Capítulo Único

Eu sentiria algo se pudesse. As horas não colaboraram. Nunca de mim tiveram piedade. Chove forte, sem controle as gotas caem. Consigo pressentir os olhares, não são confortáveis, invadem meu corpo e perfuravam a alma.

— Estou com medo — disse a criança. — Não me lembro.

Às vezes eu também queria poder esquecer de tudo que me rodeia. Não querer saber de nada e voltar a crescer.

— O que fazem aqui? — perguntou-nos uma senhora. — Saiam do sol ou irão tostar como camarões.

Praia. Nunca fui em uma, sempre desejei. Como dizem, querer não é poder. Mas, mesmo assim, a ideia de se afogar com as ondas me parece intrigante. Sentir o calor do sol e o sabor do sal não é algo tão ruim.

Açúcar. Alguns dizem que mata.

— Pare de comer menina! Vai engordar demais, você não quer quebrar algo quando for à cama quer?

A fome jamais me assolou. Jamais faltará nutrientes em seu corpo, és forte minha nenenzinha. Não concordo.

— Discorde novamente e levarás uns tapas para que possa ter mais respeito.

Bata-me e te ferirás, converse e a cura encontrarás. Palavras são remédios para almas feridas da Guerra das Discussões. Argumentar não é e nunca foi errado, contudo, o abuso dessa prática, junto da ignorância, é mais potente do que espada de dois gumes.

— Cale-se! Não aguento mais ouvir-te. Agora mostrar-lhe-ei coisas divinas que ainda não sabes.

Não acredito no paraíso mainha. Prefiro o pôr-do-sol.

— Ora criança, desde quando perguntei sua opinião? Vasa-te daqui, e isto é uma ordem!

Não quero obedecer. A desobediência tem seus males, porém, a insistência me dá as respostas roubadas de minha caixa.

Pensa, pensa, pensa. Amassaram e trancaram minha caixa, agora ela se molda de acordo com as vontades. Não se preocupe, vou transformá-la ao seu favor. Mentira, mentira, mentira. Não sei o que é verdade, queimaram meu dicionário e lançaram a fornalha.

Blasfêmia! Serás punida agora! Chame-me de modo correto, insolente. Não quero sentir, quero voar, o ar me parece tão reconfortante…

— Leia agora, em voz alta.

Não sei papai. Desculpe-me se não posso, mas a culpa é sua por não deixar-me ir à escola. Estudar sempre pareceu impressionante, esplêndido. O aprender nos livra da burrice, entretanto, ela já tomou nossa casa. Ora pois diga-me então o que deseja, menina. Dormir, para que todas as minhas lágrimas se sequem nos travesseiros sujos de falsas esperanças, espere! Acho que mais uma se foi.

— Qual desta vez?

A esperança de me livrar da pressão que a sociedade cria para pessoas incapazes e insuficientes de si. Opa! Novamente, está vindo. Quando não se tem capacidade de escrever, o falar liberta na forma de sons. Sempre quis aprender a tocar, poema e música sempre me pareceram coisas interessantes, deixe-me tentar:

Lá, ré, mi, Sol
Preso em um anzol
Procurando a Esperança
Na luz branca de me Sol

— Qual é o título?

A menina que se perdeu em Si.

— Não gostei, troque.

Não, pelo menos uma vez na vida eu quero poder me libertar de ti, deixe-me. Não disseste que blasfemei contra tu? Ora então não me assole mais.

— Mas, quem sou eu?

Esta é a questão, também não sei quem sou. A única coisa que sei é que fui feita para me formar  de acordo com os desejos dos outros. Eu não sou eu, e tu não és tu. Somos a melhor versão que não sabemos quem é. E, agora, está é a única coisa que realmente sei.

589 palavras

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