lábios.

Jimin me olhou com atenção, ainda se certificando de que eu não estava mentindo. Então, eu peguei sua mão e entrelacei nossos dedos.

~(🌺)~

Oieeee!!!

Como estão?

Antes de tudo, queria me desculpar pela demora (e bota demora nisso) para atualizar.

Eu realmente tinha desistido da fic, porque tinha chegado em um ponto que não sabia mais o que escrever ou que rumo tomar. Quando voltei a ler ela do começo, para ver se alguma luz surgia, foi como se todos os motivos que eu tinha para não continuar com ela fizessem ainda mais sentido. A começar pelo fato da minha escrita. Me perguntei como tinham pessoas que liam a fanfic, principalmente tendo em vista que os primeiros capítulos foram escritos por mim em 2018 ou 2019, nem me lembro direito.

Sei que amadureci e evolui alguma coisa de lá para cá, mas, quando olho para os primeiros capítulos, até mais de a metade dela, sinto arrepios e uma vontade imensa de me enfiar em um buraco e não sair de lá.

Mas, percebi que eu tinha mais um monte de histórias começadas e que não tinham um fim. Então, decidi dar mais uma chance a mim mesma e a fic e terminar ela.

Não faltam muitos capítulos, portanto, Aberração está na reta final.

Espero que ainda tenha sobrado leitores kkkrying :"""""""""""). E se você leu até aqui, obrigada por não ter desistido de mim e nem da fic. Eu queria te dar um beijo💋

Bem, é isso.

Espero que tenham gostado do capítulo.

Até a próxima (dessa vez é de vdd)🤲❤

Beijusss!!!













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